INEFICIÊNCIA TÉCNICA E DESPERDÍCIO DA ÁGUA NA FRUTICULTURA IRRIGADA NO VALE DO SÃO FRANCISCO.
J ORGE L UIZ M ARIANO DA S ILVA
∗∗1. Introdução
Nas últimas décadas, a irrigação no Vale do São Francisco impulsionou a geração de emprego e renda nos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Nos perímetros irrigados foram implantadas empresas agrícolas e assentadas famílias de agricultores que, juntos, tornaram a região um dos principais pólos de produção da fruticultura irrigada do país. A irrigação promoveu uma nova dinâmica na região semi-árida, principalmente no que se refere à inserção de famílias de baixa renda na produção de frutas. Os projetos de irrigação permitiram a transformação da agricultura familiar tradicional − voltada para a produção de subsistência − em uma agricultura diversificada, dinâmica, direcionada para a produção comercial. Essa transformação reflete a viabilidade da produção irrigada em pequena escala nos projetos de irrigação pública implantados na região.
A agricultura irrigada requer um pacote tecnológico no qual, ao lado da água, é imprescindível o uso de defensivos e, de forma crescente, adubos e fertilizantes. Alguns estudos apontam para o fato de que o processo da salinização dos solos nas regiões semi- áridas irrigadas é provocado pela irrigação acelerada e a insuficiência de drenagem. Nessas áreas, é comum o surgimento da salinidade ocasionada pelo excesso de quantidades inadequadas de água e uso indiscriminado de fertilizantes. O efeito adverso do excesso da água é a queda da produtividade das culturas e da eficiência técnica dos colonos.
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Doutor em Economia (PIMES-UFPE). Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
E-mail: jdal@ufrnet.br. Fone: 84 - 2153508(09).(Fax): 84 - 2153538
Uma das questões pertinentes para o diagnóstico do desempenho dos colonos nos perímetros irrigados na região do Vale do São Francisco é o uso eficiente da água. Algumas indagações são colocadas quando se discute a racionalidade no uso da água. Por exemplo:
Que volume de água é desperdiçado na irrigação das culturas? Qual o valor que poderia ser economizado? Respostas a essas perguntas seriam de grande importância tanto do ponto de vista econômico levando-se em conta uma melhor utilização da água, quanto do ponto de vista ambiental em conseqüência da redução das taxas de salinização e empobrecimento do solo, que aumentam com o uso inadequado da irrigação. Nesse contexto, pesquisas direcionadas para identificação de colonos com práticas inadequadas na utilização da água ajudariam, não apenas a melhorar a eficiência no uso desse recurso como também a controlar as taxas de salinização dos solos nas regiões irrigadas.
Com uma extensão de 16.054 hectares de áreas irrigáveis, o perímetro Senador Nilo
Coelho é considerado o maior perímetro da região, com cerca de 1.436 colonos distribuídos
em lotes com área média de seis hectares. Entre os principais produtos cultivados destacam-
se, a banana, a manga, o melão, a uva, o tomate, a cebola e o feijão. Em se tratando das
culturas permanentes, a manga é o maior destaque. Nos últimos anos, a participação dos
colonos, no total do volume da produção e no número de produtores de frutas, vem crescendo
significativamente. Nesse perímetro, os colonos vêm reduzindo a área cultivada com culturas
temporárias voltadas para o mercado doméstico. É o que vem sucedendo, principalmente com
o feijão, o tomate e a cebola. Ao mesmo tempo, expandem a área cultivada com culturas
permanentes, em especial, a banana, a manga e a uva. Estas últimas são culturas de maior
receita para o perímetro. Esses resultados têm incentivado os produtores à substituição das
culturas temporárias por culturas permanentes, tornando o projeto um dos principais
produtores da fruticultura irrigada na região. Entretanto, a despeito dos bons resultados no que
concerne aos rendimentos e à qualidade dos produtos, nem todos os colonos acompanham
esse desempenho. Um dos principais problemas apontados é a inadimplência no pagamento mensal da água.
Este estudo tem como objetivo mensurar, por meio da aplicação de modelos de fronteira de produção DEA os escores da eficiência técnica dos colonos na produção irrigada, no perímetro Senador Nilo Coelho, e quantificar o desperdício na utilização da água. O trabalho está organizado da seguinte maneira: na seção 2, descrevem-se os modelos aplicados na estimação dos escores de eficiência dos colonos e as informações utilizadas; na seção 3, apresentam-se os indicadores do excesso na utilização da água obtidos a partir dos modelos estimados; na última seção, destacam-se as principais conclusões.
2. Metodologia
Nos últimos anos, uma grande variedade de estudos tem procurado estimar a eficiência em unidades produtivas, com o propósito de avaliar os seus desempenhos em relação à fronteira de produção.
1Esses estudos são importantes tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, na medida em que contribuem para a formulação de políticas que visem reduzir a ineficiência de setores ou firmas.
Tendo como propósito estimar a (in)eficiência dos colonos na produção irrigada, no perímetro Senador Nilo Coelho, e medir o desperdício na utilização da água nesse perímetro, este estudo toma como base metodológica os modelos de envelopamento de dados, conhecidos como modelos DEA (Data Envelopment Analysis). Uma vez que os modelos DEA admitem certas suposições para estimar a fronteira de produção entre elas a de retornos de escala, três modelos foram escolhidos: o modelo DEA-C, que pressupõe a hipótese de retornos constantes de escala; o DEA-V que incorpora a suposição de retornos variáveis de escala; e o DEA-NC que admite a suposição de retornos não crescente de escala.
1
Ali e Flinn (1989), Battese e Coelli (1992), Bravo-Ureta (1994), Caudill e Gropper (1995).
2.1 Aporte teórico dos modelos de envelopamento de dados, DEA.
A literatura sobre funções fronteiras e cálculo das medidas de eficiência começou com o artigo clássico de Farrell (1957). Na sua visão, uma medida de eficiência permite testar empiricamente argumentos teóricos e obter indicadores para aumentar o desempenho de firmas ou indústrias. Assim sendo, uma firma ou indústria pode aumentar seu produto simplesmente aumentando a eficiência, sem qualquer utilização adicional de recursos.
Atualmente, existem duas abordagens usadas para estimação de fronteiras na literatura econômica
2. Essas abordagens são conhecidas como paramétrica e não paramétrica. A abordagem paramétrica tem como característica básica a suposição de uma forma funcional para a tecnologia da produção e sobre a distribuição dos resíduos do modelo estimado. Os modelos que se apóiam nessa abordagem admitem que as ineficiências dos produtores em relação à fronteira de produção são representadas pelos resíduos dos modelos de regressão.
Geralmente, esses modelos são estimados por máxima verossimilhança ou mínimos quadrados corrigidos. Em contraposição, a abordagem não paramétrica não faz uso de qualquer uma dessas suposições. A única restrição é que todas as firmas estejam sobre a fronteira ou abaixo dela. Nessa abordagem, destacam-se os modelos de análise de envelopamentos de dados, DEA (Data Envelopment Analysis). Esses modelos partem da hipótese fundamental de que é possível construir uma fronteira com segmentos lineares − fronteira de melhor prática − usando firmas reais em seus pontos extremos e firmas inventadas ou firmas compostas formadas por combinações convexas das firmas reais. As firmas são consideradas eficientes se estiveram sobre a fronteira. Por outro lado, se estiverem abaixo são consideradas ineficientes.
A Figura 1 mostra uma fronteira de produção com segmentos lineares construída a partir das observações de insumos e produtos de cinco firmas, A, B, C, D, e E. Pode-se
2
Bauer (1990); Lovell (1993); De Borger e Kerstens (1996).
observar medidas de eficiência técnica por duas formas. A primeira denomina-se medida de eficiência técnica com orientação produto. Para um determinado nível de insumos, ela mede a distância entre a produção da firma que se observa e outra sobre a fronteira. Nessa figura, percebe-se que, usando as mesmas quantidades de insumos, a firma B produz mais do que a firma D. Portanto, a firma D é tecnicamente ineficiente em produto. A segunda é conhecida como medida de eficiência técnica com orientação insumos. Para um determinado nível de produto, ela mede a distância entre o nível de insumos usados por uma determinada firma com aquele incorrido por uma outra firma sobre a fronteira. Nessa figura, observa-se que a firma D produz o mesmo nível de produto que a firma A, usa uma maior quantidade de insumos e, assim, é tecnicamente ineficiente em relação a insumos. Nota-se, ainda, que a firma E é também ineficiente quando comparada com firmas virtuais, V’ e V’’ inventadas por combinações convexas das firmas reais A e B.
B C Produto Y V”
V’ E A D
O Insumo X Figura 1. Representação geométrica da fronteira de produção mo modelo DEA-V.
Na estrutura analítica dos modelos DEA, admite-se que existam n firmas representadas
por j ∈ J ={j j = 1,2, ..., n} e que o processo de produção de cada firma possa ser
representado por um vetor de insumos X
j= (x
1j, x
2j,..., x
mj)
T> 0 , e um vetor de produtos Y
j=
(y
1j, y
2j,..., y
sj)
T> 0. Matematicamente, a eficiência de uma firma é obtida pelo seguinte
problema de programação:
Maximizar µ
TY
k; Sujeito a υ
TX
k= 1
µ
TY
j− υ
TX
j≤ 0, j = 1, . . . , n,
µ
T≥ 0 e υ
T≥ 0 (1) em que k é a firma que está sendo analisada, µ
Te υ
Tsão vetores de pesos dos produtos e pesos dos insumos. O problema consiste em maximizar a soma ponderada dos pesos dos produtos da k-ésima firma, sujeito às restrições que a soma ponderada de seus insumos seja igual à unidade, e que a diferença entre a soma ponderada dos pesos dos produtos e dos insumos de todas as firmas seja menor ou igual a zero. A última restrição significa que todas as firmas estejam sobre a fronteira ou abaixo dela. O modelo mostra que o problema de programação deve ser resolvido n vezes (n = número de firmas).
A Figura 2 mostra três variantes do modelo DEA. O segmento contínuo OF representa a fronteira com retornos constantes de escala, DEA-C. O segmento tracejado OBC representa a fronteira com retornos variáveis de escala, DEA-V, e o segmento XABC forma a fronteira com retornos não crescentes de escala, DEA-NC.
Produto F
Y C B
A
O X Insumos Figura 2. Fronteira DEA-C; DEA-V e DEA-NC
Retornos Constantes de Escala Retornos Variáveis de Escala
Retornos Não Crescentes de Escala
2.2 Os Modelos DEA-C, DEA-V e DEA-NC com a presença de folgas nos insumos e no produto.
O modelo DEA com a suposição de retornos constantes de escala e orientação produto na sua forma dual é representado pelo seguinte problema de programação matemática
3: ___________________________________________________________________________
Maximizar θ
kSujeito a X
k- e = ΣΧ Χλ θ,λ , e
l, s θ Y
k+ s
= ΣΥ Υλ
(1) em que Χ Χ é uma matriz de insumos m por n, com coluna X
k, Υ Υ é a matriz de produto s por n, com coluna Y
k. Os λ ´s são os pesos dos insumos e produtos. As letras e , s representam as fogas nos insumos e produto, respectivamente. O problema é resolvido n (n= 113) vezes para cada produtor.
Esse modelo tem como suposição básica que os produtores operam sobre retornos constantes de escala, isto é, se eles aumentarem todos os insumos na mesma proporção, a produção aumentará nesse valor. Nesse caso, nenhuma suposição é feita quanto aos valores de λ´s, os pesos dos insumos e produtos.
Os escores da eficiência técnica dos produtores são obtidos invertendo-se o valor de θ : Eficiência técnica = 1/θ.
4Esse valor indica a (in)eficiência do produtor em atingir um maior nível de produto, dados os níveis de insumos usados. Os escores de eficiência variam no intervalo entre 0 – 1. Quanto mais próximo da unidade, mais eficiente é o produtor. A medida de eficiência para uma determinada firma representa a discrepância entre o ponto (Y
k, X
k) e o ponto projetado ( Y ˆ k , X ˆ k ) sobre a fronteira.
3
O dual do problema de programação matemática (1) é também conhecido como forma envelope, (Lovell, 1993, p. 27).
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