ü E P A R T A M E N T O DE P A T O L O G IA E C L ÍN IC A S C IR Ú R G IC A E O B S T É T R IC A
D ire to r: P ro f. E rn esto A n to n io M a tera
H ISTERO CELE IN G U IN A L DA CADELA
(IN G U IN A L H Y S T E R O C E L E IN T H E B I T C H )
E. A M &tera
A V S to p ig lia .5. S M arcon d es Veic:a
A ss isten te A ss isten te
A espécie canina é indubitàveimentte a que maior tributo paga à incidência de hérnias, ssndo mesmo a ocorrência das de localização inguinal quase apanágio das cadelas.
É interessante frisar que essa paratopia é raríssima na gata, duvidosa na porca e na égua e ainda não descrita na vaca e ovelha, conforme acentua R O BE R TS ( 1956), em sua obra de Obstetrícia, e confirmada pelas nessas observações.
A relativa frequência de hérnia inguinal na cadela encontra amparo na étio-patogenia d.o processo, na qual fatores de ordem anatômica são responsabilizados pela sua formação.
De acôrdo com a revisão sôbre o assunto (M A T E R A e STO P IG L IA - 1950), verificamos que, na realidade, há disposição ana tômica peculiar às cadelas e caracterizada pela existência de canal inguinal rudimentar em cujo anel interno, ao nível da borda an terior cio pubis, vem se fixar uma duplicatura serosa que repre senta o ligamento redondo do útero- Acresce referir à existência de fibras musculares estriadas na porção terminal do ligamento redondo, próximo ao orifício inguinal, semelhante ao músculo cremáster dos machos ( LESBRE . 1923; Z IM M E R L - 1930; e SISSON - 1933), que facilitaria a ectopia parcial ou total do útero no saco herniário ( S T R A U N A R D - 1936).
Aliada às causas anatômicas existe a predisposição heredi tária de certas raças, a justificar, portanto, a alta incidência da hernia inguinal, particularmente, da histerocele na cadela.
A presença de outros orgãos no conteúdo herniário, condicio nada à maior dilatação do anel, tem sido motivo para diversos re latos clínicos, conforme revisão bibliográfica que apresentamos na publicação referida anteriormente.
Entretanto, desejamos nesta nova oportunidade relatar os casos de histerocele inguinal, que tivemos ensejo de observar de 1952 até o presente, e nos quais o útero apresentava-se com modi íicações produzidas por processos de natureza diversa.
C A S U ÍS T IC A
458 Rev. Fac. M ed. Vet. S. P a u lo V ol G, fase 4, 1960/62
Observação N." 1 — Registro n.° 1146/52: cadela Pequineza;
10 anos de idade. Hérnia inguinal bilateral: direita, sem particula ridades dignas de nota; esquerda, irredutível.
O peração: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal. Exame da peça: útero com coleção purulenta (p iom etra) (Fig. 1). Observação N-" 2 — Registro n." 1313/52: cadela Basset; 3
anos de idade. Hérnia inguinal bilateral, sendo a direita irredu tível.
Operação: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal. Exame de, p eça : útero com alteração por metrite crônica.
Observação N." 3 — Registro n.u 2286/52: cadela Pastor
A lem ão; 5 anos de idade. Hérnia inguinal esquerda com histero- eele gravídica (2 fetos), confirmada pelo exame radiológico (F ig. 2).
Operação', hernioplastia com histerectomia (fetos m ortos), por
via inguinal.
Observação N." 4 — Registro n." 3827/55: cadela sem raça
defin ida; 9 anos de idade. Histerocele inguinal gravídica esquerda (1 feto), confirmada pelo exame radiológico ( Fis. 3).
O peração: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal Observação N-" 5 — Registro n." 1206/56: cadela Fox terrier;
8 anos de idade. Hérnia inguinal direita, irredutível, com histero ceie gravídica (2 fetos), confirmada pelo exame radiológico (F ig. 4).
O peração: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal Observação N.° 6 — Registro n." 117/57: cadela sem raça defi
nida; 7 anos de idade. Hérnia inguinal esquerda, irredutível.
Operação: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal Exame de peça : útero com coleção purulenta ( piom etra).
Kev. Fac. M ed Vet. S. Pau lo V ol G, fasc 4, 1960/62 450 Observação N." 7 — Porto A legre/]958: cadela sem raça defi
nida ; 4 anos de idade. Hérnia inguinal direita, irredutivel. Histero- cele inguinal gravídica (2 fetos), provada pelo exame radiológico.
Operação: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal Observação N.° 8 — Registro n." 2000/59: cadela sem raça defi
nida; 7 anos de idade. Hérnia inguinal esquerda, irredutível.
Operação: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal Exame de peça : útero com presença de 2 fetos mumificados, um
em cada corno ( Fig. 5).
Observação N.° 9 — Registro n.° 4290/59: cadela Cocker
Inglês; 2 anos de idade. Hérnia inguinal esquerda, irredutível. A radiografia revela presença de fetos. Parto eutócico.
Operação: hernioplastia (2 meses após o parto).
Observação N." 10 — Registro n.° 3851/60: cadela sem raça
definida; 4 anos de idade. Hérnia inguinal direita, irredutível.
Operação: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal-Exame da peça: útero com presença de fetos macerados, sendo
um no corpo e dois outros nos cornos (F ig. 6).
Observação N." 11 — Registro n." 1419/61: cadela Tenerife; 8
anos de idade. Histerocele inguinal gravídica direita, irredutível.
Operação: hernioplastia com histerotomia, por via inguinal (ex
tração de 1 feto de térm o) (F ig. 7).
Observação N." 12 — Registro n.u 2275/61: cadela sem raça
definida; 10 anos de idade. Hérnia inguinal esquerda, irredutível. O hemograma revela leucocitose intensa, neutrofilia com elevado desvio para a esquerda, monocitose e linfopenia
acentuadas-Operação: hernioplastia com histerectomia total, por via inguinal. Exame de peça: útero com coleção purulenta (piom etra).
Em síntese, verificamos, no conteúdo herniário, presença do útero com prenhez, em 6 casos, com piometra em 3 observações, com alterações por morte e retenção de feto (mumificação e maceração) 2 vêzes e metrite crônica em 1 oportunidade
460 Rev. Fac. M ed. Vet. S. P a u lo — Vol- 6, fase 4, 1960/62
C O M E N TÁR IO S
O tema embora não seja revestido de originalidade em medi cina veterinária, apresenta aspectos que merecem discussão.
Vejamos, em primeiro lugar, a freqüência.
A literatura registra escassez de citações a êsse respeito. Toda via, os casos de histerocele inguinal com prenhez têm merecido algum interêsse dos autores na sua divulgação, pertencendo a Wool- drige, em 1908, segundo, B O U R N A Y e R O B IN (1923), a primeira referência. Notamos, entretanto, que a publicação da maioria dos casos em aprêço é feita com denominações impróprias, tais como, “ hérnia estrangulada” , “ gestação extra-uterina” , “ prenhez ectópica” , “ caso raro de hérnia inguinal” , entre outras. As descrições também não traduzem sempre, com fidelidade, a essência do processo, como verificamos, ainda recentemente, no trabalho de D AV AIN E (1960)
Exceptuando-se apenas a observação de M ENSA ( 1947), não encontramos outras citações concernentes a histerocele em cadelas com presença de fetos macerados ou mumificados, no conteúdo.
No que tange à ocorrência de piometra em casos desta natureza apuramos na literatura, somente os trabalhos de A R B E IT E R (1957) e de F R O S T (1958). Convém ressaltar que mesmo os autores de Compêndios modernos de Obstetrícia e de Doenças de Aparelho
Genital, não fazem menção a êsse particular.
Outro aspecto importante da questão refere-se ao diagnóstico. A possibilidade da presença do útero nas condições mencionadas como um dos elementos do conteúdo herniário, não deve ser menosprezada. O diagnóstico bem fundamentado exclui a possibi lidade de confusão, principalmente com casos de hérnia estrangu lada ; essa interpretação é, via de regra, resultado de exame clínico precário. A elucidação do diagnóstico poderá ser feita pelo exame radiológico, que confirma a existência de prenhez, ou pelo hemogra- tna, que auxilia, sobretudo, nos casos de piometra; isto é fundamen tal para orientação da terapêutica cirúrgica.
A evolução também merece comentários. R O BE R TS assegura que nos casos de histerocele gravídica, em havendo progresso da gestação, ocorre sempre - como única possibilidade - morte dos produtos conceptuais e distocia no momento do parto.
Isto, todavia, não constitui regra absoluta.
Com efeito, verificamos em um caso ( n." 9), mantendo-se a cadela em observação, que a gestação evoluiu normalmente e ter minou com parto eutócico. Em outra oportunidade (caso n.° 11) houve evolução da prenhez, a despeito da paratopia uterina, sem comprometimento da viabilidade do
feto-Rev. Fac. M ecl Vet. S. P au lo — V ol 6, fasc 4, 1960/02 461
Por último e não menos importante há a questão referente à
técnica operatória.
Nos casos de histerocele inguinal, devemos proceder a histerec- tomia ou a histerotomia, segundo a natureza do processo, por via inguinal. D E R IV A U X (1957), afirm a que essa técnica é excepcio nalmente praticada. O número de nossas intervenções estão, porém, a infirmá-lo.
Advertimos que a técnica cirúrgica clássica para tratamento das hérnias, isto é, simples redução do conteúdo por manobras de compressão e torção sem abertura do saco herniário, pode per mitir a reintrodução do útero, eventualmente com metropatia, para a cavidade abdominal. É conveniente, portanto, antes de proceder a redução do conteúdo para o tratamento do saco herniário, fazer meticulosa inspeção e palpação do m esm o; nos casos com altera ções de consistência, coloração, volume ou forma, não atribuir, comodamente, a qualquer fator de menor importância e sim, rea lizar a abertura do continente para verificação direta das condições do conteúdo.
Em resumo, a hérnia inguinal em cadelas - com presença no saco herniário, do útero grávido ou portador de condições pato lógicas diversas - por ser ocorrência mais freqüente do que revela a literatura, deve merecer maior atenção, seja na observação seja no estudo dêsses casos.
S U M M A R Y
The authors studying again inguinal hysterocele ocurred in twelve bitches, they verified six cases with the presence o f a preg nant uterine horn in the hernial sac; three cases with pyometra; two cases with fetal death and postmortem changes ( maceration and mummification); and one case with chronic metritis.
The incidence, the types, the diagnosis, the evolution and the surgical technic of this condition are discussed at this point o f view concerned.
Based on a research in the litterature and on clinical observa tions the authors find that little attention has been given to the question in veterinary surgery.
462 R ev Fac M ed. Vet. S. Pau lo V ol 6, fasc 4, 1960/62
B IB L IO G R A F IA
A R B E IT E R , E. A. — 1957 — Ein au b ergew o h u lich er fa ll von in gu in a- lh e rn ie und p y o m etra bei e in e r hundin. W ien. T ie r a r z t S eh r 44 (4 ): 208-211
B O U R N A Y , J. — R O B IN . V. — 1923 — O bstétriqu e v é té rin a rie . 12.» ed. Paris, J. B. B a lliè re et F ills: 284-287
D A V A IN E , J — 1960 — Un cas de gesta tio n ehes la chiene, dans une corn e u térin e herniée. Rec. M ed. Vet., 136 ( 7 ) : 575-576
D E R IV A U X , J. — 1957 — O bstétriqu e v é té rin a ire Paris, V ig o t Frères. 121-124
F R O S T , C. — 1958 — Fou r unusual s m a ll-a n im a l c lin ica l conditions 1 — S tra n g u la te d in gu in a l p y o m e tro c e le in th e b itch Vet. Rec., 70 (2 8 ): 573-574
LESBRES, F. X, — 1923 — Précis d 'a n a to m ie com p arce des anim aux dom estiques. 2 — Paris, J. B. Ba-illière et F ills: 136-165
M A T E R A , E A. e S T O P IG L IA , A. V. — 1950 H ern ia in gu in a l da cadela (S ô b re um caso de h is tero cele in gu in a l g ra v id ic o ) Rev. Fac. M ed Vet. S. Pau lo 4 (2 ) : 369-374
M ENSA, A. — 1947 P a to lo g ia qu iru rgica veterin a ria . 2 2.' ed. T orin o, U n ion e T ip o g r á fic o : 866-939
R O B E R TS , S. J. — 1956 — V e te rin a ry ob stétries and ge n ita l diseases Ith a ca , ed. do a u tor: 98-99
SISSO N. S. — 1933 A n a to m ia de los an im ales dom ésticos. T rad . 2 ' ed in glesa B arcelon a, S a lva t e d ito r e s ; 647-666
S T R A U N A R D , R. — 1936 — O b s te tríc ia vete rin á ria , S Pau lo ed. do au tor: 126-130
Z IM M E R L , U. — 1930 — T r a tta to di a n a to m ia vete rin a ria , I I I — A ppare- ch io u ro -g e n ita le . M ilan o, Fran cesco V a lla rd i: 122-131
Rev. Fac. M ed Vet. S. P au lo V ol 0, fase 4. 19G0/G2 4G3
F IG . 2 — Ilu stra çã o re fe re n te ao caso n.° 3 F IG . 1 — Ilu stra çã o re fe re n te ao caso n.° l
464 R ev Fac. Mod. Vet. S. Pau lo Vol 6. fasc 4. 1960/62
F IG . 4 — Ilu stra çã o re ie re n te ao caso n.° 5 F IG 3 — Ilu stra çã o re fe re n te ao caso n." 4
Rev. Fac. Med. Vet. S. Pau lo Vol 6, fase 4, 1960/62 465
F IG . 6 — Ilu stra çã o re fe re n te ao caso n.» 10. F IG . 5 — Ilu stra çã o re fe re n te ao caso n.° 8
4GG R ev Fac. Med. Vet. S. P a u lo V ol G, fasc 4. 1960/62
Rev. Fac. M ed Vet. S. Pau lo V ol 6, fase 4, 1960/62 467
F IG . 9
Fig. 7, 8 e 9 — Ilu strações re fe re n te s ao easo n.u 11 F IG . 8