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A NOVA ORDEM MUNIDAL QUE SE APROXIMA

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Academic year: 2022

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A NOVA ORDEM MUNIDAL QUE SE APROXIMA

“Guiar o mundo democrático.” É esse o slogan que parece resumir o programa de política externa de Joe Biden. Para precisar o conteúdo dessa ambição, o candidato democrata à eleição presidencial norte-americana assinou em março de 2020, na Foreign Affairs, uma coluna com o título “Por que a América deve liderar de novo”. No texto, ele constatava que “o sistema internacional que os Estados Unidos construíram com tanta precaução está se desgastando” e contrapunha esse declínio com os triunfos conquistados por seu país – vitória na Segunda Guerra Mundial, queda da “cortina de ferro” – que definiram a ordem internacional liberal em suas versões bipolares (1947-1991) e em seguida unipolar (1991-2008). O ex-vice-presidente de Barack Obama admite de fato que os males norte-americanos mais graves – da pane geral do sistema educativo à desigualdade do acesso à saúde, passando pela falência da política penitenciária – são hoje de natureza interna. Não deixa de destacar que a diplomacia continua sendo uma das principais fontes da influência de Washington e que a relação dos Estados Unidos com o mundo, danificada pela administração Trump, deve ser restaurada com prioridade, “não apenas pelo exemplo de nosso poder”, escreve ele, “mas também pelo poder de nosso exemplo”.

Esse conceito de restauração e de exemplaridade impregna toda a plataforma democrata em matéria de política externa. Seus redatores – a imensa maioria dos editorialistas norte-americanos mainstream, cujas contribuições são filtradas pelos especialistas Ely Ratner e Daniel Benaim – julgam que o mundo não saberia “se organizar sozinho”. Não haveria outra solução senão a reconstrução de uma ordem no seio da qual o governo Trump teria apenas representado um parêntese destruidor. Essa ordem deveria, portanto, ser reconstruída, e não repensada. Os Estados Unidos, que detêm as plantas do imóvel original, cujas fundações ainda existem, retomariam logicamente o triplo papel de corretor, mestre de obras e síndico. Caso contrário, advertem Biden e seus conselheiros, “ou outro alguém tomará o lugar dos Estados Unidos, mas não de um modo que beneficiará nossos interesses e nossos valores, ou ninguém o fará, e o caos virá em seguida”. O melhor argumento dessa tese paternalista é naturalmente a brutalidade demonstrada pela administração Trump em diversos casos, desde a retirada unilateral do plano de ação conjunto sobre armas nucleares do Irã até a orientação totalmente partidária impressa na questão israelo-palestina. Porém, por mais convincente que seja para alguns o contraste buscado com a política trumpista, a “restauração” diplomática democrata repousa sobre três erros de perspectiva.

Ela se engana em primeiro lugar quanto à própria definição de uma “ordem”

internacional, conceito que vislumbra quase sempre em termos exclusivamente hierárquicos.

Além disso, não aceita a evidência da evolução multipolar contemporânea. Enfim, esse projeto

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democrático sugere que o conjunto das ações da presidência Trump representaria uma derrota ou uma leitura errônea das relações internacionais. Tal análise parece conferir vantagem aos democratas. Mas ela seria de imediato condenada pela rápida derrota das políticas de

“restauração” que ambiciona.

Uma “ordem” internacional nunca é um bloco, mas uma sobreposição composta de vários níveis. O primeiro (“macropolítico”) conta com o efeito polarizador das relações entre os Estados mais poderosos, na medida em que os outros atores vão orientar uma parte de sua estratégia em função desses antagonismos hierárquicos do primeiro escalão. As relações atuais entre China, União Europeia, Estados Unidos e Rússia ilustram os efeitos de atração-repulsão desse primeiro nível. O segundo (“mesopolítico”) trata da existência de configurações político- estratégicas regionais, que apresentam regimes de cooperação e de competição diferentes em função da identidade e dos interesses dos Estados que os constituem. Essas configurações regionais podem ter um efeito filtrante que atenua os efeitos de polaridade do primeiro escalão. É o caso, por exemplo, da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), cujo fórum permite em certos casos a seus membros manter “opções abertas”, apesar das pressões opostas de Pequim e Washington. Algumas potências médias encontram ali a possibilidade de preservar uma liberdade de ação estratégica ao defenderem interesses concretos em sua vizinhança. Por fim, o terceiro elemento de uma ordem internacional se relaciona com a existência de uma convergência de interesses entre os diversos Estados, sem nenhuma correlação com a compartimentação geográfica. Isso se traduz em acordos internacionais relativos a temáticas de porte universal nos planos sanitário, cultural, comercial, tecnológico, financeiro, de segurança…

“Tudo ou nada”

Como comporta vários níveis distintos, uma “ordem” internacional se baseia então menos na noção de hierarquia propriamente dita do que no ajuste perpétuo de equilíbrios de poder instáveis, sujeitos a sutis efeitos de mudança, em especial no nível regional. Já em 1942, o teórico realista das relações internacionais Nicholas Spykman dava a essa ebulição uma definição surpreendente: “Em um mundo dinâmico no seio do qual as forças evoluem e as ideias mudam”, escreve esse crítico do messianismo norte-americano, “nenhuma estrutura legal pode se ver aceita em definitivo. Preservar a ordem dentro de um Estado não consiste em designar de uma vez por todas uma suposta solução para todos os problemas, e sim, sobretudo, em tomar decisões que, no cotidiano, nivelarão as fricções humanas, equilibrarão as forças sociais e favorecerão os compromissos políticos. Isso implica decidir, em circunstâncias mutáveis, aquilo que merece ser preservado e o que deve ser modificado. Preservar a ordem da sociedade internacional é um problema de igual natureza”. A evolução da sociedade internacional atual ilustra a pertinência dessa visão, que, em vez de contrapor inércias geopolíticas e dinâmicas sociais, reconcilia-as no âmbito de uma análise em movimento.

Trinta anos após o fim da Guerra Fria, a configuração dos equilíbrios de poder mundiais e regionais mudou de maneira fundamental. Os Estados Unidos, que mantêm um poder militar considerável sobre o resto do mundo, devem levar em conta o progresso evidente de uma China que age com método e a longo prazo. Para seus parceiros que desejariam “embarcar no trem expresso do desenvolvimento chinês” – para retomar a fórmula de Xi Jinping, calorosamente aplaudida em 2017 pelos participantes do Fórum Econômico de Davos –, ela é hoje forte o suficiente para propor quadros de socialização geopolíticos e geoeconômicos alternativos aos dos Estados Unidos. Foi a China, sob vigilância desde a administração Clinton e hoje plenamente

“emergida”, que entrou no foco do Exército norte-americano com o estabelecimento em 2018 de

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um novo comando prospectivo (“The Futures Command”). Sua missão não era, naquele momento, dissertar sobre a maneira de “conquistar corações e espíritos” na “guerra global contra o terrorismo”, mas preparar um conflito armado com um adversário militar de nível equivalente, em campos de confrontação inéditos, como o espaço extra-atmosférico. A escalada de tensão é real: Michael O’Hanlon, especialista da Brookings Institution, chama atenção para o risco doravante plausível de guerras maiores implicando Pequim, que nasceriam no contexto de crises localizadas, inclusive por questões pequenas. Essa ascensão aos extremos pode parecer uma fatalidade àqueles que continuam no primeiro nível de análise da ordem internacional.

Se nos ativermos de fato aos conceitos clássicos que servem geralmente para pensar o futuro nesse campo, existem duas possibilidades principais: o estabelecimento de um novo equilíbrio dos blocos entre Washington e Pequim, ou a substituição dos Estados Unidos pela China na cúpula da hierarquia do poder mundial no horizonte de 2050. A primeira opção daria razão de maneira póstuma a Kenneth Waltz, teórico do equilíbrio bipolar da Guerra Fria. A segunda nos obrigaria a nos confrontarmos – entre outras – com as análises pessimistas de Robert Gilpin, teórico da estabilidade hegemônica, ou de Charles Doran, pensador dos ciclos de poder, que sugerem que o bipolarismo é apenas um unipolarismo atrasado e que a passagem de controle hegemônico raramente se efetua sem uma guerra geral.

Ambos os cenários convêm muito bem para os defensores do “liberalismo hegemônico”. Entre os diversos think tanks que apoiam a “chapa” Biden-Harris, o Council of Foreign Relations (CFR) é sem dúvida o representante histórico mais emblemático dessa abordagem. Em uma obra recente, cujo título denota ambições analíticas comedidas (O mundo:

uma breve introdução), seu atual presidente, Richard Haass, propõe responder aos novos desafios por meio de receitas que retornam mais ou menos àquelas que Henry Luce preconizava em 1941 no artigo emblemático que definia a missão do “século norte-americano”. “Os países do mundo”, diagnostica Haass – também autor de livros de gestão –, “desejam encontrar parceiros. É evidente que os parceiros devem compartilhar os mesmos valores. […] Isso pode não corresponder à imagem que as pessoas têm do mundo e da ação coletiva – a abordagem do ‘tudo ou nada’ sugerida pelas Nações Unidas. Devemos cada vez mais pensar na maneira de forjar o que chamo de coalizões de atores voluntários, capazes e pertinentes, para enfrentar desafios peculiares.”

Ao sugerir que a ordem internacional liberal, da qual deseja o retorno, é melhor que as abordagens da ONU fadadas ao fracasso, Haass, apoiador fervoroso da candidatura de Biden, pensa, sem dúvida, em demonstrar seu pragmatismo e seu realismo. O resultado é, no entanto, problemático. Em sentido próprio, e contrariamente ao que ele detalha, as Nações Unidas têm menos uma abordagem do “tudo ou nada” do que uma abordagem de todos ou nada. É por ter sido construída – ao menos teoricamente – sobre o princípio da igualdade soberana dos Estados que a ONU representa o único fórum interpaíses legítimo no plano internacional, ao contrário das alianças de defesa coletiva geograficamente limitadas, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ou das “coalizões de voluntários” (coalition of the willing), cuja eficácia instrumental produziu resultados conhecidos nesses vinte últimos anos no Iraque, no Afeganistão e na Líbia.

Essa legitimidade da ONU não é tão substituível, visto que a cena mundial vive nesse momento um duplo movimento multipolar e poliárquico, que parece escapar ao autor, além do próprio fato de que ele não hesita em ressuscitar certos conceitos tão datados quanto divisores de opiniões, como o slogan de uma “coalizão de voluntários”, usado pela segunda administração Bush.

A lógica do “clube de parceiros” defendida por Haass ilustra sobretudo a esclerose continuísta que afeta o conceito de ordem liberal democrática, sempre no aguardo de uma renovação real. Michael

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Williams, entre outros, expôs bem o problema principal dessa abordagem: sua incapacidade de pensar o conceito de mudança social na ordem internacional.

A América “antes” ou “depois”?

O conceito do multilateralismo, utilizado de maneira insistente pelos defensores de uma ordem liberal democrática mais representativa, poderia constituir uma resposta às limitações dessa tese na era multipolar? Emmanuel Macron sugere isso quando denuncia o estado de “morte cerebral” da Otan, onde todo debate seria asfixiado por alguns Estados-membros, ou enquanto tenta, evitando qualquer julgamento com ingenuidade, defender uma abordagem mais interacional com a Rússia. Mas o multilateralismo invocado pelo presidente francês possui uma dupla natureza. Exprime por um lado uma diplomacia inclusiva e participativa, respeitosa quanto às soberanias e suas declinações culturais, mas traduz também, para alguns, uma orientação geral que postula uma superação crescente das prerrogativas estatais em benefício de um ideal de governança global.

A primeira dimensão do multilateralismo se impõe em nível internacional de maneira relativamente consensual, pois, longe de questionar o princípio da soberania, pelo contrário, apoia-se nele para funcionar. A segunda dimensão é, por outro lado, contestada por um número crescente de Estados, para os quais a governança deve ser reservada ao terceiro nível da ordem internacional (as temáticas de cunho universal), ao passo que os governos devem ser deixados livres, com base em um processo de deliberação nacional legítimo, para escolher seu destino geopolítico no primeiro e no segundo nível (relações com as grandes potências, configurações regionais), de acordo com os valores de que a ONU – e nenhuma outra organização – tem o dever de refletir a diversidade e de organizar o diálogo.

Esse é um dos principais problemas do discurso liberal-hegemônico que estrutura a base da ordem internacional que Biden se propõe a restaurar. Ainda que o slogan “América em primeiro lugar” aparentemente pertença a seu adversário republicano, os autores do programa se apropriaram dele sem perceber. Esse “em primeiro lugar” democrata não é expresso em termos de prioridade, mas de posição. Não engloba de fato uma América colocada “antes de quem quer que seja”, como reivindica cruamente a visão autocentrada de Donald Trump, mas posiciona a América “diante de quem quer que seja”, poder-se-ia dizer, em razão de “caber aos Estados Unidos

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tomar as rédeas”, como escreve Biden. Segundo ele, “nenhuma outra nação tem essa capacidade”, simplesmente porque “nenhuma foi construída sobre esse ideal (de liberdade)”. Tal visão – a ordem norte-americana ou o caos – vem de uma ideia expressa nos anos 2000 pelo subsecretário de Estado norte-americano Strobe Talbott, para quem, “em especial neste século, os Estados Unidos, de maneira explícita e persistente, buscaram promover ao mesmo tempo seu interesse nacional e seus valores nacionais, sem ver contradição entre esses dois objetivos”. Isso supõe que valores nacionais, oriundos de uma experiência histórica específica, poderiam ser aplicados de modo universal.

Esse excepcionalismo extrovertido não percebe o disparate crescente entre o papel que os Estados Unidos se atribuem e o poder real do qual dispõem. Está em via de se tornar quase inaudível. Na equação das revoluções internacionais contemporâneas, a exigência de reconhecimento está de fato se impondo. Essa virada “identitária” não parou de se amplificar de alguns anos para cá, seja na China, na Índia, na Rússia ou mesmo no cerne dos bastiões da ordem democrática ocidental, Estados Unidos e países europeus inclusos. Após ter vulgarizado o conceito de “fim da história” pouco tempo depois da Guerra Fria, Francis Fukuyama diagnostica desde então seu retorno, publicando um reexame com o título de Identity: The Demand for Dignity and the Politics of Resentment [Identidade: a exigência de dignidade e a política do ressentimento].

Embora se posicione contra o que descreve com razão como um “novo tribalismo”, não deixa de associar a noção de identidade à necessidade de dignidade e de reconhecimento das comunidades políticas organizadas (estatais ou não), seja em continentes “novos” ou no “Ocidente”. Constata, além disso, a força das dinâmicas de fragmentação social em um mundo economicamente globalizado.

A consideração dessas novas dinâmicas sociais que remodelam a ordem internacional não aparece no programa dos dois principais partidos norte-americanos. É legítimo, para dizer a verdade, interrogar-se se sequer existe um programa diplomático no lado republicano. Seja na teoria ou na prática, tanto um lado como o outro se concentram no primeiro nível da ordem internacional, o da competição de poder hierárquico. Em diferentes palavras, eles se contentam em transpor as consequências para o segundo nível, o das configurações geopolíticas e geoeconômicas regionais. Daí vem o interesse renovado de seus respectivos teóricos pela questão das alianças (em “reconstrução”, o que evita repensá-las). Na próxima ordem internacional, ordem essa que nenhum dos lados saberia deixar aos cuidados da ONU, os Estados Unidos não poderiam ter outra função senão a de leaders de um lado – “o Ocidente”, para o secretário de Estado, Mike Pompeo; o “mundo livre”, para os estrategistas democratas, que preferem essa outra expressão da Guerra Fria. Como vimos, sem essa restauração, seria o “caos”, segundo as palavras de Biden.

Essa tese do “tudo ou nada” subestima ou deslegitima os cenários alternativos de equilíbrio da ordem internacional. Levando-se em conta a inquietude aguda que afeta hoje atores do primeiro escalão, como Japão ou Índia, em razão da escalada de poder chinesa em sua vizinhança, dois atores seriam, no entanto, capazes, juntos ou separados, de perturbar o cenário bipolar em via de reescrita. O primeiro é a Rússia, tão denunciada pelo liberalismo hegemônico na Europa ou nos Estados Unidos que Trump vem ensaiando um pas de deux com Moscou desde sua entrada na presidência. Ainda que possamos reprovar esse país – particularmente desde sua apropriação ilegal da Crimeia em 2014 –, a situação contrasta com as reflexões dos diplomatas norte-americanos realistas dos anos 1990, a exemplo do republicano James Baker, de quem uma biografia esclarecedora acaba de ser publicada. “Hoje, devemos cooperar com a Rússia quando podemos”, estimou em resposta a um jornalista da Newsweek que o entrevistou em 2009 a respeito das tentativas de reaproximação da administração Obama. “Quando a Rússia se opõe a

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nossos interesses nacionais, devemos confrontá-la. Mas é triste ver que há pessoas em meu partido que lamentam que não tenhamos mais inimigos declarados. Ganhamos muitas eleições durante a Guerra Fria porque éramos o partido da defesa nacional […]. E alguns querem recriar um inimigo: a China, a Rússia. Não podemos concordar em tudo com esses países. Mas, embora não sejam mais nossos inimigos hoje, o problema é que podemos torná-los inimigos”.

Oportunidade perdida

O bloqueio denunciado por Baker ainda está presente no lado republicano – a personalidade de um John Bolton atesta isso. No entanto, a evolução sociológica do partido, cada vez menos elitista eleitoralmente, tem por consequência que os guardiões da chama da Guerra Fria migrem cada vez mais claramente para o lado democrata. A definição da política externa norte-americana parece, em outros termos, estruturada por uma espécie de luta de classes. Esta é ilustrada de maneira improvável, porém eficaz, por Trump, que retoma traços de um Dwight Eisenhower para denunciar o complexo militar-industrial norte-americano: “Eu não digo que os militares estão de acordo comigo. Os soldados estão. Já a alta hierarquia do Pentágono é provável que não esteja, sem dúvida porque só quer guerras que deixem todas essas maravilhosas empresas que fabricam bombas, aviões e todo o resto felizes e que assim permaneçam”.

Essa linguagem atinge direto o coração dos eleitores de Trump, que preferem esquecer que esse dealmaker [negociador árduo] se regozijou também de ter obtido em 2017 do regime saudita um contrato preliminar de compra de material militar de US$ 460 bilhões. Em suma, essas contradições no mínimo grosseiras lhes parecem menos graves que as do lado democrata, que, em nome da mudança, nomeou o senador de um paraíso fiscal, o Delaware, que votou pela guerra no Iraque em 2002. A ordem internacional retém menos a atenção deles do que a pauperização desigual da classe média. Eles querem que os soldados parem de perder a vida em guerras improdutivas. Assinariam, sem dúvida, com as duas mãos, as propostas de Biden para “tornar a diplomacia novamente a prioridade dos Estados Unidos” e acabar com as “guerras intermináveis”, se essas proclamações de bom senso não tivessem sido redigidas por aqueles mesmos que se opuseram a toda mudança fundamental de estratégia no Afeganistão durante dezessete anos. Eles têm, por fim, dificuldade de compreender por que aqueles que denunciam a regressão nostálgica expressa pelo slogan “Torne a América grande de novo” (“Make America great again”) não deveriam intitular seu próprio programa diplomático de “Por que a América deve liderar de novo”

(“Why America must lead again”).

A última candidata a uma perturbação do cenário bipolar em curso permanece sendo a União Europeia, mais confiável nesse papel que a Rússia. Ela se vê, porém, questionada por alguns de seus próprios Estados-membros, que consideram mais vantajosa a dependência em relação à Otan do que a autonomia estratégica europeia – um conceito trazido por um casal franco- alemão desunido e que faz ranger os dentes, de Haia a Varsóvia, passando por Copenhague. A eleição de Biden não mudaria provavelmente nada nesse estado das coisas. Poderia até agravá-lo.

O choque elétrico Trump oferecia ao menos à Europa a possibilidade de retomar progressivamente as rédeas de seu próprio destino estratégico. Essa oportunidade não foi aproveitada, e a provável restauração de uma sociabilidade transatlântica na hipótese de Biden vencer teria por efeito encorajar os aliados a voltar sem remorso a uma nova era de subordinação estratégica.

É preciso esperar que evoluções políticas democráticas no continente europeu venham perturbar essa “morte cerebral” ilustrada pelo foco excepcional nos resultados eleitorais do soberano norte-americano. Esse reflexo revela menos sobre a importância dos Estados Unidos na

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ordem internacional do que a impotência europeia em imaginar outra solução estratégica efetiva, apesar das lições da era Trump.

Autoria de Olivier Zajec

Extraído do site Diplomatique Brasil. Publicado em 30 Out 2020.

Disponível em https://diplomatique.org.br/a-nova-ordem-mundial-que-se-aproxima/

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