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DANIELLA CORRÊA ALVARENGA

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Academic year: 2021

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DANIELLA CORRÊA ALVARENGA

O PAPEL DO ENSINO SUPERIOR INDÍGENA E SUA RELAÇÃO

COM A MANUTENÇÃO DA LÍNGUA INDÍGENA E DA CULTURA DOS POVOS IN-DÍGENAS EM MATO GROSSO

SINOP - MT 2016

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DANIELLA CORRÊA ALVARENGA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do curso de Letras, da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Câmpus de Sinop, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciatura Plena em Letras.

Orientadora: Dra. Neusa Inês Philippsen

SINOP - MT 2016

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A meu pai que de longe vê o que fiz,

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AGRADECIMENTOS

À minha família, por sua capacidade de acreditar e investir em mim.

Mãe, seu cuidado e dedicação foi que deram, em alguns momentos, a esperança para seguir. Pai, sua presença significou segurança e certeza de que não estava sozinha nessa caminhada. À Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT pela oportunidade de graduação e por estar sempre de portas abertas para receber e auxiliar seus acadêmicos.

A todos os professores do curso que foram tão importantes na minha vida acadêmica e no desenvolvimento deste trabalho.

À professora Dra. Neusa Inês Philippsen, pela paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão deste trabalho.

Ao Grupo de Pesquisa Diversidade e Variação Linguística em Mato Grosso – DIVALIMT, e às pessoas com quem convivi nesse espaço ao longo desses anos; a experiência de uma produção compartilhada com profissionais e amigos nesse espaço foi a melhor experiência da minha formação acadêmica.

À Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT – Câmpus de Barra do Bugres, por receber a mim e a minha pesquisa; em especial à professora Dra. Mônica Cidele Cruz, que, ao conhecer, possibilitou-me acesso ao Câmpus, e de forma muito solícita disponibilizou material e tempo para contribuir para essa pesquisa.

A todos os sujeitos da pesquisa, professores e estudantes-professores indígenas do 3º Grau Indígena, que, com muita prontidão, receberam-me, permitindo-me pesquisar suas práticas e assim contribuindo de forma magnífica para a base empírica deste trabalho.

Aos amigos e colegas, pelo incentivo e pelo apoio constante.

A todos aqueles que de alguma forma estiveram e estão próximos de mim, que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigada.

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Erro de português

Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol O índio teria despido O português

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ALVARENGA, Daniella Corrêa. O papel do ensino superior indígena e sua relação com a

manutenção da língua materna e da cultura dos povos indígenas em Mato Grosso. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso. Câmpus Universitário de Sinop.

RESUMO: Conhecendo a carência de estudos sociolinguísticos sobre as minorias linguísticas mato-grossenses e levando em conta a conjuntura da educação indígena nesse estado, assim como as políticas públicas criadas, mais especificamente, a partir de 1995, este trabalho faz uma breve análise do papel e influência do ensino superior na manutenção da língua e cultura dos povos nativos de Mato Grosso, ensino este que surgiu a partir dos resultados obtidos com a conferência Ameríndia (1997). O lócus de estudo são os Cursos de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas da UNEMAT – Barra do Bugres – MT. As entrevistas dirigidas aos sujeitos envolvidos, a análise sócio-histórica dos povos indígenas da região, as atividades com a pesquisa, voltada ao ensino indígena, visaram apreender os mecanismos que levam à identificação do processo de formação e, consequentemente, do ensino desses povos. Dentre os resultados obtidos, salienta-se que o ensino superior na formação de educadores indígenas tem influenciado não apenas para a manutenção das respectivas línguas indígenas dos estudantes-professores indígenas, mas também a valorização de suas culturas.

Palavras-chave: Sociolinguística. Diversidade e variação linguística. Manutenção da língua materna. Cultura indígena.

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ALVARENGA, Daniella Corrêa. The paper of indigenous higher education and its

relation to the maintenance of the mother tongue and culture of indigenous peoples in Mato Grosso 2016. Course Conclusion Paper. – UNEMAT – State University of Mato Grosso. University Câmpus of Sinop.

ABSTRACT: Knowing the lack of social and linguistic studies about the linguistic minorities matogrossenses, and taking into account the environment of Indigenous education this state, so as to create public policy, more specifically, starting from 1995, this work makes a brief paper and Influence Analysis Higher education in language maintenance and culture of Mato Grosso Native Peoples, teaching this that emerged from the results obtained with an Amerindian conference (1997). The locus of study are the Specific Degree Courses for the Training of Indigenous Teachers UNEMAT - Barra do Bugres - MT. How Interviews directed to subjects involved a Socio-Historical Analysis of the Region's Indigenous Peoples, as activities with the research, dedicated to indigenous education, aimed to grasp the mechanisms that lead to the identification of the training process and, consequently, the education these people. Among results obtained, it is noted that this higher education in Training Indigenous Teachers Influenced has not only paragraph Maintenance of maternal languages of Indigenous Students-Teachers, but Also encouraged to your Cultures Valuation. Keywords: Sociolinguistics. Diversity and linguistic variation. Maintenance of the mother tongue. Indigenous culture.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO...9

INTRODUÇÃO...10

1 INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA: o tratamento da variação e da diversidade...14

1.1 A sociolinguística e a diversidade na língua...17

1.2 A diversidade/variedade linguística e o preconceito linguístico...19

1.3 Contatos linguísticos: variação e preconceito...22

2 ESCOLA PARA ÍNDIO (A)...26

2.1 As dificuldades na luta por uma educação escolar diferenciada: propostas acadêmicas...30

3 OS SUJEITOS DA PESQUISA: APONTAMENTOS ANALÍTICOS E RESULTADOS....36

3.1 Docência indígena em foco...41

3.2 Trunfo sobre o modelo tradicional...44

3.3 Abismo entre real e desejável...47

3.4 Na ponta da língua...49

4 CONCLUSÃO...56

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...60

6 REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS...64

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INTRODUÇÃO

O ensino de Língua Portuguesa no Brasil, desde muito antigamente, baseia-se no ensino de leis gramaticais, ancorado quase que única e exclusivamente nas normas prescritas pela gramática tradicional. Essa visão, geralmente, condena toda e qualquer realidade linguística que não esteja de acordo com essas normas.

A proliferação de estudos na área da Sociolinguística, de forma mais pontual a partir dos anos 1960, tem sido uma grande contribuição para que, por meio da construção de um panorama das comunidades de fala existentes no Brasil, em especial as comunidades indígenas, possa ser fomentada a desconstrução da ideia de homogeneidade linguística.

Faz-se importante mencionar aqui a diversidade das populações indígenas brasileiras,

que se apresentam em diferentes contextos nas relações com a sociedade envolvente; em destaque as diferentes etnias presentes em solo mato-grossense e que fizeram parte da pesquisa no tempo em que estivemos presentes na Faculdade Indígena Intercultural.

Destas, podemos mencionar: Umutina (margem direita do rio Paraguai, Mato Grosso), Xavante (leste do estado de Mato Grosso, e São Paulo), Tapirapé (nordeste do estado de Mato Grosso, e no Parque do Araguaia, na ilha do Bananal, no estado do Tocantins), Paresi (Tangará da Serra, Conquista do Oeste, Barra do Bugres, Sapezal, Campo Novo dos Parecis, Nova Marilândia e Diamantino), Matipu (porção sul do Parque Indígena do Xingu sugiro tirar do itálico, porque o outro parque e demais informações não estão), Bakairi (Nobres, Paranatinga e Cuiabá), Rikibaktsa (bacia do rio Juruena, no noroeste de Mato Grosso), Bororo (várias áreas em Mato Grosso), Kayabi (Parque Indígena do Xingu, Mato Grosso), Karajá (nos estados de Goiás, Tocantins, Pará e Mato Grosso), Tapeba (Mato Grosso, mas predominância no Ceará), Manchineri (seringais no Acre, sobretudo no interior da Reserva Extrativista Chico Mendes e outros pontos no Peru e Bolívia), Yawalapiti (Alto Xingu), Waurá (Parque Indígena do Xingu),Suruí (ao norte do município de Cacoal em Rondônia até o município de Aripuanã no estado de Mato Grosso), Mehinako (Alto Xingu), Ikpeng (limites do Parque Indígena do Xingu), Cinta Larga (parte dos estados de Rondônia e Mato Grosso), Terena ( Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo), Munduruku (Pará (sudoeste, calha e afluentes do rio Tapajós, nos municípios de Santarém, Itaituba, Jacareacanga), Amazonas (leste, rio Canumã, município de Nova Olinda; e próximo a Transamazônica, município de Borba), Mato Grosso (norte, região do rio dos Peixes, município de Juara)), Chiquitano (em Mato Grosso nos municípios de Vila Bela, Cáceres e

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Porto Espiridião. Na Bolívia, localizam-se no departamento de Santa Cruz, nas províncias Nuflo de Chaves, Velasco, Chiquitos e Sandoval), Mebêngôkre (Mato Grosso e Pará), Kalapalo (Alto Xingu), Kamaiurá (Alto Xingu), Kuikuru (região oriental da bacia hidrográfica dos formadores do rio Xingu (Culuene, Buriti e Curisevo)), Trumai (Parque Indígena do Xingu), Myky (município de Brasnorte), Apiaká (Mato Grosso e Pará), Kaingáng (regiões de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo), Nambikwara (Mato Grosso e Rondônia), Iranxe (município de Brasnorte), Suyá (Parque Indígena do Xingu). Totalizando 32 etnias indígenas.

Algumas dessas já totalmente usuárias dos códigos simbólicos do ocidente, inclusive da Língua Portuguesa (consideradas por muitos, então, não mais indígenas), outras mantêm fortes suas expressões tradicionais de vida e costumes (muitas vezes erroneamente denominadas de “índios puros”) e outras ainda vivem na fronteira entre esses dois polos. Dessa forma, torna-se importante o processo de aprendizagem juntamente com o de restauração das línguas.

Dentro deste contexto, na Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT, Câmpus de Barra do Bugres, encontra-se instalada a Diretoria de Gestão de Educação Indígena, onde também ocorrem aulas das etapas de estudos presenciais dos estudantes indígenas.

As etapas têm por objetivo a execução dos Cursos de Graduação, com vistas à formação em serviço de professores e profissionais indígenas. Além disso, a Diretoria também é responsável por abertura de vagas nos cursos regulares de Pós-Graduação Lato Sensu e Stricto Sensu, cursos de formação continuada e administração do Museu Indígena.

Com base nesse lócus de estudo e a partir do aporte teórico acima citado, evidenciamos nosso objeto de estudo, ou seja, a busca pela identificação e compreensão dos processos de variação e/ou preservação da língua materna indígena, levando em conta as interferências sócio-históricas e culturais existentes entre os sujeitos da pesquisa. Buscamos enaltecer também a importância da formação dos educadores como agentes do processo de autonomia, da identidade profissional, a partir do desenvolvimento de conhecimentos e saberes essenciais ao exercício da prática e da relação do ensino escolar bilíngue com a definição de uma política linguística para cada etnia indígena presente na Faculdade. Como parte dos resultados, apresentar-se-ão os mais significativos avanços e impasses no projeto da educação escolar diferenciada entre os povos indígenas.

Entende-se ainda, que pesquisas sobre comunidades indígenas presentes em regiões mato-grossenses, que buscam registrar não somente seus aspectos sociais e culturais, como

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também sua diversidade e multiculturalidade linguísticas, são praticamente inexistentes, daí a importância da realização deste trabalho. Atualmente no Brasil estudos e discussões sobre as línguas, culturas e espaços indígenas ainda se fazem, na maior parte, por pesquisadores, professores e antropólogos de origem estrangeira ou de grandes centros brasileiros.

Dessa forma, urge a necessidade de nós, estudantes e pesquisadores de Mato Grosso, realizarmos estudos que possam complementar a pequena gama já existente de projetos, discussões e pesquisas na área da Educação Escolar Indígena. Vale ressaltar, uma vez mais, que a pesquisa utilizou, como aporte teórico, a Sociolinguística Variacionista, sob a perspectiva do contexto de Línguas em Contato.

A abordagem sobre esse assunto tem, dentre suas metas e a partir de seus resultados, o propósito de incentivar debates com a comunidade educacional em geral e, em particular, com os professores e futuros professores-alunos dos cursos de professorado indígena, sobre aspectos de uma realidade tão próxima de todos nós e ainda tão desconhecida, que é a educa-ção formal nas comunidades indígenas brasileiras, e mais especificamente, nesse estudo, nas comunidades mato-grossenses. Para tanto, a questão que se destaca é: “Como a Universidade e seus cursos de professorado indígena posicionam-se frente à educação escolar indígena e à formação de professores indígenas?”

Nesse sentido, a intenção dessa pesquisa não foi somente buscar uma resposta para essa pergunta, mas, sim, refletir e fazer refletir sobre ela, além disso, verificar como se efetua o ensino indígena e se ele contribui ou não para a manutenção da(s) língua(s) materna(s) e a valorização da cultura indígena.

No intuito de alcançarmos esses objetivos, o presente Trabalho de Conclusão de Curso encontra-se dividido em três capítulos, além desta Introdução e de apontamentos reflexivos, que não pretendem ser finais, na Conclusão.

No primeiro capítulo faz-se uma breve revisão de aspectos históricos da Sociolinguística, sua conceituação, seu olhar à variabilidade, à heterogeneidade; assim como procura-se mostrar como o preconceito linguístico pode influenciar de forma negativa o ensino da língua materna em distintas culturas e etnias, em especial, às indígenas.

O ponto central do segundo capítulo é a questão legislativa, que amparou e ampara a Educação Escolar Indígena, além de evidenciar o percurso percorrido pela UNEMAT no que diz respeito à implementação do 3º Grau Indígena.

O eixo do terceiro capítulo encontra-se na perspectiva acerca do trabalho de formação docente e das necessidades de inter-relacionamento dessa formação na educação indígena. Evidenciam-se aspectos positivos e negativos no que diz respeito a como a

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educação escolar indígena tem sido proposta e praticada.

Dentre os resultados obtidos, destacamos os conflitos que estiveram e estão na base dos contextos políticos e culturais no Brasil no que refere à formação da criança indígena, mas que, ainda assim, mais recentemente, trouxeram avanços e estão contribuindo de forma mais positiva para o ensino/escolaridade em distintas comunidades indígenas. Da mesma forma, a Faculdade Indígena tem colaborado para a revitalização da(s) língua(s) e a valorização da cultura indígena. Este capítulo, assim, a partir das vozes dos alunos e docentes da Faculdade, que se depreendem nas entrevistas, traz os resultados da pesquisa, conforme o olhar analítico dos sujeitos participantes.

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1 INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA: o tratamento da variação e da diversidade

Pretende-se, neste primeiro capítulo, apontar a importância que os estudos da linguagem, em especial, os estudos sociolinguísticos, têm com relação às propostas de ensino, fundamentalmente dos professores que atuam no Ensino Superior Indígena, nosso corpus da pesquisa.

Procuramos nos atentar, principalmente, para a diversidade e mudanças que acontecem na língua em dissonância com o ensino tradicional de língua materna, que atualmente ganham cada vez mais novas possibilidades de atuação e metodologias diversas, sobretudo, no que concerne às leituras, interpretações, análises e produções escritas. Bem como as decorrentes dificuldades, e até mesmo ausência ou não de contato entre as comunidades e o processo de manutenção e/ou revitalização da língua. Para alcançar tais objetivos, a ancoragem teórica parte das abordagens da Sociolinguística Variacionista, e da Variação Linguística relacionadas ao ensino de língua materna.

O termo “Sociolinguística” consolidou-se em 1964, em congresso organizado por William Bright, realizado na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Encontro no qual participaram vários outros estudiosos que trabalhavam a relação entre linguagem e sociedade, como John Gumperz, William Labov, Einar Haugen, entre outros. A partir dos trabalhos e discussões apresentadas, partiam da hipótese de que a Sociolinguística deve demonstrar a covariação das variações linguísticas e sociais. De início, a proposta da área era identificar um conjunto de fatores definidos socialmente, que estivessem de alguma forma relacionados com a diversidade linguística, pois, como era defendido pelo grupo, era de extrema importância o estudo de tais fatores, afirmando a relação existente entre linguagem, cultura e sociedade, consideradas fenômenos inseparáveis (SALOMÃO, 2011).

Assim, a Sociolinguística surge como uma das subáreas da Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo; pois busca desvendar as regras variáveis da língua, contextos linguísticos e sociais.

Nesse sentido, a variação é constitutiva das línguas humanas. Ter uma cultura é identificar-se com as características de um determinado grupo, que representam o conjunto de

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“essências”, por assim dizer. As abordagens das áreas do conhecimento, desse modo, devem ser críticas e reflexivas e considerarem o percurso histórico de cada povo, suas relações com o Estado Nacional e com as diversas políticas públicas por ele implementadas (saúde, fundiária, educação etc.). É necessário, nesse contexto, atentar-se à heterogeneidade linguística, postulando que não há como estudar a língua sem estudar, ao mesmo tempo, a sociedade em que esta é falada, evidenciando, dessa forma, a inter-relação entre língua e sociedade. “O grande avanço da sociolinguística se funda basicamente na sua conceituação de língua como sistema intrinsecamente heterogêneo, em que se entrecruzam e são correlacionáveis fatores intra e extralinguísticos, ou seja, fatores estruturais e fatores sociais (como classe, sexo, idade, etnia, escolaridade, estilo)” (MATTOS E SILVA, 2004, p. 299).

Assim, a Sociolinguística, também conhecida como Teoria da Variação, preocupa-se basicamente em fazer um estudo da língua em uso na(s) comunidade(s) de fala. Por comunidade de fala podemos entender um conjunto formado por falantes que, antes de compartilharem traços linguísticos semelhantes, compartilham atitudes e valores, normas sociais. (SALOMÃO, 2011). Tal estudo considera a língua como algo social, que pertence a todo e qualquer indivíduo de uma comunidade de fala, “a língua tal como usada na vida diária por membros da ordem social” (LABOV, 2008, p. 13). A Sociolinguística, portanto, compreende a língua como uma estrutura viva, em constante processo de mutação, variação e diversificação, com base na região e/ou comunidades rurais e urbanas em que uma forma de variedade linguística é observada, empregada, ou seja, possui um caráter totalmente heterogêneo.

Vale ressaltar que a heterogeneidade não ocorre somente de uma comunidade para outra, mas, como no caso de um país tão diversificado como o nosso, rico em diversidades sociais e culturais, encontram-se, também, características linguísticas variantes dentro dos próprios núcleos das comunidades de fala, entre os gêneros masculino e feminino, idade dos falantes, forma de alfabetização, entre os considerados mais ou menos “letrados” ou “cultos”, não apresentando, portanto, um comportamento linguístico homogêneo, como muitas vezes é dito ser. É possível afirmar, ainda, que até entre os ‘falantes cultos’ há heterogeneidade, visto que “não existe um comportamento linguístico homogêneo por parte dos ‘falantes cultos’, sobretudo (mas não somente) no tocante à língua falada, que apresenta variação de toda ordem, segundo a faixa etária, a origem geográfica, a ocupação profissional etc. dos informantes” (BAGNO, 2002, p. 179).

Dessa forma, o universo da oralidade e mesmo o da escrita, comparados ao universo das tradições gramaticais, revela fatores heterogêneos da língua. Conforme Bortoni-Ricardo

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(2005, p. 20), “a sociolinguística se ocupa principalmente das diversidades nos repertórios linguísticos das diferentes comunidades, conferindo às funções sociais que a linguagem desempenha a mesma relevância que até então se atribuía tão-somente aos aspectos formais da língua.”

Assim, é possível dizer que a Sociolinguística permite analisar e compreender aspectos linguísticos e sociais, e como estes se relacionam no que diz respeito à linguagem. Para Labov (1972, apud MONTEIRO, 2000, p. 16-17):

a função da língua de estabelecer contatos sociais e o papel social, por ela desempenhado, de transmitir informações sobre o falante, constituem uma prova cabal de que existe uma íntima relação entre língua e sociedade. Essa relação, porém, é muito mais profunda do que se imagina. A própria língua como sistema acompanha de perto a evolução da sociedade e reflete de certo modo os padrões de comportamentos, que variam em função do espaço.

Nesse contexto, não se pode mais admitir a existência de uma única norma, como nos quer fazer crer a gramática tradicional, mas, sim, normas linguísticas presentes nos grupos sociais, devido aos distintos indivíduos que deles fazem parte e contribuem para seu desenvolvimento, mudanças, trocas etc., revelando características identitárias por agregarem a eles valores socioculturais. Cabe salientar, por sua vez, que os indivíduos de uma comunidade de fala também se misturam, mesclam-se a outros e mais outros, e se influenciam mutuamente, ou seja, são enredados ou “hibridizados” (FARACO, 2002). Portanto,

numa sociedade diversificada e estratificada como a brasileira, haverá inúmeras normas linguísticas, como, por exemplo, a norma característica de comunidades rurais tradicionais, aquelas de comunidades rurais de determinada ascendência étnica, a norma característica de grupos juvenis urbanos, a(s) norma(s) característica(s) de populações das periferias urbanas, a norma informal da classe média urbana e assim por diante (FARACO, 2002, p. 38).

A língua, portanto, é intrinsecamente dinâmica e heterogênea, como uma atividade social, sendo constituída em todo o seu cerne de diferenciações, variedades, diversidades culturais, sociais, linguísticas. E é como uma, dentre muitas variedades, que é definida a ‘norma culta’:

A expressão norma culta deve ser entendida como designando a norma linguística praticada, em determinadas situações (aquelas que envolvem certo grau de formalidade), por aqueles grupos sociais mais diretamente relacionados com a cultura escrita, em especial por aquela legitimada historicamente pelos grupos que controlam o poder social (FARACO, 2002, p. 40).

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existe a necessidade e a importância de procurar entender a relação entre língua, cultura e sociedade presente nas comunidades de fala, pois é através desta interação que ocorrem as mudanças na língua. A esse respeito Hora (2004) diz que A Teoria da Variação opõe-se à ausência do componente social e à concepção de língua que até então imperava na linguística estrutural e gerativa. Situa-se, por outro lado, em relação ao conjunto língua e sociedade, considerando a variedade das formas em uso como objeto complexo, que sofre influência de fatores internos, próprios do sistema linguístico, e dos fatores sociais que interagem principalmente no ato da comunicação.

São de fato os fatores sociais que mais contribuem no processo de mudança da língua, uma vez que é por meio deles que informações são registradas no inconsciente dos falantes, permitindo que as estruturas de fala (expressões, termos, colocações) se modifiquem com o tempo, adequando-se à nova forma como a língua é usada. “Podemos compreender, portanto, que o sistema linguístico não muda senão muito lentamente, e sob a pressão de necessidades internas” (BENVENISTE, 1989).

1.1 A sociolinguística e a diversidade na língua

Dentro da área de estudos sociolinguísticos, especialmente, os de cunho variacionista, uma temática tem a certo tempo sido alvo de estudos, pesquisas, e análises: a diversidade linguística dos grupos sociais e o ensino de língua materna. A Sociolinguística encara a diversidade linguística não como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do fenômeno linguístico, que influencia o processo de ensino-aprendizagem de língua materna.

a língua não está registrada por inteiro nos dicionários, nem suas regras de funcionamento são exatamente (nem somente) aquelas que aparecem nos livros chamados gramáticas. É mais uma ilusão social acreditar que é possível encerrar num único livro a verdade definitiva e eterna sobre uma língua (BAGNO, 2007, p. 36).

No entanto, apesar dos avanços e diversos estudos e pesquisas nesta área de atuação, sua aplicação empírica é ainda principiante. Assim, faz-se necessário, ainda, escrever sobre essa temática, levá-la a diferentes níveis de divulgação, fazer com que chegue a maiores núcleos, e a partir daí abranja novos níveis de construção e análise.

Partindo, então, do ponto de vista da Sociolinguística, é possível afirmar que nas comunidades de fala, frequentemente, quando não sempre, existirão formas linguísticas em variação. Dessa forma, toda e qualquer análise sociolinguística deve ser voltada para as variações sistemáticas, concebidas como uma estruturada heterogeneidade.

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na contramão das crenças mais difundidas, a variação e a mudança linguísticas é que são o “estado natural” das línguas, o seu jeito próprio de ser. Se a língua é falada por seres humanos que vivem em sociedades, se esses seres humanos e essas sociedades são sempre, em qualquer lugar e em qualquer época, heterogêneos,

diversificados, instáveis, sujeitos a conflitos e a transformações, o estranho, o

paradoxal, o impensável seria justamente que as línguas permanecessem estáveis e homogêneas! (BAGNO, 2007, p. 37, grifos do autor).

Não existe, assim, um caos linguístico. Existe, pelo contrário, um sistema (uma organização) por trás da heterogeneidade da língua falada.

Conforme Bagno (2007, p. 38), “o objetivo central da sociolinguística, como disciplina científica, é precisamente relacionar heterogeneidade linguística com a heterogeneidade social”, visto que ambas as caracterizações variam em diferentes aspectos. Uma das caraterísticas mais importantes das línguas humanas e mais relevantes à questão do ensino da língua materna é, portanto, a diversidade linguística. Este é um ponto básico nas pesquisas e teorias sociolinguísticas e, em princípio, não precisamos de nenhuma pesquisa acadêmica formal para reparar na existência desta diversidade; essa se faz evidente pela experiência de todos. Entretanto, em muitas sociedades, como é o caso da sociedade brasileira, a representação sociocultural da língua de certo modo oblitera essa percepção, fazendo crer que a língua não varia de verdade – ou, de uma forma idealizada, faz crer que a língua não deveria variar.

A língua, assim, não é de forma alguma um fenômeno isolado, está relacionada a fatores sociais, culturais e geográficos e, sendo assim, a variação da língua não é decorrente apenas de fatores intergeracionais, mas também da interação com diferentes culturas e estratos sociais. A língua, nesse contexto, reflete um sistema dotado de heterogeneidade sistemática, um sistema em constante uso, sujeito a mudanças nas distintas comunidades de fala.

A língua é, portanto, uma atividade social, um trabalho coletivo, empreendido por todos os seus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da fala ou da escrita (BAGNO, 2010, p. 36).

Ainda a respeito desta correlação entre língua e sociedade, William Labov acredita que o novo modo de fazer linguística é estudar de forma empírica os falantes e suas respectivas comunidades de fala, pois desse modo se poderá apreender “o estilo em que o mínimo de atenção é dado ao monitoramento da fala” (LABOV, 2008, p. 208). Os estudos empíricos, por sua vez, possibilitam maior aprendizagem e sistematização de usos, permitindo propostas de ensino que tenham como propósito a ampliação das competências linguísticas do

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aluno à medida que se ampliam os papéis sociais e as redes sociais; um ensino de língua sensível às diferenças socioculturais.

Esses estudos, portanto, detêm-se à compreensão das manifestações da língua no seio da sociedade, considerando toda e qualquer prática social como influência concreta. Cabe, ainda, aos estudos sociolinguísticos, investigar o nível de estabilidade ou mutabilidade das variações linguísticas; o surgimento ou extinção de línguas, multilinguismos e mudanças.

1.2 A diversidade/variedade linguística e o preconceito linguístico

Se a língua portuguesa se impôs para praticamente toda a sociedade brasileira, ela não se impôs de maneira igual por todo nosso território. Como a língua reflete também a estrutura social da comunidade que a usa, não se torna difícil observar as desigualdades de acesso à língua portuguesa formal no Brasil, e em como estas refletem nos distintos estratos socioeconômicos da sociedade brasileira.

Conforme Aguilera (2008, p. 105), a “atitude linguística assumida pelo falante implica a noção de identidade, concebida como o conjunto de características que permitem diferenciar um grupo de outro, uma etnia de outra, um povo de outro”. Baseado nisto, podemos afirmar que as variações de determinado grupo, sejam elas quais forem, não podem ser compreendidas apenas como um emaranhado de formas linguísticas; elas também são um emaranhado de valores socioculturais que acabam por se articular com determinadas formas linguísticas.

Conforme nos aponta Bagno:

Ao contrário de um produto pronto e acabado, de um monumento histórico feito de pedra e cimento, a língua é um processo, um fazer-se permanente e nunca concluído. A língua é uma atividade social, um trabalho coletivo, empreendido por todos os seus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da fala ou da escrita (BAGNO, 2007, p. 36, grifos do autor),

Ao estudarmos a língua em uso numa comunidade de fala, defrontamo-nos com a realidade da variação. Os falantes têm características distintas e estas diferenças, identificadas como fatores sociais ou externos, também atuam na forma de cada um se expressar. Porém, como vimos, a variação observada nos falares de uma comunidade nem sempre está ligada apenas aos fatores externos. Fatores internos, inerentes ao sistema linguístico, também pressionam e possibilitam a ocorrência da variação.

Também salienta Faraco:

qualquer língua é sempre heterogênea, ou seja, constituída por um conjunto de variedades (por um conjunto de normas). Não há, como muitas vezes imagina o senso comum, a língua, de um lado, e, de outro, as variedades. A língua é em si o

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conjunto das variedades. Ou seja, elas não são deturpações, corrupções, degradações da língua, mas são a própria língua: é o conjunto de variedades (de normas) que constitui a língua (FARACO, 2008, p. 71).

Grosso modo, a diversidade linguística é, assim, decorrente mais das mudanças ocasionadas no contato entre povos ao longo da história da humanidade do que em função de um pretendido isolamento dos mesmos. A história das línguas, como há muito já sabemos, é nada mais nada menos do que a série dos contatos/intercâmbios entre povos.

Ainda assim, a escola tradicional insiste em se apegar a metodologias extremamente rígidas e tende a não reconhecer a diversidade e a variação linguísticas, fatores que tornam cada vez mais importante a luta por uma educação diferenciada, em especial para nossos alunos que lutam em prol do aprendizado de sua língua primeira, sua língua materna. É claro que, nesse contexto, trabalhar a gramática e a ortografia, por exemplo, tem sim a sua devida importância, mas isso não é tudo quando se trata do ensino da Língua Portuguesa. Ao afirmar que existe variação na língua, já que a “heterogeneidade, ou variação, é inerente a todo sistema linguístico e não é aleatória”, mas ordenada por restrições linguísticas e extralinguísticas, Labov (1972, apud HORA, 2004) mostra que existem também variantes e que são elas que levam o falante a usar certas formas e não outras quando faz uso da língua falada.

Contudo, quando sujeitos utilizam variedades linguísticas que destoam da variedade ‘culta’, surge o preconceito linguístico que é, segundo nossas leituras, a agregação de valor determinado pela sociedade para prestigiar ou estigmatizar alguém ou algum grupo, atribuindo-lhes estigmas tais como ‘inferior’ ou ‘incapaz’ (geralmente para mulheres, negros, indígenas etc.), uma variedade, um idioma, uma comunidade de fala, o que muitas vezes culmina no famigerado discurso: os diferentes são portadores de defeitos. um fenômeno social denominado: o preconceito linguístico.

Dar vida ao preconceito linguístico é julgar falantes ou grupos inteiros em uma comunidade pelas formas linguísticas que empregam (e essas formas geralmente são as que se afastam do padrão). O argumento é que há, em uma língua, construções corretas e incorretas, melhores e piores, e que os falantes que “erram” em suas escolhas ao falar e ao escrever são, consequentemente, também imperfeitos, pessoas que ou desprezam ou que têm dificuldade em atingir o nível em que só se empregam as construções aceitáveis/corretas. A aceitação dessa ideia, e da noção de erro no uso linguístico que está por trás dela, autoriza a exclusão social gerada pelo preconceito linguístico – uma exclusão que, em muitos casos, é bastante dura:

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essa é uma questão que a gente sempre trabalha na escola, porque a gente mora em um município pequeno, e eles tinha que aprender pelo menos alguma coisa da gente, mas lá eu vejo muito discriminação. Quando a gente tá falando a nossa língua, eles falam assim “fala direito!” Claro que eu tô falando direito, tô falando a minha língua nativa. (Sujeito 21, etnia Tapirapé, 24 anos. Região de Santa Terezinha – MT).

Atualmente, os estudos e análises linguísticas e sociolinguísticas evidenciam cada vez mais a estreita ligação entre o preconceito linguístico e o preconceito social, especialmente por causa da valorização do português padrão. Conforme Bagno,

a grande massa de alunas e alunos das novas escolas públicas falava (e fala) variedades linguísticas muito diferentes das variedades urbanas usadas pelas camadas sociais prestigiadas, e mais diferentes ainda da norma-padrão tradicional, modelo de língua “correta” que o ensino tentava (e em boa parte ainda tenta) transmitir e preservar (BAGNO, 2007, p. 32).

Assim, a maneira diferenciada de uso da língua, que nem sempre obedece às regras da gramática normativa, por exemplo, variedades enunciadas por indivíduos que tiveram pouca escolarização ou que pertencem às classes sociais menos favorecidas geralmente estão fadadas ao preconceito social, e, por conseguinte, à estigmatizarão linguística. Tal estigma pode muitas vezes acabar por materializar a concepção de que a simples presença de sujeitos que não se adequam/encaixam nos padrões de comportamento apreciados socialmente pode corromper a “ordem social”, causando, assim, a marginalização social e linguística.

Segundo Bagno:

o problema está em achar que a variação linguística é um “problema” que pode ser “solucionado”. O verdadeiro problema é considerar que existe uma língua perfeita, correta, bem-acabada e fixada em bases sólidas, e que todas as inúmeras manifestações orais e escritas que se distanciem dessa língua ideal são como ervas daninhas que precisam ser arrancadas do jardim para que as flores continuem lindas e coloridas (BAGNO, 2007, p. 37).

Para desmitificar tal “problema” é preciso combatê-lo e, como aponta a Sociolinguística, é necessário estudar as distintas variedades linguísticas, reconhecê-las e constatar que elas precisam ser consideradas. A respeito desse assunto ainda, Bagno afirma que

parece ser mais interessante (por ser mais democrático) estimular, nas aulas de Língua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades sociolinguísticas, para que o espaço da sala de aula deixe de ser o local para o 1 Os depoimentos obtidos através das entrevistas, todas realizadas na Faculdade Intercultural Indígena, localizada em Barra do Bugres, foram numerados e os sujeitos indígenas identificados a partir da sequência dos números naturais: Sujeito aluno 1, Sujeito aluno 2, Sujeito aluno 3, Sujeito aluno 4, Sujeito aluno 5, Sujeito aluno 6, Sujeito aluno 7, Sujeito aluno 8, de acordo com a ordem em que foram realizadas as entrevistas. Optou-se por essa metodologia para preOptou-servar as suas identidades. Ressalta-Optou-se, também, que as transcrições foram feitas respeitando-se as variantes e variedades utilizadas por cada sujeito.

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espaço exclusivo das variedades de maior prestígio social e se transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos (BAGNO, 2002, p. 32).

Não se trata, contudo, de substituir uma variedade por outra arbitrariamente, mas reconhecer bem como respeitar as demais modalidades expressivas existentes e, de tal maneira, conseguir diminuir as atitudes preconceituosas advindas de se considerar a variedade culta/padrão como única, imutável, correta.

1.3 Contatos linguísticos: variação e preconceito

Nossa cultura tem já há algum tempo desmerecido, quando não ignorado, a multiplicidade de línguas faladas na sociedade brasileira. Somos, sem dúvida alguma, um país multilíngue. Centenas de variações em nosso idioma podem ser muito facilmente encontradas. Destacam-se, dentre as mais numerosas, as línguas indígenas (cerca de 180) e dezenas de línguas advindas do processo de imigração, além dos remanescentes de línguas africanas. Apesar disso, erroneamente dissemina-se a ideia de um país com uma língua somente, o que ocasiona, muitas vezes, preconceito relativo ao uso “incorreto” dessa língua. Há que se refletir, dessa forma, também acerca da noção de erro. Em se tratando de língua, o que seria de fato considerado erro?

Em seu livro Nada na língua é por acaso, Marcos Bagno esclarece que

No primeiro modo de ver as coisas, isto é, na perspectiva das ciências da linguagem,

não existe erro na língua. Se a língua é entendida como um sistema de sons e

significados que se organizam sintaticamente para permitir a interação humana, toda e qualquer manifestação linguística cumpre essa função plenamente […] (BAGNO, 2007, p. 61, grifos do autor).

Dessa forma, enquanto na concepção normativa tradicional o “erro” é visto como uma distorção, desvio da norma culta, nos estudos sociolinguísticos ele é observado como um uso inadequado à situação. Esse mesmo autor também afirma que:

Em relação à língua escrita, seria pedagogicamente proveitoso substituir a noção de erro pela de tentativa de acerto. Afinal, a língua escrita é uma tentativa de analisar a língua falada, e essa análise será feita, pelo usuário da escrita no momento de grafar sua mensagem, de acordo com seu perfil sociolinguístico (BAGNO, 1999, p. 126).

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uma língua diferente, podem fazer para se comunicar? Nessa situação de comunicação, percebe-se que o interesse em tentar aprender a língua do outro é proporcional ao interesse nos frutos da interação com o outro.

Assim, quando duas línguas entram em contato, de modo geral, uma acaba assumindo a função de língua do grupo dominante (geralmente menor), imposta como veículo de comunicação ao grupo dominado, e a partir da qual se constitui o léxico da variedade que pode se formar na situação de contato com a língua do grupo dominado (geralmente o de maior número), ou seja, esta recebe a contribuição lexical da língua do grupo dominante. (SOUZA, BATISTA, MÈLO, 2013). Sobre esta constatação, vale ressaltar parte da narrativa do sujeito 5, índio da etnia Munduruku, quando diz que:

ainda sofremos muito preconceito, existem vários termos na Língua Portuguesa que são a partir da discriminação das línguas indígenas [...] vocês também deveriam tentar aprender nossa língua materna, inclusive é um tema que eu abordo em minhas palestras, eu chego no meio do público e digo pra eles e digo “Bom dia” no idioma da minha etnia e ninguém me entende, mas logo depois, quando eu falo Good

Morning, todos respondem e a partir daí eu pego esse contexto, se aprende um

idioma lá do outro lado do mundo, mas não aprende um idioma que é daqui [...] (Sujeito 5, etnia Munduruku, 31 anos. Região de Alto Tapajós – PA).

Nesse sentido, não se pode negar que há grande carga de estigma circunscrita a algumas representações linguístico-culturais. Dessa maneira, vários segmentos da nossa população sofrem preconceito, e mesmo exclusão social, em razão do modo como falam a língua portuguesa; outros, ainda, são prejudicados/estigmatizados, porque, embora cidadãos brasileiros, não têm o português como sua língua materna. Tal transtorno pode ser observado no relato do sujeito 1, da etnia Umutina, estudante da Faculdade Intercultural Indígena, localizada em Barra do Bugres:

Não se pode ensinar o português do Brasil para um falante nativo ignorando aquilo que ele já sabe – a sua língua mãe –, nem ignorando a diversidade de usos que a cerca [...] (Sujeito 1, etnia Umutina, 27 anos. Margem direita do rio Paraguai – MT).

Assim, a partir dessas constatações, é possível afirmar que o ensino que temos dado a nossos estudantes acaba por não oferecer as condições para se transitar com segurança por entre as variedades do português e as diversidades linguísticas que existem em nosso país. Compreender esses pontos de discussão torna-se aqui extremamente importante, pois, sem isso acaba se tornando cada vez mais difícil ampliar, avançar as discussões no que diz respeito às questões linguísticas educacionais.

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o cuidado ao lidar com essas pessoas que têm saberes e produzem cultura, embora se expressem de modo pouco familiarizado com a gramática de nossa língua, deve ser estimulado. Não há justificativa para transformar a linguagem popular em chacota e risos porque seria um desrespeito às pessoas que não tiveram oportunidades para aprender bem.

Por sua vez, o contato entre línguas ou entre variedades regionais e/ou sociais, favorece a variação e a mudança linguísticas. No entanto, esse fato não é fator de degeneração, e sim de diversificação, e deve ser discutido e trabalhado não só na academia, mas, principalmente, em sala de aula. “A variação linguística não entrava nos planos de ensino – ela era invisível e inaudível, relegada ao submundo do “erro”. De um momento para o outro, no entanto ela passou a se apresentar de forma muito concreta e muito eloquente” (BAGNO, 2012, p. 33).

Ter o conhecimento e a capacidade de interpretar os usos orais e escritos de determinada língua, e ser capaz de participar desses usos de acordo com o contexto sociointeracional, mostra o importante papel da escola no que tange ao ensino e aprendizagem da linguagem, ainda que não seja a escola a única responsável por este processo, que requer mudanças não só na concepção de ensino, mas de atitudes socioculturais.

A educação escolar em terras indígenas é, hoje, um desses espaços em que se defrontam concepções e práticas sobre o lugar do indivíduo indígena na sociedade brasileira. Onde leis inovadoras se defrontam com práticas arcaicas, em que os povos indígenas têm buscado o exercício de uma educação diferenciada que assista a todas as respectivas etnias de maneira adequada, onde o mais importante é o aluno saber quando e como usar a língua, e não ter uma regra estabelecida pela escola que venha desconsiderar tudo que foi assimilado por ele em sua comunidade de fala.

No ensino da língua materna em suas interações orais, faz-se necessário levar em consideração todos os aspectos a que o falante esteja exposto, além de vários outros fatores relevantes. Sendo assim, é preciso amoldar as escolas para que ensinem verdadeiramente a língua e suas diferentes possibilidades de uso.

É assim que, paulatinamente, um novo papel está sendo desenhado para as escolas no país, em especial, aqui na Faculdade Intercultural Indígena. O protagonismo desse processo está com professores indígenas e suas comunidades, cabendo-lhes definir o perfil dessa escola ideal para cada comunidade.

O escopo do próximo capítulo é a questão da educação diferenciada, com maior atenção às contribuições da Sociolinguística e as possíveis dificuldades encontradas no

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processo de formação de indivíduos aptos a atuar com a mesma desenvoltura dentro e fora de suas comunidades, por meio dos instrumentos de conhecimento da sociedade majoritária.

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2 ESCOLA PARA ÍNDIGENA

Segundo Matos e Monte (2006, p.72), no Brasil, como na maioria dos países americanos, a educação escolar foi, e ainda é, empregada como um recurso, quase sempre extremamente eficaz, de destruição da diversidade. Inúmeras iniciativas de civilização e integração forçada à sociedade nacional foram implementadas pela coroa portuguesa, pelo império e também pela república, para que tal propósito fosse alcançado. Mesmo assim, recorrendo a diversas formas de resistência, as sociedades indígenas tentaram “domesticar” a escola ou, quando isso não era possível, tornaram-se totalmente refratárias a ela. Considerando tais observações, o que se verifica é que a escola, inicialmente imposta aos povos indígenas, hoje é reivindicada por eles como “um modelo de escola mais respeitoso à diversidade e aos direitos coletivos assegurados mais tarde na Constituição brasileira” (MATOS; MONTE, 2006, p. 72).

Desta forma:

[…] olhando, retrospectivamente, temos uma história de longa duração, na qual os povos indígenas sempre foram vistos como um problema, e a única resposta que se conseguiu foi a formulação de políticas para que deixassem de ser o que eram […] (Sujeito professor 4², idade não declarada, Região de Rondonópolis - MT).

Com o processo de redemocratização do país, os povos indígenas passaram a ter um papel mais ativo na formulação da política indigenista, por meio de organizações representativas. No espaço de 20 anos, entre 1980 e 2000, foram criadas cerca de 183 organizações indígenas, só na região amazônica, entre as quais se destacam as associações de docentes indígenas (ALBERT, 2001).

Para esses povos, a escola foi, durante séculos, um instrumento de opressão, o que está registrado atualmente na memória oral de muitos povos e foi até mesmo incorporado em alguns de seus mitos (FREIRE, 2001 b). Nesse sentido, depoimentos de docentes indígenas de vários estados do Brasil confirmam o papel histórico da escola como devoradora de identidades (FREIRE, 2002).

Segundo Grupioni,

[…] impondo-se por meio de diferentes modelos e formas, cumprindo objetivos e funções diversas, a escola esteve presente ao longo de toda a história de relacionamento dos povos indígenas com representantes do poder colonial e, posteriormente, com representantes do Estado-nação (GRUPIONI, 2006, p. 43). ___________________________

2 Além dos sujeitos indígenas-alunos entrevistados, os docentes encarregados pelas aulas também contribuíram com entrevistas faladas, gravadas e transcritas, sendo aqui classificados como Sujeito professor 1, Sujeito professor 2, Sujeito professor 3, Sujeito professor 4, conforme a ordem das entrevistas.

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As condições começaram a mudar recentemente, quando, em 1988, foram criadas as bases legais para a construção de uma nova escola indígena em substituição ao modelo colonial da velha escola para indígenas. Várias dessas bases tiveram atuações decisivas nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, conquistaram aliados de peso e conseguiram que a Constituição promulgada em 1988 reconhecesse, em um capítulo denominado “Dos Índios”, “a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (Artigo 231).

A partir de então, gradualmente, a escola destinada aos povos indígenas começa a alcançar conquistas importantes. A Portaria Interministerial do Ministério da Justiça (MJ) e Ministério da Educação (MEC) nº 559/913, reforçando as disposições da Constituição Federal (CF) de 1988, trata da garantia de oferta da educação escolar indígena de qualidade, diferenciada e laica, do ensino bilíngue, da criação de órgãos normativos para o acompanhamento e desenvolvimento da educação indígena, dos recursos financeiros, da formação de professores capacitados, do reconhecimento das instituições escolares, da garantia de continuidade dos estudos em escolas comuns, quando estes não forem oferecidos nas escolas indígenas, da garantia de livre acesso ao material didático e da determinação da revisão da imagem do índio, historicamente distorcida, divulgada nas redes de ensino.

Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394, de 20/12/96, trata da oferta do ensino regular para os povos indígenas:

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

No art. 79, a LDBEN4 dispõe sobre o desenvolvimento dos programas

educacionais indígenas:

A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades 3 A Portaria nº 559/91 estabelece a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (NEIs) nas Secretarias Estaduais de Educação, de caráter interinstitucional com representações de entidades indígenas e com atuação na Educação Escolar Indígena. Define como prioridade a formação permanente de professores índios e de pessoal técnico das instituições para a prática pedagógica, indicando que os professores índios devem receber a mesma remuneração dos demais professores. Além disso, são estabelecidas as condições para a regulamentação das escolas indígenas no que se refere ao calendário escolar, à metodologia e à avaliação de materiais didáticos adequados à realidade sociocultural de cada sociedade indígena.

4 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) define e regulariza a organização da educação brasileira com base nos princípios presentes na Constituição.

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indígenas.

§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos no Plano Nacional da Educação, terão os seguintes objetivos:

I – fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena;

II – manter os programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;

III – desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

IV – elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.

Na sequência, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena foram aprovadas em 14/09/1999, por meio do Parecer 14/995da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação. O Parecer apresenta a fundamentação da educação indígena, determina a estrutura e funcionamento da escola indígena e propõe ações concretas em prol da educação escolar indígena. Em 17/11/1999 a Resolução 3/996, preparada pela Câmara Básica, do Conselho Nacional de Educação, que fixa diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas, foi publicada no Diário Oficial da União. Importantes definições foram aí inscritas e regulamentadas, no sentido de serem criados mecanismos efetivos para a garantia do direito dos povos indígenas a uma educação diferenciada e de qualidade. Algumas destas definições merecem ser destacadas.

Art. 1º - Estabelecer, no âmbito da Educação Básica, a estrutura e o funcionamento das escolas indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica.

Art. 2º - Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e o funcionamento da escola indígena:

I – sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas, ainda que se estendam por territórios de diversos estados ou municípios contíguos;

II – exclusividade de atendimento a comunidades indígenas;

III – ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas, como uma das formas de preservação da realidade sociolingüística de cada povo;

IV – a organização escolar própria.

Parágrafo único. A escola indígena será criada em atendimento à reivindicação ou por iniciativa de comunidade interessada, ou com a anuência da mesma, respeitadas suas formas de representação.

[…]

Art.10. O planejamento da Educação Escolar Indígena, em cada sistema de ensino, deve contar com a participação de representantes de professores indígenas, de organizações indígenas e de apoio aos índios, de universidades e órgãos governamentais.

5 Dividido em capítulos, o Parecer nº 14/99 da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação, aprovado em 14.09.99, apresenta a fundamentação da educação indígena e determina a estrutura e o funcionamento da escola em terras indígenas.

6 A Resolução n°3/99 do Conselho Nacional de Educação define escola indígena como estabelecimento localizado em terras habitadas por comunidades indígenas, que dê exclusividade de atendimento a essas comunidades. Além disso, o ensino deve preferencialmente ser ministrado nas línguas próprias das comunidades atendidas e ter uma organização escolar autônoma. Essa mesma Resolução estabelece que as escolas indígenas deverão ser regularizadas administrativamente “como unidades próprias, autônomas e específicas no sistema estadual”.

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Art.11. Aplicam-se às escolas indígenas os recursos destinados ao financiamento público da educação.

Parágrafo único. As necessidades específicas das escolas indígenas serão contempladas por custeios diferenciados na alocação de recursos a que se referem os arts. 2º e 13° da Lei nº 9.424/96.

Art.12. Professor de escola indígena que não satisfaça às exigências desta Resolução terá garantida a continuidade do exercício do magistério pelo prazo de três anos, exceção feita ao professor indígena, até que possua a formação requerida.

Em 2001 ocorreu a promulgação do Plano Nacional de Educação (PNE), reafirmando a responsabilidade legal dos sistemas estaduais de ensino pela educação indígena de qualidade, respeitando a diversidade e cultura de cada povo e com o propósito de garantir a regularização das escolas indígenas a partir dos parâmetros traçados pela Portaria Interministerial nº 559/91 e pela LDB.

Esses documentos redesenharam uma nova função social para a escola indígena, detalhando o direito de suas comunidades a uma educação bilíngue, intercultural, comunitária, específica e diferenciada. Essa nova escola, cujo objetivo principal é o reconhecimento das diversidades cultural e linguística, pretende valorizar os saberes indígenas, com seus complexos sistemas de pensamento, recuperando suas memórias históricas e reafirmando suas identidades, para construir, a partir dessa base, uma ponte que ligue os povos indígenas a outras experiências históricas diferentes e facilite o seu acesso aos conhecimentos técnico-científicos da sociedade nacional (MEC, 1998).

Para Fleuri (2003), ao reconhecer e valorizar as diferenças étnicas e culturais, ocorre a ressignificação da própria identidade indígena, desconstruindo a ideia de estabilidade e fixidez natural. Ao materializar o gênero, a etnia, os valores e as condições sociais, os indígenas afirmam os significados do lugar que ocupam nas relações sociais que os constituem. Desta forma, podemos dizer que os povos indígenas vêm articulando suas identidades étnicas ao longo de todo o processo histórico tenso e conflituoso no qual têm vivido:

logo no começo muitos deles falavam que a língua não era para ser ensinada na escola, “escrever pra quê? Eles são falantes, a escola é extra comunidade, extra aldeia, extra cultura. É algo que vem de fora.”, eles são povos orais, então não necessitavam da escrita a seu ver. Hoje, devido até a própria faculdade, quase 15 anos de faculdade, com os professores discutindo linguística mesmo vão convencendo essas pessoas que é importante sim, é preciso sim, eles têm que registrar a língua deles também e hoje eles têm isso, geralmente fazem tudo nas duas línguas, porque se o pai manda a criança para a escola ele quer que aprenda a língua portuguesa, pra quê? Pra “se defender do branco”. (Sujeito professor 4, idade não declarada, Região de Rondonópolis – MT).

Segundo Cohn (2001, p.41), “a articulação feita deixa claro que os indígenas estão recuperando-se e construindo-se e seus signos de identidade indígenas são reconhecidos pela

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sociedade nacional”. Vale destacar que entendemos, por identidade cultural, algo dinâmico, que se ressignifica conforme a conjuntura e a situação histórica.

Contudo, a questão da escola diferenciada ainda gera bastante dúvida por parte dos docentes indígenas, se de fato há uma chance de acontecer com plenitude como preconizam as diretrizes. Tal dúvida se deve, também, ao vigor da ideologia civilizatória que presidiu a nossa contraditória formação histórica, visto que ainda há dificuldades no reconhecimento de uma sociedade multiétnica, multicultural e plurilinguística.

Atualmente, os grupos que fazem parte dos projetos de pesquisa e implementação da educação diferenciada batem, também, nessa mesma tecla, com discussões sobre edificação das diferenças, reconhecimento da língua materna, valorização das práticas das culturas tradicionais, dentre outros problemas nada recentes no cenário educacional brasileiro.

Como pontuou um de nossos sujeitos,

Há anos se tem buscado implantar uma legitimação e uma escola com currículo, tempo, processo pedagógico específico de cada cultura de cada comunidade linguística. (Sujeito professor 1, 42 anos. Região de Luciara -MT).

A implementação desses avanços, por sua vez, é um processo em curso e que exige vontade política e medidas concretas para sua efetivação. No plano governamental, ainda são tímidas as iniciativas que garantem uma escola de qualidade que atenda aos interesses e aos direitos dos povos indígenas em suas especificidades diante dos não índios e em suas diversidades internas (linguística, cultural e histórica). Mas, há caminhos seguros que vêm sendo trilhados pela atuação conjunta de grupos indígenas e assessores não indígenas, ligados a organizações da sociedade civil e a universidades.

2.1 As dificuldades na luta por uma educação escolar diferenciada: propostas acadêmicas

A Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) tem, mais recentemente, contribuído para o fortalecimento da educação escolar indígena, específica e diferenciada, no estado de Mato Grosso e, por consequência, teve destaque como pioneira em nível nacional adotando práticas com o objetivo de oferta de educação superior para povos indígenas.

Essa contribuição inicia-se, mais especificamente, no ano de 2001, quando é implantado oficialmente o Projeto de Formação de Professores Indígenas – 3º Grau Indígena,

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com a realização de vestibular e o início das aulas no mês de julho, para as primeiras turmas dos Cursos de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas7.

Já no período compreendido entre 2002 e 2004 foi ofertada uma especialização Lato Sensu em Educação Escolar Indígena, que contou com a participação de professores indígenas já graduados, além de diferentes profissionais que atuavam e/ou ainda atuam na questão indígena.

Em junho de 2006, as primeiras Turmas concluíram as atividades dos Cursos, sendo realizada a Colação de Grau e a entrega dos diplomas de licenciados a 186 acadêmicos indígenas. Em agosto de 2007, considerando a necessidade de fortalecer as ações desenvolvidas pela UNEMAT em prol da Educação Superior indígena em Mato Grosso, o Projeto 3º Grau Indígena foi transformado no Programa de Educação Superior Indígena Intercultural - PROESI.

Durante o II Congresso Universitário da UNEMAT, realizado em dezembro de 2008, foi aprovada a criação da Faculdade Indígena Intercultural, incorporando as ações relacionadas à Educação Superior Indígena. A Faculdade tem por objetivo a execução dos Cursos de Licenciaturas Plenas e de Bacharelado, com vistas à formação em serviço e continuada de professores e profissionais indígenas, abertura de vagas nos cursos regulares de Pós-Graduação Lato Sensu e Stricto Sensu, cursos de formação continuada, e acompanhamento de acadêmicos indígenas nos cursos de graduação.

A formação dos professores, neste contexto, compreende etapas de estudos presenciais no Câmpus da UNEMAT em Barra do Bugres, a 150 km de Cuiabá, e etapas intermediárias (equipe pedagógica e professores visitam as aldeias para acompanhar os estudos acadêmicos (Estágio, atividades da etapa intermediária, TCC, pesquisa), realizadas à distância. Intensiva, a fase presencial se realiza durante as férias escolares, nos meses de janeiro/fevereiro e julho/agosto e no tempo restante o professor deve exercer atividades de ensino e pesquisa em sua própria aldeia.

A proposta pedagógica desse projeto, desde o seu surgimento, está baseada na

7 Informações retiradas de http://indigena.unemat.br/index.php/historico. Acesso em 01/07/2015. Os Cursos de Licenciaturas Específicas para a Formação de Professores Indígenas da Faculdade são uma iniciativa do Governo do Estado de Mato Grosso, concretizada por meio de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso - SEDUC/MT, a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia - SECITEC/MT, a Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT e a Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Conta, também, com o apoio da Prefeitura Municipal de Barra do Bugres/MT, que disponibiliza as instalações para alojamento dos cursistas durante as Etapas de Estudos Presenciais, e de instituições como a Fundação Nacional de Saúde -FUNASA, a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso - SES/MT e o Ministério da Educação - MEC. Há, também, o aval do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso - CEE-MT, do Conselho Estadual de Educação Indígena de Mato Grosso - CEI-MT e da Organização dos Profissionais da Educação Escolar Indígena de Mato Grosso - OPRIMT.

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valorização da cultura indígena, por meio de um currículo intercultural, que permita uma aliança entre a educação formal e o ensino da história e a apreensão dos saberes tradicionais dos povos indígenas. É prevista, também, a interação ativa dos professores indígenas em prol do seu aperfeiçoamento (UNEMAT, 20158).

desde que eu comecei, melhorei bastante e estou aprendendo muito e levando esse conhecimento para a comunidade, que sempre foi esperado pela comunidade e hoje eu vejo o quanto eu tô colaborando, porque nós vemos em um professor, um aluno, um acadêmico, uma referência, quando tem alguma dificuldade eles vão na gente saber como faz, como funciona, e me sinto orgulhosa por ter estudado, participado e até hoje permanecendo, porque muita gente desiste, mas hoje eu continuo por causa do meu povo e da minha comunidade [...] aqui onde estamos temos várias etnias, mas eu vejo isso como um jeito que me fortalece de eu vê, vendo as outras culturas. Quando a gente tá aqui, nós leva muitas coisas, vivendo com essas outra etnias, a gente leva muito conhecimento. (Sujeito aluno 2, etnia Tapirapé, 24 anos. Região de Santa Terezinha – MT).

A Faculdade dispõe, como supracitado, de uma proposta pedagógica, também da oferta de cursos, mas, tem, atualmente, apresentado dificuldades com as instituições parceiras, fundamentalmente, por causa da carência de políticas públicas que intercedam pela transformação do projeto em um programa permanente de formação. Para tanto, é preciso que se façam investimentos não só em estrutura física, mas em toda a logística necessária ao funcionamento e manutenção do programa.

Conforme a afirmação abaixo:

Atualmente, se tem presenciado um momento de pouco investimento e pouca atenção dos órgãos responsáveis pela oferta da educação superior para indígenas. Os órgãos de competência do Estado, da própria UNEMAT, precisam ter essa atenção um pouco mais destacada, e, desta forma, a educação indígena se configura como uma área de especial atenção no Estado de Mato Grosso, onde podemos encontrar um considerável número de comunidades indígenas. (Sujeito professor 3, 45 anos. Região de Tangará da Serra -MT).

Vale frisar, também, as declarações do sujeito professor 2 que estava dirigindo as etapas presenciais em Barra do Bugres no momento da entrevista, pois, segundo ele, a instituição não possui uma rubrica, um orçamento direcionado especificamente para manter a Faculdade Intercultural Indígena, e reitera não somente as dificuldades acima mencionadas, mas ainda que está mais do que no momento oportuno para que seja proposta pela Universidade a implantação desse programa como permanente. E, também, que precisa haver uma maior sensibilidade por parte de gestores, não somente neste contexto, mas no que diz respeito à educação escolar indígena em geral.

8. Informações retiradas da página UNEMAT - Diretoria de Gestão de Educação Indígena. Disponível em<http://indigena.unemat.br/>, acesso em 01/03/2016.

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