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A evolução dos casos de violência doméstica durante a pandemia

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Academic year: 2021

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A evolução dos casos de violência doméstica

durante a pandemia

Shirlei Araujo de FREITAS1

Adriana Duarte de Souza Carvalho da SILVA2

Resumo: O presente artigo trata da forma como o isolamento social imposto

pela pandemia da doença Covid-19 tem afetado a vida de mulheres vítimas de agressões desferidas por seus companheiros. A violência doméstica é um assunto que vem sendo discutido há décadas, principalmente depois da Lei Maria da Penha ser sancionada, um marco histórico nessa luta. Porém, desde o início da quarentena, os casos têm tomado maior repercussão devido a inúmeros fatores que acabaram se agravando durante esse período. O isolamento é uma medida imprescindível para conter a propagação do COVID-19, que ainda não possui cura ou vacina, mas, infelizmente, algumas mulheres, apesar de estarem se protegendo da contaminação, estão mais vulneráveis dentro de suas próprias casas, sem poder fugir de seus agressores. Dessa forma, para elucidar os fatos, neste artigo serão apresentados dados estatísticos da evolução de casos de violência doméstica em todo o mundo, mantendo o foco principal no território nacional, uma vez que, apesar de ter uma das três melhores legislações de enfrentamento da violência doméstica no mundo, as medidas tomadas não surtem o efeito que deveria. Assim, é fácil constatar que as medidas adotadas durante esse período não estão conseguindo ser efetivadas completamente.

Palavras-chave: Covid-19. Violência. Mulher. Isolamento Social. Lei Maria da

Penha.

1 Shirlei Araujo de Freitas. Bacharelanda em Direito pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail:

shirleiafreitas@icloud.com.

2 Adriana Duarte de Souza Carvalho da Silva. Pós-Doutora em Ciências Humanas pela Universidade

Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Doutora em Ciências Políticas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestra em Sociologia pela Universidade Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Especialista em Gestão de Recursos Humanos pelo Claretiano – Centro Universitário. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Professora do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: adrianacarvalho@claretiano.edu.br.

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The evolution of cases of domestic violence

during the pandemic

Shirlei Araujo de FREITAS Adriana Duarte de Souza Carvalho da SILVA

Abstract: This article deals with how the social isolation imposed by the Covid-19

disease pandemic has affected the lives of women victims of aggressions by their partners. Domestic violence is an issue that has been discussed for decades, especially after the Maria da Penha’s Law was sanctioned, a historic milestone in this struggle. However, since the beginning of the quarantine, the cases have had greater repercussion due to numerous factors that ended up getting worse during this period. Isolation is an essential measure to contain the spread of the COVID-19 that still has no cure or vaccine, but unfortunately for some women, despite being protected from contamination, they are more vulnerable inside their own homes, without being able to flee themselves from their aggressors. Thus, in order to elucidate the facts, this article will present statistical data on the evolution of cases of domestic violence worldwide, keeping the main focus on the national territory, since despite having one of the three best laws to deal with domestic violence in the world, the measures taken do not have the effect they should. Thus, it is easy to see that the measures adopted during this period are not being fully implemented.

Keywords: Covid-19. Violence. Women. Social Isolation. Maria da Penha’s

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1. INTRODUÇÃO

O dia 07 de agosto de 2006 ficou marcado na história daqueles que lutam a favor dos direitos das mulheres e contra a violência doméstica. Foi neste dia que a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada, sendo um grande avanço no ordenamento brasileiro, tendo em vista que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, iniciando uma garantia de proteção a essa parcela da população. A lei apresenta as formas de como as mulheres devem ser tratadas para não serem vítimas de novas agressões ou, em casos mais extremos, que sejam mortas.

O art. 5º da lei supracitada dispõe que a violência doméstica e familiar contra a mulher é configurada a partir de qualquer ação ou até mesmo omissão que tenha sido baseada no gênero, causando morte, algum tipo de lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de dano moral ou patrimonial.

A violência doméstica é um fenômeno que não distingue orientação sexual, classe social, etnia, raça, religião, idade e grau de escolaridade, podendo ocorrer em domicílios de famílias que possuem baixa renda e em famílias milionárias. Contudo, a vulnerabilidade de renda tende a diminuir opções protetivas para as mulheres e as torna financeiramente mais dependentes de seus parceiros.

A Lei Maria da Penha é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações no mundo que trata sobre o enfrentamento à violência contra a mulher. Além disso, juristas entendem que é uma medida de combate a desigualdades sociais.

É necessário saber que tal lei leva o nome de uma das vítimas de violência doméstica, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que, em 1983, recebeu de seu marido um tiro nas costas enquanto dormia. Devido às diversas tentativas de assassinato, ficou paraplégica. Ele foi julgado e condenado duas vezes, porém a defesa sempre entrava com recursos, impedindo sua prisão. Indignada com a situação, em 2002, Maria da Penha decidiu relatar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A partir desse momento, o

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Brasil foi obrigado a criar uma legislação mais rigorosa para coibir atos como esse. Somente depois disso, o agressor foi preso. Se ela não tivesse lutado por seus direitos, talvez não existisse a lei que tanto auxilia aquelas que sofrem sem saber para quem recorrer.

São muitas as notícias que, como manchete, apresentam uma mulher que foi agredida ou assassinada por seu companheiro ou ex-companheiro, mas, infelizmente, na maioria das vezes, esses casos somente ganham notoriedade quando já atingiram um grau extremo, pois essas mulheres já vinham sofrendo diversos tipos de violência há um bom tempo (em alguns casos, há anos).

Apesar de haver normas jurídicas que punem a violência doméstica, infelizmente ela é facilmente encontrada dentro de diversos lares, uma vez que muitas vítimas se sentem acuadas e receosas em denunciar seus agressores, levando em conta que os agressores, na maioria dos casos, são homens autoritários, que se irritam facilmente e fazem uso de bebidas alcóolicas e outras drogas.

O site do Instituto Maria da Penha (2020) explica que a violência de gênero segue um ciclo que se repete constantemente, consistindo em: aumento de tensão, ato de violência e lua de mel. São nessas três fases que a mulher sofre os mais variados tipos de violência, podendo ser praticados isoladamente ou não.

Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019), a cada dois minutos, uma mulher registra denúncia de violência doméstica no Brasil. Em 2018, foram totalizados 263.067 casos de lesão corporal dolosa.

O Anuário (2019) também apresentou que os índices de violência sexual são bastante acentuados, sendo que a maioria dos casos ocorre no ambiente doméstico. Foi registrado que 75,9% das vítimas possuem algum vínculo com o agressor. Em 2018, foram contabilizados cerca de 180 casos diários de estupros, sendo que 81,8% foram praticados contra mulheres ou meninas. O número se torna mais alarmante quando é citado que, por hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas no Brasil.

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De acordo com dados de 2013 apresentados pela Organização Mundial da Saúde (2020), em um ranking de 83 países que possuem maior taxa de assassinatos de mulheres, o Brasil já ocupava o 5º lugar. Não obstante, nesse mesmo ano, uma pesquisa realizada pelo Senado (2017) exibiu que uma em cada cinco mulheres alegou que já foi vítima de violência doméstica e familiar e que o agressor era um homem.

Dessa forma, atualmente, a posição do Brasil nas estatísticas mundiais de violência doméstica e feminicídio alerta para o fato de que a taxa de feminicídios anual é de 4 mortes para cada 100 mil mulheres no âmbito nacional. Considerando que no mundo a taxa é de 2,3 mortes para cada 100 mil mulheres, a taxa brasileira é 74% maior que a média mundial. Sem contar que, no Brasil, a cada 3 vítimas de feminicídio, 2 foram assassinadas dentro de casa.

2. METODOLOGIA

A metodologia utilizada no presente artigo foi a pesquisa explicativa, visando analisar o contexto atual que as mulheres vítimas de violência doméstica estão vivenciando, em plena quarentena causada pela pandemia da Covid-19. A finalidade é apresentar dados estatísticos dos números de casos que estão aumentando e explicar o que essas mulheres sofreram e estão sofrendo dentro de seus lares, que deveriam ser o lugar mais seguro.

O estudo deste artigo será fundamentado a partir de disposições da Lei Maria da Penha, além de dados apresentados pelo Ministério Público de São Paulo (2017), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020) e pela Organização Mundial da Saúde (2020), dentre outros órgãos que não estão medindo esforços no combate tanto ao novo vírus quanto à violência doméstica.

O método escolhido permite estudar as melhores medidas que estão sendo tomadas no atual período, possibilitando um maior entendimento dos problemas apresentados, trazendo soluções que podem não ser totalmente efetivas, mas que traçam um caminho para dias melhores.

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3. ALGUNS DADOS

Devido à pandemia do novo coronavírus, o isolamento social foi uma espécie de solução para conter a propagação do vírus, visando conter o avanço do número de infectados e mortos pela doença, devido às limitações do sistema de saúde brasileiro. Assim, de uma forma forçada, a convivência entre os familiares se intensificou. As tensões que eram corriqueiras passaram a ser habituais devido às incertezas e apreensões que a pandemia causou no mundo, além de agravar o desemprego e a vulnerabilidade social. Sabendo, por exemplo, que o álcool é uma “válvula de escape” neste período crítico, a Organização Mundial da Saúde (2020) orientou os governos e empresas a diminuírem a venda de bebidas alcóolicas enquanto perdurar a quarentena, seja por enfraquecer o sistema imunológico e tornar seus usuários mais propensos a contrair o novo vírus, seja por estimular comportamentos agressivos.

Frise-se que, mesmo com a medida adotada pela OMS, as bebidas alcóolicas continuam sendo vendidas em mercados físicos e virtuais, sendo consumidas não mais em bares e restaurantes, mas sim dentro das casas, o ambiente mais propício para o desencadeamento de comportamentos agressivos.

Durante o atual período, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (BRASIL, 2020) divulgou que as denúncias de violência doméstica aumentaram em torno de 14% até o mês de abril deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Sobre esse número, uma parte está relacionada à violência contra mulher. Ademais, ainda segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (BRASIL, 2020), no Brasil houve uma alta de cerca de 9% nas denúncias realizadas no Disque 180. Já a Justiça Estadual do Rio de Janeiro divulgou que, desde o início do isolamento social, foi registrado um aumento de 50% nos casos de violência doméstica.

Dados apresentados pela Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco (2020) mostram que entre março e abril deste ano, período em que se iniciou a quarentena, foram registrados 5.664 crimes contra mulheres ocorridos dentro de casa. Apesar de

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ser alto o índice, a Secretaria relata que houve queda de 22,35% se comparado com o mesmo período do ano passado. Isso ocorre porque as vítimas têm medo de sair de casa para ir à delegacia denunciar, por conta da pandemia, sem contar que, por estarem 24 horas com seus agressores, se sentem mais intimidadas em denunciar. Ou seja, o número de casos aumentou, mas a quantidade de notificações diminuiu devido aos obstáculos que já existiam antes da pandemia e que agora estão mais difíceis de serem ultrapassados, dificultando, assim, a formalização das denúncias. Tal fato é constatado na queda de registros criminais.

Além disso, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020) explica que as vítimas podem sentir medo de denunciar seus agressores por conta da convivência diária e ininterrupta. Partindo desse princípio, o documento “Covid-19 na América Latina e no Caribe: como incorporar mulheres e igualdade de gênero na gestão da resposta à crise”, da ONU (2020), revela que a maior convivência no mesmo ambiente contribui para a violência doméstica.

O Ministério Público de São Paulo (2017) apresentou alguns dados da pesquisa Raio-X do Feminicídio em São Paulo, realizada durante o período de março de 2016 a março de 2017, revelando que 66% dos feminicídios consumados ou tentados foram praticados dentro do lar da vítima.

Tal crescimento não ocorre somente no Brasil. Na China, por exemplo, as denúncias de violência doméstica aumentaram três vezes durante a pandemia. Já na França, o número de queixas subiu 32,6%.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020), os vizinhos das vítimas estão percebendo o aumento da violência e testemunhado nas redes sociais. No Twitter, por exemplo, as postagens sobre brigas entre vizinhos totalizaram 52.513 entre fevereiro e abril de 2020, das quais 5.583 menções indicavam ocorrência de violência doméstica.

Porém, as dificuldades só aumentam, pois o Conselho Nacional de Justiça (2020) recomenda evitar prisões preventivas durante este período crítico. Não obstante, as audiências judiciais não vêm sendo feitas, impossibilitando eventuais prisões. Para

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tentar amenizar isso, a Justiça tem se preparado para realizar audiências online.

O Ministério Público de São Paulo (2020) explica que a insegurança e a pressão do isolamento acentuam a violência doméstica preexistente, se tornando um gatilho para os comportamentos violentos.

A Organização das Nações Unidas (2020) afirmou, no começo de abril, que, junto com a pandemia, houve um crescimento de casos de violência doméstica em nível global. Assim, solicitou que os governos adicionem medidas contra a violência doméstica e de proteção às mulheres em seus planos de combate à Covid-19, fundamentando que “Para muitas mulheres e meninas, a maior ameaça está precisamente naquele que deveria ser o mais seguro dos lugares: as suas próprias casas”.

4. DISCUSSÃO

Embora a Lei Maria da Penha, em seu art. 3º, §1º, disponha que cabe ao poder público desenvolver políticas que visem à garantia dos direitos humanos das mulheres nas relações domésticas e familiares para resguardá-las de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, no período atual, se torna mais difícil efetivar tal dispositivo, levando em conta que a vítima não tem outra escolha senão permanecer confinada em casa com seu agressor. Sabendo disso, institutos, redes de farmácias, promotores e até mesmo o poder público têm se mobilizado para criar medidas que coíbam a prática de agressões domésticas.

Com o intuito de melhorar o acesso dessas vítimas aos serviços prestados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram lançados o aplicativo Direitos Humanos Brasil e um portal exclusivo, ampliando o alcance dos serviços Disque 100 e Ligue 180. Tal iniciativa se deu pelo fato de que a pessoa agredida não consegue pedir ajuda reservadamente através de ligação. O aplicativo foi um grande avanço, no sentido de que vítimas com deficiência auditiva não possuíam um meio seguro de

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denunciar. Além disso, o Ligue 180 está disponível 24 horas todos os dias, sendo possível não somente denunciar, mas também solicitar orientação jurídica e encaminhamento às redes de enfrentamento à violência e de apoio à mulher.

De acordo com Barbiéri (2020), do portal G1, em 28 de abril de 2020, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, assinou, juntamente com Augusto Aras, Procurador-Geral da República e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), um acordo de cooperação técnica que determina que as denúncias durante a pandemia devam ser efetuadas diretamente à Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do CNMP.

Segundo Cristaldo (2020), do portal Agência Brasil, em 10 de junho de 2020, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei estabelecendo certas medidas de combate à violência doméstica durante a pandemia, porém o texto aguarda a sanção presidencial. De acordo com o texto aprovado, os órgãos de atendimento às vítimas de violência doméstica passam a ser considerados serviços essenciais. Nessa mesma reportagem, foi entrevistada a deputada Flávia Moraes (CRISTALDO, 2020, [n.p.]), que afirmou:

Em tempos de crises sanitárias e humanitárias, os conflitos sociais são potencializados, expondo ainda mais a população mais vulnerável a se transformarem em vítimas de violência, principalmente de natureza doméstica e familiar. Nesse cenário, mostra-se fundamental que serviços de atendimento às mulheres previstos na Lei Maria da Penha não sejam descontinuados e que toda a sociedade possa ser alertada, através de campanha pelos meios de comunicação sobre os canais de denúncia da violência contra a mulher.

Ademais, todas as denúncias que forem recebidas pelo Disque 100 e Ligue 180 deverão ser repassadas aos órgãos competentes no prazo máximo de 48 horas.

Considerando que o atendimento presencial não pode ocorrer devido à propagação do novo coronavírus, o texto dispõe sobre um rol taxativo de crimes que devem ter atendimento prioritário.

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É importante ressaltar também que existem abrigos destinados a vítimas de violência doméstica que estão abrigando aquelas que necessitam de um refúgio. É o caso do abrigo Help Centro de Desenvolvimento Social e Capacitação Humana, localizado na Baixada Santista, que recebeu o triplo de pedidos de ajuda no período pandêmico. As vítimas encontram o abrigo através das delegacias e por indicação de vizinhos que conhecem o serviço prestado.

Existe também o Mapa de Acolhimento, uma plataforma que mapeia de forma colaborativa serviços públicos de apoio que estejam próximos das mulheres vítimas de violência. A coordenadora da plataforma explica que eles auxiliam a vítima a criar códigos para solicitar ajuda pelo celular, além de prever uma rota de fuga nos casos mais extremos.

Visando facilitar o registro de boletins de ocorrência, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020) recomenda aos governos a adaptação no serviço, assim como São Paulo fez, permitindo que a vítima preste queixa apenas preenchendo um formulário na aba “Outras ocorrências” via Delegacia Eletrônica. Porém, as denúncias virtuais só podem ser realizadas se não necessitarem de colhimento imediato de provas, ou seja, se não for exigido exame de corpo de delito.

O Conselho Nacional de Justiça (2020) afirma que está sendo realizada uma campanha para alertar as mulheres de que, mesmo durante a pandemia, o Judiciário continua trabalhando, fazendo com que as medidas protetivas de urgência continuem sendo concedidas e prorrogadas.

Além disso, segundo Bianquini (2020), o Tribunal de Justiça de São Paulo, objetivando a celeridade no atendimento desses casos, permitiu a outorga de medidas protetivas em caráter de urgência, sem exigir a apresentação de boletim de ocorrência por parte da vítima, além de autorizar que ela seja intimada via WhatsApp caso a medida seja deferida.

Ferraz (2020) explica que a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançaram uma campanha denominada de “Sinal Vermelho contra

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a Violência Doméstica”, que consiste em desenhar um “X” na mão e exibi-lo a algum funcionário da farmácia caso precise de ajuda por sofrer agressões domésticas, assim podendo receber auxílio e possibilitando que as autoridades sejam acionadas. Após a denúncia, os funcionários não serão chamados para testemunhar, uma vez que não presenciaram a agressão, apenas auxiliaram a vítima, contribuindo para a denúncia da ocorrência. De acordo com o portal Gazeta de Piracicaba (2020), a Rede Drogal, que possui 180 unidades distribuídas em cidades do interior do Estado de São Paulo, ofereceu treinamento a 3 mil funcionários para que pudessem aprender as orientações técnicas, os protocolos e como receber a vítima com segurança e discrição. O portal apresenta, ainda, uma entrevista realizada com Marcelo Cançado, diretor administrativo da Rede Drogal, em que ele afirma que a campanha é uma ótima iniciativa para o atual momento, pois, como relatou, é necessário unir esforços para enfrentar essa questão. Por ser uma campanha nacional, o estado de Pernambuco resolveu adotá-la, recebendo o apoio do Tribunal de Justiça de Pernambuco e da Defensoria Pública.

Levando em conta que a maioria das pessoas estão trabalhando em home office e necessitam realizar videoconferências para conversarem sobre o trabalho a ser desenvolvido, o Instituto Maria da Penha (2020), com apoio das agências de publicidade F.biz e Vetor Zero, criaram uma campanha intitulada “Call”, mostrando a história de Carla, uma personagem fictícia que sofreu agressões de seu companheiro. A história mostra um encontro matinal que é interrompido após Carla aparecer muito maquiada, algo atípico em sua rotina. Ao perceber que algo estava errado com ela, Mariana, outra funcionária da equipe, se mostra preocupada e resolve mandar uma mensagem privada. É então que Carla relata que foi agredida por seu companheiro. Sabendo disso, Mariana resolve chamar a polícia para salvar Carla. Alguns minutos se passam e a reunião é novamente interrompida pelo toque do interfone de Carla. Ela se levanta e vai atendê-lo. Em seguida, avisa seu companheiro que chegou uma encomenda para ele e solicita que ele desça para buscar. No momento em que ele sai da casa, Carla tranca a porta e desaba em choro. A polícia chegou. O texto da iniciativa ressalta

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para aqueles que não se encontram em situação de risco ficar atentos aos sinais para conseguirem resgatar pessoas próximas de relacionamentos abusivos.

Dessa forma, os vizinhos e colegas de trabalho também têm papéis importantes nessa luta. Aproveitando que todos estão em casa, sempre que ouvirem algum barulho suspeito, discussões, mudanças súbitas de comportamento, acontecimentos fora do comum (como foi o caso do exemplo da Campanha “Call”), o ideal é acionar a Polícia Militar através do 190 ou o Disque 180, até porque, para incentivar alguém a falar sobre o que está sofrendo, é necessário observar o outro.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem diversas soluções que foram e estão sendo criadas a fim de auxiliar as vítimas, porém entende-se que, em um período tão crítico como o atual, é necessário que o poder público adote políticas públicas eficazes o mais rápido possível. Além disso, tal assunto deve ser tratado com mais seriedade, principalmente no tocante ao aumento de verbas destinadas aos serviços de proteção à violência e acolhimento dessas vítimas, levando em conta que, em 2019, o orçamento reservado ao programa de proteção à mulher foi o menor desde 2012, ano de sua criação. Frise-se que o Disque 180, o qual tem sido mais buscado no período de quarentena, sequer teve destinação de recursos no último ano.

Quanto às plataformas digitais, é necessário salientar que várias são instáveis, pois muitas vezes apresentam erros ao se iniciar o cadastro, ou ainda, a internet do informante não funciona muito bem, sendo necessário recorrer a alguns vizinhos, o que se tornou mais difícil devido à quarentena. O mesmo acontece ao tentar fazer o registro de boletins de ocorrência eletrônicos, que solicitam dados que a pessoa desconhece ou até mesmo não possui. Isso ocorre por conta da falta de informação quanto à utilização de meios eletrônicos que, muitas vezes, apesar de possuírem interfaces intuitivas, a pessoa não consegue acessar por falta de habitualidade com os meios tecnológicos, sendo necessário apelar para as antigas

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medidas, sejam elas presenciais (que no momento se tornam inviáveis) ou por uma ligação.

Dessa forma, é necessário garantir a proteção dessa grande parcela vulnerável da população brasileira, uma vez que é de extrema importância que as vítimas tenham meios para se libertar das rédeas de seus agressores antes que seja tarde demais, pois, como foi visto, os casos acontecem num piscar de olhos. Ou seja, somente protegê-las do ambiente externo por conta da nova doença não basta se for para ter que conviver 24 horas com alguém que, ao invés de cuidar, maltrata. É como diz o velho ditado, essas vítimas “estão em um mato sem cachorro”, não têm segurança nem mesmo em seus lares, que deveria ser seu refúgio e acabou se tornando seu cárcere privado. Não é justo que o isolamento social proteja a pessoa do novo coronavírus, mas a deixe nas mãos de seu algoz. Até porque a prioridade é salvar vidas (ou deveria ser).

É preciso entender que não basta simplesmente proteger as vítimas e punir seus agressores, é necessário mudar a estrutura social em que vivemos, tendo em vista que a violência doméstica ocorre com frequência. O ideal é implementar uma sequência de ações visando ao enfrentamento à violência de gênero, inserindo-as ninserindo-as pautinserindo-as escolares de forma multidisciplinar, apresentando discussões dentro das salas de aulas, que é um dos ambientes que formam as crianças. Além disso, faz-se necessário promover maiores pesquisas a respeito do assunto, gerando estatísticas e campanhas educativas a fim de conscientizar a sociedade em geral.

REFERÊNCIAS

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