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Portugueses tomam ansioliticos a mais e criam dependência

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Academic year: 2021

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Estudo da Faculdade

de

Medicina

de Lisboa

Portugueses

tomam

ansioliticos

a

mais

e

criam dependência

Ninguém na Europa

tona

tantos calmantes como osportugueses, que deviam fazer o

desmame em meses e à3vezes prolongam a

(2)

RECEITA

PARA

COMBATER

O

VÍCIO

DOS

ANSIOLÍTICOS

Marta

F. Reis marta.reis@sol.pt

Portugal tem

a

taxa mais elevada

de

consumo

de

calmantes

na Europa.

Problema:

causam dependência

e o

uso

crónico

aumenta

o

risco de

que-das

e

demência.

A

Faculdade

de

Me-dicina

de

Lisboa testou

uma

solução

e os

resultados

surpreenderam.

Cristina

está há vá-rios meses sem

to-mar os calmantes que durante anos fo-ram a sua muleta

contra asinsónias e

voltou finalmente a

dormir

me-lhor. Inesperado? Nem por isso: a medicação que começara atomar

há mais deuma década para conse-guir dormir levou-a aum ponto li-mite: estava cadavez mais nervosa,

nada funcionava esó dormia

duas a três horas. Deitava-se perto dameia-noite epor vezes às 2 ho-rasjánãohavia nadaafazer.

«Fica-va na cama a

olhar

até ser

hora

deme levantar», conta aoSOL.

Tudo mudou quando a médica de família adesafiou a participar num estudo inédito para adesabituacão

debenzodiazepinas, grupo de me-dicamentos que inclui ansiolíticos

esedativos. Aos75anos, Cristinafoi

uma dos 66participantes

recruta-dos em centros desaúde de Lisboa. Eéum dos casos de sucesso: 63%

dos doentes conseguiram largar a

medicação que usavam há muito mais tempo do que oindicado ejá

lhes estava a fazer mais mal doque

bem. Neste momento,

todos fo-ramavaliados passados seis meses deterem parado osmedicamentos

e sótrês voltaram a torná-los.

Descobrir a

receita certa

Oprojeto foi conduzido pelo Insti-tuto de Medicina Preventiva e

Saú-dePública da Faculdade de Medi-cina deLisboa eveio a público há pouco mais deum ano, quando o

Ministério da Saúde garantiu a

isenção de taxas moderadoras aos

participantes.

VascoMaria, professor da Facul-dade de Medicina, médico de

famí-lia

e ex-presidente do Infarmed,

lembra queesteapoio não foi ime-diato, mas foi essencial para

man-ter os doentes mobilizados. «Hoje em dia

um

dos indicadores de

avaliação dos médicos éa

per-centagem de doentes com mais

de 65 anos que tomam benzodia-zepinas eoobjetivo é

reduzir

o

(3)

uso crónico, mas os médicos não

têm

ferramentas

para

o fazer».

Criar

umprotocolo adaptado à

realidade portuguesa etestá-lo para ver se eraeficaz foi um dos

objetivos doPrograma de Promo-ção/ Ação para o Uso Adequado

deBenzodiazepinas, aque deram

onome decódigo BEDS.

O projeto arrancou em2015, com um apoio de60mil euros da Fun-dação Calouste Gulbenkian.

Aequipa começou por planear qual seria a melhor estratégia para inverter asestatísticas do país:

Por-tugal é opaís europeu com maior

consumo deansiolítico, uma taxa que chega a ser duas a três vezes

superior à deoutros Estados

Mem-bros, diz Vasco Maria.

Osúltimos dados daOCDE

ates-tamisso mesmo, com Portugal a

re-gistar uma dose diária definida por

1000habitantes/dia (DHD)de96,8, oque significa que 96em cada mil portugueses tomarão umadose

mé-dia destes medicamentos

diaria-mente, ou seja 9,6% da população.

Sãoestimativas que têm em conta

ovolume devendas no país eque vários estudos têm alertado que merecem uma intervenção mais assertiva. Umdos avisos surgiu em

2013por parte doInfarmed: os

valo-res elevados deconsumo

-

que

com-param com 53DHDemItália ou31

DHDna Dinamarca

-

podem

signi-ficar que ostratamentos são mais prolongados do que o indicado. «Este é

um importante

proble-ma de saúde pública», reconhe-ciaoregulador, que tenciona refor-çar a sensibilização nesta área.

Do planeamento daequipa da Faculdade deMedicina deLisboa

surgiu um programa de desabi-tuação que consiste em

reduzir

gradualmente adose, começando por passar os doentes que, às ve-zes,tomam dois ou três calmantes

diferentes para uma única subs-tância.

A

escolha recaiu sobre o

diazepam, conhecido poruma das primeiras marcas Valium, mas que tem vários genéricos.

«Era

preciso

um medicamento

que existisse em

várias

dosagens

para

poder

haver uma

redução

gradual

sem os doentes

terem

de

partir

muito

os

medicamen-tos», explica Vasco Maria.

Aos médicos, deram dossiês com tabelas para poderem fazer

asequivalências esaber as

quan-tidades que era preciso prescre-ver, ao mesmo tempo que

docu-mentavam todo o processo. Aos doentes, erafornecido um diário para registarem os passos e

difi-culdades. O programa consiste

numa revisão das doses a cada duas semanas, com oito consultas noespaço deseis meses

-

daí a im-portância da isenção dastaxas, ex-plica o coordenador.

Além disso, osdoentes recebiam telefonemas dapsicóloga da equipa, InêsNeves,para gerir eventuais

sin-tomas emanter a motivação. «Um

(4)

parar

abruptamente Já tenho

visto defender, porexemplo, que

osmédicos defamília não deviam

poder prescrever benzodiazepi-nas enão concordo. Como são

medicamentos que causam de-pendência, podem gerar

síndro

me deprivação e

ter

consequên-cias graves senão

for

feita uma

desabituação gradual e acompa-nhada», sublinha oméclico.

Falta de Informação

O projeto quis também perceber

as perceções dos médicos e dos doentes, numa altura e mque tem havido mais estudos que sugerem que o uso crónico causa

depen-dência mas também está

associa-do a mais quedas, acidentes e

dé-fices cognitivos, aumentando o

risco de demência. Perceber que alguns médicos não valorizam

es-tesefeitos foiuma das conclusões. «Tivemos

um

médico que nos disse que

não

tinha

coragem

para

tirar

a

medicação

aos

(5)

doentes porque

eram um

elixir

para

a

qualidade

de

vida»,

exemplifica Inês Neves.

Vasco

Maria

explica que esse

efeito éuma ilusão. «É preciso

mudar

mentalidades,

dar

mais informação e

alertar

que as ben-zodiazepinas não

tratam

nenhu-madoença. Só

controlam

sinto-mas e, ao

fim

dealgum tempo, nem isso fazem». São

medicamen-tos que devem ser tomados por

pe-ríodos curtos: duas aquatro

sema-nas no tratamento dainsónia eaté três meses na ansiedade.

A

partir

daí, muitas vezes os sintomas dos doentes játêm mais a ver com a

de-pendência eserem precisas doses

maiores para surtir algum efeito. Não quer dizer que as pessoas não precisem de tratamento, diz o mé-dico, mas intervenção psicológica ou mesmo antidepressivos, que não causam dependência, serão

op-ções a equacionar. Do lado dos doentes, orelato mais impressio-nante foi muitos não saberem que

os medicamentos podiam

viciar

porque nunca tinham sido infor-mados disso. «Ficou-me a frase

de

um

doente que achava que

eram

como os

medicamentos

do coração,

para tomar

para

sempre», conta Inês Neves.

0

estudo

incluiu

pessoas que estavam atomar calmantes há30

anos e também houve casos de sucesso. Mas o que mais

sur-preendeu aequipa foi perceber

que mesmo entre aqueles que não estavam motivados e

acha-vam que não iam conseguir foi

possível parar. Já

fizeram

ofol-low-up de um ano a 23 dos 39

doentes queconseguiram largar os medicamentos e só mais um retomou, oque dá uma taxa de

manutenção dos resultados de 82,6%.Osrestantes serão avalia-dos até dezembro.

9,6%

Estima-se

que

quase

um

em

cada

dez portugueses

tome calmantes

diariamente

28.859

Os

portugueses

con-somem

diariamente

quase

29

mil

embala-gens

de

benzodiazepi-nas.

Em

2016

foram

10,5 milhões

de

caixas

Quando a

prescrição

óum

hábito

Como explicar ofenómeno? Vasco

Maria

não tem dúvidas de que é umaquestão de«hábito de prescri-ção» porque a medicação éantiga

e,ao início, estes efeitos não eram tão falados, mas sublinha que não

hárazão para osmédicos não infor-marem os doentes: osavisos estão

nas bulas. «É

um

problema

anti-go e nãotemmelhorado. Em1994 fizemos

um

primeiro estudo

num

centro de saúde da

periferia

de Lisboa econcluímos que23% da população

ali

seguida consumia

cronicamente benzodiazepinas».

Criar

um projeto que fosse im-plementável no terreno em vezde uma experiência académica foi a

preocupação, para contribuir de vez para uma mudança de paradig-ma. «Conseguimos

demonstrar

que é

exequível

e médicos e doentes ficaram satisfeitos».

Ou-tra

vertente foi produzir panfle-tos eum site onde, no futuro, es-peram

reunir

testemunhos de quem conseguiu tornar-se um

ex--dependente de ansiolíticos.

Organizar um workshop e fazer

umaproposta dealargamento da

experiência no SNS são outros planos, embora Vasco

Maria

re-conheça que ainda não quantifi-caram oscustos. Sobre osganhos não tem dúvidas. «Temos idosos

a

tomar

benzodiazepinas

anos que acabam

por

ir

ao

psi-quiatra

porque

não

andam

di-reitos evêm de

com mais

um

medicamento. Selhes tirassem

os ansiolíticos

melhoravam».

Cristina também não tem

dúvi-das de que está melhor edeque a suateimosia contribuiu para o

des-fecho, porque não foi fácil.

«Acre-ditei

que

ia

conseguir mas ao

início não me sentia bem,

tinha

vómitos,

falta

de apetite»

-

tudo sintomas de privação.

Nessa altura, foi essencial o te-lefonema da psicóloga, que lhe disse que era

normal

e para ter

força

-

aprender técnicas para

adormecer como umbanho quen-tepara

relaxar

enão

ficar

aver

televisão também éimportante. Cristina não tenciona voltar

atrás. No início, também ninguém

lhe disse que a medicação tinha

aquele efeito, mas percebeu por si que algo estava errado eoprojeto chegou em boa hora. «Sabia que

era

algo que eu

tinha

dedeixar, era

um

vício, como

uma

droga».

OABCDOS

ANSIOLhiCOS

O

que são

as

ben-zodiazepinas?

São os chamados medi-camentos calmantes, usa-dos no tratamento de ansiedade e insónias. Em

Portugal, os mais usados são o alprazolam, o lora-zepam eodiazepam. Há

vários genéricos mas nomes comerciais conhe-cidos incluem Xanax, Ansilor ou Valium. No

caso da ansiedade ou

cri-ses de pânico, o

trata-mento não deve exceder

8a12semanas. Na

insó-nia, oindicado são duas

aquatro semanas.

Quais

são

os

riscos

do

uso

crónico?

Háum efeito de

tolerân-cia: são precisas doses cada vez maiores para

(6)

os mesmos efeitos. Por outro lado, criam depen-dência: quando se inter-rompem de forma repenti-na geram sintomas de abstinência, como insónia ou tremores. Saiba mais em www.bedsproject.pt

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