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AS RELAÇÕES DO DIREITO COM OUTROS RAMOS DO CONHECIMENTO 1 DIREITO E FILOSOFIA

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Academic year: 2021

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AS RELAÇÕES DO DIREITO

COM OUTROS RAMOS DO CONHECIMENTO1 O Direito não é um conhecimento isolado.

A meu ver, o jurista que se enclausura no mundo jurídico não será capaz, nem de apreender e interpretar, em toda sua extensão, o fenômeno jurídico, nem muito menos de compreender que o Direito não é uma ilha, mas, pelo contrário, é um saber que se espraia por diferentes áreas a fim de dar conta de seu papel na vida social.

DIREITO E FILOSOFIA

Filosofia significa, etimologicamente, amor à sabedoria. Seu objeto, como pretende Lucien Goldmann, é entender e explicar aquelas verdades, que se inserem nas relações de um homem com outro homem e nas relações dos homens com o Universo.

C. H. Porto Carreiro pensa que a Filosofia

"busca a essência das coisas e só pode fazê-lo através do fenômeno. Para tanto, precisa conhecê-lo, examiná-lo, abstraí-lo, na procura incessante da essência, ou seja, trata de desfenomenalizar o fenômeno para essencializar a essência". Merleau-Ponty disse que "a verdadeira Filosofia é reaprender a ver o mundo".

Dermeval Saviani define a Filosofia como uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta.

Bem ponderam Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins que

"a Filosofia é um modo de pensar que acompanha o ser humano na tarefa de compreender o mundo e agir sobre ele. Mais que postura teórica, é uma atitude diante da vida, tanto nas condições corriqueiras como nas situações-limites que exigem decisões cruciais".

O Direito não pode dispensar a Filosofia. Não será acertado também colocar a Filosofia como simples adorno, a desempenhar um papel meramente decorativo no mundo do Direito. Pensar filosoficamente o Direito é o objetivo da Filosofia do Direito.

A Filosofia do Direito ocupa-se com a essência do Direito. Pretende "reduzir o Direito a seus últimos fundamentos", na colocação de Oswaldo von Nell-Breuning.

1 Texto da autoria de João Baptista

Herkenhoff, Magistrado aposentado, Supervisor Pedagógico e

Professor Pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha - ES. Escritor e autor de vários livros, entre eles, Dilemas de um juiz: a aventura obrigatória.

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DIREITO E ECONOMIA

A Economia, como definida por Albert L. Meuers, é a ciência cultural que estuda a atividade humana relativa à riqueza, com referência ao "valor de utilidade", Abrange o estudo da produção, da circulação, da repartição e do consumo. Seja, ou não, adotado o posicionamento de considerar o Direito apenas integrando a superestrutura social, será sempre evidente a proeminência do econômico, pelo que as relações do Direito com a Economia são, em qualquer hipótese, profundas.

DIREITO E SOCIOLOGIA

Na visão de Pinto Ferreira, a Sociologia pode ser entendida como a ciência dos fatos sociais, indagando o encadeamento mútuo dos fenômenos coletivos, a fim de lhes apreender o sistema de causalidade geral. Já João Baptista Aguiar pensa que a Sociologia, contemporaneamente, caracteriza-se pelo estudo do social, enquanto social, não enquanto cultural, educacional, econômico ou jurídico. Por diversas razões e sob várias perspectivas, há íntima relação entre Sociologia e Direito, Direito e Sociologia.

Para a Escola Clássica o Direito é um fato social. Para a Escola Crítica, o Direito é um fenômeno sócio-jurídico. Numa ou noutra perspectiva, é Íntima e relevante a ligação entre o Direito e a Sociologia gerando mesmo uma especialização da Sociologia que é a Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito.

A Sociologia Jurídica vem merecendo crescente interesse, quer por parte dos sociólogos, quer por parte dos juristas. Se o tratamento teórico da Sociologia Jurídica, por parte dos juristas, é diferente do tratamento dado a essa ciência pelos sociólogos, essa diversidade não parece empobrecer, mas, pelo contrário, alargar o campo de abrangência da análise do fenômeno sócio-jurídico.

Referindo-se à finalidade da Sociologia Jurídica, Sandra Regina Martini Vial observa que essa ciência poderá dar suporte à análise do fenômeno sócio-jurídico. Cumprirá esse objetivo utilizando, quer o método empírico (da generalidade dos fatos concretos para a lei geral), quer o método teórico (da lei geral para o particular). Importante especialização da Sociologia é a Sociologia Criminal. Cabe destacar, pela atualidade de seu propósito, a Sociologia Criminal como compartimento da Sociologia Jurídica endereçado à investigação dos fatores ambientais e sociais da delinquência.

A Sociologia Criminal debruça-se sobre a criminalidade como fenômeno social, no seu grau de constância e extensão num grupo social. A Sociologia Criminal interessa-se também pelos efeitos sociais do delito.

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DIREITO E HISTÓRIA

Gabriel Monod definiu a História como o conjunto das manifestações da atividade e do pensamento humanos, considerados em sua sucessão, seu desenvolvimento e suas relações de conexão ou dependência.

Para Henri Pirenne, o que diferencia o historiador é que ele se dá conta da mudança das coisas e procura a razão da mudança. A maioria das pessoas não toma consciência de tal fato. Importantíssima é a História para o conhecimento das instituições sociais. Entretanto, como sublinhou C. H. Porto Carreiro, é fundamental dar à História um tratamento dialético. Nessa perspectiva, abandona-se a simples relação cronológica dos fatos. Parte-se, em substituição a essa mera visão de cronologia, para um exame infraestrutural. Essa metodologia conduzirá à apreensão de uma realidade em movimento.

Savigny dizia que todo jurista devia ser um historiador, realçando justamente a importância da História para o Direito. A relevância da História para a compreensão do Direito não se restringe ao campo da História do Direito. Transpõe em muito esse limite. Só um mergulho integral na História, nas suas bases, nos seus conflitos, na realidade dos fatos, e não na mistificação das histórias oficiais, pode oferecer luz para a exata compreensão do Direito de ontem e do Direito de hoje e, com base nessa compreensão, oferecer instrumentos para ajudar na construção do Direito de amanhã.

A meu ver, só a iluminada visão histórica pode permitir que os excluídos de direito se situem, na sua luta, para então compreender e interpretar o fundamento das exclusões. Conduzidos pela percepção da História, estarão equipados para buscar a afirmação da dignidade, na construção de um Direito que não exclua.

DIREITO E ANTROPOLOGIA

Antropologia, etimologicamente, deriva do grego e significa "estudo do homem". É a ciência do homem como ser portador da cultura (aspectos socioeconômico e ideológico) e do homem como ser físico (animal). Daí que a Antropologia divide-se em dois grandes ramos: Antropologia Física; Antropologia Cultural ou Etnologia.

A Antropologia Física trata do estudo da espécie humana, suas origens, evolução e diferenciação em tipos raciais. A Antropologia Cultural ou Etnologia estuda as criações do espírito humano, que resultam da interação social, como notou Emídio Willens. Essas criações desdobram-se em conhecimentos, ideias técnicas, habilidades, normas de comportamento, hábitos adquiridos na vida social e por força da vida social. É também objetivo da Etnologia o estudo descritivo, classificatório e comparativo da chamada cultura

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material. A cultura material é constituída dos artefatos encontrados nas diversas sociedades humanas.

Iluminando o conhecimento do homem, a Antropologia, especialmente a Antropologia Cultural, pode ser de grande valia para alargar a visão do Direito. Como observa Naylor Salles Gontijo, a Antropologia, por encerrar um sentido de totalidade, é capaz de:

"transmitir à Ciência do Direito as informações completas das características biológicas, culturais e sociais do homem, não deixando de focalizar, de um ponto de vista comparativo, as semelhanças e as diferenças existentes entre os próprios homens".

A inter-relação Antropologia-Direito vem sendo sentida, como necessária, de maneira veemente, dentro da atualidade brasileira, no campo do Direito das Populações Indígenas. A compreensão de que o Brasil, efetivamente, inclui diversas nações, caracterizando-se como plurinacional e multiétnico, é aceita ainda de forma restrita pelos setores político-jurídicos da sociedade dominante, como bem notou Sílvio Coelho dos Santos. A Constituição de 1988 determina, no seu artigo 231, que "são reconhecidos aos Índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

Só uma visão antropológica do Direito e uma visão jurídica da Antropologia permitirão que juristas e antropólogos desempenhem o papel histórico, de profundo sentido humano, que a realidade brasileira contemporânea exige. Esse papel não pode ser outro senão o de colocar-se, com eficiência, do lado das populações indígenas, na luta que os povos indígenas travam para não serem dizimadas pela fúria dos interesses econômicos.

DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA

A Ciência Política tem por objeto a consideração do fenômeno político e do funcionamento do poder, em sua máxima amplitude, seja nas regiões oficiais ou do direito legislado, seja no âmbito dos grupos de pressão, lideranças políticas, organizações partidárias, organizações populares, grupos de ação ostensiva ou grupos de ação clandestina.

A Ciência Política mantém íntima relação com o Direito. Isto acontece, em primeiro lugar, porque o Direito estatal é o que predomina na atualidade. Em segundo lugar, por ser o Direito Constitucional aquele que dá o contorno das instituições do Estado e as balizas do

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funcionamento do poder, nos países onde o poder funcione dentro de quadros constitucionais organizados. Finalmente, a relação Ciência Política-Direito decorre da circunstância de que a Ciência Política oferece perspectivas que alargam em muito a compreensão do fenômeno jurídico.

Se o fator político é essencial na criação do Direito e se, reciprocamente, o fator jurídico é também importante nas esferas da conquista, da manutenção e do exercício do poder (a tríplice ação da Política), conclui-se da íntima relação que existe entre as Ciências que se debruçam sobre o fenômeno jurídico (Direito) e sobre o fenômeno político (Ciência Política).

DIREITO E PSICOLOGIA

A Psicologia é a ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento. O Direito pode receber uma grande contribuição da Psicologia: - na área do Direito Penal, para uma melhor compreensão da personalidade do réu, da vítima, dos demais atores do crime, bem como dos motivos e motores da conduta criminosa; na área do Direito Processual, quando a contribuição da Psicologia é relevante para que se investigue a psicologia do testemunho; na área do Direito de Família, do Direito da Criança e do Adolescente, do Direito Penitenciário, para uma perfeita apreensão das realidades psicológicas que entremeiam as pessoas e circunstâncias presentes nesses ramos do Direito, tão marcados pelo traço do humano.

Jacob Pinheiro Goldebert advoga, com veemência, uma revisão do entendimento do homem na área legal, o que só é possível com a contribuição da Psicologia. As especializações da Psicologia, de mais larga tradição, endereçadas ao Direito, são a Psicologia Judiciária e a Psicologia Criminal.

A Psicologia Judiciária, na definição de Paulo Dourado de Gusmão, é "a técnica psicológica a serviço do processo judicial, com o objetivo de descobrir a verdade, falsidade ou simulação de atos, confissões, depoimentos, condutas etc." A Psicologia Criminal é a ciência psicológica dedicada ao estudo do criminoso e dos motivos que o levaram a delinquir. Pinatel defende a ideia de que a Psicologia Criminal encontra-se com a Psicanálise quando mergulha no estudo profundo do delinquente indagando, nas suas motivações inconscientes, a gênese de suas motivações aparentes e imediatas. O mesmo Pinatel vê também um encontro da Psicologia Criminal com a Psiquiatria quando a Psicologia Criminal aborda os aspectos psicopatológicos da conduta delituosa.

Finalmente, Pinatel vê a Psicologia Criminal apresentando-se como Psicologia Social ao investigar os aspectos interpessoais do delito. Numa abordagem generalizante

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temos a Psicologia Legal, que abarcaria toda a dimensão de aplicabilidade da Psicologia ao Direito.

DIREITO E CRIMINOLOGIA

A Criminologia é a ciência que se ocupa do fenômeno criminal, sua gênese, suas características, suas formas, sua prevenção, seu tratamento. Procura interpretar, compreender e explicar o fenômeno criminoso.

Ivone Senise Ferreira traça a evolução da Criminologia, desde o antropologismo de Lombroso, passando pela Sociologia Criminal de Ferri, até nossos dias. Observa, então, que a Criminologia alargou seu campo, suscitando novos interesses e respondendo a novas indagações. Modernamente, nota essa autora que a Criminologia não pode prescindir da Sociologia Criminal. As pesquisas da Sociologia Criminal procuram determinar de que maneira "a sociedade contribui para moldar a mentalidade de um indivíduo que talvez não possua nenhuma disposição pessoal para o crime".

A Criminologia mantém íntima relação com o Direito Penal e com o Direito Penitenciário. Enquanto o Direito Penal vê o crime, sobretudo como fato jurídico, a Criminologia trata-o como fenômeno humano e social. Quanto ao Direito Penitenciário, que organiza a vida das prisões, assegura os direitos dos presos e delimita as restrições que esses direitos podem ter, também se relaciona com a Criminologia, por ser propósito desta última ciência a prevenção e o tratamento do crime. O ângulo de análise da Criminologia muito poderá ajudar na compreensão e no dimensionamento de toda a problemática que envolve o fenômeno criminal.

DIREITO E MEDICINA LEGAL

A Medicina Legal, segundo Perrando, é a parte da Ciência Médica que trata dos problemas biológicos e médico-cirúrgicos, relacionados com as ciências jurídicas, bem como fornece, de forma sistemática, noções especiais necessárias à solução das questões de índole técnica, nos procedimentos judiciários. A Medicina Legal não constitui uma ciência autônoma; é o conjunto de conhecimentos da Medicina aplicados ao Direito.

A Medicina Legal oferece contribuição valiosa, nos mais diversos campos do Direito (no Direito Civil, no Direito Penal, no Direito do Trabalho, no Direito Previdenciário), quer fornecendo diretrizes para a elaboração de leis quer através das perícias médico-legais, de que se vale o administrador e o juiz.

No Direito Civil, são exemplos de contribuição da Medicina Legal as perícias que se realizam nos seguintes casos, dentre muitos outros:

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a) anulação de casamento, por erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, na hipótese de ignorância, anterior ao casamento:

- de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência (art. 1.557, inciso III, do Código Civil);

- de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

b) separação judicial, por doença mental grave, manifestada após o casamento, que tome impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável (art. 1.572, § 2°, do Código Civil)

c) prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, com o fim de ilidir a presunção da paternidade (art. 1.599, do Código Civil);

d) decreto de interdição por doença mental grave (art. 1.771, do Código Civil).

O defloramento da mulher, anterior ao casamento e desconhecido pelo marido, permitia anulação, segundo o antigo Código Civil. Isto porque o antigo Código considerava o defloramento, nessas circunstâncias, como erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge.

A meu ver, esse artigo do Código Civil antigo, mesmo antes do advento do novo Código, não podia prevalecer, em face da Constituição Federal de 1988. Esta, no art. 5°, inciso I, estatui:

"homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".

Ao estabelecer que o marido pudesse anular o casamento, se sua mulher não fosse virgem, o Código Civil estabelecia uma diferença entre homens e mulheres. O que justificaria a anulação do casamento, por erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, seria a quebra da confiança recíproca. Se a virgindade fosse requisito integrante do universo de confiança entre os cônjuges, essa virgindade também teria de abranger o homem. Num caso particular, em que houvesse essa expectativa de virgindade, seja por fatores religiosos ou culturais, qualquer dos cônjuges poderia invocar a ruptura da confiança, na ocorrência de relação sexual estranha, para alegar o "erro essencial". Exigir virgindade apenas da mulher, como pretendia o antigo Código, violentava a Constituição Federal.

No Direito do Trabalho, são exemplos de casos, onde se faz necessária a contribuição da Medicina Legal, os seguintes:

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a) a caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, nas atividades do trabalho (art. 195, da Consolidação das Leis do Trabalho);

b) a inspeção de estabelecimentos, para resguardar condições exigidas pela medicina do trabalho (art. 160, da CLT);

c) a licença da mulher, ou a mudança de função, ou o rompimento do contrato de trabalho, a pedido seu, por motivo de gravidez, parto ou aborto (art. 392 eparágrafos 394 e 395, da CLT).

No Direito Penal, entre várias outras hipóteses, podem ser enumeradas as seguintes, nas quais o concurso da Medicina Legal é fundamental:

a) fixação da irresponsabilidade penal, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto. ou retardado (art. 22, do Código Penal);

b) perícias para a tipificação de crimes contra a pessoa, contra os costumes e outros (homicídio, lesões corporais, perigo de contágio venéreo ou de moléstia grave, atentado violento ao pudor, estupro etc.).

DIREITO E PSIQUIATRIA

A Psiquiatria é à parte da Medicina que trata do estudo das doenças mentais. O Direito encontra-se com a Psiquiatria quando aborda os aspectos psicopatológicos da conduta humana, quer no crime (Direito Penal), quer no cível (Direito Civil, Direito Comercial, etc.).

DIREITO E CRIMINALÍSTICA

Criminalística é a ciência que tem por objeto a descoberta dos crimes e a identificação dos respectivos autores. No cumprimento desse desiderato, lança mão de provas periciais (médica, antrométrica, datiloscópica etc.), exame científico do testemunho e de muitas outras técnicas. A Criminalística é uma ciência auxiliar do Direito Penal, de muita importância no campo da prova.

DIREITO E PSICANÁLISE

A relação entre Direito e Psicanálise é muito profunda e vem sendo objeto de grande interesse, tanto entre psicanalistas, quanto entre juristas. Vejo o fenômeno como extremamente positivo. Mas um aspecto não me contenta. Na mente dos profissionais do Direito, parece preponderar a ideia de que o Direito se esgota nele mesmo. Ainda são

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limitados a círculos estreitos os esforços para se ter do fenômeno jurídico uma compreensão multidisciplinar.

Parece-me que, com mais constância, profissionais não jurídicos buscam os canais de comunicação de suas ciências com o Direito, do que o contrário. Se fizermos um paralelo entre a lei, para a ordem jurídica, e a lei, para a Psicanálise, creio que estaremos numa rota de aproximação palmilhando as reflexões que se seguem. A lei para a ordem jurídica é externa, racional, contemporânea aos fatos. Emanada de uma autoridade legítima, endereçada ao bem de todos, pode ser definida como geral, abstrata e neutra.

A lei para a ordem jurídica é externa no seguinte sentido. Pretende impor uma pauta de comportamento individual e social para todas as pessoas indistintamente. Mesmo as exceções que se admitem a essa pretendida generalidade são também exceções generalizadoras. No Direito Penal, por exemplo, as condutas são tipificadas: reunidos os elementos objetivos que integram o tipo criminal, tem-se como realizada a ação ou omissão criminosa.

No esquema mental do jurista, a lei é racional porque fundada no pretenso objetivo de organizar direitos e deveres, dentro de uma sociedade civilizada. A lei jurídica é contemporânea aos fatos. Baseada no presente, as remissões ao passado, à história individual são tímidas. A lei sempre se define como emanação de uma autoridade legítima. Mesmo os regimes ditatoriais invocam legitimidade.

A lei, na ótica estrita do jurista, define-se como endereçada ao bem de todos. É geral, abstrata e neutra. Advém, como que por encanto, de uma sociedade civil submetida ao império da lei. Num arremate final, a lei, na visão rígida do jurista, é uma realidade autônoma, parte integrante de um mundo conceitual organizado em categorias intelectuais.

Que visão extremamente diversa advém do tratamento dado ao tema pela Psicanálise. A lei para a Psicanálise é interna. Cada indivíduo é um universo. Na visão psicanalítica, a lei é irracional porque o comportamento humano é ditado pelas pulsões, pelo desejo, pelo inconsciente, não pela racionalidade.

Ainda na perspectiva do psicanalista, a lei baseia-se fundamentalmente no passado, no inconsciente, na ancestralidade. Para a Psicanálise, a lei emana de uma autoridade que é, por ser, não porque tenha o direito de ser. Essa autoridade é aceita pelo sujeito passivo da relação, ou pela imposição de poder da própria autoridade, ou pela busca de paternidade do ser humano, reclamada pela orfandade em que se encontra.

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A lei, no universo da Psicanálise, nunca é geral, abstrata e neutra, mas plantada no subjetivismo. A lei, segundo a Psicanálise, não é uma realidade autônoma, mas realidade íntima que encontra seu fundamento último na linguagem do simbólico.

No divã do psicanalista, nós descobrimos as misérias e as grandezas de nossa condição humana. A lei é a busca desesperada da sobrevivência de cada um, a clareira no abismo, a paz na guerra íntima, o acolhimento no abandono, o chão no exílio existencial, a resposta no conflito dilacerante. Há imensa utilidade numa troca de perspectivas entre juris-tas e psicanalisjuris-tas.

Para a Psicanálise, a meu ver, será certamente útil debruçar-me sobre essa realidade que é a lei jurídica. Refletir o quanto a lei jurídica está introjetada no inconsciente, na história individual e na história social, o quanto representa, como ideologia, de força fundante do comportamento. Refletir sobre os conflitos e dramas que a lei jurídica provoca no universo dos seres humanos, justamente pela sua inflexibilidade e consequente incapacidade de compreender e apreender o que ela própria define como desarmonioso, desencontrado, desconforme.

Para o jurista o confronto com a Psicanálise é a chave de uma nova compreensão do jurídico. Na minha vida profissional de juiz, tive como que uma premonição a respeito da relação entre Psicanálise e Direito. Mesmo antes de meu encontro com a Psicanálise, rompi com a visão de lei jurídica aprendida nos livros e escolas de Direito.

CONSEQÜÊNCIAS DO RELACIONAMENTO DO DIREITO COM TANTOS RAMOS DO CONHECIMENTO

Duas consequências práticas advêm do relacionamento existente entre o Direito e tantos ramos do conhecimento:

a) a necessidade de abrir-se o jurista a outros conhecimentos, alargar seu mundo, buscar uma visão multidisciplinar dos fenômenos;

b) a necessidade da cooperação entre os juristas e os especialistas das diversas ciências, para o estudo e a solução dos problemas que se apresentam.

Referências

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