UM POSSÍVEL CASO DE CARCINOMA MALIGNO COM METÁSTASES NUM ESQUELETO EXUMADO DA VILA DE CONSTÁNCIA (PORTUGAL)
Sandra Sofia DOMINGOS ASSIS e Sónia Cristina FIALHO
1. Introdu~ao
1.1. Dom.ínio paleopatológico
Vários tumores podem deixar o seu testemunho nos ossos, nao obstante os carcinomas constituem a forma maligna mais comummente observado em contexto osteoarqueológico (Steinbock, 1976).
Os carcinomas desenvolvem-se primariamente no tecido epitelial (Ortner, 2003). De natureza invasiva, caracterizam-se pela prolifera<;ao naocontrc~adade células tumorais cuja dissemina<;ao através da circula<;ao sanguínea e/ou linfática pode potenciar a emergencia de focos neoplásicos secundários -as metást-ases - noutros sistem-as fisiológicos, designadamente no esqueleto (Ortner, 2003; Aufderheide e Rodríguez-Martín, 1998; Steinbock, 1976).
As metástases ósseas tendem a desenvolver-se preferencialmente em indivíduos com idade superior a 50 anos e afectam de modo diferencial os vários elementos do esqueleto. Os ossos mais afectados compreendem as vértebras, a pélvis, as costelas, a maioria dos ossos longos, o esterno e o cranio. As extremidades distais dos membros superiores e inferiores sao as menos lesadas (Ortner, 2003; Thillaud, 1996). A localiza<;ao das metástases nao é indiscriminada, na medida em que coincide com áreas de produ<;ao hematopoiética, um requisito fuleral para a sua dissemina<;ao hematológica (Smith, 2002; Thillaud, 1996).
As metástases produzidas a nível do esqueleto podem ser de natureza osteolítica, osteoblástica, ou uma combina<;ao das duas. As les6es ósseas secundárias ao carcinoma maligno do rim, tiróide, pulm6es e tracto gastrointestinal sao predominantemente de cariz osteolítico. O cancro da próstata produz altera<;6es osteoblásticas, já o carcinoma da mama manifesta uma ac<;ao combinada de les6es líticas e osteoblásticas (Ortner, 2003, Coley, 1960; Spujutet al., 1971 in Aufderheide e Rodríguez-Martín, 1998).
1.2. Objectivos
O presente trabalho centra-se num enterramento - Esqueleto 7 - (Fig. 1), proveniente da antiga necrópole da vila de Constancia, cujo estudo revelou um conjunto de les6es patológicas de padrao definido. Em conformidade prop6em-se como objectivos: descrever as altera<;6es nosológicas observadas, averiguar a sua natureza e distribui<;ao e empreender um diagn.óstico diferencial para aferir os factores etiológicos eventualmente subjacentes.
2. Material e métodos
Em 2002/2003, durante os trabalhos de requalifica<;ao ambiental e urbana da Vila de Constancia (Distrito de Santarém, Portugal) foram expostos na Pra<;a Alexandre Herculano e mas limítrofes, vestígios osteológicos humanos. Esta descoberta nao foi inusitada, na medida em que o espa<;o parece coincidir com a área de edifica<;ao da antiga igreja matriz de Sao Juliao e necrópole anexa. Trata-se de
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o
caso analisado no presente trabalho alvitra um indivíduo do sexo feminino, com provável idade élmorte superior a 50 anos.Para a determina<;ao do sexo foi requerido o método de Ferembachet al. (1980) para a morfologia do cránio e da pélvis, e o estudo de Wasterlain (2000) para a análise métrica dos ossos longos. A estimativa da idade él morte recorreu él metodologia alvitrada por Meindl e Lovejoy (1985) para a superfície auricular do ílio.
O estudo paleopatológico baseou-se na observa<;ao macroscoplca, tendo-se procedido ulteriormenteélanálise descritiva com respectivo diagnostica diferencial.
3.Resultados
3.1. As evidéncias paleopatológicas
As lesoes patológicas observadas no esqueleto 7 (Fig. 2) caracterizam-se por um padrao assimétrico com focos osteolíticos de tamanho variável e contornos predominantemente irregulares; urna distribui<;ao diferencial focalizada no cránio, esqueleto axial, membros superiores e cintura pélvica e coexistencia de lesoes osteoc1ásticas / osteoblásticas.
Cranio
No zigomático esquerdo foi observada urna lesao osteolítica de contornos circulares e com 8 mm de diámetro Fig. 3).
Omoplata
Na omoplata esquerda foi possível averiguar a coexistencia de lesoes osteolíticas e osteoblástica, localizadas na por<;ao médio superior do corpo. Em concomitancia, na base do acrómio detectou-se a presen<;a de urna lesao erosiva acompanhada de extensa actividade osteoblática (Fig. 4). Na regiao supraglenoide desenhou-se urna lesao osteolítica de aparencia rendilhada e porosa (Fig. 5). Já a fossa subescapular registou um foco osteolítico severo (21 X 18 mm), com perfura<;ao antero-posterior (Fig. 6). Costelas
As costelas registaram um conjunto de focos líticos de severidade variável, acompanhados em alguns casos, de perfura<;ao do osso cortical (figura 7). De igual modo foi aferida alguma resposta osteoblástica traduzida na deposi<;ao de finas camadas de osso novo do tipo woven (Fig. 8). Numa costela direita foi notada a presen<;a de urna fractura a meio do corpo, com calo ósseo remodelado. A OCOlTencia traumática parece constituir urna fractura patológica (Fig. 9).
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Úmero
No úmero esquerdo observou-se uma extensa área osteolítica, próximo da extremidade distal (Fig.11).
Pélvis
De igual modo ao verificado para os elementos ósseos precedentes, também a pélvis somou urna mescla de altera<;oes nosológicas. Saliente-se um fragmento de isquion esquerdo que exibiu uma lesao osteolítica de contornos irregulares (16 x1011U11), acompanhada de W11a discreta deposi<;ao de osso novo (Fig.12).
4. Discussao
As lesoes ósseas anteriormente descritas diferem dos tumores primários, tanto benignos como malignos, na medida em que estes tendem a originar reac<;oes singulares em vez de proliferativas, com uma predilec<;ao para o esqueleto apendicular em detrimento do axial, para além de tenderem a desenvolver-se durante o crescimento dos indivíduos e nao durante a idade adulta (Baraybar & Shimada, 1993).Neste sentido, o padrao, bem como o aspecto das lesoes aqui apresentadas parecem ser coincidentes com tumores secundários, nomeadamente carcinomas malignos com metástases (Ortner & Putchard, 1981; Orhler et al. 1991; Baraybar & Shimada, 1993; Aufderheide & Rodriguez-Martin, 1998;
Sefcakováet al.,2001,Smith,2002).
Embora o diagnóstico diferencial de neoplasmas primários nao seja necessariamente problemático, verifica-se um certo grau de dificuldade na diferencia<;ao dos tumores secwldários, nomeadamente entre os mielomas múltiplos e as metástases osteolíticas. Apesar da distribui<;ao multifocal das lesoes ósseas descritas apresentarem semelhan<;as com as observadas numa condi<;ao de mieloma múltiplo, esta hipótese foi descartada dada a presen<;a de lesoes com resposta osteoblástica, as quais nao estao de acordo com as lesoes de geometria esférica, com rebordos regulares e sem de evidencias de remodela<;ao óssea ou de forma<;ao de osso novo, características dos mielomas múltiplos (Rothschild et al., 1998). Deste modo, a distribui<;ao multifocal das lesoes em áreas de produ<;ao hematopoiética, o seu padrao assimétrico com focos osteolíticos de tamanho variável e contornos predominantemente irregulares, e a coexistencia de lesoes osteoclásticas e osteoblásticas, parecem estabelecer um corpo de evidencias compatíveis com a descri<;ao clássica de um carcinoma maligno com metástases (Aufderheide & Rodriguez-Martin, 1998; Ortner & Putchard,1985). Dma vez que, tal como observado neste caso, as lesoes ósseas secundárias do carcinoma da mama tendem a apresentar uma combina<;ao de lesoes líticas e osteoblásticas (Baraybar & Shimada, 1993), e dado tratar-se de um indivíduo feminino com uma idade
a
morte estimada em mais de 50 anos, esta poderá ser uma possível etiologia. No entanto nao se pode descartar a hipótese das metástases serem secundárias a um neoplasma primário de outra regiao anatómica.LAS SOCIEDADES HISTÓRICAS PENINSULARES: EDAD MEDIA Y MODERNA
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Figura 1.O esqueleto 7in situ. Figura 2.Distribui~aoesquemática das les6es observadas
no esqueleto 7. O ponteado localiza os focos mais importantes.
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Figura 7. Lesao erosiva na superfície visceral de urna costela esquerda. Presen¡;a de alguma deposi¡;ao de osso novo do tipo woven.
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Figura9. Fractura mal consolidada numa costela direita, com calo ósseo remodelado.
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Figura 11.Lesao osteolítica extensa na diáfise do úmero esquerdo, próxima da extremidade distal.
Figura 12.Lesao osteolítica de contornos irregulares (16 x 10 lmn), num fragmento deisquionesquerdo. Em torno da lesaoé
