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O que está em jogo no Mais Mises, menos Marx

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O que está em jogo no “Mais

Mises, menos Marx”

André Guimarães Augusto |

Recentemente, nas Universidades brasileiras, têm aparecido adesivos e cartazes com o slogan “Mais Mises, menos Marx”. Rapidamente os adeptos do apologista do neoliberalismo souberam transformar sua propaganda em dinheiro e pululam sites vendendo camisetas – algumas de péssima qualidade estética – com o mesmo slogan. O objetivo destas notas críticas é ir ao pensamento de von Mises, rever seus conceitos de liberalismo, sua apreciação do fascismo e questionar quem realmente os seus asseclas, no presente, visam atingir com sua propaganda.

Ludwig von Mises (1881-1973) foi um economista austríaco, considerado um dos pais do neoliberalismo. No panfleto “Liberalism” (2002),escrito em 1927, von Mises faz uma apologia da ideologia liberal[1] então em crise, propondo sua renovação. Dentre outras coisas, o livro trata do fascismo, então no poder na Itália. No livro, von Mises faz a seguinte apreciação do fascismo: Não se pode negar que o Fascismo e movimento similares visando o estabelecimento de ditaduras são repletos das melhores intenções e que suas intervenções têm salvo a civilização Européia até agora. O mérito que o Fascismo ganhou desse modo para si viverá eternamente na História. Mas embora sua política tenha trazido a salvação até o momento, ela não é do tipo que pode prometer um sucesso continuado. O Fascismo foi um improviso emergencial. Vê-lo como algo mais do que isso seria um erro fatal (von Mises, 2002, p. 51, tradução nossa.).

Para desfazer eventuais equívocos, decorrentes de desconhecimento histórico, é preciso notar que a origem

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judaica de von Mises não era um impedimento para sua simpatia ao fascismo em 1927. Inicialmente o fascismo contava com judeus entre seus adeptos e a “American Jewishpublishers” listou Mussolini entre os vinte grandes católicos do mundo defensores dos judeus. As leis discriminatórias aos judeus só foram adotas no fascismo italiano em 1938 (Paxton, 2004, p.166).

Poderia causar espanto nos liberais ingênuos – se é que eles existem – a defesa que von Mises faz dos méritos do fascismo na salvação da civilização Europeia, mesmo que apenas como um “improviso emergencial”. O possível espanto dos liberais ingênuos pode ser desfeito se observamos que von Mises acreditava na existência de uma afinidade entre o fascismo e o liberalismo. Von Mises é explícito ao afirmar essas afinidades: “eles ainda não conseguiram se libertar completamente, como os Bolcheviques russos, de um certo apreço pelas noções e ideias liberais”(ibidem, p. 49, tradução nossa). Segundo von Mises o caráter ditatorial do fascismo seria progressivamente abandonado devido a sua afinidade com o liberalismo. Von Mises atribui a essa estima dos fascistas pelas ideias liberais o caráter meramente emergencial do fascismo: “Assim que o primeiro fluxo de raiva tiver passado, sua política tomará um curso mais moderado e provavelmente o será cada vez mais com a passagem do tempo. Essa moderação é o resultado do fato de que a visão liberal tradicional continua a ter uma influência inconsciente nos Fascistas” (ibid, p. 49, tradução nossa). Deste modo, o caráter ditatorial do fascismo seria apenas um recurso de emergência, sem o abandono do liberalismo. Como será argumentado a seguir, o liberalismo de von Mises não é incompatível com uma ditadura emergencial.

As afinidades entre o neoliberalismo de von Mises e o fascismo são mais do que inconscientes. Outros trechos do livro de von Mises e sua concepção de liberalismo mostram que esta é completamente compatível com o estabelecimento de uma ditadura “emergencial” e temporária. Para von Mises, o programa do

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liberalismo pode ser resumido na manutenção da propriedade privada dos meios de produção, sendo o resto um resultado desta (ibidem, p. 19). Consequentemente, isso significa que a existência de uma ditadura ou democracia é subordinada, no neoliberalismo de Von Mises, à manutenção da propriedade privada dos meios de produção. Ao discorrer sobre as funções do Estado e do governo, von Mises defende explicitamente a teoria do Estado gendarme (ibidem, p. 37). De acordo com von Mises, a compulsão e a coerção do Estado devem ser aplicadas contra “os inimigos da sociedade”, que não são capazes de fazer os sacrifícios necessários para tornar a sociedade possível(ibidem, p. 35). Mas von Mises entende como condi- ção para continuidade da existência da sociedade e da civilização a manutenção da propriedade privada dos meios de produção: “A sociedade só pode continuar a existir sobre o fundamento da propriedade privada” (ibidem, p. 87, tradução nossa). Assim, o autor coerentemente afirma que a posição do liberalismo a favor do Estado restrito à função de coerção e compulsão, “é a consequência necessá- ria de sua defesa da propriedade privada dos meios de produção” (ibidem, p.38, tradução nossa).

Um pouco adiante von Mises faz a crítica do uso da força como meio de chegar ao poder. No entanto, o aristocrático autor faz uma defesa da suspensão da democracia com o uso temporário da força para manter a ordem social capitalista:

Certamente, não se deve e não se precisa negar que há uma situação em que a tentação de se desviar dos princípios democráticos do liberalismo se torna verdadeiramente muito grande. Se homens prudentes veem sua nação, ou todas as nações do mundo, no caminho para a destruição, e se eles acham impossível induzir seus companheiros cidadãos a ouvir seu conselho, eles podem se sentir inclinados a pensar que é justo somente recorrer a qualquer meio, desde que seja viável e leve ao fim desejado, com o objetivo de salvar todos do desastre. A ideia de uma ditadura da elite, de um governo da minoria mantido no poder pela força e dirigido no interesse

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de todos, pode surgir e encontrar adeptos. Mas a força nunca é um meio de superar essas dificuldades. A tirania da minoria nunca pode perdurar a menos que ela consiga convencer a maioria da necessidade, ou de qualquer forma, da utilidade de sua direção. Mas então a minoria não precisa mais da força para se manter no poder. ( ibidem,p. 45, tradução nossa.).

Cabe lembrar novamente que a “destruição”, de acordo com von Mises, significa a destruição da propriedade privada dos meios de produção. Segundo von Mises, a propriedade privada é a única condição para a “sobrevivência da sociedade”. Deve se notar também que a “suspensão temporária” da democracia ocorre em um tempo abstrato, até que a maioria “esteja convencida” da manutenção da ordem da propriedade privada dos meios de produção, o que pode levar anos ou décadas. Aqui podemos voltar à questão do Fascismo, uma vez que esta argumentação de von Mises precede imediatamente sua defesa do fascismo.

Fica claro agora que ao falar dos méritos eternos do fascismo ao “salvar a civilização Europeia”, von Mises se refere à manutenção da propriedade privada dos meios de produção por meio de uma “ditadura de elite”. Von Mises tenta marcar as diferenças entre o liberalismo e o fascismo. O aristocrata se refere ao “programa antiliberal e a política intervencionista” dos fascistas (ibidem, p. 50), embora deva se notar que, a despeito do programa “antiliberal” do partido fascista, nos dois primeiros anos em que Mussolini foi primeiro-ministro sua política econômica não ficava nada a dever ao receituário dos economistas neoliberais de hoje, com balanço nos gastos do governo e políticas deflacionárias (Paxton, 2004, p. 109). Pelo menos em um primeiro momento, a despeito das diferenças “programáticas”, a afinidade entre o liberalismo e o fascismo era de natureza prática e não apenas “inconsciente”. Cabe notar, em relação aos argumentos que serão apresentados mais à frente nesse texto, que os partidos de ultradireita na Europa hoje advogam políticas pró-mercado (Paxton, 2004, p. 186), isto é, advogam, “Mais Mises”.

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Von Mises, no entanto, ressalta que a diferença entre os liberais e os fascistas não está no uso da violência para defender a propriedade privada dos meios de produção. A diferença é de fundo filosófico: como idealista, von Mises vê as ideias, e não as armas, como o recurso último que decide a luta. Mas por tudo que foi apresentado antes, é evidente que von Mises defende o uso da violência e das armas quando as ideias não estão funcionando. Daí que o fascismo seja aceitável para um liberal, mesmo que apenas como um “improviso emergencial”.

É importante notar que von Mises muda radicalmente sua apreciação do fascismo no Epílogo do seu livro “Socialismo”, escrito em 1947. Aqui, no contexto da guerra fria e com a derrota do fascismo, von Mises muda de ideia e já não vê esse mais como um companheiro necessário do liberalismo em situação emergencial, mas como uma “variante” de um vago e mal definido “socialismo”. Na guerra fria, era preciso igualar o fascismo, o nazismo e o stalinismo por meio da teoria do totalitarismo. Àquela altura, o fascismo já não era mais defensável e nem necessário para a manutenção da propriedade privada dos meios de produ- ção. Fascismo, para o neoliberalismo de von Mises, e r a a p e n a s u m r e c u r s o a s e r u s a d o d e a c o r d o c o m a conveniência: o único verdadeiro inimigo a ser combatido por todos os meios – inclusive os meios do fascismo – era o comunismo.

No momento da guerra fria, o Fascismo servia a outro fim de propaganda ideológica: estender até o limite absoluto o conceito de socialismo. Nesse texto von Mises defende que, em 1947, “As políticas de todas as nações do ocidente são guiadas por ideias anti-capitalistas” (von Mises, 1962, p. 527, tradução nossa). Von Mises chega mesmo a afirmar que, antes da primeira guerra mundial, todos os governos estavam comprometidos com políticas intervencionistas que levariam ao socialismo, chegando ao paroxismo de afirmar que “O esquema de seguridade Social de Bismark foi mais importante na abertura

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dos caminhos em direção ao socialismo do que a expropriação das retrógradas manufaturas russas”(ibidem, p. 567, tradução nossa). A mudança do Fascismo de uma política que mantém “inconscientemente” os valores liberais para uma “variante do socialismo” visava, portanto,um outro alvo: o Estado de Bem-estar das democracias ocidentais.

Pode-se retomar agora a questão central desse texto: O que está em jogo então quando se pede hoje “Mais (von) Mises”?[2] Se os propagandistas são fiéis ao pensamento de seu ídolo, fica claro que estes não têm nenhum compromisso de princípio com a democracia liberal ou de qualquer outro tipo. Deve se notar, que, ao contrário de von Mises, que defendeu a ditadura fascista quando esta vigia, Marx foi duro crítico da ditadura de Luís Bonaparte, tendo que partir para o exílio na Inglaterra e sendo perseguido e vigiado pela polícia durante toda sua vida. Diante de tudo isso, não se pode afirmar que pedir “Mais (von) Mises e menos Marx” significa pedir uma ideologia que pregue mais democracia e menos ditadura, exceto para os incautos e estrategistas que reduzem fatos e ideias a slogan simples – e para os que ganham dinheiro com isso, vendendo camisetas de mau gosto.

Não se pode nem mesmo cometer o anacronismo de identificar Marx com Stálin e retransformar o significado do slogan em uma luta contra a ditadura soviética. Em primeiro lugar porque, como foi aqui demonstrado, “Mais (von) Mises” não significa mais democracia por princípio, já que o aristocrata liberal aceita a ditadura por conivência, para preservar a propriedade privada dos meios de produção. Mas além do anacronismo da identificação de duas figuras históricas que nunca se conheceram, o anacronismo é levado ao paroxismo uma vez que não existe mais URSS, ou “ditadura comunista”. Apenas a propaganda de natureza fascista que procura inventar um inimigo externo para ganhar adeptos é capaz de imaginar que a valorosa, porém pequena e isolada, Cuba é capaz de representar o “terror” de uma “ameaça comunista” capaz de “destruir a

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civilização” do capital.

Quem então seria o verdadeiro alvo dos adeptos do “Mais (von) Mises”? Como vimos Von Mises escolheu os inimigos do neoliberalismo de acordo com as circunstâncias. Ao abandonar a defesa por princípio da democracia e ao estender o conceito de socialismo para qualquer situação em que o Estado não atua apenas como polícia, abriu as portas para o novo inimigo do neoliberalismo: a própria democracia liberal.

É fácil constatar empiricamente que os defensores do “Mais (von) Mises” elegeram a democracia liberal como seu maior inimigo no presente. Uma breve olhada no site do Instituto Von Mises Brasil – eles não omitiram a origem aristocrática do seu mestre – nos brinda com textos com títulos como: “Como a democracia destrói a riqueza e a liberdade” (2013), de Frank Karsten; “A tragédia social gerada pela democracia” (2014), de Frank Karsten & Karel Beckman; “Porque a democracia precisa de Aristocracia”(2014), de Marcia Christoff-Kurapovna; “Porque a Monarquia é superior à democracia” (2009), e “Democracia: o deus que falhou (2008), ambos de Hans-Herman Hope.

Os argumentos apresentados por esses autores contra a democracia liberal são absolutamente fiéis aos argumentos de von Mises. H-H Hope sintetiza a objeção dos libertinos da propriedade privada à democracia: “democracia (governo da maioria) e propriedade privada são incompatíveis.”(Hope, 2008). Esse autor – uma espécie de Marques de Sade da propriedade privada – faz uma afirmação que poderia ter sido escrita pelo próprio von Mises: “a democracia, no século XX, tem sido a fonte de todas as formas de socialismo: o socialismo democrático (europeu), o neoconservadorismo e o “esquerdismo chique” (americano), o socialismo internacional (soviético), o fascismo (italiano), e o nacional-socialismo (nazismo)” (Hope, 2008). No mesmo tom, Karsten & Beckman afirmam que “As democracias ocidentais estão seguindo o mesmo caminho já percorrido pelos países socialistas” e que isto é da própria “natureza coletivista da democracia”. (Karsten &

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Beckman, 2014).

A natureza aristocrática da crítica que os libertinos da propriedade privada fazem à democracia liberal é explícita em vários momentos. Christoff-Kurapovna, sintetiza o argumento: “Em suma: se as modernas democracias capitalistas ocidentais quiserem sobreviver, elas terão de incorporar aquilo que sempre consideraram ser seu completo oposto: características aristocráticas (a visão de longo prazo)”(Christoff-Kurapovna, 2014). H-H Hope, por exemplo, afirma que “Em outras palavras, a proporção tanto de pessoas débeis como de características pessoais falhas, além de hábitos e formas de conduta nada elogiáveis vão aumentar, e a vida em sociedade vai se tornar cada vez mais desprazível (sic)”(Hope, 2008); Karsten &Beckman, por sua vez afirmam: “Logo, na democracia, é de se esperar que haja um emburrecimento da população e uma diminuição de normas gerais de cultura e etiqueta. Onde a maioria reina, a mediocridade torna-se a norma.”(Karsten & Beckman, 2014). Não é preciso muito esforço para observar esses argumentos aristocráticos repetidos roboticamente na imprensa, nas redes sociais e nas ruas pelos defensores do “Mais (von) Mises” e por ex-estrelas midiá- ticas que se transformaram em buracos negros e astrólogos decadentes.

O que propõe os libertinos de mercado para “salvar” a propriedade privada da democracia liberal? H-H Hope sintetiza a proposta: a alternativa é a “ordem natural” e “Em uma ordem natural, cada recurso escasso, inclusive toda terra, é gerido privadamente”(Hope, 2008); assim, a propriedade privada é apresentada como a alternativa à democracia liberal.

Os adeptos da libertinagem da propriedade privada se autodenominam muitas vezes como anarcocapitalistas. Há, claro, muitas semelhanças com as propostas de Proudhon. Mas Proudhon é uma eterna fonte de inspiração dos fascistas; um dos primeiros grupos fascistas do início do século vinte chamava-se CircleProudhon (Paxton, 2004, p.48). Ademais, os militantes e os “teóricos” do “Mais (von) Mises” devem saber que

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“Liberalismo não é anarquismo, não tem nada a ver com o anarquismo” (von Mises. 2002, p. 37, tradução nossa).

A proposta da ordem natural é a de uma ditadura de elite, liberta dos controles formais “coletivistas” de eleições, atuação de grupos de pressão e até mesmo de forças armadas públicas. Em tal ditadura, a direito de excluir – leia-se a discriminação – e a desigualdade seriam plenamente vigentes. O Marquês de Sade da propriedade privada, H-H Hope, é mais uma vez explícito: “Em uma ordem natural, o direito de excluir – algo inerente à própria ideia da propriedade privada – é restaurado e devolvido aos donos de propriedade” e “uma ordem natural é claramente não-igualitária.”(Hope, 2008).

A alternativa do Marques de Sade da propriedade privada se estende à formação de milícias privadas, um elemento do fascismo clássico revisto para se transformar em um grande negócio. De forma despudorada, afirma H-H Hope:

uma ordem natural é caracterizada por cidadãos coletivamente armados. Essa característica é estimulada por empresas de seguro, que desempenham um papel proeminente como fornecedores de segurança e proteção em uma ordem natural. Seguradoras vão encorajar o porte de armas oferecendo prêmios mais baratos para clientes armados (e treinados em armas). (Hope, 2008)

Obviamente não se trata de armar toda a população, só aqueles que puderem “comprar o seguro”, já que a sociedade da ordem natural é “claramente não igualitária”. Trata-se, portanto, de formar milícias privadas, nos moldes do Heimwehr, dos squadristie da SA[3]. Sendo fiel ao seu mestre Mises, a função dessas milícias privadas é obviamente defender a “ordem natural”, isto é, a propriedade privada dos meios de produção. Mas ao contrário do fascismo clássico, Hope propõe tirar o que historicamente foi um “empecilho” do meio do caminho dessas milícias, pois disputava com elas o espaço da coerção: os

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exércitos do Estado[4] . Ademais, as SAs ultraliberais estariam garantidas e controladas por um capital privado, uma seguradora. Fascismo de mercado é o que propõe os adeptos de “Mais (von) Mises” como alternativa à democracia liberal.

Em resumo, propor “Mais Mises e Menos Marx” nas universidades hoje é propor a difusão de uma ideologia aristocrática que prega a ditadura de elite, a formação de milícias privadas, a libertinagem da propriedade privada e o fascismo de mercado em lugar da luta contra todo tipo de opressão e autoritarismo que marcou cada momento da vida e da obra de Marx.

Referências:

CHRISTOFF-KURAPOVNA, Marcia. Porque a democracia precisa de Aristocracia. Disponível em: Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 11 de abril de 2014.

HOPE, Hans-Herman. Democracia: o deus que falhou. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 24 de agosto de 2008. . Porque a Monarquia é superior à democracia. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 10 de setembro de 2009.

KARSTEN, Frank. Como a democracia destrói a riqueza e a liberdade. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 15 de novembro de 2013.

KARSTEN, Frank. & BECKMAN, Karel. A tragédia Social gerada pela democracia. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 01 de abril de 2014.

MISES, Ludwig von. Liberalism in theclassicaltradition. São Francisco, Cobden Press, 2002. . Socialism. An economic and sociologicalanalysis. New Haven, Yale University Press, 1962. PAXTON, Robert O. The anatomy of fascism. New York, Alfred A. Knopf, 2004.

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Notas:

* Artigo publicado originalmente na revista Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014.

[1] Em seu livro, von Mises afirmar fazer uma apologia – como u m a d e f e s a – d a p r o p r i e d a d e p r i v a d a d o s m e i o s d e produção(Mises, 2002, p.87) e caracteriza o liberalismo como uma ideologia (Mises, 2002, p. 192)

[2] Há que se notar que o slogan omite espertamente o título de nobreza do aristocrático liberal. Embora com o fim do Império Austro-húngaro, em 1919, a partícula von, que indicava o status de nobreza, tivesse sido abolida, Mises nasceu von e seus livros continuaram sendo assinados por von Mises. Como veremos adiante, a omissão do indicador aristocrático no slogan propagandístico é evidentemente uma estratégia e não de um esquecimento.

[3] Os Heimweher (Áustria), os squadristi (Itália) e a SA (Alemanha), eram grupos paramilitares que formavam o braço armado dos partidos católico conservador (Áustria), do fascista (Itália) e do grupo Nazista (Alemanha). O seus membros eram formados por veteranos da primeira guerra mundial e jovens desempregados. Seus principais alvos eram os partidos de esquerda, atuando assim como força contra-revolucionária. [4] Paxton (2004) mostra os conflitos entre as milícias do partido Nazista e Fascista e os agentes das instituições estatais. A maior evidência desse conflito foi a “Noite das Facas Longas”, na qual os membros da milícia nazista, a SA, foram assassinados, pois queriam ocupar o espaço do exército regular como força de coerção. Em um acordo com o alto comando do exército, Hitler ordenou o assassinato de grande parte dos membros da milícia nazista.

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Apoio ao governo Dilma como o

mal menor ou construir um

terceiro campo independente?

Valério Arcary*

A teoria dos campos burgueses progressivos se justifica com a generalização abusiva de um fato real: as diferenças entre os distintos setores burgueses (…) Isto não significa que o

marxismo ignore a existência de rivalidades entre os distintos setores da burguesia.(…) Porém isso significa que se deve

aproveitar estes choques, jamais apoiar politicamente uma frente de colaboração de classe que pode surgir dos mesmos (1). Nahuel Moreno

Uma análise sólida não tem compromisso senão com a compreensão da realidade. O papel de uma análise é buscar um quadro de explicação para a realidade que nos cerca. Análises não podem ser instrumentais. Deve se entender por instrumental uma análise construída para justificar uma política. Há uma dimensão independente da análise que não deve ser contaminada pelos nossos desejos, preferências ou medos.

Na análise da realidade é preciso muito cuidado para não deixarmos nossas preferências teóricas ou até o peso de experiências anteriores nos cegarem. A teoria deve estar sempre em processo de verificação. O autoengano é uma armadilha poderosa.

Toda análise ideologizada precisa, todavia, para ser eficaz, de um grão de verdade. O grão de verdade em 2015 é que há uma fração da classe média que tem demonstrado disposição de ir às ruas para tentar derrubar o governo de coalizão liderado pelo

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PT. As manifestações de rua de agosto, ainda com dimensão nacional e muito massivas, embora menores que em março e abril, mantiveram o mesmo tom reacionário e o mesmo perfil social que as de março e abril: uma maioria de eleitores da oposição de direita em 2014, de classe média alta, meia idade, masculina, com instrução superior e, autodeclarada, branca. A novidade é que desta vez Aécio Neves discursou em Belo Horizonte, além de outros porta-vozes da direita institucional como Ronaldo Caiado, fundador da UDR (União democrática Ruralista) nos anos 80. A saída da classe média às ruas, que continua sendo inflamada pelas denúncias de corrupção da Operação Lava Jato, só ganharam uma audiência nacional porque o contexto econômico e social é de crescente deterioração: os números do desemprego se aproximam vertiginosamente dos 10%, segundo os dados do próprio IBGE; a inflação também acelera e está quase em 10% ao ano; os cortes do orçamento afetam as verbas para saúde, educação, habitação; as obras públicas estão paralisadas etc.

o perfil dominante era de brancos (75%), classe média alta e ricos (64% com rendimentos de 3.900 a 40 mil reais mensais); Em outras palavras, a rejeição política ao governo é cada vez mais homogênea, se consideradas variáveis como classe social e região do país, porém, a capacidade de mobilização do mal estar social pelos grupos da nova direita, e pelo PSDB – que em agosto se engajou, seriamente, na convocação pelos seus anúncios na TV – não foi além da mesma base social que saiu às ruas no primeiro semestre de 2015 (2). Mas, por outro lado, foram atos ainda muito grandes. Prevaleceu uma raiva impaciente, algumas parcelas até ensandecidas, o que sugere a possibilidade de novas manifestações.

A saída às ruas da classe média é o argumento dos que defendem que diante de uma onda conservadora a única resposta possível é uma união da esquerda em torno da defesa do governo, ou da legalidade ou da democracia. Ou seja, uma união, mais ou menos crítica, com o governo Dilma Rousseff. A esquerda que decidir

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se unir ao governo estará selando o seu destino: ruirá junto com o lulismo. O caminho para uma esquerda que tenha futuro depende da constituição de um terceiro campo, independente tanto do governo quanto da oposição de direita.

A teoria da onda “conservadora” já tinha aparecido no mensalão e, com mais força, depois de Junho de 2013, para defender o governo Dilma e fundamentou a proposta da Constituinte exclusiva para a Reforma Política. No mensalão foi invocada a célebre campanha da UDN contra Getúlio Vargas denunciando, furiosamente, o “mar de lama”. O objetivo da analogia histórica era justificar que a luta contra a corrupção seria uma bandeira de direita.

Evidentemente, nunca foi tão simples. Bandeiras democráticas podem cumprir um papel progressivo ou regressivo dependendo do contexto. A luta contra a corrupção, uma bandeira democrática, foi uma parte importante do programa da esquerda na luta contra a ditadura entre 1964/84, e do próprio PT até à vitória de Lula em 2002.

Em Junho de 2013, o pretexto petista para desqualificar os protestos contra o prefeito do PT em São Paulo e, depois, contra todos os governos foi o antipartidarismo e nacionalismo presente nas manifestações, sobretudo, a partir do dia 20 de junho e durante a semana seguinte.

A presença ostensiva de grupos de ultradireita, pela primeira vez depois do fim da ditadura, ajudou a excitar a hipocondria política. Ainda assim, como é evidente pelo significado da maioria das mobilizações contra os aumentos dos transportes, em protestos contra os estádios e em defesa da educação e da saúde públicas, Junho de 2013 foi muito maior que a manipulação feita pelas TVs.

A partir de março de 2015 foi a presença massiva das camadas médias nas ruas, as mesmas que tinham votado em Aécio Neves contra Dilma no segundo turno de outubro de 2014, pedindo o

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impeachment de Dilma, que deu novo e dramático apelo à ideologia da onda conservadora.

É difícil sustentar, portanto, que o Brasil ficou mais “conservador” depois de 2014. Não é o que refletem as pesquisas especializadas mais sérias (3).

O Brasil, como de resto todas as sociedades que fizeram a transição do mundo rural para o urbano, tardiamente, sempre foi mais conservador nos temas dos costumes que nos temas econômico-sociais. Em outras palavras, em temas como a descriminalização do consumo de drogas, legalização do aborto, pena de morte, igualdade civil de matrimônios entre homossexuais e tantos outros, prevalece ainda uma resistência cultural arcaica. Já nos temas que remetem à luta por direitos e igualdade social, como salário igual para trabalho igual, seguro contra o desemprego, universalização e gratuidade da educação, saúde e transporte, ou o papel do Estado na economia, como as privatizações, a imensa maioria do povo se inclina por propostas progressivas. Este quadro não mudou.

Não obstante, é verdade que o governo Dilma ficou muitíssimo mais fraco e a oposição de direita mais forte.

O lugar da corrupção no deslocamento da classe média

A ideologia de que o “meu partido é o Brasil” e, portanto, que os partidos seriam, não somente desnecessários, mas um obstáculo é uma ideia de apelo simples, porém, muito perigosa. O meu partido é o Brasil é uma forma de nacionalismo apolítico. Mas não é a antessala do fascismo, embora fascistas tenham se aproveitado, conjunturalmente, do atraso na consciência que este grito de guerra traduz.

O domínio dos monopólios sobre o regime democrático está na raiz da corrupção. E a corrupção pessoal dos políticos profissionais está na raiz do ódio das camadas médias. Esse processo de experiência, ainda que incompleto, porque identifica mais o corrompido do que o corruptor, é

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progressivo. A luta contra a corrupção, uma forma degenerada de controle político inerente ao capitalismo, é uma luta progressiva.

Mas o antipartidarismo tem, também, uma dimensão regressiva: a desconfiança de qualquer instrumento de luta política pelo poder. A conclusão de que “os partidos são todos iguais” é ligeira e ingênua. Para compreendermos o apartidarismo, e o relativo apoliticismo, primeiro há que perceber que têm uma dimensão internacional. São uma expressão da repulsa aos regimes eleitorais corruptos.

Por trás desta confusão, encontramos três ilusões. Primeiro, a ilusão de que uma liderança individual incorruptível, no passado Joaquim Barbosa, nas eleições de 2014 Marina Silva e, mais recentemente, o juiz Sergio Moro, seria superior a organizações coletivas como são os partidos. Não surpreende, mas é muito grave, que a saída política mais popular entre uma parcela dos que foram às ruas em São Paulo, no dia 15 de março, tenha sido a reivindicação da ditadura militar. Ninguém, nem uma só pessoa, pode salvar o Brasil.

A busca de lideranças individuais salvadoras é uma fantasia apolítica. O que nos remete ao pensamento mágico e à ilusão da liderança individual incorruptível, indivíduos com capacidades, supostamente, arrebatadoras, a la Jânio Quadros ou Fernando Collor. A luta de partidos, ou seja, instrumentos coletivos de representação de interesses de classe, é incontornável nas sociedades urbanas contemporâneas. Não deve existir mais lugar para caudilhos. Vargas é o passado d o B r a s i l c a p i t a l i s t a a i n d a e m t r a n s i ç ã o p a r a a industrialização. À sua maneira, o lulismo, o caudilhismo carismático, foi uma das causas/consequências da degeneração do PT. Trocar um caudilho por outro seria dramático, portanto, caminhar para trás.

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administrar a sociedade, ou seja, a fantasia positivista da “ordem e progresso”. Como se não existissem soluções técnicas as mais variadas, que respondem a diferentes interesses de classe. Terceiro, e pior ainda, invertendo as relações entre causas e efeitos, a perigosa ilusão de que o problema seria a corrupção dos partidos sobre o Estado, e não a corrupção do capitalismo sobre os partidos.

O perigo do apoio ao governo como um campo “progressivo”

E mais uma vez estamos diante de uma campanha poderosa para legitimar o apoio crítico ao governo de coalizão liderado pelo PT. Ele seria o “melhor que é possível”. Seria o campo progressivo que merece ser defendido contra o campo reacionário.

O argumento da relação de forças desfavorável volta a ser esgrimido como álibi para o apoio, ainda que crítico, ao governo Dilma/Levy diante da onda “conservadora”. É um álibi porque não há relação de causalidade em admitir um deslocamento desfavorável da relação social de forças, e a construção de uma Frente para apoiar o governo.

Esta ideologia vem associada, em sua ala mais radical, à tática do governo em disputa. O ato de apoio a Dilma, dentro do Palácio do Planalto, ouviu discursos que pediam, ao mesmo tempo, a deposição de Cunha e a demissão de Levy, como se a política econômica não fosse decidida por Dima, e não tivesse o apoio de Lula e de sua maioria no PT (4). O governo Dilma, treze anos depois da eleição de Lula em 2002, não oferece razão alguma para qualquer dúvida.

Entre 2003 e 2005, conhecemos a primeira fase da influência da teoria do governo em “disputa”. Depois do intervalo do mensalão, ela voltou com uma força surpreendente enquanto o crescimento econômico inflava as velas da popularidade do final do segundo mandato de Lula.

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Guido Mantega surfavam nos empréstimos do BNDES que se beneficiavam da alta do preço do petróleo e das expectativas diante das possibilidades de exploração do pré-sal, f a v o r e c e n d o a c r e d i b i l i d a d e d a a r g u m e n t a ç ã o neodesenvolvimentista.

Muita gente honesta do povo de esquerda está se perguntando se não há perigo de golpe, e se a escalada do tom da oposição de direita não é muito parecida com o pré-1954 e o pré-1964. A turbulência nas alturas aumentou muito, mas o impressionismo é mal conselheiro. Não vale a pena se assustar antes da hora. Uma esquerda que se reivindica marxista não tem direito a ignorar uma análise de classe dos dois campos burgueses em confronto.

Primeiro: embora dividida diante da crise política, o que é um fato novo desta conjuntura pós-2014, a maioria da classe dominante não está inclinada a apoiar o impeachment de Dilma Rousseff. O projeto de golpe “à paraguaia”, como a destituição de Fernando Lugo em 2012 existe, mas é minoritário. Claro que esta realidade pode mudar. Mas não se pode fazer análise do futuro, somente prognósticos. Por enquanto, agosto de 2015, essa hipótese não é a mais provável, porque esta linha não prevaleceu nos círculos burgueses mais poderosos.

Crises políticas são comuns, mesmo em situações de estabilidade social. Mais ainda quando a situação econômica se deteriora. São crises de governo que podem e são resolvidas pelas instituições do regime político, são processos de rotina, para arbitrar os pequenos conflitos de gestão. E recuperar o equilíbrio que é necessário para manter a ordem e o fluxos dos negócios.

Pode haver “barulho nas alturas”, os partidos rivais podem usar uma retórica muito áspera, os escândalos podem ter repercussão pública grande, mas a maioria da sociedade ignora a “tempestade” nos Palácios e Parlamentos. Como dizem os norte-americanos, “business as usual”.

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Essa é a aposta da direção do PT e de Lula. Mudar a composição do núcleo duro do governo Dilma, incluindo uma parcela mais colaborativa do PMDB. A questão é saber qual a natureza da crise política. Não parece que ela se resuma ao mal estar nas alturas e, portanto, à recuperação de uma maioria no Congresso para a governabilidade. Sendo assim, convocar o Temer, ou o Eliseu Padilha e o Kassab para ajudar Aloísio Mercadante na Casa Civil, mesmo com um programa de emergência como a Agenda Brasil, pode não ser o bastante.

Por trás do crescente mal estar estão as demissões em massa na indústria e na construção civil e a redução da capacidade de consumo das famílias. Mas, também, as notícias diárias sobre a relação de partidos como PP, PMDB e PT, entre outros, com a roubalheira escandalosa na Petrobrás e outras estatais.

O limite de tolerância da classe média e, também, da classe trabalhadora e da juventude veio diminuindo, com variações, desde junho de 2013. Porque remete a, pelo menos, elementos de crise do próprio regime. É muito difícil tentar prever até quando é possível um governo atacar as condições de vida da maioria da população, conquistadas na década passada, sem provocar a ira, ou até a fúria de milhões. Milhões de pessoas estão mesmo, crescentemente, zangadas, enraivecidas e dispostas a agir.

O humor social das classes depende da percepção subjetiva da situação. Esta compreensão depende de muitos fatores, entre eles o papel das organizações políticas. Até agora a classe média foi para as ruas, contando com a simpatia popular, mas sem capacidade, felizmente, de arrastar a maioria proletária. Um processo de acumulação de mal estar, em algum momento, pode dar o salto de qualidade, e o ódio ao governo se alastra e contagia uma maioria da sociedade. Os nervos e músculos da sociedade não aguentam. Misturam-se na mais alta intensidade, esperança e incerteza, rancor e insegurança. O medo da aproximação da hora de um confronto decisivo, a hora de medir

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forças, gera uma inquietação frenética. A vontade de derrubar o governo ganha a força de uma paixão política. Paixões são um estado de espírito intenso, é um momento de máxima exaltação. Não pode se manter por muito tempo. A hora parece ter passado. Notas:

1) MORENO, Nahuel. A Traição da OCI. 1981. Disponível em:www.pstu.org.br/sites/default/files/…/moreno_traicao.r.Cons ulta em 07/08/2015.

2) Dados do Datafolha revelam o perfil do ato do dia 16 de agosto em São Paulo, estimado em 135.000 pessoas: o perfil dominante era de brancos (75%), classe média alta e ricos (64% com rendimentos de 3.900 a 40 mil reais mensais); e não-jovens50,09% tinham renda entre 3.940 e 15.760 reais mensais; 14% tinham renda entre 15.760 e 39.400 reais; 13% tinham renda entre 2.364 e 3.940 reais. A maior parte dos manifestantes que foi à avenida Paulista neste domingo (16) é homem (61%), tem 51 anos ou mais (40%), cursou o ensino superior (76%), se declara branca (75%), não é ligada a nenhum partido (52%) e tem renda familiar mensal entre R$ 7.881 e R$ 15.760 (25,17%). Jovens de 21 a 25 anos representam 6% dos manifestantes. Na faixa entre 26 e 35 anos estão 19%, enquanto 30% têm entre 36 e 50 anos. Em relação à escolaridade, 4% têm ensino fundamental e 20%, ensino médio. Manifestantes que se declararam pardos somam 17%; pretos são 3%. Consulta em 17/08/2015.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/229820-maior ia-nas-ruas-e-homem-e-tem-curso-superior.shtml

3) São Paulo, muito mais que cidade reacionária in Outras Palavras. 1 de agosto.

http://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/sao-paulo-muito-mais-que-cidade-reacionaria/ Consulta em 03/08/2015.

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B o u l o s . C o n s u l t a e m 17/07/2015.http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/08/dil ma-reune-mais-de-milrepresentantes-de-movimentos-sociais

* Texto originalmente publicado no site Correio da Cidadania, dia 28 de Agosto de 2015 (confira aqui)

O ‘modernismo reacionário’

brasileiro,

a

moderna

tradição neoconservadora? (Ou

Michael Löwy x João P.

Coutinho)

Betto della Santa

“O Brasil não é um país para principiantes.” Antônio Carlos de Almeida Jobim ou, tão-simplesmente, Tom Jobim (Rio de Janeiro, 25/Jan./1927 — Nova Iorque, 8/Dez./1994), dispensa a maiores apresentações. O enunciado formal –que ora lhe é tributado– atesta que o compositor e musicista não só foi responsável por momentos significativos da cultura brasileira, no âmbito da canção popular, como também se esmerou em reelaborar uma espécie de sentimento íntimo de país, no plano das ideias. “O Brasil é ‘de cabeça para baixo’ e, se você disser que é ‘de cabeça para baixo’, Eles o põem [BdS: a você, interlocutor!] ‘de cabeça para baixo’, para você ver que, na verdade, está ‘de cabeça para cima’.” A vertigem sugerida pela figura de linguagem poderia muito bem ser lida numa chave mais literal

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do que literária. O pau-de-arara, método de tortura muito utilizado no Brasil –desde a ditadura civil-militar até os dias de hoje–, consiste numa barra de ferro a ser atravessada –entre os punhos amarrados e a dobra dos joelhos–, suspendendo-se o corpo do torturado, dependurado a cerca de 30 centímetros do chão. E de pernas para o ar! Com esta dialética rarefeita –entre a sofisticação, da intenção, e a truculência, do gesto– apanhamos à quintessência de forma e conteúdo para a discussão que nos ocupa aqui e agora: a hora e o lugar de Esquerda x Direita no Brasil pós-PT/PSDB. Qual a razão –e o significado– para tal distinção política?

Antes de responder, contudo, há-de perdoar o leitor de brandos costumes a preâmbulo tão disruptivamente calcado no lado obscuro da convivialidade brasileira. Mas quem avisa amigo é: não é sobre sutilezas metafísicas que tratará esse texto. O contexto é brutal. De chofre, cabe desde já lembrar ao leitor do Blog CONVERGÊNCIA que o tema –de Direita e Esquerda– já foi objeto de reflexão mais de uma vez por parte de seus colaboradores regulares: “Esquerda e Direita, Velha e Nova”, por Alvaro Bianchi, “A Esquerda e as Eleições” de Daniela Mussi, e “Quem é a Esquerda que a Direita Gosta?” de Valerio Arcary, são bons exemplos disso. O algo recente “O Nome da Esquerda (Que Ousa Dizer seu Nome)” dialoga com a constelação de uma tradição mais subterrânea –a partir do quê Antonio Gramsci chama “filologia vivente”–, ousando inovar na perspectiva de uma esquerda herética, para muito além daquilo a que tanto a socialdemocracia quanto o stalinismo dão nome. A abordagem que nos serve de ponto de partida enseja, contudo, uma visada muito mais tradicional. A distinção, Esquerda & Direita, nasceu há já dois séculos e meio, com a Revolução Francesa –o marco fundante da história moderna–, e faz referência aos “lugares” — ocupados relativamente à figura do rei na assembleia constituinte. À esquerda postava-se o desafio à ordem estabelecida e à direita a conservação de tal mesma ordem.

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As coisas se complicam –como numa espécie de “torcicolo ideológico”–, não obstante, quando o assunto envolve Esquerda e Direita –Velha ou Nova, de Liberais e Conservadores– in terra brasilis. Os programas de esquerda (de trabalhadores proprietários) e de direita (de proprietários não-trabalhadores) apresentar-se-ão de modo já problemático quando se aclimatam à hora e lugar de um país como o Brasil, pertencente, este, à semiperiferia do sistema-mundo do capital. “Num país de passado colonial como o nosso, a vida ideológica sempre girou em torno da elaboração mental (e jurídico-política) da imagem que melhor revelasse (ou mascarasse) a fisionomia do país” (Arantes, 1992, p.127). A constituição dum Estado-nação brasileiro nunca ‘acertou as contas’ com o seu passado (não ultra-passado), isto é, coordenadas e mapeamento do caráter colonial-escravista, dependente, de sua formação social. A forma típica do trabalho livre assalariado, i.e., nunca foi pressuposto fundamental de suas relações sociais mais fundamentais. Talvez seja esse o maior problema com expressões como “onda conservadora” ou “nova direita” na tentativa de captar em essência o caráter –e limites– de fenômenos recentes da vida nacional. Ora, tanto o epíteto “onda” quanto o adjetivo “nova”, pressupõe a uma acepção mais presentista daquilo que tentam nomear difusamente, qual seja, a vaga do neoconservadorismo “à brasileira”. Não é de hoje o caráter conservador, intolerante e autoritário do clima ideológico brasileiro.

Por ocasião da republicação do já clássico opúsculo Revolta e Melancolia: romantismo na contracorrente da modernidade (SP, Boitempo, 2015) o sociólogo, vienense-brasileiro, Michael Löwy –radicado na França, desde os anos 70, do século passado–, deu uma entrevista à Folha de S. Paulo. Em entrevista à jornalista Eleonora de Lucena, Löwy sugeriu que “há um modernismo reacionário, que sempre é favorável ao sistema capitalista, por mais que critique esse ou aquele aspecto da vida política, como a corrupção e a má-administração.” (FSP, 09/Jun./2015). Na feliz expressão do cientista social, o elemento mais

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preocupante dessa extrema-direita brasileira –sem paralelo com aquela que há na Europa– seria o apelo aos militares. “O saudosismo da ditadura é um dos aspecto mais sinistros da recente agitação de rua, conservadora, no Brasil”, diz o autor. As semelhanças com o movimento das direitas europeias adviria, segundo o mesmo, da ideologia repressiva, o culto à violência policial –vide a bancada Boi-Bala-Bíblia no parlamento nacional– e uma intolerância sectária para com as minorias sexuais. A pequena nota jornalística não passou desapercebida a um colunista político de parda eminência, ao menos no Brasil: João P. Coutinho. Numa aparvalhada resposta, como veremos a seguir, João P. Coutinho –o cientista político luso– intenta objetar os argumentos, a tese de Löwy. Para o politólogo português, não há horror algum.

Esquerda, volver

Na outra margem do Spectrum, Löwy relacionou a crise do PT com o absenteísmo de horizonte radical. Afirmou que ao se desmarcar do contato com suas bases sociais populares, aderiu ao dogma da austeridade e de uma vez por todas deu sumiço, no programa, ao socialismo. Parte da esquerda da esquerda –Löwy acaba de lançar livro sobre Marxismo & Anarquismo, na França, e outro a respeito da teoria-programa da Revolução Permanente, no Brasil–, ele defende que os partidos da esquerda radical –como PSOL, PSTU e PCB– não lograram conquistar uma capacidade de mobilização equivalente ao PT, ainda e quando possam vir a fazê-lo, no futuro. “Quem vai decidir se haverá saída para a esquerda serão os movimentos sociais: os terra, os sem-teto, os sindicalistas, os ecologistas, os indígenas, mulheres e afrobrasileiros”, opina o autor. Ao pincelar esse quadro geral, Löwy aponta simultaneamente pelo menos três vieses ineludíveis da questão: i) não é possível compreender a gênese da “nova direita”, conservadora, sem explicar o devir da “velha esquerda”, liberal, ii) além de “por onde começar” a interpretação da situação, Löwy indica “o que fazer”, para sua transformação, e, iii) indica o antídoto para o clima

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político. Para João P. Coutinho o que há de fato e de direito é uma direita “cansada dos abusos políticos e das corrupções econômicas” e que “procura resgatar para o Brasil os valores ‘liberais’ clássicos”.

“Esta direita (a qual ele, com apreciável rigor, às vezes chama de ‘extrema-direita’) tem nostalgia pela ditadura militar, revela intolerância com minorias sexuais, atinge o orgasmo com a violência policial e –atenção pelotão de fuzilamento! – é sempre favorável ao sistema capitalista” ironiza o glosador ibérico. Arrogando para si a autoridade de quem recém-lançou livro titulado As Ideias Conservadoras Explicadas a Revolucionários e Reacionários –pelo selo editorial do Grupo Folha– Coutinho desdenha da caracterização do quê seria um avanço conservador no país como uma espécie de garatuja autoritária e imobilista, “de bengala e cartola”, e sequer se dá ao trabalho de examinar o que há na formulação político-intelectual proposta, por Michael Löwy, de distinto, por exemplo, ao quê Guilherme Boulos –na mesma FSP– chamou onda conservadora. Após se escusar por não ser especialista em Brasil, Coutinho reitera que os valores e as crenças perquiridas por essa direita tupiniquim não seriam distintos dos do liberalismo mundial, como o constitucionalismo, o antiautoritarismo e a tolerância — que seriam “moeda-corrente na cidade, no país e continente aonde, ironia das ironias, o ilustre sociólogo marxista escolheu para morar.”. Afirmar Paris –a capital global da reação política, desde a derrota histórica do Maio 68– como sede mundial da direita ilustrada, e dizer ‘escolha residencial’, do autoexílio político, não é à-tôa.

O artigo de opinião, de Coutinho, é banal, e prenhe de contradições em termos. Do livro que escreveu posso dizer o bordão, mui caro ao quiçá mais respeitado conservador brasileiro, “Não li… e não gostei!”. A dica de Antonio Gramsci –para a batalha de ideias e programas– foi sempre enfrentar adversários os mais consistentes e teses as mais sofisticadas.

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O aconselhamento apela ao bom senso do homem-coletivo comunista. Se no combate político-militar romper linhas adversárias –atacando, aí, “o elo mais débil”– faz muito sentido, na luta ideológico-conceitual desguarnecer às linhas com menor resistência política (e sua retaguarda filosófica) não surtiria efeito algum para o contexto total. Daí que um bom conselho é fazer justamente todo o contrário. Afinal, por que perder tempo com um arrivista desconhecido, mais preocupado com seus quinze minutos de atenção midiática? Apesar da má-qualidade de seu material, o textículo em tela serve de pré-texto para passar em revista o estado da arte geral –universo editorial– sobre o fenômeno direitista no país e –de quebra– revelar a verdadeira contribuição teórica de Löwy a esse debate. O público embate de ideias possui leis próprias. E a metáfora militar tem limites autoevidentes. Não é a continuação da guerra por outros meios. Só a práxis teórica adequada, pesquisa acurada + diligente debate intelectual e político, pode auxiliar à perspectiva total da emancipação humana.

“A Revolta a Favor da Ordem” por Felipe Demier, “De Onde Vem o Conservadorismo?” de Mauro Iasi, “A Direita Ganha às Ruas”, por Demian Melo, “A Marola Conservadora” por Ruy Braga –e mesmo a breve nota, “Há uma onda conservadora no Brasil?”, de Valerio Arcary– são as manifestações fenomênicas –dum ponto de vista mais crítico– que tiveram lugar após Outubro de 2014, por um lado, e foram posteriores à coluna de opinião de Guilherme Boulos, na FSP, de título “Onda Conservadora” (FSP, 09/Out./2014). O objeto das análises de conjuntura expõem sobretudo a avaliação pós-eleitoral, em especial a composição política do Parlamento e, ainda, mobilizações de direita galvanizadas por palavras-de-ordem que variaram do que seria o liberalismo clássico até, enfim, o reacionarismo político. De lá pra cá muita água girou o moinho. A redução da maioridade penal, o banimento dos estudos de gênero dos Planos Nacionais de Educação, e a ofensiva contra a filosofia de Antonio Gramsci (ou a pedagogia de Paulo Freire!) são subprodutos,

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recentes, de uma era de obscurantismo intelectual na Câmara dos Deputados. Para se ter uma vaga ideia, o projeto de lei que leva o criacionismo ao currículo oficial do ensino secundário fora desarquivado. Qual seja, não chega com que haja os salários indignos, a falta da infraestrutura mais mínima + fome (porque a merenda foi pilhada pelo secretário de educação). Não basta Massacre de Curitiba. Ou até saque à previdência. É preciso fazê-lo em nome de deus.

Freud explica; Marx complica?

Toda uma rica corrente do pensamento crítico, de recíproca fertilização entre Psicanálise e Dialética, debruçou-se sobre o mal-estar social civilizacional brasileiro. São nomes tais como Maria Rita Khel, Paulo Arantes, Vladimir Safatle e, sobretudo, Christian Dunker. O último lançou o livro que movimentou um debate –quiçá o mais profícuo– a respeito das condensações psicossociais realmente existentes no último quadrante histórico do edifício social brasileiro: Mal-estar, Sofrimento e Sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros (SP, Boitempo, 2015). A observação social da realidade brasileira ‘psicanaliticamente orientada’ perfaz toda uma ampla tradição pública da zona de engajamento intelectual e retoma uma vertente de articulação entre filosofia, psicologia e pensamento político-social com vigorosa presença na cena nacional. Neste sentido, o impacto da obra ora em presença não se trata de um raio em céu de brigadeiro… As forma de ser dos modos de agir, sentir, pensar e viver a vida são aqui arquitetadas a partir de uma chave de leitura que toma de empréstimo, da metáfora do edifício, às figuras do condomínio e do síndico, para ressignificar –simbolicamente– a relações de poder e estruturas de dominação. A “autonomia relativa” já conquistada pela psicanálise nacional –para além do campo da saúde psíquica– na formação mesma, da vida estatal, permite-se-lhe perscrutar violência e segregação.

As formas de objetivação e de subjetivação dessas relações de poder bem como as suas estruturas de dominação são, daí,

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interpretadas a partir de suas várias configurações específicas. O (des)governo heteronômico dessa razão sistêmica é tutelar: uma sociabilidade administrada. Neste condomínio, que nunca foi moderno, há as classificações de compêndios psiquiátricos e a (in)devida farmalização, isto é, via de despolitização do sofrimento, medicalização do mal-estar e condominialização do sintomal. Contra uma tal recolonização extrapolítica da existência social, apresenta-se a mediação categorial do sofrimento enquanto uma transubstanciação do espírito de uma época sem espírito, entendido a partir de suas formas expressivas e com nexo em processos de reconhecimento. O sofrimento não é outra coisa senão desejo de ser-estar diferente no mundo, o mal-estar é gerado pelo declínio da experiência e as psicopatologias têm de ser compreendidas na sua condição de contradições não-resolvidas (ou sequer mesmo reconhecidas enquanto tais). A zona de fronteira entre mal-estar/sofrimento/sintoma sob o modelo de regulação hegemônico é reequacionada a partir da uma arqueologia do saber psicanalítico ‘teoricamente informado’, com vistas ao conhecimento da formação social brasileira. A proposta original e inovadora do ensaio é a apropriação de antropologia não-totêmica, baseada no perspectivismo, de Viveiros de Castro.

A seqüência do raciocínio exige um nível de especialização intelectual bastante elevado. A teoria do perspectivismo, do renomado antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, já seria todo um desafio de apresentação, por si só. Não bastasse ter de lidar de modo bastante familiar com o material da psicanálise brasileira, o pensamento social e a teoria crítica, de Marx a Lacan, o autor nos impele aí a conhecer o xamanismo transversal como forma simbólica da Amazônia brasileira para, só então, repensar re-conhecimento, in-determinação e contingência para a vida social tal qual a queria o velho poeta –Vinicius de Moraes– “a arte do encontro”. A essa altura Maria Rita Khel, com seu habitual despojamento de intelectual pública, oxigenada pelo contato assíduo com as amplas

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audiências, nos sugere O Som ao Redor, o filme pernambucano do cineasta Kleber Mendonça, para ilustrar uma série complexa de questões e perturbações levantadas por Dunker. O ‘retorno do reprimido’ n’O Som ao Redor é uma verdadeira retomada cinematográfica e, a um só e mesmo tempo, projeção de um resgate social da bôa e velha luta de classes. Pois ao fim e ao cabo –seja através da linguagem de xamãs, divãs ou ecrãs– é disso, enfim, que se trata ipso facto. 388 anos de escravismo colonial, 389 com formas monárquicas, 41 de regime autocrático e 36 de ditaduras semifascistas é o passado não ultra-passado que insiste em transpirar, por todos poros…

Dicionários científico-filosóficos, biografias/autobiografias político-intelectuais, espólio sistemático de jornais e revistas, recenseamento e resenha de livros, sistematização à bibliografia crítica –própria à concepção total de mundo, exposta na publicação–, a observação específica do território e s i t u a ç ã o r e g i o n a l : e i s a s r u b r i c a s d e t r a b a l h o jornalístico/metajornalístico em Gramsci. O regime de produção jornalística concebido (e praticado) nos Quaderni del Carcere correspondia a um conceito de jornalismo o qual ele denominou «integral». O que significava um tal adjetivo? Tratar-se-ia de um jornalismo que não só intende satisfazer as necessidades (de certa categoria) de seu público mas criar e desenvolver a estas necessidades e até suscitar –em um certo sentido– o seu público, e estender-lhe, progressivamente, à sua área. A atividade intelectual pressuposta, nesta dada concepção, volta-se à formação integral de um intelectual coletivo, ocupado não só com a interpretação do mundo mas, também, com sua respectiva transformação. Nesse sentido o apanhado geral realizado acima, sobretudo na malha publicística de uma série de blogs críticos como Blog CONVERGÊNCIA, Blog da Boitempo, Capitalismo em Desencanto e muitos outros, a respeito do debate descortinado por Guilherme Boulos, desde as páginas da Folha de S. Paulo. O mesmo explica o detalhe, do lançamento editorial –de Dunker–, e a polêmica, Löwy-Coutinho.

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Tupy or not tupy?

“O Brasil não é um país para principiantes.” De que outra forma tentar explicar e/ou mesmo compreender por que Katia Abreu, a famigerada latifundiária, declarou o voto em Dilma já reivindicando-se contra “o fascismo da revista Veja”? É isso mesmo! Não é à-tôa que Chico de Oliveira lançara mão à figura d’Ornitorrinco para sentirpensar o esterco de contradições do país. No Sindicato dos Bancários de São Paulo, Antonio Martins, ao dar início ao debate sobre o livro de Dunker, leu o breve comentário de Alvaro Bianchi, postado nas redes sociais, a 09 de Março: “Dilma foi à TV e anunciou que adotará medidas do programa do Aécio, as quais jurou que não aplicaria; ‘nem que a vaca tussa’. Daí os eleitores de Aécio foram para a varanda bater panela e xingá-la, porque ela decidiu implementar… a plataforma na qual haviam votado. Ato seguinte, aqueles que a chamavam de ‘Coração Valente’ ocuparam as redes sociais para defendê-la e apoiar a sua coragem… de abraçar um programa contra o qual eles haviam sufragado. Confere?”. Há um tempo-espaço caracterizado por uma extensa e profunda crise de hegemonia (Gramsci) dos dominantes no país –sob o signo da transição, entre o velho que não morre e o novo que não nasce–, a qual coincide com uma crise de direção (Trotsky) dos subalternos no mundo. Trata-se de fértil terreno para fenômenos mórbidos e bizarros –como o avanço conservador no país bem atesta–, por um lado, mas também é favorável para a superação de todo o ciclo histórico-político.

O caráter de repressão sexual –e moralismo burguês– manifestos na expressão ‘Família Tradicional Brasileira’, o obscurantismo intelectual –tanto filosoficamente irracionalista quanto idealmente decadente–, a estigmatização de um Outro (comunistas, gays, mulheres, negros etc.) em base ao preconceito, o fundamentalismo religioso –sectário e politicamente intolerante–, as formas e relações político-sociais de violência/segregação são necessária contraparte i d e o l ó g i c a d e u m a m o d e r n a t r a d i ç ã o b r a s i l e i r a . O

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neoconservadorismo à brasileira não é propriamente algo de uma nouvelle vague ou New Right, à vanguarda do atraso que, na verdade, sempre esteve ali. Há algo dum espanto nada filosófico com as recentes manifestações da direita no Brasil, como se fossem algo fora-de-lugar e/ou sem-tempo, resquícios de tempos passados que se queriam ultra-passados. Uma concepção de história opaca, linear e nada dialética se esconde nesse assombro, já nos dizia Walter Benjamin com as Teses sobre a Concepção de História. A moderna tradição do neoconservadorismo que ora se apresenta na ação coletiva à d i r e i t a n ã o é a l g o d o p a s s a d o q u e s e a p r e s e n t a , anacronicamente, no cenário duma moderna democracia, nem algo s u r g i d o e x - n i h i l o . O c o n s e r v a d o r i s m o s e m p r e f o i coetâneo/coextensivo à nossa hora e lugar. Nesse sentido, gostaríamos de defender a um só e mesmo tempo a noção operativa do quê seria o modernismo reacionário, em contraponto tanto a Guilherme Boulos quanto a João P. Coutinho.

A estratégia “frentepopulista”, ‘democrático-popular’ e/ou de colaboracionismo de classes apostou na possibilidade efetiva de mitigação real das lutas de classe por meio de uma série de reformas sociais –com conflitos de baixa intensidade– de larga duração. A «revolução passiva à brasileira», com a sua transição pelo alto, redundou, contudo, num cenário de acirramento das contradições fundamentais entre as classes sociais hierarquicamente postas. Nesse sentido não há, já dissemos, como compreender a “nova direita” sem explicar o devir da “velha esquerda”. No sentido de que se trata de um aprofundamento da Ordem, política, e do Progresso, histórico, –tal qual concebidos pela lógica imanente, mesma, do Estado integral brasileiro– o conceito de modernismo reacionário indica, para começo de conversa, que não há documento de civilização isento de barbárie no interior do metabolismo social típico da sociabilidade burguesa e, tanto mais, às margens da história da semiperferia do sistema de controle social-político. Desse modo tratar-se-ia de um complexo

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irreformável e, por isso, apostar na administração da política e da economia em crise só poderá, daí, redundar em recrudescimento de uma crise civilizacional total. Como já bem lembrava o saudoso Edmundo Fernandes Dias, toda modernização é uma “modernização conservadora”, isto é, a atualização de formas sociais e políticas, do que é a dominação/direção capitalista burguesa.

O fim do ciclo histórico-político com a crise de hegemonia da regulação de tipo lulista é a antessala para a reapresentação do embate hegemônico de projetos e racionalidades antagônicas, sob a forma de batalha de ideias. O avanço conservador, e a ofensiva da direita, contra direitos sociais e trabalhistas – p o l í t i c o s e d e m o c r á t i c o s – d i z e m a r e s p e i t o d a indissociabilidade entre o que é a contrarreforma trabalhista e previdenciária e as vestes de modernismo reacionário que lhes cabem. Um projeto e uma racionalidade alternativas dignas desse nome devem se apresentar como verbo e como ação com aspiração de direito à nova cidade futura e rebelde generalizando um modo de vida do mundo do trabalho (contra o mundo do capital) através das lutas de classes. A chave para compreender a forma e o sentido da história está nos signos criptografados que se expressam intercambiados: se o modernismo é reacionário já, o romantismo, é revolucionário. Não se trata duma vanguarda artística do Séc.19. Respira e luta na vaga europeia de 1967-1975, na batalha ecossocialista, arte engajada do Brasil anos 60, embate antiditatorial latinoamericano, em plataformas alterglobalistas na Europa Ocidental e Norte das Américas. A ênfase está no quê se define como o espírito anticapitalista que “não deseja uma volta ao passado, mas, uma volta pelo passado, em direção à utopia futura”. Duas perguntas se impõe à crítica Crítica, e com elas puxamos o freio de emergência que faz descarrilhar a locomotiva de continuidade e a linearidade de texto e contexto: Para onde vamos? Que horas são?

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Referências bibliográficas:

ARANTES, Paulo. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. COUTINHO, João P. Os horrores de Michael Löwy. FSP, 10/Jun./2015.

DUNKER, Christian. Mal-estar, Sofrimento e Sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, Boitempo, 2015

LÖWY, Michael e SAYRE, Robert. Revolta e Melancolia: romantismo na contracorrente da modernidade. São Paulo, Boitempo, 2015.

LUCENA, Eleonora e LÖWY, Michael. País vive onda de ‘modernismo reacionário’, diz sociólogo. FSP, 09/Jun./2015. GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. Torino, Einaudi, 1975. TROTSKY, Leon. The Transitional Program: death and agony of capitalism and the tasks of the Fourth International. Pathfinder, New York, 1938/1973.

A revolta a favor da ordem: a

ofensiva da Oposição de

Direita

Felipe Demier

Após os atos do dia 15 de março, o governo tentará, por meio de seus intelectuais, blogs e afins, inflar a ameaça

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reacionária de modo a conseguir a adesão da verdadeira esquerda e dos movimentos sociais independentes. A ultraesquerda sectária, por sua vez, tentará minimizar a ofensiva reacionária sob o argumento de que ela é uma pura invenção governista. Para os marxistas, entretanto, a verdade é a verdade. Reconhecer a força da direita não significa defender o governo e o Partido dos Trabalhadores, cuja política é, em última instância, responsável pela desfavorável correlação de forças ao movimento de massas. As intenções políticas, por mais justas que sejam, não podem determinar a análise concreta da atual situação concreta. Encontrar as raízes explicativas tanto do modelo petista de gestão do capitalismo periférico brasileiro, exitoso entre 2003-2013, como de seu atual fracasso e do crescimento exponencial das forças da Oposição de Direita se constitui em tarefas incontornáveis para os que pretendem encarar as agudas lutas sociais que se avizinham.

A primeira delas vem sendo executada por intelectuais marxistas há alguns anos (Chico de Oliveira, Carlos Nelson Coutinho, Alvaro Bianchi, Ruy Braga, Valério Arcary, André Singer, Virgínia Fontes, José Paulo Netto etc.),[1] e talvez ainda demore mais alguns outros para oferecer novos resultados, confirmar (ou não) hipótese e aventar outras. Já a segunda daquelas tarefas começa a ser alinhavada por alguns intérpretes ligados aos movimentos sociais (Guilherme Boulos, por exemplo)[2] e gradativamente vem ganhando espaço na agenda investigativa da intelectualidade crítica (em autores como os já citados Braga e Bianchi, e outros como Marcelo Badaró Mattos e Daniela Mussi).[3] Tendo como foco os reacionários atos do último dia 15, buscaremos lançar, a nível hipotético, alguns eixos que possam contribuir nesta segunda tarefa, isto é, que possam ajudar na compreensão da derrocada petista e, especificamente, do ingurgitamento das forças reacionárias de oposição ao governo contrarreformista de Dilma Roussef.

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organizativa nas redes sociais, por meio de pequenos grupos de direita (ou “nova direita”, segundo propôs Valério Arcary em recente texto neste blog)[4] e extrema-direita, cujos discursos contra o governo tiveram como mote o combate ao “comunismo”, ao “bolivarianismo” e – claro, sempre ela – “à corrupção”, antiga consigna sempre atrativa aos estratos médios de jaez conservador. Muitos de seus organizadores anelavam o impeachment da Presidente ou mesmo um golpe militar. Contudo, nas últimas semanas que antecederam aos atos, em especial nos dias imediatamente anteriores àqueles, a Oposição de Direita, ou melhor, seu núcleo duro tradicional, o Partido da Social Democracia Brasileira e seus aliados midiáticos, encampou as convocatórias, amplificando-as. Desde então, a Oposição de Direita tradicional, dirigida pelos tucanos, obteve uma hegemonia, ainda que não plena, no processo mobilizatório, conseguindo amainar o teor reacionário dos atos, que passaram a ter como divisas centrais o “Fora PT” e o “fim da corrupção” etc. As manifestações do fim de semana passado podem ser descritas, portanto, como manifestações lideradas pela Oposição de Direita. Foram convocadas por ela, organizadas por ela, e dirigidas programaticamente por ela, a ala hard do neoliberalismo brasileiro e polo direito do regime democrático-blindado do país. Sob sua égide, ainda que com relativa autonomia, marcharam diversos grupos reacionários exóticos e toda uma vasta fauna proveniente dos estratos médios conservadores semiletrados[5] que, mesmo durante o fastígio do petismo no poder, tiveram suas consciências formatadas por pseudointelectuais de direita (Arnaldo Jabor, Marco Antonio Villa, Nelson Motta, Diogo Mainardi e consortes), os quais, conquanto ignorados nos ambientes científicos, gozam, na qualidade de “especialistas”, de vultoso espaço nos mass media.[6]

A análise do caráter da crise política atual deve escapar de interpretações dualistas de fundo economicista, as quais tomam os embates políticos entre governo e Oposição de Direita como expressões “superestruturais” de uma contenda entre distintos

Referências

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