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Docência indígena em foco

No documento DANIELLA CORRÊA ALVARENGA (páginas 41-44)

Segundo Labov, “uma comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo de falantes que usam todos as mesmas formas. Ela é mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas a respeito da língua” (2008 [1972], p. 188). Ainda de acordo com o autor, “os membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de padrões normativos, mesmo quando encontramos variação altamente estratificada na fala

real” (LABOV, 2008 [1972], p. 225).

Assim, compreendemos que a formação de professores indígenas das escolas localizadas em suas respectivas comunidades é, atualmente, um dos principais desafios e também prioridades para a consolidação de uma educação escolar indígena ideal, em que os princípios em destaque são o da diferença, do bilinguismo, da especificidade e da interculturalidade.

Como bem colocou um dos sujeitos:

Aqui é, e sempre foi de opinião de todos, quando afirmamos que a escola indígena de qualidade só será possível no dia em que à sua frente estiverem profissionais de educação indígenas, pertencentes às suas comunidades de origem. Em todas elas, sem exceção (Sujeito professor 3, 45 anos. Região de Tangará da Serra - MT).

Logo à primeira vista, pode-se dizer que essa é uma tarefa complexa que tem encontrado soluções muito diferentes em várias partes do país, e para a qual não há um único modelo a ser adotado, em razão da alta heterogeneidade e diversidade, de situações sociolinguísticas, culturais, históricas e de formação e escolarização vividas por professores e professoras indígenas de distintas comunidades.

Todos os sujeitos concordam que,

O processo de aprendizagem de uma língua, ao contrário da aquisição, depende de esforço, exercício, prática [...] que depende de nossas habilidades individuais e exige empenho durante longo período […] (Sujeito professor 2, idade não declarada, Região de Maringá - PR).

A compreensão da necessidade de aprendizagem ocasiona demanda não só de professores e professoras indígenas, mas também de outras pessoas de suas comunidades que desejam alcançar uma educação qualificada, bilíngue, para suas crianças e jovens. Vale ressaltar, nesse contexto, que nas escolas indígenas a maioria dos profissionais já é indígena, contudo muitos não concluíram sua escolarização básica ou nem tiveram uma formação em magistério. Embora, como vimos no Capítulo 2, esteja prevista na legislação que trata do direito dos povos indígenas, ou seja, direito a uma educação intercultural diferenciada dos demais segmentos da população brasileira. Essas questões foram normatizadas por meio do Parecer 14/99 da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação e Resolução 3/99, gerada no âmbito das mesmas discussões que ensejaram o Parecer.

De modo geral, os processos de formação são hoje conduzidos não só por organizações, mas também por secretarias de educação estaduais, com o intuito de que haja a possibilidade de que professores e professoras indígenas desenvolvam competências

profissionais que lhes permitam atuar, de forma responsável e crítica, nos contextos sociolinguísticos e interculturais nos quais as escolas indígenas estão inseridas.

Outrossim, torna-se comum que, em muitas situações, caiba ao professor atuar na mediação e diálogo entre sua comunidade e as demais, tanto indígenas quanto não indígenas, e na sistematização e organização de novos saberes e práticas oriundas deste contato.

No contexto do 3º Grau Indígena, não tentam nos ensinar a ser índio, sabemos quem somos e nem negar o direito de ser cidadão, ter acesso aos conhecimentos que achamos importantes para as futuras gerações de nossas comunidades, para a autonomia indígena. (Sujeito aluno 2, etnia Tapirapé, 24 anos. Região de Santa Terezinha – MT).

Dessa forma, cabe a tarefa de refletirmos de forma crítica sempre, buscando estratégias que promovam a interação dos diversos tipos de conhecimentos que nos são apresentados e se entrelaçam no processo escolar. Tanto os conhecimentos ditos universais, a que todo estudante, indígena ou não, deve ter acesso, quanto os conhecimentos étnicos, próprios de cada comunidade, de cada etnia, que, uma vez negados/proibidos, hoje assumem uma postura cada vez mais crescente nos contextos escolares indígenas.

Com efeito,

[…] pegamos muito na produção de textos escritos, nos cursos, constituindo prestígio para autores indígenas que vão se tornando grandes conhecedores da área, e o são na verdade, empregando com competência crescente a linguagem escrita, formando sua individualização a partir de um instrumento socializado e já repleto de cânones. E o prestígio de pessoas da comunidade, construído ao longo de uma vida inteira em saberem manejar o discurso oral, o domínio da oratória, o carisma em prender a atenção e a fantasia de ouvintes, a revelação de um aprendizado sofrido e permanente de uma vida inteira. (Sujeito professor 3, 45 anos. Região de Tangará da Serra - MT).

Todavia, é preciso salientar o fato de que essa é uma via de mão dupla, ao lado de avanços significativos verificados no processo de qualificação profissional do professorado indígena nos últimos anos, ainda existem muitos obstáculos para a execução dessas práticas.

Um obstáculo posto em comum pelos sujeitos professores entrevistados é o fato de que muitas secretarias de educação ainda não se estruturaram para o trabalho com a educação indígena, não contando com equipe qualificada para ações de formação profissional, nem com recursos, e, muitas vezes, há falta de reconhecimento adequado.

Conforme a citação a seguir,

A falta de vontade política continua sendo o principal impedimento para que os direitos conquistados na legislação se efetivem, transformando as escolas localizadas em terras indígenas, permitindo que novos caminhos sejam trilhados e

experimentados.(Sujeito professor 1, 42 anos. Região de Luciara - MT).

Contudo, a temática da formação ganha cada vez mais força na pauta de atuação do movimento indígena no país, e, na contramão dessas dificuldades, professores, e comunidades indígenas exercitam sua persistência e determinação.

Como podemos compreender abaixo,

os povos indígenas no país têm buscado uma instituição, uma escola que lhes sirva de instrumento para a construção de projetos autônomos de futuro, acesso a conhecimentos que possam ser necessários para um novo tipo de interação com o mundo de fora da comunidade, existe uma riqueza imensa de conhecimentos que se mantêm velados. Nesse processo, a escola/universidade ganhou relevância dentro do movimento indígena, e professores e professoras indígenas, organizados em uma nova categoria de profissionais, têm hoje uma pauta própria de luta e reivindicações (Sujeito aluno 1, etnia Umutina, 27 anos. Margem direita do rio Paraguai – MT).

No documento DANIELLA CORRÊA ALVARENGA (páginas 41-44)

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