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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

A construção social do corpo das atenienses enquanto veículo de comunicação e as relações de gênero na “pólis”.

Maria Angélica Rodrigues de Souza (ISE Pádua/FAETEC) Palavras-chave: corpo; atenienses ; gênero

ST 70 - Corpo, violência e poder na antiguidade e no medievo em perspectiva interdisciplinar Trataremos, neste espaço, das roupas e dos adereços como veículos de comunicação das atenienses na Antiguidade Clássica. Por intermédio do estudo do vestuário feminino ateniense e dos adereços podemos vislumbrar a produção feminina atuando na sociedade ateniense, pois as mulheres não confeccionavam apenas as suas roupas, mas as roupas de outros agentes sociais da pólis.

Lançamos mão em nosso estudo sobre as vestimentas femininas enquanto canais de comunicação das comédias e tragédias. Na comédia, As mulheres que celebram as Thesmophórias, os planos da personagem Eurípides consistiam em vestir uma personagem de mulher para participar no festival. No que se refere às roupas o autor lança mão de várias peças femininas para compor a personagem do Parente. Tais roupas são conseguidas por intermédio de empréstimo com o poeta, “Ágaton, já que não estás disposto a prestares tu próprio a esse papel, ao menos empresta-nos um manto e um corpete, para este tipo vestir. Não me vais dizer que não tens” (ARISTÓFANES. As mulheres que celebram as Thesmophórias. vv. 249-251).

São utilizadas várias peças do vestuário feminino ateniense como manto cor de açafrão: que era uma túnica usada pelas mulheres e, naturalmente pelos homens efeminados. Ele finaliza a constituição da seguinte maneira: “Cá temos o nosso homem com ar de mulher. Se falares, dá à voz um tom bem feminino, que convença” (ARISTÓFANES. As mulheres que celebram as Thesmophórias. vv. 266-268). Dessa forma, a comédia, nos permite analisar o corpo e as roupas enquanto veículos de comunicação na sociedade ateniense, pois quando escolhemos uma roupa são discursos que estão se materializando. Acreditamos que tais obras não objetivavam apenas levar ao riso, mas também anunciar uma mensagem aos espectadores.

Este enunciado vai além das roupas. As mulheres lançam mão, atualmente, dos cosméticos, das tinturas e cirurgias plásticas para tal fim. Gilberto Freyre levanta a possibilidade de não se marcar a vestimenta por idade. Temos a questão da juventude (FREYRE, 1997, 27). Na Antiguidade Clássica as mulheres lançavam mão dos cosméticos. A presença das pýxides era uma constante e foram registradas por intermédio dos pintores e dos pensadores.

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Quanto ao corpo e as roupas José Luiz Dutra enfatiza que desde pequenos meninos e meninas vão sendo diferenciados pelo artifício das roupas e que também vão sendo educados sobre a maneira apropriada de como cada sexo deve se vestir (DUTRA, 2002, 362). Em Atenas, no período estudado, as roupas utilizadas pelos homens e pelas mulheres eram diferentes em alguns modelos, mas existiam modelos comuns para ambos. Homens e mulheres podiam usar chitón e himátion, demonstrando permeabilidade e interação entre os gêneros. Mas a vestimenta denominada péplos era utilizada pelas mulheres. Segundo Lipovetsky “(...) na Grécia o péplo, traje feminino de cima, impôs-se das origens até a metade do século VI antes de nossa era” (LIPOVETSKY, 2002, 28 – o grifo é do autor). Logo, o que pretendemos, assim como sugere Michelle Perrot, é dar visibilidade às mulheres, no nosso caso em especial, no interior da sociedade políade (PERROT, 2007, pp. 13-17).

Nesta perspectiva, o trato diário possibilitava às esposas atenienses uma maior mobilidade social, visto que, de acordo com o modelo ideal, não estaria reservado às esposas abastadas um desempenho em grandes proporções no âmbito público; o único espaço que por muito tempo despertou o interesse dos historiadores, o que explica a ausência até décadas atrás das mulheres da história (PERROT, 2007, p. 13).

Analisaremos a integração das esposas na pólis a partir do conceito teórico de gênero que insiste nas relações entre os sexos e integra a masculinidade (PERROT, 2007, p. 16) e que repousa, segundo Joan Scott, numa conexão entre duas proposições, a saber:

1ª. “o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”;

2ª. “o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p.86; SCOTT, 1994, p. 20).

Verificamos através da documentação textual que as peças de roupa que os homens e mulheres atenienses possuíam também não eram muitas. Além da limitação dos modelos temos a de quantidade. Na comédia Assembléia de Mulheres, o personagem, Homem, apresenta a pobreza de grande maioria dos cidadãos atenienses, pois sua esposa sai escondida, com suas roupas e sandálias, quando este levanta não encontra a roupa nem as sandálias para usar. “Pois também aquela com a qual vivo levou o manto que costumo usar. E não é isso somente, também levou as sandálias; não pude ir a nenhum lugar” (ARISTÓFANES. Assembléia de Mulheres. vv. 342-345).

Inserida nesta temática do vestuário, Maria do Carmo Teixeira Rainho, defende que a moda não permanece limitada ao vestuário, mas a cultura das aparências, pois esta envolve além das roupas, os acessórios, as jóias, os calçados, os penteados, os cosméticos e outros (RAINHO, 2002, 12-13). Entendemos que na sociedade ateniense estes itens serviam para a demonstração de poder, de status symbol, de diferenciação de uma camada para outra na sociedade políade.

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A importância dos acessórios, jóias, etc, é sinalizada por Roland Barthes ao afirmar que o detalhe envolve dois temas constantes e complementares: a singeleza e a criatividade. “Um pequeno nada que muda tudo; esses pequenos nadas que farão tudo; um detalhe que vai mudar a aparência, os detalhes garantia de sua personalidade, etc” (BARTHES, 1979, 230). O especialista também destaca que o detalhe consagra uma democracia de ornamentos, mas respeitando uma aristocracia dos gostos. Os ornamentos estavam nas roupas das mulheres atenienses. Estes detalhes nas roupas eram produzidos por elas e foram entendidos e reproduzidos pelos pintores e escritores, não só nas próprias vestimentas como no acabamento dos próprios vasos.

Na tragédia Medéia Eurípides priorizou dois adereços: véu e diadema. Em vários versos da tragédia observamos que tais objetos foram usados para estabelecer comunicação e vingança diante dos acontecimentos. Medéia utiliza de suas práticas para punir a noiva, o pai da noiva e principalmente seu esposo. Os adereços se destinam para uma princesa, portanto, denotam seu valor, não é um véu qualquer e sim um véu dos mais finos fios e um diadema de ouro. Os objetos denotam prestígio, status social, demarcam uma posição dentro da sociedade grega. O nada que se torna tudo, um detalhe que faz a diferença.

Na tragédia Hipólito Eurípides lança mão do véu. Fedra não consegue levantar a cabeça, encontra-se com dificuldades, está debilitada, sofre e a forma que o tragediógrafo demonstra o quanto ela está fraca é justamente através do véu, pois este está pesando em sua cabeça. As roupas também foram destacadas por Eurípides nesta tragédia “Por sua vez, aquele que recebe em casa essa raça fatal, esmera-se em cobrir com adornos belos o ídolo indesejável, mas para ornamentá-la com lindos vestidos, aos poucos o infeliz vê os seus bens sumirem” (EURIPIDES. Hipólito. vv. 669-673).

Quanto as jóias e os cosméticos, temos na documentação imagética a pyxís que era uma caixinha utilizada para guardar jóias, cosméticos e pó. Nas cenas, principalmente de interior, detectamos a presença de artefatos que, de acordo com o discurso ideológico dos atenienses, não deveriam estar presentes nas imagens, pois estas almejavam reafirmar o modelo de esposa ideal. O espelho, nos remete à vaidade e à sedução, os frascos de perfumes, alabastra, fazem referências ao uso de perfumes. As pyxídes e as jóias (brincos, pulseiras, colares e tiaras) representam uma preocupação com a estética e com a sedução, ocorrendo um distanciamento do modelo de passividade. As jóias podem representar o prestígio social de seus esposos, ostentação de poder e uma forma das mulheres se comunicarem.

Temos referências na documentação textual, como por exemplo, no Oikonomikós de Xenofonte que trata do uso de cosméticos por parte da esposa e a repreensão do marido a tal uso. As transgressões não eram permitidas, elas são diminuídas constantemente no decorrer desta obra, tanto que através de uma atitude da esposa de Iscômaco, o autor desqualifica o rompimento ao

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modelo. Esperava-se que ela fosse singela e arranjada. Verificamos esta transgressão da esposa, quando Iscômaco a encontra maquiada e com calçado alto “_ Um dia, Sócrates, vi-a toda coberta de alvaiade, afim de parecer mais branca do que era, e carmim para se corar; tinha calçado alto, afim de acrescentar a estatura” (XENOFONTE. Oikonomikós. X, 2). Ao atenuar as margens do modelo o autor procura reafirmar o mesmo através da resposta de sua esposa a este distanciamento, “_Que outra coisa podia ela fazer senão deixar-se para sempre de tais modos e mostrar-se-me singela e decentemente arranjada” (XENOFONTE. Oikonomikós. X, 9). Acreditamos que o autor se utiliza deste recurso para restabelecer o modelo que não estava sendo priorizado pelas esposas abastadas, ou seja, que havia se diluído nessa sociedade. Assim ele lança mão do rompimento para reiterar o convencional. Diante deste quadro que envolve prestígio social e poder vamos refletir sobre as idéias de alguns pesquisadores quanto ao início da moda e sobre as vestimentas.

As vestimentas além de envolverem o campo ornamental, também compreendiam a comunicação, assim defendemos. Processos comunicacionais que os cidadãos atenienses tentaram silenciar. Já que eles almejaram anular as esposas que viveram na pólis, porém sustentamos que este objetivo não foi totalmente alcançado. As atenienses se apropriaram e desenvolveram outras formas de comunicação rompendo o esquematismo social, se manifestando na pólis. O teatro grego e as produções dos pintores foram os principais divulgadores destas formas de comunicação.

Na tragédia de Sófocles, Eléctra, alguns versos apresentam referências quanto à questão das roupas denotando a posição social e o status. Neste momento suas roupas e seus adereços não são de uma pessoa pertencente a um grupo social abastado. Eléctra, uma das personagens da peça oferece para que seja colocado no túmulo de seu pai seus cabelos maltratados como súplica e seu cinto que nada tem de luxuoso (SÓFOCLES. Eléctra. vv. 446-447). As referências sobre as roupas de Electra são relevantes “(...) sou tratada de escrava no palácio, uso esta vestimenta inconveniente e tenho que assediar mesas que nada têm para mim (...) Depois, imaginai que dias passo quando vejo Egisto sentado no trono de meu pai, usando as mesmas vestimentas que ele (...)” (SÓFOCLES. Eléctra. vv. 192-193).

Nas comédias há referências quanto às cores das roupas. Em Lisístrata, as roupas e os adereços são utilizados pelas esposas como táticas para seduzir seus maridos e persuadí-los para que desistam da guerra. Encontramos então referências quanto às vestimentas das mulheres e a tentativa de lançar mão delas para conseguir êxito na comunicação com os maridos. Em outros versos temos além da ratificação do uso das roupas e dos adereços para persuadir os homens. Há destaque para tapetes bordados, mantos de lã, túnicas finas e jóias de ouro que estão presentes não só na comédia, mas nas tragédias já mencionadas.

Concebemos que os adereços eram utilizados pelas mulheres atenienses para denotar status social e prestígio. Tais adereços encontrados na imagética ática, representados nos vasos da

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cerâmica desta sociedade tinham ampla circulação não só em Atenas, mas em outras localidades influenciando o cotidiano. As vestimentas e os adereços usados pelos atenienses eram enunciadores de seu poder aquisitivo, quando usavam determinadas roupas e adereços almejavam anunciar uma mensagem e as mulheres tinham o controle dessa produção que os pintores e escritores reproduziram e que chegaram até os nossos dias.

Bibliografia

Documentação textual

ARISTOPHANES. The Lysistrata, The Thesmophoriazusae, The Ecclesiazusae. Trad. B. Bickley Rogers. London: Harvard University Press, 1996, vol. III (edição bilíngüe).

EURIPIDES. Hippolyte, Hécube. Trad. L. Méridier. Paris: Les Belles Lettres, 1927 (edição bilíngüe).

EURÍPIDES. Medéia. Trad. J.Torrano. São Paulo: Hucitec, 1991.

SOFOCLES. Electra. Tradução por Maria da Eucaristia Daiellou. Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 1975.

XENOPHON. Oeconomicus. Trad. O. J. Todd. London: Havard University Press, 1992. Bibliografia Instrumental e Específica

BARTHES, Roland. “O sistema retórico”. In: Sistema de Moda. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1979. Prólogo e capítulo.

CARDOSO, C. F. Narrativa, Sentido, História. Campinas: Papirus, 1997.

DUTRA, José Luís. “Onde você comprou esta roupa tem para homem? A construção de masculinidade nos mercados alternativos de moda”. In: GOLDENBERG, Mirian (org.). Nu e vestido. Dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002. FREIRE, Gilberto. Modos de homem e modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1997. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade da moda. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

SCOTT, J. História das Mulheres. In: BURKE, P. (org.). A Escrita da História. São Paulo: EDUSP, 1992.

________. Prefácio a Gender and Politics of History. In: Cadernos Pagu: desacordos, desamores e diferenças. Campinas: PAGU/UNICAMP, 1994, v. 3.

________. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação & Realidade, v. 20, nº. 2, 1995.

Referências

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