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A castração e a função fálica

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Academic year: 2022

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A castração e a função fálica

Analícea Calmon

“O pequeno Hans, de pé em frente à jaula dos leões, gritou em voz alegre e animada: ‘eu vi o pipi do leão’”.

“Certa vez, estando na estação (aos 3 anos e 9 meses), viu água saindo da locomotiva e disse: ‘a locomotiva está fazendo pipi; mas onde está o pipi dela?’ Depois de pequena pausa, acrescentou: ‘um cachorro e um cavalo tem pipi; a mesa e a cadeira, não’.”

Numa outra ocasião, observando sua irmã de 7 dias, a quem davam banho, comentou: ‘mas o pipi dela ainda é bem pequenininho; quando ela crescer vai ficar bem maior’. (Freud, S. – Vol. X)

Estes recortes não deixam dúvidas quanto à curiosidade sexual de Hans. E exemplificam o quando o saber e o olhar estão a serviço da pulsão sexual.

Hans, como sabemos, é uma criança européia do século XX.

No século XXI, encontramos, numa pesquisa realizada com púberes, na Argentina, por Hernán Vilar e Beatriz Udênio, o seguinte fragmento de conversa: num pequeno grupo, meninos e meninas discutiam sobre mulheres e homens ao volante e chegaram ao consenso de que dirigir bem ou mal não é uma questão que tenha a ver com o sexo. “Não é como o futebol, que tem que ‘poner huevos’ (expressão que significa mostrar a masculinidade)”.

Se, em termos de tempo e espaço, estas passagens estão completamente distantes, em termos de enunciado elas convergem para o mesmo ponto: diferença entre os sexos e potência fálica. Na diferença entre os sexos está posta a questão da castração e sua articulação com a função fálica. A angústia, ligada à castração, tem como referente o FALO.

FALO, na antiguidade greco-latina, é uma designação da representação figurada do órgão sexual masculino.

O conceito de FALO, em Freud, data de 1923 e é extraído da experiência do menino com seu pênis. Iniciamos este artigo com algumas passagens do caso Hans, que apontam para esta experiência.

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Nos parece oportuno inserir aqui alguns comentários de Lacan sobre o Caso Hans, feitos na Conferência de Genebra (2). Nessa oportunidade ele vai nos dizer que o interesse do menino se centra num órgão que pode ser qualificado de “caprichoso” porque altera de tamanho e causa sensações de prazer, independente de sua vontade, o que o faz pesquisar se esse órgão se faz presente em outras pessoas, outros animais e até mesmo em seres inanimados, tal como o próprio Hans nos mostra no exemplo da locomotiva, da mesa e das cadeiras.

Enfim, o menino, dominado por um querer saber sobre isso, entrega-se a essa investigação e se depara com a descoberta desconcertante de que seu pênis não é universal porque há seres, inclusive humanos, como é o caso das meninas, que não o possuem.

Perante a constatação da falta do pênis nas meninas, o menino pode ter a reação imediata de que sua ausência quer dizer que ainda é pequeno e irá crescer ou que existia e foi cortado.

Então, o que se quer dizer quando se diz que o conceito de FALO é extraído da experiência do menino com o pênis? Quer dizer que é da ausência do pênis que o menino cria a presença do FALO. Nesse sentido, as duas reações alternativas do menino, ainda que aparentemente diferentes, enunciam a mesma coisa: “eu não o vejo, mas ele está aí”.

Isso mostra que o FALO não se reduz ao órgão masculino; guarda com ele uma relação de ponto de partida, segundo a qual o mesmo pode ser considerado um referente imaginário. Daí, podemos entender a função fálica, que é a nossa questão, como a função de presentificar uma ausência, isto é, recobrir ou negar a castração visando evitar a angústia.

Privilegiamos até agora falar do menino porque foi o seu órgão o referente imaginário que, na experiência, possibilitou o surgimento do conceito de FALO.

Entretanto, não só a presença do pênis nos meninos como a ausência nas meninas, vai produzir uma experiência na qual a função fálica se faz valer. Freud nos mostra isso, num texto de 1925 “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” – evidenciando que, mais importante do que a distinção anatômica, são as conseqüências psíquicas que daí decorrem.

Então, que conseqüências psíquicas decorrem nas meninas?

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A principal, segundo Freud, é uma sensação de inferioridade, o que as torna cativas da inveja do pênis ou pênis neid, que é, justamente, o contraponto da ameaça de castração masculina.

Esta sensação de inferioridade, nas meninas, acarreta outras conseqüências:

- forte tendência contra a masturbação - porque a mesma está vinculada ao prazer do clitóris, que equivale a um pequeno pênis. Esta renúncia ao ato masturbatório facilitará o desenvolvimento da feminilidade

- afrouxamento da relação afetuosa com o objeto materno. A mãe não lhe interessa porque também é castrada e também porque é culpada de tê-la colocado castrada no mundo. É isso que possibilita a entrada da menina no complexo de Édipo. Ela vai se voltar para o pai, que é alguém que tem o que lhe falta.

Então, enquanto o menino, pela ameaça de castração, sai do complexo de Édipo, a menina, a partir do complexo de castração, entra no complexo de Édipo.

É dessa forma que pode-se estabelecer uma relação entre angústia de castração e função fálica, de acordo com o texto freudiano.

Vamos agora inserir alguns comentários de Lacan sobre este assunto, no Seminário X - A Angústia. Neste seminário Lacan dá ao estágio fálico um lugar central e traz contribuições importantes a respeito da relação presença/ausência nos homens e nas mulheres, abrindo uma nova dimensão à leitura que se pode fazer desta relação.

Comecemos pela consideração de que, na estrutura da linguagem, há algo que não pode ser reduzido ao significante e que é assimilado ao corpo vivo. Nesse sentido a angústia de castração é crucial. E aí Lacan parte da consideração freudiana de que esta angústia está ligada à percepção da ausência do órgão fálico na mulher e à negação dessa ausência, conforme o que já comentamos. O que é importante ressaltar é que aí a angústia está relacionada a uma ausência, e que é nessa ausência que irá se alojar tudo aquilo que for capaz de “preenche-la”.

Vale a pena ressaltar também que, no ensino de Lacan, até o Seminário X, a teoria da angústia de castração se assenta na significantização do falo e tem como paradigma a relação da criança com o seio da mãe, considerando que a castração é a transposição significante do que se realiza nessa experiência.

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A partir do Seminário X, começa a se operar uma mudança na teoria da clínica.

Lacan passa a se interessar pelas particularidades anatômicas do organismo e o corpo especular reencontra seus órgãos, colocando em questão o falo imaginário como “imagem da potência”, visto que o corpo imaginário, tal como pensado até então, seria um corpo sem órgãos.

O menos phy, símbolo até então designativo da castração, passa a marcar uma propriedade anatômica do órgão masculino, que é o oposto de sua imaginarização, pois se trata da detumescencia que atinge esse órgão no momento de seu gozo. Esta particularidade anatômica é vista por Lacan como uma função. Esta função permite a Lacan questionar o fundamento da castração como sendo a apreensão no real da ausência de pênis na mulher, apontando que, na operação copulatória, é o órgão masculino que se negativiza. Então a relação presença/ausência dá lugar à relação positivação/negativação.

Desse modo, pela via da função do órgão o homem passa a ser visto como faltante e começa aí a ser apontada uma nova estruturação para a posição feminina: “à mulher nada falta”. Esta nova formulação, que é um ponto de mudança na teoria da clínica, requer um esclarecimento: toda a formulação anterior se sustenta, se a entendemos pela via do desejo, visto que esta formulação de Lacan está baseada na teoria do gozo. O que nos faz entender que, se no caminho do desejo é a mulher que fica embaraçada, no caminho do gozo quem fica embaraçado é o homem, tendo, com a presença do órgão, que se haver com a falta.

Entendemos, assim, que a angústia no homem não é ligada a uma ameaça mas sim a um

“não poder” concernente a uma parte do seu corpo que falha ou que nem sempre está disponível; uma parte do corpo que é caprichosa e nem sempre obedece à sua vontade, como observou Hans.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1) FREUD, S. – Um caso de fobia num menino de 5 anos; vol.X A organização genital infantil; vol. XIX

A dissolução do complexo de Édipo; vol. XIX

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Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos; vol.

XIX, Em Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas; Imago Editora;

1980.

2) LACAN, J. - Conferência em Genebra sobre o sintoma. Em Intervenciones y textos, Buenos Aires, Manantial, 1988

- Seminário X – A Angústia – publicação para circulação interna

3) MILLER, J.A. - aula do dia 5 de maio de 2004, sobre o Seminário da Angústia, de Lacan

4) UDÊNIO, B. e VILAR, H. – Laboratório: El niño y los médios – Trabalho apresentado na noite do CIEN de 8 de abril ...., na sede da EOL, sob a convocatória “La escuela ante lãs encrucijadas de la pubertad”

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