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Bachelard e o caráter indutivo da Teoria da Relatividade

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1É professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Possui doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e em História e Filosofia das Ciências. Université Paris Diderot, PARIS 7. E-mail: ernanefilho5@hotmail.com

Bachelard e o caráter indutivo da Teoria da Relatividade

José Ernane Carneiro Carvalho Filho1

Resumo

O pensamento filosófico de Bachelard se constituiu no início do século XX a partir das transformações que estavam ocorrendo no contexto científico àquela época. Dentre essas transformações três merecem destaque: as geometrias não-euclidianas, a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade de Einstein. Esses eventos se constituem no eixo da Epistemologia Bachelardiana, ao contribuir para formar seu pensamento no que ele denominou de Filosofia do Novo Espírito Científico. Para os fins do presente trabalho, focaremos apenas as relações da Epistemologia Bachelardiana com a Teoria da Relatividade. Bachelard procura demonstrar que a Teoria da Relatividade possui um caráter indutivo. A indução, um dos temas caracterizados no livro La valeur inductive de la relativité, não está alicerçada na realidade como uma entidade externa, mas na Matemática. Com o fito de alcançar o seu objetivo, que é demonstrar o caráter indutivo da Teoria da Relatividade, Bachelard apresenta um conjunto de argumentos para provar como os princípios matemáticos não são evidentes por si mesmos, mas que se constituem por certo grau de arbitrariedade. Com isso, ele demonstra que a Matemática possui um grau de arbitrariedade e que essa arbitrariedade pode ser transposta para a construção da Teoria da Relatividade.

Palavras-Chave

Teoria da Relatividade. Epistemologia Bachelardiana. Indução.

Abstract

Bachelard’s philosophical thought was formed in the early twentieth century from the transformations that were occurring in the scientific context at that time. Among these, three transformations merit to be highlighted: the non-Euclidean geometry, Quantum mechanics and Einstein's Theory of Relativity. These events constitute the axis of Bachelard’s Epistemology as they contribute to form his thoughts on what he called the

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“Bachelard e o caráter indutivo da Teoria da Relatividade” – José Emane Carneiro Carvalho Filho

New Scientific Spirit Philosophy. For the purposes of this study, we will focus only on the relations of Bachelard’s Epistemology with the Theory of Relativity. Bachelard seeks to demonstrate that the Theory of Relativity has an inductive character. The induction, one of the themes featured in the book La valeur inductive de la relativité, is not grounded in reality as an external entity, but in mathematics. Aiming to achieve his objective, which is to demonstrate the inductive character of the Theory of Relativity, Bachelard has a set of arguments to prove how the mathematical principles are not self-evident, but they are constituted by a certain degree of arbitrariness. With that, he demonstrates that mathematics has a degree of arbitrariness and such arbitrariness can be applied to the construction of the Theory of Relativity.

Key-words

Theory of Relativity. Bachelard’s Epistemology. Induction.

Introdução

A publicação, em 1905, dos artigos sobre a Teoria da Relatividade Especial por Albert Einstein modificou totalmente a visão que tínhamos sobre o tempo e seu fluxo. A Física estruturava a noção de tempo a partir dos famosos enunciados de Isaac Newton do século XVIII, em que tanto o tempo como o espaço eram concebidos como absolutos e não sofriam qualquer influência dos objetos que o preenchiam e nem de sua evolução. Essas concepções se modificaram bastante no princípio do século XX quando Einstein propôs uma interpretação totalmente inovadora para os problemas surgidos na Física do final do século XIX.

A Teoria da Relatividade nasceu com uma característica muito profunda nas relações entre teoria (Matemática) e experiência. Bachelard argumenta que essa interação “procede da unidade de pensamento matemático e da experiência” (BACHELARD, 1929, p. 8) e que essa unidade é tão forte que enseja aos relativistas “a acusação de teórico utópico” (BACHELARD, 1929, p. 8). Tal interação entre teoria e a experiência ocorre devido "à força de expansão da ideia relativista [que] flui de um mesmo centro e que se pode segui-la até que ela aflore na experiência" (BACHELARD, 1929, p. 8). A força mencionada por Bachelard na Teoria da Relatividade é resultado da indução matemática que a caracteriza. Segundo ele, essa força indutiva "apóia-se

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alternadamente sobre razões experimentais e sobre razões de ordem matemática" (BACHELARD, 1929, p. 8).

Desenvolvimento

A Teoria da Relatividade é apresentada, usualmente, como um conjunto de princípios dedutivos que se expressam na realidade através da identificação de fenômenos que somente são apreendidos em seu âmbito. No entanto, Bachelard afirma que essa feição dedutiva não é evidente, mas se constitui numa "conquista que põe em jogo intuições indutivas, generalizações, analogias de ordem especificamente matemática" (BACHELARD, 1929, p. 62-63). Assim, busca evidenciar o caráter da indução matemática na Teoria da Relatividade que permitiria a sua generalização em forma de uma teoria dedutiva.

A indução no pensamento desse filósofo não se caracteriza no sentido clássico do termo: uma inferência a partir da observação ou da experimentação de fenômenos isolados e a sua generalização em leis. Para Laclos, “a indução bachelardiana tem um sentido oposto ao que lhes dão habitualmente os empiristas (...). ‘Indução’ significa multiplicação e enriquecimento premeditado de considerações teóricas e mesmo especificamente matemáticas” (LACLOS, 2005, p. 62). A indução matemática emerge, nesse contexto, como um método de pesquisa capaz de proporcionar o desenvolvimento de certa maneira de conceber e produzir o conhecimento científico, visto que este conhecimento “lê o complexo no simples, dita a lei a propósito do fato, a regra a propósito do exemplo” (BACHELARD, 2000, p. 15). Bachelard desenvolveu assim uma ampla argumentação para explicar como a indução sendo um processo do particular para o geral é capaz de fornecer os elementos para a constituição de uma teoria que abarcaria o geral ou universal.

Inicialmente, sua argumentação procura demonstrar o caráter contingente no reino matemático ao afirmar que

As formas matemáticas não são, a princípio, suficientemente coordenadas no sentido que elas não conduzem sempre a necessidade de seu emprego. (...) Existem fatores contingentes no âmbito das matemáticas; estes fatores afetam a extensão dos quadros matemáticos e por consequente a objetividade destes quadros; é necessário, em primeiro lugar, deduzir esta contingência para ter chance de tocar a matemática do real (BACHELARD, 1929, p. 53).

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“Bachelard e o caráter indutivo da Teoria da Relatividade” – José Emane Carneiro Carvalho Filho Desta forma, seu objetivo é evidenciar que mesmo na Matemática as relações não são tão claras como parecem e que as generalizações demoram a aparecer. Assim, muitas vezes é necessário estabelecer arbitrariamente alguns princípios na Matemática. Para demonstrá-la, ele analisa a separação do particular e do geral que não se constitui em algo dado, mas que os elementos do particular se expressam no geral de forma contínua. Neste contexto menciona:

O gênero das elipisóides em três eixos desiguais parece suscetível de receber variedades triplamente infinitas, dar-se conta que se pode desligar inteiramente o quantitativo do qualitativo e guardar todas as propriedades específicas ligadas em uma qualidade quase única que se reencontra pelo princípio das deformações contínuas. Na qualidade, no caráter topológico – que é o caráter primordial – a generalidade aparece uniforme e solidamente assegurada (BACHELARD, 1929, p. 54).

A afirmação do particular no geral é um fundamento básico na argumentação bachelardiana sobre a Matemática porque busca comprovar que aquilo que é generalizado se constitui a realidade. A realidade seria então aqueles elementos que permanecem e não se modificam constantemente.

Quanto à ideia de que a Matemática comporta elementos arbitrários, Bachelard menciona:

A incorporação num mesmo gênero de curvas próximas: círculo, elipse, hipérbole, sistema de duas retas secantes. Esta reunião é para nós inteiramente natural e isso em dois pontos de vista: a princípio estas diversas curvas se apresentam todas como as secções planas do cone; em seguida, por sua tradução algébrica, elas se revelam eminentemente semelhantes porque elas são todas curvas de segundo grau. O primeiro caráter, que se conhecia há muito tempo estava longe, contudo, de legitimar uma reaproximação entre curvas que, tomadas individualmente, apareciam tão diversas (BACHELARD, 1929, p. 55).

Afirmando que os princípios matemáticos não são por si evidentes e completos, explica como é possível a partir de termos abstratos como aos matemáticos construírem uma estrutura conceitual capaz de se expressar numa teoria científica, como a Teoria da Relatividade, onde o arbitrário se apresenta como uma das características.

Outro elemento que merece destaque nessa linha de estudo sobre a indução na Matemática é o papel do imaginário. Bachelard faz uma distinção entre o imaginário e a imaginação. A imaginação, sendo livre, e não estando ligada necessariamente à realidade, pode formular coisas sem relação com o real. Já o imaginário possui uma característica singular: ele tem uma face real e outra que ultrapassa a realidade

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perceptível. Essa face real do imaginário permite que o imaginado seja compreendido e não se torne uma formulação vaga e sem sentido. Neste caso, pode se imaginar um mundo de quatro dimensões sem se correr o risco de estar apenas no mundo da imaginação. Assim se expressa Bachelard:

O imáginário ultrapassa a imaginação, ele faz em qualquer sorte violência aos ensinamentos do real, ele substitui ao permanente de fato, o permanente de direito. Ele permite associar o possível à realidade, sem risco de ser vítima da extensão dada aos conceitos, porque ele parte sempre de um signo que distingue o motivo da adjunção. Em resumo, o imaginário é um verdadeiro operador de generalização (BACHELARD, 1929, p. 61-62).

A construção racional baseada na indução matemática encontra uma base sólida de expressão e permite compreender o papel do real na construção do conhecimento científico. Este conhecimento produzido não se determina, portanto, em meras especulações, mas ultrapassando as sinalizações do real e visando estabelecer as balizas de um saber que se constrói com base em parâmetros racionais e não empíricos.

É nesse contexto que aparece o cálculo tensorial. Essa ferramenta matemática se constitui num elemento muito importante no pensamento bachelardiano porque ela seria a expressão máxima da construção de uma realidade abstrata a partir da Matemática e que seria capaz de expressar os princípios da Teoria da Relatividade com bastante precisão.

O cálculo tensorial possui as qualidades essenciais ao processo de generalização do particular para o geral dado o seu alto grau de flexibilidade. Essa flexibilidade nasce das características de seus diversos índices que “sobem e descem à vontade, em um movimento alternativo de generalização e de aplicação” (BACHELARD, 1929, p. 63) ensejando, assim, a possibilidade de que uma transformação nas coordenadas, por exemplo, implique na percepção de diferentes formas da matéria experimental.

O cálculo tensorial apresenta em sua essência a capacidade de generalização por possibilitar através de seus recursos de variação um duplo papel: ser possível a partir de situações particulares inferir a generalização tendo por base sua estrutura matemática permanente, levando Bachelard a afirmar que “o cálculo tensorial é um método” (BACHELARD, 1929, p. 65).

Bachelard desenvolve uma argumentação bastante ampla para expressar o caráter metodológico do cálculo tensorial. Para confirmar como é possível a partir de

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“Bachelard e o caráter indutivo da Teoria da Relatividade” – José Emane Carneiro Carvalho Filho

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2O geral é alcançado pela generalização dos elementos permanentes. É o permanente que constitui a realidade e permite a sua generalização em lei.

3“Prova-se então a realidade pela generalidade” (BACHELARD, 1929, p. 52).

um caso particular alcançar o geral2, utilizando a indução matemática, ele menciona a passagem de uma coordenada em transformação galileana para a einsteiniana:

Quando uma lei física é expressa em coordenadas galileanas por uma relação onde figuram expressões que são visivelmente formas degenerada de tensores e (de) suas derivadas ordinárias, nós podemos, sempre em coordenadas galileanas, recolocar as formas degeneradas pelos próprios tensores e as derivadas ordinárias pelas derivadas covariantes; em coordenadas galileanas, nada é alterado e ao mesmo tempo a lei é colocada sob uma forma tensorial geral. Esta forma é exigida pelo princípio da relatividade, pois ele é independente do sistema de coordenadas: é certamente a expressão geral da lei em coordenadas arbitrárias no universo euclidiano e é quase sempre a expressão da lei em um universo nao-euclidiano, no Universo real onde existe um campo de gravitação (BACHELARD, 1929, p. 66).

Com esse exemplo Bachelard procura demonstrar como é possível passar de uma situação particular, no caso as coordenadas galileanas, para uma lei geral, à forma tensorial geral. Essa passagem de um caso particular para um geral é possível graças às características do cálculo tensorial que “por suas fórmulas condensadas (...) chega a inscrever a generalidade sob o signo persuasivo do particular” (BACHELARD, 1929, p. 63). Essa generalização é alcançada por meio desse cálculo porque, segundo Bachelard, é a partir da construção matemática que emerge a realidade. E esta, neste caso, são os elementos que permanecem constantes e não sofrem modificações.

Segundo Spaier, esse método descrito por Bachelard não se limita ao particular, mas culmina numa generalização visto que “a operação, longe de tomar seu ponto de partida no ‘particular’, é uma espécie de generalização prévia que acaba por nos conduzir ao encontro dos dados experimentais mais tênues” (SPAIER, 1931-1932, p. 369). Desta forma, “a generalização nos livrará dos elementos do real que escapariam a um estudo aprofundado do caso particular, sempre tocado de relatividade” (BACHELARD, 1929, p. 52). A conquista, então, da realidade em Bachelard, se dá pela generalização3 que é alcançada por “vias indutivas” (BACHELARD, 1929, p. 52).

Essa riqueza de possibilidades desse cálculo se deve a três fatores: adjunções puramente formais que não contém nenhum conteúdo específico, um jogo algébrico que permite passar do particular para o geral e, finalmente, a invariância alcançada pelo processo de generalização. Essas características dão ao cálculo tensorial a flexibilidade mencionada por Bachelard e permite que se construa uma visão da realidade científica a partir da indução matemática. Essa realidade é possível porque a consistência e a

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permanência de sua forma implica uma matéria (BACHELARD, 1929, p. 67) que se constitui, enfim, a partir dos elementos que permaneceram constantes e caracterizaram a existência de uma realidade a partir deles. Dessa maneira, "o cálculo tensorial se encarregará de incorporar ao real essas variações que, quantitativamente falando, podiam parecer a princípio puramente virtuais. A generalização será então regularmente atraída, seu desenvolvimento será claramente solidário de seu plano inicial" (BACHELARD, 1929, p. 73).

Com essa argumentação Bachelard buscou provar que no seio dos princípios matemáticos há um conjunto de arbitrariedades e que eles se expressam mesmo em cálculos com alto grau de complexidade, como o cálculo tensorial. Com tal formulação é possível passar do estritamente matemático para o âmbito da Física e, por consequência, à Teoria da Relatividade.

Se o arbitrário aparece e reina no universo da Matemática, é compreensível que ele esteja também no da Física. Baseado nesta linha de raciocínio é possível, a partir de um exemplo que aparece no livro Le valeur inductive de la relativité, retirado da obra do físico francês Jean Becquerel, compreender como essa arbitrariedade se dá no princípio da invariância da Teoria da Relatividade Geral. Assim se expressa Bachelard a partir de Becquerel:

Escolher um sistema de referência arbitrário, ou fazer uma transformação arbitrária de coordenadas, é introduzir um estado de movimento arbitrário ou, de acordo com o princípio de equivalência, um campo de gravitação arbitrário. Portanto, as leis que regem os fenômenos físicos devem, para serem expressas sob a forma mais geral, conter implicitamente ou explicitamente as grandezas, que caracterizam um campo de gravitação (BACHELARD, 1929, p. 74).

Coloca-se em evidência o caráter arbitrário do pensamento humano no desenvolvimento de uma formulação do saber e demonstra que a gravidade pode ser interpretada como uma aceleração. Apreender de uma forma ou de outra depende essencialmente do ângulo em que nos colocamos. Assim, segundo Bachelard,

Somos finalmente levados a inscrever o arbitrário de nossa referência sob o signo mesmo de uma certa indeterminação do real. Em outras palavras, nós devemos associar ao real o arbitrário de nossa referência, devemos colocar o arbítrio sobre o mesmo plano que o real ou, pelo menos, no mesmo plano ao que fazia até aqui a função de realidade (BACHELARD, 1929, p. 75).

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“Bachelard e o caráter indutivo da Teoria da Relatividade” – José Emane Carneiro Carvalho Filho

Essa maneira de conceber a construção do conhecimento científico significa uma ruptura com a tese realista ao afirmar que não existe uma realidade a ser encontrada, mas a ser construída numa interação entre os pressupostos teóricos e empíricos. Neste sentido Bachelard declara que

A possibilidade ambiente vai em qualquer sorte penetrar na realidade, dar a esta realidade, no sentido mesmo do possível, sua verdadeira figura. E vice versa, a realidade vai afirmar os quadros da possibilidade pura. Realidade e possibilidade vão se encontrar separadas sob uma totalidade de ordem algébrica particularmente homogênea (BACHELARD, 1929, p. 80).

Assim, as projeções teóricas encontraram o real que dará os contornos dessa projeção através da experiência científica, ou seja, a realidade não será descoberta, mas chamada a participar da construção da realidade como afirma Bachelard:

A Realidade terá epistemologicamente um papel novo porque ela poderá ajudar na incorporação de uma possibilidade vaga e precária, dotada de um sentido inicial simplesmente algébrico, em um corpo geral e coerente de possibilidades. Em outras palavras, se vai de um sentido simplesmente matemático da possibilidade a um sentido realista da possibilidade. Em compensação, o esforço construtivo das matemáticas escapará à objeção de ser inteiramente artificial porque tomará certamente sua impulsão nos caracteres nitidamente experimentais (BACHELARD, 1929, p. 81).

A feição da Teoria da Relatividade implica, antes de tudo, em um caráter a priori dos aspectos teóricos em relação ao real, onde o teórico aparece então como possibilidade que encontra uma realidade apta a receber suas determinações. É nesse contexto que o cálculo estabelece as diretrizes a serem seguidas na elaboração da realidade o que implica num estabelecimento de estruturas que se mantêm constantes e caracterizam a existência de uma realidade a partir do processo de generalização conduzido pelo cálculo tensorial - na situação específica, a realidade científica.

Esse caráter a priori dos enunciados relativistas têm, segundo Bachelard, uma coerência interna independente da realidade, porque

O Relativista não se limita a estabelecer a possibilidade a priori de uma experiência, ele estuda esta possibilidade nela e por ela mesma. Ele faz do possível um sistema. Se tem mesmo a impressão que o Relativista vai mais longe e que se enamora de um verdadeiro realismo platônico do possível, ele tende à atribuir a substância uma organização rica e coerente do possível (BACHELARD, 1929, p. 81-82).

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Por conseguinte, a teoria possui uma independência em relação ao real. Em realidade, é o teórico que define o real científico no âmbito da Epistemologia Bachelardiana.

Tal forma de compreender a Teoria da Relatividade levaria naturalmente à ideia de que ela seria indutiva e não dedutiva. Bachelard argumenta que a Teoria da Relatividade é uma teoria dedutiva quando afirma que "ela parte do geral, o assegura, o confirma, o multiplica. É no âmbito de uma generalidade assim multiplicada e organizada que a Relatividade encontra a via que conduz às especificações" (BACHELARD, 1929, p. 207). No entanto, o aspecto indutivo da mencionada teoria aparece quando é possível inferir uma realidade a partir de casos particulares e generalizá-los por meio do cálculo tensorial.

Conclusão

A indução se caracteriza, então, no pensamento bachelardiano como um verdadeiro método de descoberta. É neste sentido que Laclos entende o cálculo tensorial como um “’método de descoberta progressivo’ que através da indução Bachelard espera opor à dedução explicativa” (LACLOS, 2005, p. 62) ou Spaier quando afirma que “a Relatividade não é tanto uma dedução explicativa como ‘um método de descoberta progressivo’, em resumo, que o valor essencial da Relatividade é seu valor indutivo, daí o título do volume” (SPAIER, 1931-1932, p.369). O que Bachelard procura demonstrar é que os fenômenos relativísticos não são explicados pela Teoria da Relatividade. Eles são descobertos no contexto desta teoria, ou seja, eles somente existem a partir da Teoria.

Dessa forma, a Teoria da Relatividade continua apresentando um caráter dedutivo, mas comportaria em seu âmbito um aspecto indutivo, quando a partir de formulações matemáticas, o cálculo tensorial, por exemplo, é possível inferir uma realidade por meio dos objetos matemáticos que se caracterizam por sua permanência. A ideia de Bachelard não era provar que a Teoria da Relatividade era indutiva, mas de mostrar que ela possui um caráter indutivo: a indução matemática. Logo, pode-se afirmar que a Teoria da Relatividade seria dedutivo-indutiva.

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“Bachelard e o caráter indutivo da Teoria da Relatividade” – José Emane Carneiro Carvalho Filho

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