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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO FACULDADE DE DIREITO ANA JÚLIA DANTAS MENEZES

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

FACULDADE DE DIREITO

ANA JÚLIA DANTAS MENEZES

A APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

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ANA JÚLIA DANTAS MENEZES

A APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito

Constitucional. Direito fundamental à educação.

Orientador: Professor Fernando Luiz Ximenes Rocha.

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ANA JÚLIA DANTAS MENEZES

A APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

Curso de Graduação em Direito

Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará Aprovada em ____/_____/ 2011

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Fernando Luiz Ximenes Rocha (Orientador)

Universidade Federal do Ceará-UFC

___________________________________________ Prof. Daniel Miranda

Universidade Federal do Ceará-UFC

___________________________________________ Janaína Sena

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por fazer parte de uma minoria privilegiada que tem a oportunidade de, através da formação acadêmica, realizar sonhos e vislumbrar um futuro melhor para si e para os seus.

A meus pais, Evany e Cizé, por toda a luta e esforço. Sem eles e sem seus direcionamentos, conselhos e transmissão de valores, dificilmente vivenciaria este momento de realização e tamanha importância para nós.

A meus irmãos, Juliana e Igor, pelo espelho que foram e continuam sendo à irmã caçula.

Ao meu cunhado, Gontran, figura imprescindível no cenário da primeira conquista: o vestibular. Um irmão trazido pelos caminhos da vida.

À Mairlany Guedes, professora em tempos de escola; enviada por Deus para abrir muitas portas na minha vida, apresentando-me a oportunidades que me fizessem crescer. Certamente, um grande apoio. Hoje, mais uma irmã.

A Ruany Andrade, pela compreensão e apoio, ainda quando não podia se fazer presente.

Aos meus colegas de faculdade, que, durante cinco anos, compartilharam as alegrias, as angústias, os problemas e os prazeres de ser universitário.

Ao professor Fernando Ximenes, por ter-se disponibilizado como orientador deste trabalho.

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“Não se igualam os homens com a supressão das palavras

‘conde’ ou ‘barão’. Educando os ignorantes e melhorando as

condições econômicas das classes menos favorecidas é que

se suprime boa parte das desigualdades mais injustas.”

Paolo Mantegazza

“Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o

propósito de cumpri-la.”

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RESUMO

Após uma breve explanação acerca dos direitos fundamentais, analisam-se as questões relevantes envolvendo o direito à educação como um direito social fundamental, sua trajetória nas constituições brasileiras, bem como sua aplicabilidade e efetividade através das políticas públicas nacionais e discute-se, ainda, o papel da educação no desenvolvimento nacional. Com o presente estudo, tem-se o objetivo de elaborar uma análise crítica e realista sobre o acesso ao direito à educação no país, evidenciando a importância de sua aplicabilidade e efetividade para o desenvolvimento nacional. A metodologia a ser utilizada caracteriza-se por ser um estudo descritivo-analítico, desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, pura - à medida que terá como único fim a ampliação dos conhecimentos – e qualitativa, buscando apreciar a realidade do tema no ordenamento jurídico pátrio. Analisam-se as questões do mínimo existencial e da “reserva do possível” no que tange à efetivação e aplicabilidade do direito à educação, elucidando o papel do Poder Judiciário e os meios de garantia de efetivação do direito em questão.

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ABSTRACT

After a brief explanation about fundamental rights, the relevant issues concerning the right to education as a fundamental social right are examined, its history in the Brazilian constitutions, as its applicability and effectiveness of public policies through national and discussions are also the role of education in national development. The present study has the objective of developing a critical and realistic about the right to access to education in the country, highlighting the importance of their applicability and effectiveness for national improvement. The methodology to be used is characterized by being a descriptive-analytic study, based in literature, pure - as we have the only aim of expanding knowledge - and qualitatively, seeking to appreciate the reality of the theme in Brazilian law. It examines the issues the existential minimum and the possible reserves in regard to the effectiveness and applicability of the right to education, clarifying the role of the judiciary and the means of ensuring realization of the right in question.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 9

CAPÍTULO I: DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 11

1. Conceito de direitos fundamentais ... 11

2. As “gerações” ou “dimensões” dos direitos fundamentais ... 14

3. Os direitos fundamentais e a constituição federal de 1988... 17

CAPÍTULO II: DIREITO À EDUCAÇÃO... 20

1. O direito à educação nas constituições brasileiras... 21

2. O direito à educação na Constituição de 1988... 22

3. O direito à educação como um direito fundamental social... 26

4. Aplicabilidade e efetividade do direito à educação... 27

CAPÍTULO III: DIREITO À EDUCAÇÃO, MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL... 35

1. Direito à educação e o mínimo existencial... 35

2. Reserva do possível... 40

CAPÍTULO IV: O PODER JUDICIÁRIO E A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO... 48

1. Competência e Legitimidade passiva... 50

2. Execução das ordens judiciais em face do Poder Público... 51

CAPÍTULO V: ACESSO À EDUCAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE... 56

CONCLUSÃO... 61

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INTRODUÇÃO

O substantivo educação, que deriva do latim educatio, educationis, indica a ação de criar, de alimentar, de gerar um arcabouço cultural. A educação, longe de ser um adorno ou o resultado de uma frívola vaidade, possibilita o pleno desenvolvimento da personalidade humana e é um requisito indispensável à concreção da própria cidadania. Com ela, o indivíduo compreende o alcance de suas liberdades, a forma de exercício de seus direitos e a importância de seus deveres, permitindo a sua integração em uma democracia efetivamente participativa. Em essência, educação é o passaporte para a cidadania. Além disso, é pressuposto necessário à evolução de qualquer Estado de Direito, pois a qualificação para o trabalho e a capacidade crítica dos indivíduos mostram-se imprescindíveis ao alcance desse objetivo.

Em linhas gerais, o presente estudo busca analisar o enquadramento do direito à educação sob a epígrafe dos direitos fundamentais e como parcela indissociável do denominado mínimo existencial. Demonstrada a essencialidade dos direitos sociais, dentre os quais se inclui a educação, discorre-se sobre a sua imutabilidade, tratando-se de um exemplo característico de limite material ao exercício do poder de reforma constitucional.

Os contornos básicos do direito à educação são identificados a partir de uma breve enumeração com o estudo dos textos constitucionais, atual e pretéritos, além de algumas normas infraconstitucionais. Esse singelo apanhado normativo almeja sedimentar uma visão do direito à educação, o que em muito contribuirá para a sua definitiva inclusão nos fluidos limites do mínimo existencial.

Ainda sob a ótica da efetividade do direito à educação, são tecidas algumas considerações sobre o princípio da divisão das funções estatais, não raras vezes a pedra angular do entendimento que tenta obstar o poder de coerção a ser exercido pelos órgãos jurisdicionais, bem como a prestigiada tese da reserva do possível, que busca legitimar a postura abstencionista do Poder Público com a constante alegação de insuficiência de recursos para o atendimento de todos os direitos consagrados no texto constitucional.

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CAPÍTULO I: DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. CONCEITO

Os direitos fundamentais são um assunto de inegável relevância e, portanto, alvo de constantes pesquisas e estudos no mundo jurídico. Com natureza extremamente dinâmica, acompanhando os acontecimentos da sociedade, há sempre uma necessidade de reanálise do ponto de vista que permite considerar um direito como fundamental.

Ressalte-se que, classificar um direito como fundamental não gera consequências somente no plano teórico, há importância prática nessa caracterização, haja vista esses direitos serem dotados de peculiaridades as quais têm a finalidade de melhor viabilizar sua proteção e efetivação judicial.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos, “direitos fundamentais são um conjunto de normas, princípios e prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente do credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social”.1

Conforme o entendimento de Gilmar Mendes, “a expressão direitos fundamentais é utilizada para designar os direitos relacionados às pessoas, inscritos em textos normativos de cada Estado. São direitos que vigoram numa determinada ordem jurídica, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os estabelece”.2

Por fim, em uma conceituação sábia e pertinente, trazida em seu Curso de Direitos Fundamentais, o professor George Marmelstein leciona que “os direitos fundamentais são normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”.3

1 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constituicional. São Paulo: Saraiva. 5ª Edição. 2010. p.

512

2 COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso

de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2007. p.234.

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Através desta última e clara delimitação teórica, podemos perceber a característica restritiva do conceito de direitos fundamentais, na medida em que elenca cinco elementos que o compõem, quais sejam, norma jurídica, dignidade da pessoa humana, limitação de poder, Constituição e democracia.

Dizer que os direitos fundamentais são normas constitucionais, significa ratificar sua supremacia formal e material (princípio da supremacia da constituição) bem como realçar a sua força normativa (princípio da máxima efetividade).

Reconhecer a relevância axiológica presente nos direitos fundamentais, capaz de fundamentar e legitimar todo o ordenamento jurídico, significa colocar em evidência o “sistema de valores” que esses direitos representam e sua capacidade de afetar a interpretação de qualquer norma jurídica.

A vinculação dos direitos fundamentais à ideia de Estado de democrático de direito, o qual se caracteriza pela submissão do Estado, assim como dos cidadãos, às leis; limitação do poder; dever do Estado de abster-se em determinadas situações, significa que só há sentido em se falar de direitos fundamentais em um Estado que, assim como a sociedade, está submetido ao seu ordenamento jurídico e valoriza o respeito à igualdade e à liberdade.

O elemento Estado democrático de direito está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana e esta, como não poderia deixar de ser, é intrínseca ao conceito de direitos fundamentais. É impossível que um comportamento contrário à dignidade da pessoa humana não vá de encontro, conseguintemente, aos direitos fundamentais.

A dignidade da pessoa humana é o grande nascedouro dos direitos fundamentais. É a dignidade humana que valora os direitos fundamentais, que lhes dá um conteúdo ético. Onde há respeito à dignidade humana e limitação de poder, é possível, então, a existência de vida digna em sociedade.

Para Ingo Sarlet, dignidade da pessoa humana é:

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.4

4 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

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E complementa Marmelstein:

onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver uma limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade em direitos e dignidade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.5

Além do aspecto material (dignidade da pessoa humana), os direitos fundamentais são também dotados de aspecto formal. Nem todos os direitos são categorizados como fundamentais. São direitos formalmente reconhecidos e sobre eles recaem uma proteção normativa especial, ainda que implicitamente. Não podem ser criados por leis. Estas poderão, em determinados casos, regulamentar exercício dos direitos fundamentais, contudo, estes nunca decorrerão daquelas. Serão, portanto, considerados como direitos fundamentais aqueles valores incorporados ao ordenamento constitucional, sendo a Constituição sua fonte primária.

A Constituição Federal de 1988 elenca um rol bastante extenso de direitos fundamentais em seu Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais), do art. 5º ao art.17. E, apesar de o conceito supra estudado restringir a caracterização de um direito como fundamental, tentando assim considerar apenas direitos verdadeiramente fundamentais, a Magna Carta traz alguns direitos no bojo desse rol que podem ser de grande importância, mas não chegam a ser essenciais, portanto, fundamentais (como, por exemplo, o direito à marca). Todavia, em nome da segurança jurídica, devemos considerá-los como tais, a fim de que não sejam apagados, contrariamente à vontade do constituinte originário, direitos os quais quis classificá-los como fundamentais.

Definir um direito como fundamental vai além de dar-lhe uma nomenclatura diferenciada. Os direitos fundamentais possuem aplicação imediata, são plenamente exigíveis, porquanto prescindem de regulamentação para que sejam efetivados (art. 5º, §1º, da CF/88).

São cláusulas pétreas (art. 60, §4º, IV, da CF/88) não podendo ser abolidos, ainda que por via de emenda à Constituição. Quanto a este aspecto, faz-se mister frisar que a imutabilidade refere-se à impossibilidade de castração de um direito considerado como fundamental. A partir do momento que um direito recebe essa concepção, não a perderá. Podendo ocorrer apenas uma relativização, um

5MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas. 2008

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sopesamento em face de outro direito fundamental e, de acordo com a situação, aplicar-se-á um em detrimento de outro, não havendo exclusão do ordenamento jurídico daquele que não foi aplicado no caso concreto.

O rol dos direitos fundamentais constante na Carta Magna pode, ainda, ser estendido, como ocorreu, por exemplo, com a Emenda 64, que acrescentou ao art. 6º caput da Constituição Federal, o direito à moradia, positivando-o, pois, como um direito social (direito fundamental de segunda dimensão).

São dotados de hierarquia constitucional, portanto, caso alguma lei dificulte ou impeça, de maneira desproporcional, a efetivação de um direito fundamental, a aplicação dessa lei poderá ser afastada por inconstitucionalidade; normas infraconstitucionais anteriores à promulgação da Constituição Federal de 1988 não serão por esta recepcionadas em caso de incompatibilidade com o espírito dos direitos fundamentais; as leis anteriores, por conseguinte, serão necessariamente reinterpretadas a fim de que se tornem adequadas aos novos parâmetros valorativos trazidos com a Constituição de 1988.

2. AS “GERAÇÕES” OU “DIMENSÕES” DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

De acordo com o que mencionamos nas primeiras linhas do presente capítulo, os direitos fundamentais não representam valores imutáveis e eternos. São dinâmicos e, naturalmente, seu conteúdo ético (aspecto material) passa por modificações ao longo do tempo. Há um processo de evolução.

Classificando os direitos fundamentais, costuma-se identificar três gerações ou dimensões que, apesar de sucessivas, não são excludentes uma da outra, possibilitando plenamente sua coexistência harmoniosa. É a “teoria das gerações dos direitos”, elaborada pelo tcheco Karel Vazak, inspirada na bandeira francesa, cujas cores simbolizam a liberdade, a igualdade e a fraternidade, inicialmente, as três gerações de direitos fundamentais.

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ultrapassada. Todas, e as que possivelmente venham a existir, coexistem de maneira harmoniosa e, o termo “gerações”, não elucidaria de forma satisfatória esse significado, podendo fazer com que se pensasse que o surgimento de uma aniquilasse a(s) anterior(es), recaindo maior clareza sobre o termo “dimensões”, utilizado pela doutrina mais moderna. Na verdade, o importante é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados em múltiplas dimensões, entre estas não havendo qualquer tipo de hierarquia e todas fazendo parte da mesma realidade dinâmica inerente aos direitos fundamentais. Neste trabalho, por ser consagrado na doutrina pátria, utilizaremos o termo “gerações”.

No Brasil, o grande doutrinador que difundiu a “teoria das gerações dos direitos” foi Paulo Bonavides, defendendo, inclusive, a existência de mais gerações de direitos fundamentais além das três incitadas inicialmente por Karel.

A primeira geração é representada pelos direitos civis e políticos, reconhecidos na Revolução Francesa e Americana, fundamentados na liberdade. Podemos enxergá-la como uma consequência da evolução da sociedade para o Estado democrático de Direito, pois essa dimensão de direitos fundamentais é caracterizada pelo posicionamento de abstenção do Estado perante o indivíduo, é o não fazer, a não interferência, o respeito à autodeterminação. Por esse motivo são também denominados de direitos negativos, liberdades negativas ou direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado. São as chamadas liberdades individuais, cujo foco é a liberdade do homem individualmente considerado, surgidas no final do século XVIII como uma resposta ao Estado absoluto.

Como primorosamente leciona Paulo Bonavides,

os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é o seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.6

São exemplos de direitos fundamentais de primeira dimensão o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros.

Sabemos que o fim do Absolutismo se deu com surgimento do Estado Liberal (marcado pela primeira geração de direitos fundamentais), de cunho extremamente individualista, primando por resguardar, acima de tudo, a liberdade do

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cidadão, como forma de “compensar” toda a opressão vivida durante o período de Estado Absoluto. A segunda geração de direitos fundamentais foi responsável pela passagem gradual desse liberalismo extremado para o Estado Social, passando a priorizar não só o indivíduo, mas a sociedade como um todo, visando à proteção dos hipossuficientes e buscando a igualdade material entre os homens (e não a meramente formal, característica do Liberalismo).

Os direitos fundamentais de segunda geração fundamentam-se na igualdade, fruto dos movimentos sociais do século XIX (principalmente a Revolução Industrial), e são representados pelos direitos econômicos, sociais e culturais. É nessa dimensão de direitos fundamentais que encontramos o direito fundamental apreciado pelo tema deste trabalho: o direito à educação.

Diferentemente do que acontece com os direitos de primeira geração, a segunda geração é marcada pela atividade positiva do Estado, pelo dever de agir, pelo dever prestacional positivo do Estado perante o cidadão.

Além do direito à educação, são também exemplos de direitos fundamentais de segunda geração o direito ao trabalho, à saúde, à habitação, à previdência social, entre outros, devendo realizar-se por intermédio das políticas e serviços públicos, sendo, por isso, denominados direitos positivos, liberdades positivas, direitos do bem-estar ou direitos dos desamparados. Façamos um destaque no sentido de que, nem todos os direitos fundamentais de segunda geração consubstanciam direitos positivos, ou seja, prestações positivas. Dentre as exceções, temos o direito à liberdade sindical e o de liberdade de greve, classificados como direitos sociais negativos.

Por fim, a terceira geração consagra os princípios da solidariedade e fraternidade, os quais ganharam força após a Segunda Guerra Mundial, especialmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Findas as duas grandes guerras, o saldo era um mundo dividido em países desenvolvidos e subdesenvolvidos e a humanidade obrigada a repensar o modo de garantir seus direitos. Evidenciou-se que não bastava proteger e garantir os direitos do indivíduo. As liberdades positivas e negativas não foram suficientes para proteger o mundo de genocídios, holocaustos e outros males que assolaram, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.

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universalidade, visando não mais à proteção somente do indivíduo, mas do gênero humano. A humanidade encontrava-se frágil e debilitada, tendo que reagir rápida e eficientemente. Não seria possível, mais especificamente diante das proporções e potencialidades de destruição da Segunda Guerra, prosseguir sem que alguma providência fosse tomada a fim de garantir a vida e a perduração da espécie humana.

Fortaleceu-se, então, o movimento mundial a favor da internacionalização dos direitos fundamentais, acreditando serem esses valores universais. Tratados Internacionais tornaram-se cada vez mais freqüentes, com um número significante de países signatários, defendendo a proteção internacional dos valores ligados à dignidade da pessoa humana e buscando a construção de um padrão ético global.

Desta feita, a titularidade dos direitos de terceira geração é difusa ou coletiva, haja vista que têm por alvo a coletividade e não o homem individualizado. Há uma notória preocupação com as gerações humanas, presentes e futuras, tendo, tanto o Estado como a própria coletividade, o dever de defender e preservar, em benefício daquelas, esses direitos de titularidade coletiva e de caráter transindividual.

São exemplos de direitos fundamentais de terceira geração: direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de comunicação e o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade.

Atualmente, discute-se o reconhecimento de uma quarta geração. Paulo Bonavides, por exemplo, considera que os direitos à democracia (direta), ao pluralismo e à informação fazem parte dessa geração. Há, ainda, autores que mencionam o surgimento de uma quinta geração de direitos fundamentais, que seria o direito à paz universal. O fato é que, obviamente, os direitos fundamentais não cessaram sua evolução na terceira geração. Possuem um caráter extremamente dinâmico e é natural que continuem surgindo outras gerações para acompanhar o avanço e as necessidades da sociedade.

3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

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comunidade jurídica internacional, partindo da premissa de que aquela é um valor que deve legitimar, fundamentar e orientar o exercício do poder.

No caso do Brasil, a Constituição de 1988 é a grande responsável pela consagração dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico. Fruto de uma sociedade que se desvencilhava das amarras vividas durante o período da ditadura, a Constituição Federal de 1988, diferente das anteriores, traz os direitos fundamentais em seus primeiros artigos, deixando transparecer a intenção de enaltecê-los, sendo, portanto, um divisor de águas.

Após trinta anos de repressão, a CF/88 nasceu do clamor popular e, por isso, ficou conhecida como “Constituição cidadã”. No dia 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a CF/88, Ulisses Guimarães, Presidente da Assembleia Constituinte, pronunciou-se acerca da nova Constituição. Eis um trecho do discurso:

O Homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto, sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões da miséria que envergonham o país. Diferentemente das sete constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição cidadã. 7

A CF/88 assumiu claramente uma postura de defesa dos direitos fundamentais, buscando reduzir as desigualdades sociais e colocando a dignidade da pessoa humana como valor central de seu texto.

No preâmbulo, ainda que destituído de natureza jurídica, são transmitidas as orientações e diretrizes de interpretação do texto constitucional. Nele, define-se que a República Federativa do Brasil tem como finalidade a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Outra amostra de que a CF/88 adotou uma postura corajosa e inovadora em relação ao passado opressor do país, foi a consagração de inúmeros instrumentos jurídico-processuais de proteção contra o abuso de poder, também conhecidos como remédios constitucionais, quais sejam, o habbeas data, habbeas corpus, mandado de segurança (individual e coletivo), ação popular, ação civil pública, ações diretas de in/constitucionalidade, argüição de descumprimento de preceito fundamental, além das tradicionais vias ordinárias.

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Infelizmente, por uma infinidade de razões, a mais significativa delas pode-se dizer a falta de vontade política, a realidade socioeconômica brasileira ainda está bastante aquém do que prevê o texto constitucional, apesar de avanços em matéria de direitos fundamentais desde que a Constituição entrou em vigor.

Ainda há uma abissal distância entre o texto constitucional e a prática. Mais importante do que enunciar e positivar os direitos, para que sejam efetivamente protegidos, eles precisam ser concretizados: retirados do papel e transformados em realidade. Não há sentido algum em texto constitucional que não se transforma em elemento concreto na sociedade.

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CAPÍTULO II: DIREITO À EDUCAÇÃO

Após as pontuações elaboradas no capítulo anterior, a fim de chegarmos gradativamente ao foco deste trabalho, passamos a discorrer sobre um dos pontos chave do tema em questão: o direito à educação.

Indubitavelmente, a efetividade do direito à educação é um dos instrumentos necessários à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; à garantia do desenvolvimento nacional; à erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais; e à promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É, portanto, indispensável à persecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, acima elencados e constantes nos incisos do art. 4º da Constituição Federal de 1988.

Ainda que concebido como um direito social, ocupando a segunda geração acima enunciada, a efetividade do direito à educação é imprescindível à própria salvaguarda do direito à livre determinação, consagrada como fundamento dos direitos de primeira geração. A educação, assim, não obstante considerada um direito social, é forçosa à garantia de um direito que, sob um prisma lógico-evolutivo, o antecede na formação do Estado de Direito: a liberdade. Ratificando afirmações anteriormente feitas neste trabalho, direitos de primeira e de segunda gerações, como se constata, convivem de forma harmônica e indissociável.

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Vejamos, a seguir, como se deu a trajetória do direito à educação nas Constituições pátrias.

1. DIREITO À EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A Constituição outorgada de 1824, em seu art. 179, dispunha que:

a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: (...) 32. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.

Aqui já é possível visualizar a estreita vinculação entre a educação - representada no dispositivo por instrução primária - e a concretização de outros direitos de natureza constitucional, como os direitos políticos e a liberdade.

A primeira Constituição republicana, de 1891, fez referência ao direito à educação em seus arts. 35 e 72, § 6º. Em suma, dispôs sobre a obrigação do Congresso em "animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências", em "criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados" e em "prover a instrução secundária no Distrito Federal". Além disso, em sua Declaração de Direitos, dispôs que "será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos".

A Constituição Brasileira de 1934 foi a primeira, em âmbito nacional, a dar o amparo constitucional à educação como sendo um direito de todos. Assim estabelecia:

Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação e desenvolva no espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.

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A Carta outorgada de 1937, consagrando um capítulo dedicado à educação e à cultura, reservou à matéria os arts. 128 usque 134. Foram mantidos alguns preceitos da Carta anterior e acrescidos outros. Garantiu-se à infância e à juventude o acesso ao ensino em todos os seus graus, priorizou-se o ensino pré-vocacional e profissional e se manteve a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário - mas foi prevista uma "contribuição módica e mensal" para aqueles que não alegassem escassez de recursos.

A Constituição de 1946, em suma, retomou e aperfeiçoou o sistema adotado em 1934, tendo surgido sob a sua égide a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Dentre outras disposições, consagrou a educação como direito de todos, assegurou a obrigatoriedade do ensino primário e acresceu que "o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos comprovarem falta ou insuficiência de recursos".

A Constituição de 1967 disciplinou a matéria em capítulo intitulado "Da Família, da Educação e da Cultura", que abrangia os arts. 167 usque 172, não tendo introduzido modificações substanciais. A Emenda Constitucional nº 1/69 manteve as características do sistema anterior e acrescentou a possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios no caso de não aplicação anual, no ensino primário, de 20% da receita tributária municipal. Esse percentual, aliás, terminou por ser alterado pela Emenda Constitucional nº 24/83, que o fixou em 13% para a União e 25% para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

2. O DIREITO À EDUCAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição de 1988 dedicou a Seção I, do Capítulo III, do Título VIII, ao direito à educação, sendo integrada pelos arts. 205 a 214. Vejamos o que leciona o artigo 205:

Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o seu trabalho.

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direito está incorporado ao patrimônio do indivíduo, sem possibilidade de reversão, por força de lei. Desse modo, todos podem exigir do Estado e da família o referido direito, pois o legislador incumbiu-lhes tal dever, ou seja, tal obrigação refere-se à regra imposta por lei. Resumindo: o legislador incumbiu ao Estado e à família o dever de prestar educação a todos. Caberá ao Estado a complementação da educação recebida em casa pelas pessoas.

A Carta Magna de 1988 apresentou um grande avanço na área educacional, e a partir daí surgem novas leis para regulamentar os artigos constitucionais e estabelecer diretrizes para a educação no Brasil. A título de exemplo podemos citar: a) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/96), que promoveu a descentralização e a autonomia das escolas e das universidades, criou um processo regular de avaliação do ensino, entre outras inovações; b) a Lei nº 10.172, que aprovou o Plano Nacional de Educação – PNE, sancionada em janeiro de 2001 e considerada por muitos profissionais do ensino e da sociedade civil como mera carta de intenções.

O art. 206 elenca os princípios que orientarão o ensino a ser ministrado no país. Esses princípios dever nortear o papel do Estado no fornecimento dos serviços educacionais, sendo enunciados básicos que compreendem a base de toda a estrutura jurídico-normativa da educação brasileira. Cumpre salientar que o ensino é um serviço público essencial. Os objetivos enumerados no artigo 205 somente serão atingidos mediante os princípios constantes nos incisos do art. 206, são eles: a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; gestão democrática do ensino público, na forma da lei; garantia de padrão de qualidade; piso salarial para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.

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sistema atual atribuiu aos Municípios a atuação prioritária no ensino fundamental e infantil e aos Estados e ao Distrito Federal, também de forma prioritária, a manutenção do ensino fundamental e médio. Com isto, é possível afirmar que inexiste qualquer óbice a que tais entes federativos atuem em outros níveis de educação, o que, por óbvio, pressupõe o atendimento satisfatório nos níveis em que sua atuação seja prioritária.

Sendo a federação a forma de Estado adotada no Brasil, era necessário que, além das atribuições de ordem material, também a competência legislativa fosse disciplinada pela Constituição da República. Consoante o art. 22, XXIV, à União compete legislar, de forma privativa, sobre diretrizes e bases da educação nacional. De forma concorrente com os Estados e o Distrito Federal também lhe cabe, a teor do art. 24, IX, legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto. Neste caso, o parágrafo primeiro do referido preceito restringe sua competência à edição de normas gerais, que serão de observância obrigatória pelos demais entes federativos. Os Estados e o Distrito Federal também poderão exercer a competência legislativa plena, situação que perdurará até a superveniência da lei nacional, ocasião em que a eficácia da lei estadual será suspensa: é esse o conteúdo dos parágrafos do art. 24 da Constituição da República.

Ainda sob a ótica da produção normativa, podem os Estados dispor sobre a matéria em suas respectivas Constituições. Devem, no entanto, observar os princípios constantes da Constituição da República (v.g.: aqueles previstos nos arts. 1º e 34). Daí se dizer que as Cartas Estaduais devem apresentar uma relação de simetria para com ela. As obrigações do Estado em busca da concretização do direito à educação estão concentradas no art. 208 da Carta de 1988, in verbis:

Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

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VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola

Como se constata, o constituinte dispensou um tratamento nitidamente diferenciado ao ensino obrigatório, realçando que, além de dever do Estado, o que poderia soar como mera enunciação de uma norma programática, configura, independentemente de qualquer requisito etário, direito subjetivo da pessoa humana. Com isto, torna-se exigível a sua ampla e irrestrita efetividade. Essa norma indica, de modo insofismável, que, dentre as opções políticas estruturantes contempladas na Carta de 1988, o direito à educação fundamental foi considerado uma parcela indissociável de uma existência digna de tantos quantos vivam em território brasileiro, integrando o que se convencionou chamar de mínimo existencial.

As opções políticas do Constituinte, no entanto, não têm o condão de engessar o evolver de uma sociedade democrática e nitidamente pluralista. Respeitadas as decisões fundamentais consagradas na Constituição da República, nada impede a constante renovação da vontade popular, com a consequente expansão das concepções ideológicas outrora prevalecentes.

Nessa linha, foi editada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Trata-se de diploma avançado e que substituiu os antigos dogmas da doutrina da situação irregular pelo princípio da proteção integral da infância e da adolescência. Afastando quaisquer dúvidas sobre o alcance do Estatuto, dispõe o seu art. 3º que

a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

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Além da proteção integral, o art. 227, caput, da Constituição de 1988, assegurou às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, o gozo de inúmeros direitos, dentre os quais o direito à educação.

3. O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

A Constituição Brasileira de 1988 consagra a Educação como um direito – fundamental social – de todos e dever compartilhado pelo Estado, família e sociedade. Consoante explanado em oportunidade anterior, os direitos sociais como direitos fundamentais que são, revestem-se de peculiaridades que visam a facilitar a sua efetiva proteção e concretização. A seguir, dentro dessa perspectiva de direito fundamental social, analisaremos as características do direito à educação.

Com base nessa premissa, partindo-se do status de Direito Fundamental Social conferido pela Constituição, a educação, merece o reconhecimento das características teóricas que, a priori, impregnam esse elenco de direitos, quais sejam, a petrificação (status de cláusulas pétreas a esses direitos), historicidade (evolução de seu reconhecimento), a inalienabilidade (intransferibilidade por seus legítimos titulares), a imprescritibilidade (a exigibilidade independe da constância de seu exercício), a relatividade (por mais axiológica a justificativa desses direitos, quando em eventual conflito, não se admite a supressão de um por outro, por mais privilegiado que se o considere, devendo os mesmos ser exercidos de forma harmônica) e, dentre outras tantas, modus in rebus, a tão discutida universalidade, que permite concluir, pela possibilidade de se sustentar a noção de sujeitos universais, quando se trata do direito à educação.

O constituinte originário incluiu o direito à educação no núcleo imutável da Constituição Federal ao defini-lo como um direito social. Não se admite a reforma e, ainda que não mencionados expressamente pelo art. 60, § 4º da Constituição, os direitos sociais se amalgamam aos direitos individuais (liberdades individuais) para usufruir a proteção pétrea, não se podendo cogitar de restringir a proteção constitucional ao rol de direitos do art. 5º. Ao contrário, a referida proteção prima por expandir-se, conforme teor do § 2º do citado dispositivo, assim formulado:

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Segundo a melhor doutrina, quando, além de fundamentais, forem direitos sociais, fazem-se insuscetíveis de qualquer modificação que possa reduzir – qualitativa ou quantitativamente –, a abrangência de seu conteúdo, na esteira do Princípio da Proibição do Retrocesso Social.

Contudo, no trato da universalidade, persiste séria controvérsia entre duas visões extremadas, desde a linha teórica que peremptoriamente não lhe reconhece concretude imediata, sob o argumento de que o exercício dos direitos sofre influência e, portanto, limites impostos pelo contexto sócio-político ideológico e cultural, que, em algumas situações, impedem sua “universalização” – completa e irrestrita.

De forma específica, a segunda perspectiva, embora não-antagônica à primeira, por sua complexidade, deriva de duas outras vertentes: a um, a universalidade ampla e irrestrita quanto ao objeto pleno acesso e gozo de direitos humanos a todos, em função da condição humana. Os adeptos dessa corrente pregam a máxima efetividade de todo e qualquer direito humano a todos os homens; a dois, a universalidade quanto aos destinatários: que prevê a legitimidade de todos os seres humanos à titularidade de direitos humanos, mas sem a noção abrangente de rol infinito de direitos. Nessa linha de pensamento, propõe um rol mínimo inafastável, comum a todos, independentemente do Estado-nação a que pertençam, sob o inarredável argumento de proteger sua dignidade como pessoa, em concepção de “mínimo existencial”, assunto sobre o qual faremos uma abordagem mais aprofundada no próximo capítulo.

4. A APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO

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da República Federativa do Brasil atingidos, postulados básicos estabelecidos respectivamente nos artigos 1º e 3º de nossa Carta Constitucional.

O inciso I do artigo 206 da Constituição da República traz o princípio da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Igualdade: um dos fundamentos básicos da República (art. 1º da CF) e, portanto, do Estado Democrático de Direito, pois não é possível falar em dignidade da pessoa humana sem o respeito à igualdade e liberdade. Nesse dispositivo, a igualdade vem a ser a relação de paridade, ou uniformidade, a relação de igualdade entre todas as pessoas para que possam usufruir as mesmas condições de ensino. Trata-se de igualdade perante o direito, estabelecida no art. 5º da Carta Magna.

Incumbe ao Estado, na figura de seus dirigentes, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecer, por exemplo, que as crianças marginalizadas social e economicamente são, sob aspecto jurídico, portadoras dos direitos relacionados ao acesso à educação e à permanência na escola.

Cumpre salientar que o legislador constituinte destacou neste inciso não só o princípio do acesso, mas, enfatize-se, o da permanência na escola. Poderíamos afirmar que o acesso, representado pela matrícula escolar, vem a ser tão somente o ponto de partida para a formação do aluno, enquanto o princípio da permanência será o garantidor da saída do educando do sistema devidamente apto física, moral e intelectualmente.

Os princípios do acesso e da permanência exigem que o Estado mantenha uma prática material, concreta e efetiva para viabilizá-los. Ademais, de acordo com o artigo 208, VII, foi imposto ao Estado o dever de promover ações que garantam, no ensino fundamental, de forma suplementar, o material didático-escolar, o transporte, a alimentação e a assistência à saúde dos educandos. Infelizmente, não é essa a realidade em que vive a sociedade brasileira.

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Consoante já afirmado no presente trabalho, um dos atributos do direito à educação, como direito fundamental social, é a sua aplicabilidade imediata. Não se deve tolerar lapso temporal de regulamentação desse direito. Estando em vigor a Constituição Federal de 1988, todo cidadão é titular do direito à educação. Contudo, apesar de não podermos esgotar o tema por ser uma questão de grande complexidade, façamos um apanhado de como se encontra o quadro educacional do nosso país.

Primeiramente, analisemos o perfil do Ensino Fundamental na rede pública do país. Um diagnóstico preciso da situação do ensino fundamental no Brasil tem como pressuposto verificar se os direitos constitucionais, garantidos na Constituição Federal de 1988, em especial nos artigos 205 a 208, estão sendo perseguidos pelas políticas educacionais implementadas no país pelo Poder Público.

A CF/88 estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado, e declara como princípios do ensino não só a igualdade de condições de acesso e permanência, mas a correspondente obrigação de oferta de uma escola com um padrão de qualidade, que possibilite a todos os brasileiros e brasileiras – pobres ou ricos, do sul ou do norte, negro ou branco, homem ou mulher – cursar uma escola com boas condições de funcionamento e de competência educacional, em termos de pessoal, material, recursos financeiros e projeto pedagógico, que lhes permita identificar e reivindicar a “escola de qualidade comum” de direito de todos os cidadãos.

Por essa razão, a gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais (IV, art. 206) deve ser entendida não só como a matrícula “potencial” – a vaga em “alguma” escola –, mas como a tradução do oferecimento das condições “plenas” que permitam a todos os alunos a sua freqüência regular à escola, o que exige por parte das esferas públicas – pela desigualdade social extrema mantida intacta no país – recursos materiais e financeiros “compensatórios”, colocados à disposição para que a igualdade-desigual seja estabelecida e a “permanência” dos mais pobres e marginalizados seja possível, com mínimas – mas insubstituíveis – condições de igualdade pedagógica e social.

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por sua oferta irregular, imputando-se a responsabilidade à autoridade competente, seja do âmbito estadual ou municipal. Este é o significado de “direito público subjetivo” previsto na Lei Maior (§§ 1º e 2º, VII, art. 208). Não por acaso a educação passa a ter, no Ministério Público, um atento observador (em geral) do cumprimento constitucional, e que pode, caso constate relutância do Poder Público em cumpri-lo, processá-lo, por meio de ação civil, por desobediência, com poder de “mando” para exigir o cumprimento desse direito social.

O ensino fundamental é obrigatório para crianças e jovens com idade entre 6 e 14 anos. Essa etapa da educação básica deve desenvolver a capacidade de aprendizado do aluno, por meio do domínio da leitura, escrita e do cálculo. Após a conclusão do ciclo, o aluno deve ser também capaz de compreender o ambiente natural e social, o sistema político, a tecnologia, as artes e os valores básicos da sociedade e da família.

Desde 2005, a lei nº 11.114 determinou a duração de nove anos para o ensino fundamental. Desta forma, a criança entra na escola aos 6 anos de idade, e não mais aos 7, e conclui aos 14 anos, ou seja, no 9º ano.

Segundo o Censo Escolar de 2010, pouco mais de 31 milhões de alunos estão matriculados no Ensino Fundamental Regular. A grande maioria (54,6%) na rede municipal com aproximadamente 17 milhões de matrículas. As redes estaduais correspondem a 32,6% dos matriculados, as privadas atendem a 12,7% e as federais a 0,1%. Como se vê, cerca de 90% do atendimento fundamental escolar é feito pelo Poder Público. Esse dado, independentemente de outras considerações, precisa ser destacado – e quiçá, comemorado – pois traduz que, em termos de política educacional, a opção republicana do dever do Estado para com o ensino fundamental vem sendo mantida.

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Quanto ao ensino médio, dados publicados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre os indicadores sociais da população brasileira demonstram como o ensino médio no país ainda enfrenta amplos desafios para sua real universalização e democratização. São 8,3 milhões de alunos matriculados no ensino médio, sendo cerca de 90% na rede pública e 10% em instituições privadas. É extremamente preocupante a evasão escolar que ocorre do ensino fundamental para o ensino médio.

Como grande parte dos estudantes da rede pública tem origem em famílias de baixa renda, é mais ou menos nessa faixa etária de transição para o ensino médio que os adolescentes começam a exercer atividades laborais, refletindo, portanto, no alto índice de abandono das salas de aula.

Sobre esta questão, a análise realizada por este órgão é de que as dificuldades encontradas em relação a este nível estão no acesso, na permanência, no desempenho e na conclusão do curso, atualmente considerado essencial, para quase todas as funções produtivas.

O ensino médio no Brasil, após a promulgação da Lei nº 9.394/96 (LDB) figura como a terceira e última etapa da escolarização básica garantida e ofertada pelo Estado. Decorrente tanto das tendências regionais de outros países latino-americanos e das pressões de organismos internacionais (notadamente o UNICEF), como da necessidade de um país competitivo no cenário econômico internacional e das demandas resultantes das políticas de priorização do ensino fundamental, este processo de “universalização” e “democratização” iniciado durante a década de 1990, gerou a expansão deste setor de ensino. Consequentemente, aparecem novos desafios (dilemas) para o ensino médio em conjugação aos persistentes problemas de acesso, da qualidade e da sua própria identidade.

Talvez, a questão essencial que se coloca sobre os atuais problemas do ensino médio, que permeia desde a política de formação docente às formas de financiamento e gestão do sistema educacional, é como construir um projeto democrático de educação pública e de verdadeira inclusão educacional frente os graves processos de exclusão social, aumento do individualismo, dos interesses privados e do consumo na vigente ordem social, econômica e cultural brasileira.

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de renda, somada à grave situação educacional do ensino médio, nos apresentam um conjunto enorme de desafios que, com certeza, não se esgotam neste texto. A construção da escola média, no Brasil, passa pela adoção de políticas que visam reverter o quadro de desigualdade educacional.

Em se tratando de Ensino Superior, existe uma significativa mudança nas estatísticas. Há uma inversão de dados: o grande crescimento, especialmente na última década, do número faculdades particulares fez com que, nesse setor da educação, a maioria dos alunos esteja matriculada na rede particular, em detrimento de uma minoria que consegue ter seu estudo acadêmico bancado pelo Estado. O número de faculdades se multiplicou pelo país. O de universitários triplicou em apenas 15 anos e quem alimentou essa expansão foram particulares, donas, hoje, de 70% das matrículas. Há quem chame essa expansão de “mercantilização do ensino”, um verdadeiro clima de liquidação, pois o valor das mensalidades caiu muito na última década.

Estamos diante do reflexo da má qualidade do ensino básico da rede pública no Brasil, compreendido pelos ensinos fundamental e médio. Tanto é que o quadro de alunos das universidades públicas tem, em sua esmagadora maioria, estudantes provenientes da rede de ensino particular. Pessoas que, por terem maior poder aquisitivo, tiveram o privilégio de estudar em instituições as quais lhes proporcionaram ferramentas capazes de prepará-los melhor, dando-lhes suporte para ingressar na concorrida universidade pública. E, assim, vai-se perdurando e fortalecendo o crescimento das desigualdades sociais.

É na análise do ensino superior que encontramos as deficiências provenientes do ensino básico. Empiricamente comprova-se que, tão importante quanto fornecer o ensino básico, é proporcionar a todo cidadão acesso à educação de qualidade. Caso contrário, assistiremos o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais segregadora, onde as desigualdades sempre tenderão a crescer.

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São 5 (cinco) milhões de brasileiros nas universidades, mas apenas 11% das pessoas entre 25 e 60 anos possuem um diploma. Na Rússia, país emergente como o Brasil, esse percentual é de 54%. Não há economia avançada que tenha um sistema universitário com tantas deficiências. Além disso, o número de universitários em relação ao número de pessoas que concluem o ensino médio ainda está em números desproporcionais.

Mas está dando certo? Os diplomados estão saindo preparados? No setor industrial, por exemplo, 69% das empresas têm dificuldade para encontrar profissionais qualificados e se for comparar o Brasil com uma indústria, é como se máquinas estivessem à espera de alguém que saiba usá-las para multiplicar a produção. E se os universitários não preenchem as vagas é por falta de qualidade no ensino superior.

Há sete anos, o Ministério da Educação reforçou o controle de qualidade com a criação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - o Enade. Mas os resultados ainda estão longe do ideal. Como acontece na escola, as instituições de ensino superior no Brasil passam por uma prova anual. A escala vai de um a cinco. As notas um e dois são como médias vermelhas no boletim escolar. E é o nível alcançado por quase metade das faculdades particulares, avaliadas em 2009. As melhores notas ficam com as públicas, mais de 30% delas tiveram boa avaliação, contra menos de 5% das privadas.

É uma situação de inércia de baixíssima qualidade. Se não há uma educação de bom nível, o país jamais vai terá uma economia desenvolvida e isso precisa ser tanto na educação básica como cada vez mais, hoje, no ensino superior.

Como conseqüência dessa disparidade entre a realidade do ensino superior brasileiro e o que seria ideal, a produção acadêmica das universidades brasileiras, apesar de contribuir para o desenvolvimento e avanços do país, é uma contribuição muito aquém do que deveria ocorrer se comparada às universidades de países de primeiro mundo. Cada estudante da rede pública de ensino superior custa cerca de R$ 15.542,00 (quinze mil, quinhentos e quarenta e dois reais) por ano aos cofres públicos. É um investimento da sociedade cujo retorno deve acontecer em produção científica, em avanços tecnológicos e melhorias para a população.

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é considerado satisfatório, ainda que não atinja a todos, ainda há um número pequeno de estudantes nas escolas, principalmente no ensino médio e superior, bem como o número de escolas ainda não é suficiente para atender à demanda da população. A situação é agravada pelo fato de que, dentro das salas de aula a qualidade do ensino não tem se mostrado satisfatória, é o que se constata através de avaliações periódicas. A maioria dos alunos não é considerada analfabeta - por saber ler e escrever -, mas as escolas estão repletas de analfabetos funcionais, que são aqueles alunos que não são capazes de interpretar o que acabara, de ler. Sabem decifrar o código da linguagem, porém são incapazes de traduzir o que a mensagem quer dizer: não sabem interpretar.

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CAPÍTULO III: O DIREITO À EDUCAÇÃO, O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL

1. O DIREITO À EDUCAÇÃO E O MÍNIMO EXISTENCIAL

A possibilidade de o Judiciário vir a efetivar direitos a prestações materiais é vista com bastante desconfiança, pois se entende que a escassez dos recursos necessários à concretização de direitos prestacionais demandaria escolhas políticas, que deveriam ser tomadas preferencialmente por órgãos politicamente responsáveis e não pelos juízes.

Tradicionalmente se entende pela ausência de interferência do Poder Judiciário no controle dos atos administrativos. O novo Estado Democrático e Social de Direito requer uma judicatura engajada e comprometida com os valores e princípios consagrados em nível constitucional, em especial nos direitos fundamentais sociais. Hodiernamente não mais se admite a ausência de controle jurisdicional sobre a atuação do Poder Executivo. Como corolário de tal constatação, tem-se a necessidade crescente de uma análise das políticas públicas de direitos sociais pelo Poder Judiciário o que o torna proativo e compromissado com tais metas estatais.

Entende-se que o Estado é obrigado a assegurar aos cidadãos as condições mínimas para uma existência digna, principalmente pelo fato de essas condições mínimas estarem asseguradas na Constituição Federal de 1988, no rol dos direitos sociais. É a chamada “teoria do mínimo existencial”.

De acordo com essa teoria, apenas o conteúdo essencial dos direitos sociais teria um grau de fundamentalidade capaz de gerar, por si só, direitos subjetivos aos respectivos titulares. Se a pretensão estiver fora do mínimo existencial, o reconhecimento de direitos subjetivos ficaria na dependência de legislação infraconstitucional regulamentando a matéria, não podendo o Judiciário agir além da previsão legal.

Eis as palavras de Ricardo Lobo Torres, um dos principais defensores da teoria do mínimo existencial no Brasil:

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obtidos na via do exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária, a partir do processo democrático. Esse é o caminho que leva à superação do primado dos direitos sociais prestacionais ( ou direitos a prestações positivas do Estado, ou direitos de crédito – droit créance – ou Theilhaberechte) sobre os direitos direitos da liberdade, que inviabilizou o

Estado Social de Direito, e ao desfazimento da confusão entre direitos fundamentais e direitos sociais, que não permite a eficácia desses últimos sequer na sua dimensão mínima. 8

Também denominado de “núcleo duro” ou “núcleo comum dos direitos fundamentais”, o mínimo existencial indica o conteúdo mínimo e inderrogável desses direitos. A “teoria do núcleo essencial dos direitos fundamentais” foi desenvolvida a partir dos estudos de Rudolf Smend, em sua obra Teoria de los Derechos Fundamentales (1970), que proporcionou a base de uma interpretação mais profunda dos direitos fundamentais a partir da sua teoria da integração.

A teoria do “núcleo essencial” preconiza que há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção estatal negativa, muito pelo contrário: exige prestações estatais positivas. Nesse sentido, citamos novamente Ricardo Lobo Torres:

Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados. 9

Logo, se assim é, nem mesmo a atividade legislativa pode romper a barreira do núcleo essencial, sob pena de incorrer em flagrante inconstitucionalidade. Nesse viés é que a garantia do conteúdo essencial surgiu, amparado basicamente na idéia de limitar os abusos normativos da atividade reguladora do legislador ordinário em matéria de direitos fundamentais. Com efeito, por núcleo essencial há de se compreender ser também aquela parcela mínima do direito em questão que não pode ser suprimida por meio de uma lei; é um sinônimo de “núcleo duro”, ou seja, há no direito uma parcela indisponível, igualmente, para o legislador.

Tratando-se de um conteúdo mínimo, que atua como elemento aglutinador da essência dos direitos fundamentais, é vedado ao Estado a adoção de quaisquer medidas, de ordem legislativa ou material, comissivas ou omissivas, que

8 TORRES, Ricardo Lobo. A metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial. p. 1-2. In:

SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. São Paulo. Renovar, 2003, p. 1-46.

9 TORRES, Ricardo Lobo. O Mínimo Existencial, os Direitos Sociais e a Reserva do Possível. Rio

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busquem frustrar a sua concreção. Tanto atentará contra o mínimo existencial a ação concreta, como a omissão deliberada em concretizar uma previsão normativa ou mesmo em editar um ato normativo que viabilize o alcance de um status jurídico favorável ao indivíduo. A sua observância, assim, independe de qualquer medida de intervenção legislativa, derivando diretamente da própria Constituição.

Em países subdesenvolvidos como o Brasil, nos quais o mínimo existencial é historicamente ignorado pelos poderes constituídos, a questão assume perspectivas dramáticas e que certamente não seriam vistas em países do denominado primeiro mundo. Nestes, o contingente populacional que depende do intervencionismo estatal para sobreviver é sensivelmente reduzido, o que, face à reconhecida possibilidade de o Estado assegurar a observância do mínimo existencial, em muito suaviza qualquer polêmica sobre a matéria.

Ainda que o mínimo existencial seja tradicionalmente integrado por zonas interditas à atuação estatal, vale dizer, pelo imperativo reconhecimento de um rol mínimo de liberdades, intangíveis por excelência, merecem igual proteção os direitos conexos, por imprescindíveis ao usufruto dessas liberdades, estando a elas umbilicalmente ligados.

Em relação ao direito à educação fundamental, nos parece incontroverso tratar-se de uma parcela integrante do mínimo existencial, não só por suas características intrínsecas, mas também em razão de sua importância para a concreção de outros direitos necessários a uma existência digna.

Como vimos, há muito a educação fundamental foi incorporada aos tratados e convenções internacionais, isto sem olvidar a sua inserção nos ordenamentos de inúmeros países, inclusive o Brasil. Os textos constitucionais, a contar do primeiro, sempre lhe fizeram certa deferência, como analisamos no segundo capítulo deste trabalho. Além dos prismas da universalidade e do historicismo, a Carta de 1988 a erigiu à condição de direito subjetivo público, o que em muito reduz a abstração que sempre circunda os limites do mínimo existencial e afasta a possibilidade de que sua oferta seja postergada ou negada.

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poderá comparecer à escola; estando doente, não poderá estudar e entrar em contato com outros estudantes; e, ainda, sem alimentação não haverá como assimilar as mais comezinhas lições.

Identificados os lineamentos básicos do mínimo existencial, com a consequente integração do princípio da dignidade da pessoa humana, nos parece que destoa dos valores por ele condensados qualquer iniciativa dos poderes constituídos, de cunho material ou normativo, que procure suprimir direitos, liberdades e garantias já alçados a essa condição. Os direitos fundamentais, na mesma medida em que podem impor prestações positivas ao Poder Público, impõem limites à sua atuação.

Sendo a Constituição um sistema aberto de normas, será flagrantemente inconstitucional qualquer medida que se afaste dos valores responsáveis por sua concretização, ainda que emanados de normas infraconstitucionais. A título de ilustração, será ilegítimo o ato que determine o fechamento de uma escola sem que existam outras em condições de atender à demanda, a extinção de cargos de professor, com a consequente colocação em disponibilidade de seus ocupantes, enquanto flagrante a carência de pessoal nessa seara etc. É indiscutível que um estudo responsável da denominada proibição de retrocesso social exige maiores reflexões.

Tradicionalmente, a eficácia das políticas públicas de direitos sociais realiza-se ou não a depender da conveniência ou oportunidade executiva e parlamentar. Em outras palavras, condiciona-se ao alvedrio presente na discricionariedade administrativa e legislativa.

Mediante leis parlamentares, atos administrativos e a criação real de instalações de serviços públicos, deve-se definir, executar e implementar, conforme as circunstâncias socioeconômicas, as chamadas “políticas públicas sociais” (de educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação, moradia) que facultem o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente protegidos.

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