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Processo

234/20.1T8VPV.L1-2

Data do documento 17 de junho de 2021

Relator

Laurinda Gemas

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Insolvência de cônjuge ou ex-cônjuge > Bens comuns > Direito à meação > Falta de interesse em agir

SUMÁRIO

I - Declarada a insolvência de um dos cônjuges ou de um dos ex-cônjuges antes da partilha dos bens comuns do casal, devem ser apreendidos os bens comuns do casal/ex-casal, e não o direito à meação, podendo o cônjuge/ex-cônjuge do Insolvente, citado nos termos do art. 740.º do CPC ex vi do art. 17.º, n.º 1, do CIRE, intentar, quando seja caso disso, processo de inventário (e não a ação de separação do art.

146.º do CIRE).

II - O objetivo primordial do inventário na sequência do divórcio será a partilha de bens consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges; a liquidação das responsabilidades entre os cônjuges e destes para com terceiros é uma função meramente eventual e reflexa daquela.

III - Verificando-se que o único bem que integra o ativo do ex-casal (Requerente e Requerida, declarada insolvente) é o imóvel que se encontra apreendido na insolvência e que está onerado com hipoteca para garantia de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, dívida relacionada como verba única do passivo cujo montante excede o valor daquele bem, ocorre a exceção dilatória da falta do interesse em agir, já que a pretensão das partes (no sentido de ficarem comproprietários do imóvel), é inútil, não havendo nenhum interesse na efetivação da partilha nos moldes visados, não sendo o inventário o meio processual para o Requerente fazer valer os seus direitos.

IV - A não se entender assim, sempre haveria de se concluir, em face da intervenção da Massa Insolvente e da Credora hipotecária nos autos nos moldes em que o fizeram, manifestando a sua oposição à solução pretendida pelas partes e referindo o interesse na venda do imóvel para obtenção do valor de mercado do mesmo, no sentido da inutilidade superveniente da lide, também conducente à extinção da instância, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC.

TEXTO INTEGRAL

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Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

Jose… interpôs o presente recurso de apelação do despacho que determinou o arquivamento do processo de inventário judicial para separação de bens em casos especiais pelo mesmo intentado contra Ana ….

No Requerimento Inicial, apresentado em 18-06-2020, alegou em síntese:

- O Requerente foi citado no âmbito do processo de insolvência n.º 645/19.5T8AGH que corre os seus termos no Juízo Local Cível – Juiz de Angra do Heroísmo, na qualidade de ex-cônjuge meeiro da insolvente, ora Requerida, para requerer a separação e bens, sob pena de, não o fazendo, o imóvel ser vendido pela totalidade;

- O Requerente foi casado com a Requerida em regime de comunhão de adquiridos;

- O divórcio entre ambos foi decretado em 2017;

- Não convém a indivisão, até porque a ex-mulher foi declarada insolvente por sentença proferida em setembro de 2019, no referido processo;

- Não se conhecem à insolvente outros bens que não o prédio urbano sito na Rua …, n.º 92, Vila de…, Angra do Heroísmo, que foi apreendido no processo de insolvência;

- O indicado bem pertence em regime de comunhão à Insolvente e ao Requerente, que pretende a separação de meações, ficando o imóvel em regime de compropriedade.

Juntou vários documentos, incluindo Relação de bens, na qual descreveu duas únicas verbas:

como verba n.º 1 do ativo, o referido imóvel, indicando o valor de 105.630 €; como verba n.º 1 do passivo, uma dívida à Caixa Geral de Depósitos proveniente de empréstimo contraído para aquisição de imóvel para habitação própria permanente e realização de obra, com o saldo devedor à data de 06-09-2019 de 105.877,03 €.

Foi proferido despacho que nomeou o Requerente como cabeça de casal e determinou a citação da Requerida.

Designada data para audiência prévia, veio a Sr.ª Administradora da Insolvência comunicar que por força da declaração de insolvência da Requerida e do disposto no art. 81.º, n.º 4, do CIRE assumia a representação da Insolvente para todos os efeitos de caráter patrimonial, requerendo que tal fosse considerado.

Em 18-11-2020, veio a Caixa Geral de Depósitos, S.A. requerer a junção aos autos de procuração forense e que lhe fosse facultada a consulta do processo, uma vez que “apresenta crédito vencido e pretende em tempo e quando processualmente admissível indicar/reclamar o valor do seu crédito e requerer a liquidação do ativo para satisfação do mesmo”.

No decurso da audiência prévia, realizada em 09-03-2021, o Requerente e a Requerida declararam que estavam de acordo em que o imóvel ficasse “em compropriedade, detendo cada um 50%”. Porém, através das suas mandatárias judiciais presentes na diligência, tanto a credora hipotecária Caixa Geral de Depósitos, S.A., como a Massa Insolvente da Requerida

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manifestaram a sua oposição à solução pretendida pelas partes, referindo o interesse na venda do imóvel para obtenção do valor de mercado do mesmo.

Foi então determinado pela Sr.ª Juíza que se averiguasse se existiam execuções pendentes contra o cabeça de casal (o que foi cumprido conforme em 12-03-2021, com informação de que não existem) e que se juntasse certidão atualizada do prédio.

Em 18-03-2021, foi proferida a decisão recorrida, da qual consta, depois de sucinto relatório, a fundamentação e o segmento decisório com o seguinte teor (sublinhado nosso):

Cumpre começar por referir que estamos perante um bem comum e está em causa uma dívida do casal, sendo que apenas um dos ex-cônjuges foi declarado insolvente.

Sobre esta questão considerou-se em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 19 de Fevereiro de 2019 que: estando em causa a insolvência de um dos cônjuges casado no regime de comunhão de bens (ou se, sendo divorciado, não tiver sido realizada a partilhar dos bens comuns do casal), haverá lugar à apreensão de todos os bens do insolvente, incluindo os seus bens próprios e os comuns do casal. Nessas condições, a par dos seus bens próprios existe uma massa de bens comuns afecta ao cumprimento de determinadas obrigações.

Na verdade, pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer um dos cônjuges (artº 1695º, nº 1 do C.Civil).

Ora, relativamente à noção de massa insolvente, dispõe o artº 46º do CIRE que a mesma destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

Sobre esta norma perfilha-se o entendimento explanado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Maio de 2017 segundo o qual aquela deverá ser interpretada no sentido de que à massa insolvente pertencem aqueles bens que, por determinação substantiva, possam ser chamados a responder pelas suas dívidas (artº 601º do C.Civil).

Assim, também no processo de insolvência de um dos cônjuges (ou, estando divorciado sem partilha dos bens comuns do casal), poderá haver apreensão dos bens comuns, impondo-se, tal como na execução, designadamente nos casos em que a dívida seja apenas da responsabilidade do cônjuge insolvente, a citação do outro cônjuge (nos termos do artº 740º, nº 1 do C.P.Civil).

O cônjuge do devedor insolvente poderá exercer o seu direito à separação de meações, nos termos do artº 141º, nº 1, al. b), artº 144º e artº 146º do CIRE, mas tal procedimento esgota- se, porém, na obtenção do reconhecimento de que os bens em questão são comuns e do direito à separação da sua meação.

E isto porque, como supra exposto, os bens comuns que integram a massa insolvente respondem pelos créditos reclamados na sua totalidade, tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente.

E, a ser assim, estando em causa dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, pela qual

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respondem os bens comuns do casal (cfr. artº 1691º, nº 1, al. a) e artº 1695º, nº 1, ambos do C.Civil), não fará sentido proceder a uma tal separação de meações, sem prejuízo dos direitos que ao cônjuge do devedor assistam relativamente a tais bens, quer na reclamação e verificação de créditos, quer na liquidação dos mesmos, quer na fase do pagamento.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra supra indicado, sendo declarada a insolvência de apenas um dos cônjuges (...) a declaração de insolvência chamará ao processo todos os seus credores – não só os detentores de garantia real, mas também os credores comuns, e não só por créditos da exclusiva responsabilidade do insolvente, mas igualmente por créditos de responsabilidade comum do casal. A massa activa deverá, assim, incluir os bens comuns, uma vez que estes responderão sempre pelos créditos reclamados: na sua totalidade, tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente.

Nos termos do artº 686º, nº 1 do C.Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

O imóvel em causa constitui bem comum do casal (artº 1724º, al. b) do C.Civil) e as dívidas respeitantes aos empréstimos contraídos junto da Caixa Geral de Depósitos – que as hipotecas garantem – responsabilizam ambos os cônjuges (artº 1691º, nº 1, al. a) do C.Civil). Ou seja, não está em causa qualquer bem que seja próprio do requerente ou que, sendo comum, não responda por dívidas que apenas onerem a devedora insolvente. Acresce que é afirmado pelo requerente que inexistem outros bens, para além do apreendido, que integre o património comum do casal.

Daqui resulta que sendo o imóvel em questão bem comum que responde por dívidas do casal que a hipoteca sobre os mesmos garante, e apenas podendo ser exercido no processo de insolvência, e de acordo com os meios processuais respectivos, o direito do credor hipotecário (artº 90º do CIRE), deve o referido bem comum integrar a massa activa, não assistindo ao requerente o direito a separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns.

No sentido que se perfilha, refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 28 de Janeiro de 2016: por conseguinte, quer a dívida seja da responsabilidade de apenas um dos cônjuges quer de ambos, a lei permite a penhora de bens comuns, devendo ser cumprido, no primeiro caso, o disposto no artº 740º, nº 1 do C.P.Civil no que respeita à citação do cônjuge para requerer a separação de bens ou juntar certidão da pendência de acção com essa finalidade, sob pena de a execução prosseguir sobre bens comuns, cingindo, nestes termos, o cumprimento do disposto no artº 740º do C.P.Civil aos casos em que a dívida seja da responsabilidade de apenas um dos cônjuges.

Com estes fundamentos, conclui-se não assistir ao requerente José… o direito a separar da massa insolvente a sua meação no bem imóvel comum apreendido.

Custas pelo requerente.

Notifique e oportunamente arquive.”

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Inconformado com esta decisão, veio o Requerente interpor recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1 - O recorrente José… requereu o inventário para separação de bens em casos especiais.

2 - O recorrente foi casado com Ana… em regime de comunhão de adquiridos.

3 - O divórcio entre ambos foi decretado em 2017.

4 - A ex mulher do recorrente, foi declarada insolvente por sentença proferida em 04.09.2019, no âmbito do processo n.º 645/19.5T8AGH, do Juízo Local Cível – Juiz 1, de Angra do Heroísmo do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, já transitada em julgado.

5 - Nunca foi realizada partilha de bens e existe em comum um prédio urbano, sito na Rua …n.º 92, Vila de…, concelho de Angra do Heroísmo, com o artigo matricial n.º 0000, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00 onerado com hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos.

6 - O indicado bem pertence em regime de comunhão à insolvente e ao recorrente, que pretende a separação de meações, ficando o imóvel em regime de compropriedade.

7 - O inventário destina-se à separação da meação em bem comum.

8 - Refere o Tribunal recorrido que não assiste ao recorrente o direito a separar da massa insolvente a sua meação no bem imóvel comum apreendido.

9 - Foi apreendido para a massa insolvente o prédio na sua totalidade, por ter sido adquirido na pendência do casamento, vigorando o regime de comunhão de adquiridos.

10 - Nesse seguimento foi o aqui recorrente citado por parte do Ex.mo Senhor Administrador da Insolvência, na qualidade de ex – cônjuge meeiro da Insolvente, de acordo com o disposto no artigo 740.º do Código de Processo Civil ex vi art. 17.º do código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e nos termos do disposto no art. 141, n.º 1, al. b) desta última lei, para no prazo de 20 (vinte) dias vir requerer, querendo, a separação de bens, sob pena de, não o fazendo, o imóvel ser vendido pela totalidade, porquanto consta igualmente, como proprietário do bem comum que se encontra apreendido nos presentes autos.

11 - Tendo o tribunal recorrido proferido sentença, da qual ora se recorre, declarando não assistir ao recorrente Jose… o direito a separar da massa insolvente a sua meação no bem imóvel comum apreendido, improcedendo assim a acção.

12 - Mal andou a sentença, de assim decidir o pedido sem conter os fundamentos de facto e de direito para tal ou, até, de manter alguns fundamentos em manifesta oposição com a decisão, sendo também por isso ambígua.

13 - O que confere a nulidade da sentença por conter fundamentos em oposição com a decisão, ambiguidade e/ou falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

14 - No caso dos autos mostra-se provado que o recorrente e a insolvente já estavam divorciados aquando da declaração de insolvência e que o prédio em questão é bem comum, conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo junta aos autos.

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15 - Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido, viola e esvazia o sentido da norma contida no artigo 740.º do Código de Processo Civil ex vi art. 17.º do código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pois só com posterior possibilidade de separação de meações pelo cônjuge não insolvente através do processo de inventário, existe coadunação com a letra e com o espírito da lei.

16 - É, frequente, ocorrer a declaração de insolvência de uma pessoa singular, divorciada, desacompanhada do ex-cônjuge, cujo património inclui bens comuns do casal dissolvido e que não foram partilhados, em especial bens imóveis.

17 - Nas palavras de Antunes Varela: “os bens comuns dos cônjuges constituem objecto não duma relação de compropriedade — mas duma propriedade colectiva ou de mão comum.”

18 - Na partilha dos bens destinada a pôr fim à comunhão, os respectivos titulares apenas têm direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada bem concreto objecto da partilha.

19 - Não estamos perante um direito a metade de cada bem concreto mas a uma fracção ideal na totalidade do património colectivo. E, só através da partilha, ocorrerá a separação de bens que pertencem a cada um dos cônjuges.

20 - Resulta do artigo 46.º, n.º 1, do CIRE que a massa insolvente “abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.” E preceitua o artigo 159.º do CIRE, quanto à liquidação de bens em situação de “Contitularidade e indivisão”, que “verificado o direito de restituição ou separação de bens indivisos ou apurada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens.”

21 - Neste sentido, refere-se no acórdão da Relação de Lisboa de 13-02-2014: “não tendo havido partilha dos bens do casal, na sequência do divórcio, no processo de insolvência de um ex-cônjuge, apenas se poderá arrolar o direito deste a uma quota ideal do património colectivo do casal e, em princípio, apenas esse direito poderá ser liquidado no processo de insolvência”.

22 - E, inexistindo interessados, acaba por ser o credor hipotecário a adquirir o direito à meação e a procurar, posteriormente, negociar com o outro cônjuge ou, em caso de incumprimento, a intentar uma acção executiva ou uma acção de insolvência contra o mesmo com vista à aquisição do seu direito à meação.

23 - Nos termos do artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. Daqui resulta que a garantia decorrente da hipoteca só tem efeitos sobre o bem a que respeita e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem. Incidindo a apreensão sobre a meação do cônjuge insolvente, o que será vendido será esse direito e não o imóvel, pelo que o credor hipotecário não beneficia de preferência na graduação do seu crédito, sendo um mero credor comum.

24 - A hipoteca goza de sequela sobre o bem e não caduca com a venda do direito à meação,

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continuando o bem imóvel hipotecado a responder pela satisfação do crédito garantido, pelo que o credor hipotecário não é prejudicado.

25 - Havendo bens comuns do casal, deverão ser os mesmos apreendidos na sua totalidade para a massa insolvente e assente a possibilidade de apreensão da totalidade do bem comum, torna-se necessário dar oportunidade ao cônjuge não insolvente de requerer a separação de meações.

26 - E tendo sido requerida a separação no caso em apreço, que não é facto controvertido, tem de ser declarada, pois só dessa forma se alcança a necessária segurança jurídica.

27 - E realizada a partilha dos bens comuns do casal (única forma de pôr fim à comunhão e de definir quais os bens abrangidos pelo património de cada um dos ex-cônjuges), por forma a que a apreensão se concretize sobre bens exclusivamente da titularidade do cônjuge insolvente e não sobre o direito à meação.

28 - Ao não decidir dessa forma, o Tribunal recorrido incorreu em nulidade da decisão com fundamento na contradição intrínseca que se verifica na falta de coerência com as respetivas premissas de facto e de direito.

29 - Vícios esses que consubstanciam verdadeiras nulidades, capazes de influenciar a apreciação e decisão da causa, nos termos do artº 615º do CPC.

30 - Devendo, em consequência, a mesma ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito do recorrente na partilha do bem apreendido no processo de insolvência, com a separação da sua meação, ficando em regime de compropriedade.

Foi apresentada alegação de resposta pela Massa Insolvente de Ana…, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).

Identificamos as seguintes questões a decidir:

1.ª) Se a decisão recorrida é nula por conter fundamentos em oposição com a decisão, ambiguidade e/ou falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2.ª) Se o processo de inventário devia prosseguir, para separação das meações do ex-casal (Requerente e Requerida), conforme requerido.

1.ª questão – Da nulidade da decisão recorrida

Defende o Requerente-Apelante que a decisão recorrida não contem os fundamentos de facto e de direito ou, até, tem alguns fundamentos em manifesta oposição com a decisão, sendo também por isso ambígua.

A Massa Insolvente Apelada afirma que a decisão recorrida não tem qualquer vício que a

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inquine, expondo as razões pelas quais a considera acertada.

Apreciando.

Nos termos das alíneas b) e c) do art. 615.º, n.º 1, do CPC, a sentença é nula quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

O disposto na alínea b) mais não é do que uma decorrência e manifestação do dever de fundamentar a decisão consagrado na lei processual civil e na lei fundamental, designadamente no art. 205.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, estatuindo este último que o juiz, na fundamentação da sentença, declara, além do mais, quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.

Tem sido tradicionalmente defendido na jurisprudência que a nulidade da sentença apenas deve ser declarada quando se verifica uma absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito que justificam a decisão, não bastando que a fundamentação ou motivação seja deficiente, insuficiente ou até errada (casos que, em regra, se resolvem nos recursos com a invocação de erro de julgamento).

Apenas uma fundamentação de facto ou de direito insuficiente ao ponto de não possibilitar às partes uma compreensão cabal e análise crítica das razões (de facto e de direito) da decisão judicial pode ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade dessa decisão. Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 02-03-2011, proferido no processo n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, disponível em www.dgis.pt, conforme se alcança do ponto 1. do respetivo sumário: “À falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”. E também o acórdão do STJ de 26-02-2019, proferido no processo n.º 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt.

De salientar que embora o art. 615.º se aplique igualmente aos despachos, por força do disposto no art. 613.º, n.º 3, do CPC, nem sempre se justifica incluir nos mesmos, incluindo, em certos casos, nos despachos saneadores em que se decida do mérito da causa [apesar do seu valor de sentença – cf. art. 595.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do CPC], um elenco de factos provados nos moldes previstos no art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC. Com efeito, estes despachos podem limitar-se a apreciar da procedência de exceções dilatórias ou até a considerar improcedente uma exceção perentória de modo a antecipar, nessa parte, o julgamento de mérito por se reconhecer a inevitabilidade duma tal decisão em face da irrelevância (da demonstração) dos factos controvertidos.

Ora, pela análise da decisão recorrida, verifica-se que, apesar de não conter um segmento especificamente dedicado a elencar os factos passíveis de serem considerados plenamente

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provados, se mostra suficientemente fundamentada, tendo o Tribunal a quo, no relatório da decisão e no conjunto da fundamentação, perspetivado como estando provados certos factos, mormente os atinentes à apreensão no processo de insolvência da Requerida de um imóvel que é bem comum do casal e à circunstância de o mesmo estar onerado com hipoteca(s) para garantia do pagamento de dívida da responsabilidade de ambas as partes (Requerente e Requerida). Foram também explanadas, com referência a preceitos legais e jurisprudência, as razões pelas quais se considerou que não assistia ao Requerente o “direito a separar da massa insolvente a sua meação no bem imóvel comum apreendido”.

Por outro lado, como resulta expressamente do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, a nulidade prevista nesse preceito legal apenas se verifica quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada no segmento decisório da sentença ou quando neste se verifica uma obscuridade ou ambiguidade que torna a própria decisão ininteligível.

Ora, o Apelante não identifica uma efetiva oposição entre os concretos fundamentos do despacho e o dispositivo do mesmo, muito menos adianta qual a suposta ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, nem afirma não compreender a mesma.

Não cabendo, nesta sede, sindicar o mérito da decisão, adianta-se desde já que a fundamentação de direito e o dispositivo poderiam ter contornos mais precisos, mas não se pode, de modo algum, considerar que a fundamentação esteja omissa ou não se mostre consentânea com a decisão de pôr termo ao processo. Ao invés, o raciocínio lógico aí desenvolvido e a solução de direito adotada é coerente com a decisão final, que aponta para a consideração de que o Requerente não estava legitimado para requerer o inventário/partilha nos moldes requeridos, pelo que se impunha pôr fim ao processo.

Parece-nos claro, até pelas alegações de recurso, que as partes, mormente o Apelante, compreenderam esta posição e a respetiva fundamentação (aliás, se não existisse fundamentação, nem se percebe como poderia a mesma estar em oposição com a decisão), a qual, se porventura estiver errada, não conduz a nulidade da decisão, antes se traduzindo num (eventual) erro na resolução de uma questão de direito, matéria que adiante será apreciada.

Destarte, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso, não se verificando a invocada nulidade da decisão recorrida.

2.ª questão – Do prosseguimento dos autos

O Requerente-Apelante discorda da decisão recorrida, defendendo, em síntese, que: a mesma viola e esvazia o sentido da norma contida no art. 740.º do CPC ex vi art. 17.º do CIRE, pois só com posterior possibilidade de separação de meações pelo cônjuge não insolvente através do processo de inventário, existe coadunação com a letra e com o espírito da lei; é de convocar também o disposto nos artigos 46.º, n.º 1, e 159.º do CIRE e no art. 686.º, n.º 1, do CC.

A Massa Insolvente da Requerida discorda nos seguintes termos: concordando com a aplicação ao processo de insolvência das disposições do CPC (art. 17.º, n.º 1, do CIRE), lembra ainda o disposto nos artigos 46.º, n.º 1, e 149.º do CIRE e 1695.º, n.º 1, do CC, defendendo que, no

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processo de insolvência de um dos cônjuges (ou, estando divorciado, sem partilha dos bens comuns do casal), poderá haver apreensão dos bens comuns, impondo-se, tal como na execução, a citação do outro cônjuge (art. 740.º, n.º 1, do CPC), o qual poderá pedir o seu direito à separação de meações, nos termos dos arts. 141.º, n.º 1, al. b), 144.º e146.º do CIRE;

mas estando em causa dívida hipotecária da responsabilidade de ambos os cônjuges, pela qual responde o bem comum do casal que foi aprendido (arts. 1691.º, n.º 1, al. a), e 1695.º, n.º 1, do CC), não fará sentido uma tal separação de meações, pois o direito do credor hipotecário apenas poderá ser exercido no processo de insolvência (art. 90.º do CIRE).

Importa decidir, tendo presentes os factos que emergem do relatório supra, parecendo-nos também útil, para melhor compreensão, elencar os factos que se encontram plenamente provados face ao teor dos documentos juntos aos autos, e que são os seguintes:

1. Jose… e Ana …contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em 26-04-1994 (doc.

3 junto com o RI).

2. Encontra-se registada, mediante ap. 4 de 1995/10/19 a aquisição, a favor dos referidos Ana…

e José…, então casados um com o outro, do prédio urbano composto por casa de moradia de rés-do-chão com garagem, 1.º andar e aproveitamento de sótão, com a área coberta de 151,6 m2 e a área descoberta de 86,4 m2, sito na Rua …, n.º 92, São…., Angra do Heroísmo descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º 00 e inscrito na matriz sob o art. 0000 da freguesia de São….(doc. 1 junto com o RI).

3. Sobre o referido prédio incidem duas hipotecas voluntárias registadas, mediante ap. 26 de 2006/10/06 e ap. 27 de 2006/10/06, a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. para garantia dos empréstimos de capital de 50.000 € e 84.762,92 €, até ao montante máximo assegurado de 70.369 € e 119.293,64 €, respetivamente (doc.1 junto com o RI).

4. O casamento foi dissolvido, por decisão de 06-07-2017, transitada na mesma data, no processo n.º 773/2017 da Conservatória do Registo Civil de Angra do Heroísmo (docs. 3 e 4 juntos com o RI).

5. No seguimento da sua apresentação à insolvência, Ana … foi declarada Insolvente por sentença proferida em 04-09-2019, no âmbito do proc. n.º 645/19.5T8AGH do Juiz 1 do Juízo Local Cível de Angra do Heroísmo do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (doc. 1 junto com o RI).

6. Nesse processo foi apreendido, em 10-09-2019, o prédio urbano referido em 2., com o valor patrimonial (determinado no ano de 2018) de 64.351 € quanto à habitação e 5.389,65 € quanto à garagem, no total de 69.740,65 €, tendo sido inscrita no registo predial a declaração de insolvência mediante ap. 1660 de 2019/09/30 (doc. 1 junto com o RI e certidão junta aos autos em 12-03-2021).

7. O Requerente foi citado, na qualidade de ex-cônjuge meeiro de Ana …, no âmbito do referido proc. n.º 645/19.5T8AGH, para vir requerer, querendo, a separação de bens, sob pena de, não o fazendo, o imóvel ser vendido pela totalidade (doc. 1 junto com o RI).

Em primeiro lugar, lembramos que o presente inventário foi instaurado, ao abrigo do disposto

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no art. 1135.º do CPC, tratando-se de “Separação de bens em casos especiais”. Este artigo, que no regime de pretérito correspondia ao art. 81.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05-03 (revogada pela Lei n.º 117/2019, de 13-09) preceitua que:

1 - Se for requerida a separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal ou se houver que proceder-se à separação por causa da insolvência de um dos cônjuges, aplica-se o disposto no regime do processo de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento, com as especificidades previstas nos números seguintes.

2 - O exequente, nos casos de penhora de bens comuns do casal, ou qualquer credor, no caso de insolvência, podem promover o inventário e o seu andamento.

3 - Só podem ser aprovadas dívidas que estejam devidamente documentadas.

4 - O cônjuge do executado ou do insolvente pode escolher os bens com que deve ser formada a sua meação.

5 - Se usar a faculdade prevista no número anterior, são os credores notificados da escolha, podendo reclamar fundamentadamente contra ela.

6 - Se o juiz julgar atendível a reclamação prevista no número anterior, ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados.

7 - Se a avaliação modificar o valor dos bens escolhidos pelo cônjuge do executado ou do insolvente, este cônjuge pode declarar que desiste da escolha, caso em que as meações são adjudicadas por meio de sorteio.

8 - As meações são igualmente adjudicadas por meio de sorteio se o cônjuge do executado ou do insolvente não tiver usado da faculdade de escolha dos bens que compõem a meação.

Vem sendo discutida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber, se declarada a insolvência de um dos cônjuges ou de um dos ex-cônjuges antes da partilha dos bens comuns do casal, devem ser apreendidos os bens comuns ou o direito à meação e qual o meio processual para o cônjuge/ex-cônjuge do Insolvente, citado nos termos do art. 740.º do CPC ex vi do art. 17.º, n.º 1, do CIRE, reagir (se a ação de separação do art. 146.º do CIRE ou o processo de inventário), vindo a ganhar preponderância a posição que foi adotada no caso dos autos, em que a apreensão efetuada no processo de insolvência incidiu sobre o imóvel comum do (ex)casal, vindo o ex-marido, citado para requerer a separação de bens, instaurar processo de inventário.

Na doutrina, sobre esta problemática, revemo-nos na posição exposta por Diana Raposo, no seu artigo “Património indiviso após divórcio - apreensão e liquidação em processo de insolvência (com menção à questão da graduação dos créditos hipotecários)”, publicado na Revista JULGAR, n.º 31, Ano 2017 (págs. 76, 77 e 80-84 não incluímos as notas de rodapé;

acrescentámos o sublinhado):

“Assim, a massa insolvente de uma pessoa casada (ou divorciada, sem que tenha sido realizada a partilha) abrangerá os seus bens próprios e a meação nos bens comuns (cfr. artigos

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1722.º, 1723.º, 1726.º e 1696.º do Código Civil).

A questão da apreensão e liquidação dos bens comuns do casal tem dado azo a acesa discussão, essencialmente centrada na interpretação do regime jurídico previsto no CIRE e no Código de Processo Civil para o proccesso executivo e na natureza da comunhão conjugal, com consequências na forma de concretizar a apreensão e posterior liquidação, na possibilidade de impugnação/separação de bens e na qualificação dos créditos do credor titular de hipoteca registada sobre esses bens.

Encontram-se na prática judiciária e na jurisprudência, essencialmente, duas posições divergentes: segundo uns, a apreensão deve cingir-se ao direito à meação que o cônjuge insolvente tem sobre os bens comuns, uma vez que para a massa insolvente apenas podem ser apreendidos bens incluídos no património do devedor e apenas o direito à meação é da exclusiva titularidade do cônjuge insolvente — o bem em si é comum e não lhe pertence; para outros, a apreensão deve incidir sobre a totalidade do bem, cabendo ao ex-cônjuge, querendo, requerer a separação de meações.

(…) Conforme já evidenciámos, na comunhão conjugal o direito de cada cônjuge incide sobre a globalidade do património comum, podendo, em concreto, na realização da partilha, aquele bem não caber sequer ao cônjuge insolvente. Logo, não deve sequer admitir-se a apreensão do direito à meação de um bem em concreto.

Deste modo, a leitura dos artigos 46.º e 159.º do CIRE não pode ser feita de forma meramente literal, mas em consonância com o espírito da lei, o que torna a sua aplicação isolada insuficiente para, por si, resolver a questão em apreço.

Na insuficiência destas normas do CIRE, devem ser chamadas à colação as normas do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis face à remição do artigo 17.º, e concretamente as normas atinentes à penhora e venda em processo executivo.

O artigo 1696.º, n.º 1, do Código Civil determina que pelas dívidas próprias de um dos cônjuges

“respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns”.

Por sua vez, o artigo 740.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 825.º) prevê expressamente a possibilidade de penhora não da meação mas dos próprios bens comuns (com posterior citação do outro cônjuge para, querendo, requerer a separação de meações).

Importa, ainda, sublinhar que, apesar de o artigo 1696.º, n.º 1, do Código Civil apontar para uma responsabilidade subsidiária dos bens comuns, impondo uma prévia excussão dos bens próprios ou a constatação da sua insuficiência, tal não obsta à sua imediata apreensão no processo de insolvência.

Por um lado, a apreensão imediata encontra-se prevista para o próprio processo executivo, pelo que, por maioria de razão, deve ser considerada admissível no processo de insolvência;

por outro, a própria declaração de insolvência implica já o reconhecimento da insuficiência do património próprio do insolvente.

(…) Assente a possibilidade de apreensão da totalidade do bem comum, torna-se necessário

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dar oportunidade ao cônjuge não insolvente de requerer a separação de meações. Sendo que, não o fazendo, a apreensão manter-se-á e a venda incidirá sobre a totalidade do bem.

Discute-se, desde logo, se, em consonância com o disposto no artigo 740.º do Código de Processo Civil, deve o cônjuge ser citado para requerer a separação.

(…) Defendendo a apreensão dos bens comuns do casal no processo de insolvência, nomeadamente por aplicação das regras do Código de Processo Civil quanto à penhora, defendemos, consequentemente, a aplicação do regime previsto no Código de Processo Civil e a necessidade de citação do cônjuge estabelecida no artigo 740.º do Código de Processo Civil, que cremos ser a única resposta que permite alcançar a necessária segurança jurídica.

(…) Discute-se, ainda, qual a forma adequada a promover tal separação.

(…) Ora, o que se pretende com a separação de meações é a realização da partilha dos bens comuns do casal (única forma de pôr fim à comunhão e de definir quais os bens abrangidos pelo património de cada um dos ex-cônjuges), por forma a que a apreensão se concretize sobre bens exclusivamente da titularidade do cônjuge insolvente e não sobre o direito à meação.

Face ao que consideramos que as normas expressamente previstas no CIRE tendentes a concretizar a separação são igualmente insuficientes para solucionar a presente situação, impondo-se suprir esta insuficiência com o recurso à norma especial prevista no artigo 81.º do Regime Jurídico do Inventário, devendo a separação de meações efectivar-se através do processo de inventário para a separação de bens em casos especiais, a instaurar no Cartório Notarial.”

Porém, não é equacionada no citado estudo uma hipótese como a dos autos, em que é apreendido na insolvência (e relacionado no inventário) unicamente um imóvel, que é bem comum do ex-casal e que se encontra onerado com hipoteca para garantia de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, dívida cujo montante excede o valor daquele bem. O que até sugere que um caso como este não justificará a instauração de inventário ou, aliás, outra ação específica para tutela da posição do ex-cônjuge. Mas é precisamente essa a questão que no presente recurso cumpre dilucidar, apreciando se, em face da especificidade da situação fáctica apurada, faz sentido, tem interesse ou utilidade proceder à separação de meações que foi requerida, no seguimento e por causa da insolvência da ex-mulher do Requerente.

Nesta senda, importa que tenhamos presentes o seguinte quadro legal: pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal (cf. artigos 1691.º e 1695.º, ambos do CC), ademais, quando garantidas por hipoteca, beneficiando da prioridade legal (cf. art. 686.º do CC); os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de insolvência, destinando-se precisamente a massa insolvente à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, abrangendo, salvo disposição em contrário, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (cf. artigos 46.º, n.º 1, e 90.º do

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CIRE).

No caso dos autos, a apreensão no processo de insolvência do prédio que constitui o único bem comum do casal, é um dado adquirido. Mas sempre se dirá que, mesmo a defender-se a tese da apreensão da meação, também seria de concluir, em situações como a que nos ocupa, pela apreensão do próprio imóvel, a fim de ser vendido no processo, em face da sua oneração com hipoteca, havendo apenas que determinar qual a forma de “convocar” o ex-cônjuge do insolvente. A este respeito, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 18-05-2020, no proc.

n.º 2510/19.7T8CBR-C.C1, disponível em www.dgsi.pt:

1 - Durante a pendência do casamento, em insolvência de um só dos cônjuges, só os próprios e concretos bens comuns (e nunca a meação, uma vez que, enquanto há casamento, esta não passa duma situação jurídica ideal) podem ser apreendidos.

2 - Após a dissolução do casamento (após a cessação das relações patrimoniais, cfr. art. 1688.º do C. Civil), é a meação no património comum (em insolvência de um só dos ex-cônjuges) que, em princípio, deve ser apreendida (cfr. arts. 781.º e 743.º/1 do CPC).

3 - Porém, nas hipóteses em que há concretos bens do património comum dados por ambos para garantir dívidas da responsabilidade dos dois ex-cônjuges, também tais concretos bens (e não a meação no património comum) podem/devem ser aprendidos na insolvência de apenas um dos ex-cônjuges.

4 - Efetuada tal apreensão (nos próprios bens), tem o ex-cônjuge (do devedor/insolvente) que ser citado (aplicando-se com as necessárias adaptações o art. 741.º do CPC) para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida assim como a garantia/hipoteca (e não que ser citado para requerer a separação de bens, nos termos do art. 740.º/1 do CPC).

5 – Após o que, uma de duas: ou, vindo a dívida a ser considerada comum, a apreensão se mantém sobre os próprios bens (que serão liquidados na totalidade); ou, não sendo a dívida considerada comum e não subsistindo em relação a ela a garantia, a apreensão tem que ser considerada como incorretamente efetuada, devendo a mesma ser retificada, levantando-se a apreensão sobre os próprios bens e passando a mesma a incidir sobre a meação (do devedor/insolvente) no património comum.

No presente processo, face ao alegado no Requerimento Inicial e à relação de bens junta aos autos (que não mereceu reclamação da parte da Requerida, tão pouco tendo impugnado a dívida), mostra-se desde logo configurada uma situação de insolvência da comunhão conjugal ou da meação nos bens comuns: o valor da dívida (que estando em situação de incumprimento pelo menos desde a data indicada na relação de bens apenas se terá avolumado) é superior ao valor que o próprio Requerente e cabeça de casal atribuiu ao único bem relacionado (e, note- se, o valor patrimonial comprovado nos autos é consideravelmente inferior), o que, aliado à posição da credora CGD, nos remete para uma situação próxima do art. 1108.º do CPC.

Portanto, mesmo que não viesse a ser requerida por esta credora a insolvência do património comum do casal, o processo de inventário continuaria a não ter qualquer utilidade ou razão de ser, já que o único bem integrante do património comum do ex-casal seria inteiramente

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“absorvido” pelo pagamento do passivo, nada sobejando a partilhar entre as partes. Nesta linha de pensamento, numa situação em que, só no decurso do processo de inventário, se verificou que o valor do passivo aprovado e reconhecido excedia o do ativo e nenhum credor requereu a insolvência do património comum do casal, nem os interessados deliberaram nesse sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 09-07-2009, no proc. n.º 111-C/1992.P1, disponível em www.dgsi.pt, em que se entendeu que o processo de inventário terminava por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287.º, al. e), do anterior CPC.

Com efeito, tem sido reiteradamente afirmado pela doutrina e jurisprudência que o objetivo primordial do inventário na sequência do divórcio será a partilha de bens consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges; a liquidação das responsabilidades entre os cônjuges e destes para com terceiros é uma função meramente eventual e reflexa daquela.

Neste sentido, merecem destaque, conquanto proferidos em situações distintas da que nos ocupa, os acórdãos da Relação de Lisboa de 19-02-2015, no proc. n.º 1520/13.2TJLSB.L1-8, e 26-01-2017, no proc. n.º 169/13.4TMFUN.L1-2, disponíveis em www.dgsi.pt, e, na doutrina, Nuno de Lemos Jorge e Ana Maria Reis, “Algumas notas sobre a articulação entre o processo de inventário e os processos de execução e de insolvência”, Revista do CEJ 2017 – II, págs. 11-48, em especial págs. 33 e 36.

Por outro lado, é indiscutível, face à posição das partes, que a dívida da CDG é uma dívida comum, da responsabilidade de ambos os cônjuges. Mais se nos impõe considerar, face aos factos provados e à intervenção nos autos da Massa Insolvente representada pela Sr.ª Administradora Judicial, que o crédito da CGD foi (ou será inevitavelmente) relacionado no processo de insolvência, bem como julgado verificado e graduado, com a prioridade decorrente da hipoteca (cf. artigos 129.º e 140.º do CIRE), mencionando-se a natureza comum dessa responsabilidade.

Nesse processo, como execução universal que é, o imóvel apreendido será vendido, a fim de que, com o produto da liquidação, possa ser imediatamente paga a CGD, credora garantida, tendo designadamente em atenção o disposto no art. 174.º do CIRE. Na hipótese (improvável) do valor da venda exceder o da dívida comum, haverá de ser então dividido, em partes iguais, pelos ex-cônjuges, podendo o ora Requerente fazer aí valer os seus direitos.

Portanto, como o imóvel vai ser forçosamente vendido no processo de insolvência (não o podendo ser noutra sede – cf. artigos 88.º e 90.º do CIRE e, exemplificativamente, acórdão da Relação de Coimbra de 27-05-2015, no proc. n.º 5507/11.1TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt), é inútil que o presente processo de inventário prossiga nos termos pretendidos pelo Apelante, já que a situação de compropriedade por si almejada constituirá um facto novo (uma modificação face à natureza comum do bem) cujo registo será, como é óbvio, posterior ao registo das hipotecas e até ao registo da declaração de insolvência, sendo inoponível no processo de insolvência (ou mesmo numa execução hipotecária que contra aquele viesse a ser instaurada) - cf. artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º a 6.º do Código do Registo Predial.

A solução pretendida pelo Requerente redundaria, pois, na prática de atos inúteis, que não

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serviriam o objetivo (ilegal) que, embora não assumido, parece ter em vista - de se eximir ao pagamento de dívida da sua responsabilidade -, não podendo deixar de prevalecer uma interpretação normativa que a tanto obste.

Naturalmente, não se olvida que o Requerente foi, de certo modo, “provocado” a “tentar a sua sorte”, em face da sua citação efetuada no processo de insolvência. Porém, não nos cumpre sindicar esse ato, mas apenas salientar a sua irrelevância, havendo de prevalecer a realidade fáctica e o direito substantivo aplicável em detrimento da automaticidade da prática de ato processual que se vem a revelar inútil no contexto fáctico apurado.

De entre a vasta jurisprudência sobre situações próximas da que nos ocupa, destacamos o aludido acórdão da Relação de Coimbra de 18-05-2020, designadamente quando aí se afirma que “se refletirmos, que não faz qualquer sentido e não tem qualquer razoabilidade e utilidade práticas citar alguém para requerer uma separação de bens, quando o pressuposto que leva a consentir na apreensão dos próprios bens (e não na apreensão da meação) é aquele que se pretende citar e os bens, na sua totalidade, responderem pela dívida em causa (e, quando todos os bens respondem, não é a separação de bens que faz sentido.

O que não significa, como é evidente, consentindo-se na apreensão dos próprios bens (que fazem parte do património comum), que o processo possa prosseguir “à revelia” do ex-cônjuge do devedor/insolvente, que sempre tem que ser interpelado/ouvido para poder exercer o devido contraditório (cfr. art. 3.º do CPC).

E – é a questão – qual é/será o devido contraditório a que o ex-cônjuge tem que ser chamado?

Como se extrai de tudo o já referido, o que é útil e faz sentido, em termos de contraditório, é aplicar com as necessárias adaptações (porventura até por analogia, uma vez que, repete-se, os arts. 740.º e 742.º do CPC regulam apenas, adjetivando o direito substantivo, a hipótese em que ainda há casamento e comunhão conjugal) o art. 741.º do CPC e o ex-cônjuge (do devedor/insolvente) ser citado para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida (assim como, no caso, as hipotecas) que justifica que os próprios bens (e não a meação no património comum) hajam sido apreendidos; após o que, uma de duas: ou, vindo a dívida a ser considerada comum, a apreensão se mantém sobre os próprios bens (que serão liquidados na totalidade; ou, não sendo a dívida considerada comum, então a apreensão tem que se considerar como incorretamente efetuada, devendo a mesma ser retificada, levantando-se a apreensão efetuada sobre os próprios bens e passando a mesma a incidir sobre a meação do devedor/insolvente no património comum (nos termos dos já referidos arts. 781.º e 743.º/1 do CPC).”

Sempre se dirá que, em nosso entender, como a citação é oficiosamente efetuada pelo Administrador Judicial (que poderá nem dispor de toda a informação factual relevante, além de se ver confrontado com controvérsia jurisprudencial a este respeito), é preferível que a efetue em termos amplos, cabendo depois ao cônjuge ou ex-cônjuge citado optar pela via de defesa dos seus direitos que considerar mais adequada, levando a que seja o Tribunal a decidir, sendo certo que, no caso dos autos, nem se justificaria já, de todo, citar o ora Requerente para

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declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, porquanto o próprio assim o confessou.

Mais merece destaque o acórdão da Relação de Lisboa de 19-02-2019, proferido no proc.17/14.8TJLSB-E.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, expressamente citado na decisão recorrida, e cujo sumário tem o seguinte teor:

I–Em processo de insolvência de um dos cônjuges casado em regime de comunhão de bens (ou, sendo divorciado, sem que tenha havido partilha dos bens comuns do casal), haverá lugar à apreensão de todos os bens do insolvente, incluindo os seus bens próprios e os comuns do casal;

II–Sendo os dois imóveis apreendidos no processo de insolvência de um dos ex-cônjuges bens comuns (não partilhados) que respondem por dívidas do casal que as hipotecas constituídas sobre os mesmos garantem, e apenas podendo ser exercido no processo de insolvência, e de acordo com os meios processuais respetivos, o direito do credor hipotecário, devem os referidos bens comuns integrar a massa ativa, não assistindo ao A. o direito a separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns.

Neste acórdão, depois de se referir que o cônjuge do devedor insolvente poderá pedir o seu direito à separação de meações, nos termos dos arts. 141.º, n.º 1, al. b), 144.º e 146.º do CIRE e que tal procedimento se esgota, porém, na obtenção do reconhecimento de que os bens em questão são comuns e do direito à separação da sua meação, separação essa que, entretanto, correrá termos junto do Cartório Notarial competente (cf. arts. 3.º e 81.º da Lei n.º 23/2013, de 05-03), acrescenta-se precisamente que (omitimos, na citação, as notas de rodapé):

“Em todo o caso, como acima vimos, os bens comuns que integram a massa insolvente respondem pelos créditos reclamados, na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente.

O deferimento do pedido de separação de bens importa a suspensão da liquidação quanto aos bens comuns apreendidos na insolvência, conforme previsto no art. 160 do C.I.R.E..

Deste modo, estando em causa dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, pela qual respondem os bens comuns do casal (arts. 1691, nº 1, al. a), e 1695, nº 1, do C.C.) que foram apreendidos, não fará sentido proceder a uma tal separação de meações, sem prejuízo dos direitos que ao cônjuge do devedor assistam relativamente a tais bens, quer na reclamação e verificação de créditos, quer na liquidação dos mesmos, quer na fase do pagamento.

(…) Revertendo para o caso em análise, temos que o A. e a insolvente no processo principal se encontram divorciados entre si mas não procederam à partilha dos bens comuns, tendo sido apreendidos para a massa insolvente os dois imóveis identificados que a ambos pertencem e que garantem, através de hipoteca sobre cada um deles constituída, o pagamento de empréstimos concedidos a ambos pela Caixa Geral de Depósitos.

Nos termos do artigo 686, nº 1, do C.C., a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

Os referidos imóveis constituem bens comuns do casal (art. 1724, al. b), do C.C.) e as dívidas

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respeitantes aos empréstimos contraídos junto da CGD que as hipotecas garantem responsabilizam ambos os cônjuges (art. 1691, nº 1, al. a), do C.C.).

Ou seja, não está em causa qualquer bem que seja próprio do A. ou que, sendo comum, não responda por dívidas que apenas onerem a devedora insolvente.

Por sua vez, não são referidos pelo A. outros bens, para além dos apreendidos, que integrem o património comum do casal.

(…) Do exposto se retira que sendo os imóveis em questão bens comuns que respondem por dívidas do casal que as hipotecas constituídas sobre os mesmos garantem, e apenas podendo ser exercido no processo de insolvência, e de acordo com os meios processuais respetivos, o direito do credor hipotecário (art. 90 do C.I.R.E.), devem os referidos bens comuns integrar a massa ativa, não assistindo ao A. o direito a separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns.

E não se diga que tal afeta o interesse do A. ou redundará no pagamento de dívidas pessoais da insolvente com o produto da venda desses mesmos imóveis, pois, como vimos, os bens comuns que integram a massa respondem pelos créditos reclamados, na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente.

Por fim, sempre ao A. assistirá, como referimos, o direito de exercer os mesmos direitos que a lei processual confere ao insolvente relativamente a tais bens, seja na reclamação e verificação de créditos, seja na liquidação dos mesmos, seja na fase de pagamentos”.

Este acórdão, embora concordando com a decisão recorrida que reconheceu não assistir ao ali Autor, na ação para separação de bens intentada ao abrigo do art. 146.º do CIRE, o direito que pretendia fazer valer, aponta inequivocamente no sentido da inutilidade, face ao direito substantivo aplicável, em proceder a uma tal separação de bens. É claro o paralelismo com a situação dos autos, compreendendo-se a adesão por parte do Tribunal recorrido a tal solução decisória.

Já a argumentação do Apelante não nos convence. Assim, cita um acórdão que não localizámos, parecendo-nos, pela coincidência de conteúdos, que se terá pretendido referir ao acórdão da Relação de Lisboa de 21-03-2013, proferido no proc. n.º 1006/11.0T2SNT-D.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, no sentido de que “Não tendo havido partilha dos bens do casal, na sequência do divórcio, no processo de insolvência de um ex-cônjuge, apenas se poderá arrolar o direito deste a uma quota ideal do património colectivo do casal e, em princípio, apenas esse direito poderá ser liquidado no processo de insolvência”. Porém, este acórdão versa sobre um caso diverso do que nos ocupa, sendo o Tribunal da Relação confrontado com uma situação de facto em que havia sido efetuada a apreensão do direito à meação, numa prática que, como vimos, tem sido criticada pela doutrina e parece-nos mesmo progressivamente abandonada pela jurisprudência. No entanto, infere-se desse acórdão que a Relação acabou por concluir no sentido da inadmissibilidade da separação de bens requerida pela ex-cônjuge do insolvente, em incidente do processo de insolvência, ao considerar acertada a decisão recorrida que

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determinou que se procedesse, nesse mesmo processo, à venda do bem na totalidade, conforme se alcança do último ponto do respetivo sumário, com o seguinte teor: “Encontrando- se os dois direitos (do insolvente e do ex-cônjuge deste) sobre o único bem imóvel que constitui o património colectivo, sujeitos a vendas judiciais separadas – na insolvência e no processo executivo e em é executado o ex-cônjuge do insolvente – os prejuízos que necessariamente decorrerão, quer para os credores, para os terceiros interessados na aquisição do direito integrado na massa insolvente, quer também para o próprio ex-cônjuge do insolvente, devido à dificuldade da venda, ou a sua concretização por baixo valor, aconselham a venda desse único bem, na sua globalidade, no processo de insolvência, o que implicará a convolação do direito do ex-cônjuge do insolvente, num direito sobre o preço pelo qual o bem venha a ser vendido, na parte que lhe corresponde.”

É descabido afirmar, como faz o Apelante, que “inexistindo interessados, acaba por ser o credor hipotecário a adquirir o direito à meação e a procurar, posteriormente, negociar com o outro cônjuge ou, em caso de incumprimento, a intentar uma acção executiva ou uma acção de insolvência contra o mesmo com vista à aquisição do seu direito à meação”. Não há nenhum motivo para tecer esta espécie de conjetura quando, como vimos e contrariamente ao que a dado passo o Apelante afirma, não foi efetuada a apreensão da meação da ex-cônjuge insolvente. Aliás, é contraditório argumentar que será vendido esse direito (na lógica da argumentação do Apelante, seria, em rigor, vendido o direito de compropriedade) e não o imóvel, mas, logo de seguida, afirmar que havendo bens comuns do casal, deverão ser os mesmos apreendidos na sua totalidade para a massa insolvente. Na verdade, a situação dos autos é esta última, com a particularidade, que o Apelante parece olvidar, de que estamos perante um património comum do ex-casal constituído unicamente por um imóvel hipotecado (onerado com duas hipotecas) para garantia de dívida(s) da responsabilidade de ambos os ex- cônjuges.

A “oportunidade” pela qual clama de requerer a separação de meações só faria sentido se tivesse um propósito útil, o que o Apelante não diz qual possa ser (por exemplo, nada alega no sentido de afastar a conclusão de que o crédito hipotecário tem de ser reconhecido e graduado com prioridade no apenso de reclamação de créditos), tanto mais que continua a manter que o seu interesse é o de que o imóvel fique em compropriedade como “única forma de pôr fim à comunhão e de definir quais os bens abrangidos pelo património de cada um dos ex-cônjuges”.

Ora, não só a compropriedade configura uma situação de “comunhão do direito de propriedade” (cf. artigos 1403.º e 1404.º, ambos do CC), como em nada iria contender com a possibilidade de venda do imóvel hipotecado para pagamento da dívida da credora hipotecária, assim se pondo efetivamente fim à comunhão, sem que em nada fique postergada a necessária segurança jurídica ou violados os preceitos legais invocados pelo Apelante, incluindo o art.

159.º do CIRE, que é aqui inaplicável.

A decisão do Tribunal a quo é seguramente no sentido da extinção da instância, parecendo- nos, num esforço interpretativo, que se terá considerado, embora sem o afirmar

(20)

expressamente, que ao Requerente faltava legitimidade para, neste caso especial, requerer inventário para separação de meações. Embora se aceite essa perspetiva, a nosso ver, e uma vez que a inutilidade da lide se apresentava ab initio (ao contrário de outras situações acima descritas, em que adveio de circunstância superveniente), até nos parece porventura mais rigoroso considerar que ocorre a falta do interesse em agir ou interesse processual, que

“consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção” – Antunes Varela, obra citada, pág. 179.

Sobre este pressuposto processual, destaca-se, na doutrina, o labor de Miguel Teixeira de Sousa, que há muito vem dedicando especial atenção a esta matéria (designadamente em “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, AAFDL, 1989). Também na jurisprudência tem sido pacífico o reconhecimento deste pressuposto processual, não obstante a falta de consagração expressa no Código de Processo Civil. A título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2013, no processo n.º 1303/12.7 TVLSB.L2-6, cujo sumário, pelo seu interesse, se passa a citar:

“I) O interesse em agir enquanto pressuposto processual em causa deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, quanto à sua consagração e quanto à sua limitação.

II) O acesso ao direito e à justiça implica uma visão necessariamente restrita do interesse processual enquanto implica o direito de expor as suas pretensões em sede judicial e de obter apreciação e decisão sobre elas.

III) O mesmo princípio impõe, dada a natureza escassa dos recursos, a delimitação de tal direito pela necessidade de mobilização dos órgãos jurisdicionais já que a mobilização acrítica e sem interesse constitui um desvio de recursos que os fará faltar a quem deles necessita.

IV) O interesse em agir consiste na necessidade e utilidade da demanda considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões invocadas e a sua verificação basta-se com a necessidade razoável do recurso à acção judicial.”

Com efeito, na situação em apreço, não se pode olvidar que o Requerente poderá, se assim o entender, pagar a dívida da credora CGD, com a consequente extinção da mesma, o que possibilitará então, num contexto fáctico distinto, a partilha do património comum. Porém, no quadro descrito (tal como configurado pelo próprio Requerente), esta não pode ter lugar, já que o único bem relacionado que existe está apreendido em processo de insolvência da Requerida e aí deverá, ao que tudo indica, ser vendido para pagamento da dívida hipotecária da responsabilidade de ambas as partes.

Destarte, é de julgar verificada uma exceção dilatória (seja da ilegitimidade processual, seja da falta do interesse em agir), já que a pretensão do Requerente (corroborada pela Requerida insolvente), à luz dos factos alegados e apurados, é inútil, não havendo nenhum interesse na efetivação da partilha nos moldes visados, não sendo este o meio processual para o Requerente fazer valer os seus direitos. A não se entender assim, sempre haveria de se concluir, em face da intervenção da Massa Insolvente e da Credora CGD nos autos nos moldes

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em que o fizeram, no sentido da inutilidade superveniente da lide, também conducente à extinção da instância, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC.

Não se justifica, pois, revogar a decisão recorrida, sendo certo que, embora a sua fundamentação pudesse ter sido mais desenvolvida, não se mostra nem errada, nem contraditória, ao contrário da argumentação do Apelante.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida, também pelas razões e nos termos acima referidos.

Vencido o Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida, nos moldes acima explicitados.

Mais se decide condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.

D.N.

Lisboa, 17-06-2021 Laurinda Gemas

Gabriela Cunha Rodrigues Arlindo Crua

Fonte: http://www.dgsi.pt

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