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Parâmetros para a aplicação da doutrina prospectiva em matéria tributária: uma análise crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

MARCOS CÉSAR CAMPOS ALEXANDRE

PARÂMETROS PARA A APLICAÇÃO DA DOUTRINA PROSPECTIVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

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MARCOS CÉSAR CAMPOS ALEXANDRE

PARÂMETROS PARA A APLICAÇÃO DA DOUTRINA PROSPECTIVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho.

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MARCOS CÉSAR CAMPOS ALEXANDRE

PARÂMETROS PARA A APLICAÇÃO DA DOUTRINA PROSPECTIVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho.

Aprovada em ___/___/____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho.

Universidade Federal do Ceará – UFC.

____________________________________________ Prof. Dr. Francisco Régis Frota Araújo.

Universidade Federal do Ceará – UFC.

____________________________________________ Profª. Ms. Janaína Soares Noleto Castelo Branco.

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida.

A meus pais, Antônio Campos Alexandre e Maria Salete Cunha Alexandre, por serem o motivo das minhas realizações.

Aos professores Macedo, pela inestimável ajuda na elaboração deste trabalho; Janaína Noleto, pela extrema disponibilidade em aceitar participar da avaliação do presente trabalho; e Régis Frota, pela receptividade em ter aceitado o convite para ser um dos membros da banca que analisará esta Monografia.

Aos amigos de colégio, faculdade e estágios, que foram imprescindíveis ao meu processo de amadurecimento como ser humano.

À Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, que me proporcionou angariar não só conhecimentos na área acadêmica, mas também lições que levarei para toda a vida.

(5)

RESUMO

O cerne deste trabalho reside em delimitar o âmbito de aplicação do instituto da modulação dos efeitos temporais das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade, mormente em matéria tributária. Tal técnica atribui ao Poder Judiciário a prerrogativa de afastar a regra da nulidade da lei inconstitucional, que confere efeitos retroativos (ex tunc) à decisão que reconhece a incompatibilidade da norma impugnada com a constituição, e determinar que os pronunciamentos judiciais que reconheçam o vício de constitucionalidade sejam dotados de efeitos prospectivos (ex nunc), protegendo, assim, as situações jurídicas já consolidas sob a égide da lei declarada inconstitucional. Contudo, para se evitar abusos na utilização da doutrina prospectiva, torna-se imperioso determinar quais são os limites aos quais o julgador está adstrito na hora de aplicar o instituto em comento.

(6)

ABSTRACT

The core of this work lies in defining the scope of the Institute of modulating the effects of temporal judgments in control headquarters constitutionality, especially in tax matters. This technique assigns to the judiciary's prerogative to exclude the rule of invalidity of the law unconstitutional, which gives retroactive effect (ex tunc) decision that recognizes the incompatibility of the challenged rule to the constitution, and determine which judicial pronouncements that recognize addiction constitutionality are endowed with a prospective (ex nunc), thus protecting the legal situations already consolidas under the aegis of the law declared unconstitutional. However, to prevent abuse of the doctrine prospective, it is imperative to determine what are the limits to which the judge is assigned at the time of applying the institute in comment.

(7)

SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO ... 8

2CONSIDERAÇÕES PREAMBULARES SOBRE O ESTADO DE DIREITO...10

2.1ORIGEM E ELEMENTOS ... 10

2.2SEPARAÇÃO DOS PODERES ... 14

2.3DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 15

3CONTROLEDECONSTITUCIONALIDADE ... 18

3.1INTRODUÇÃO ... 18

3.2PRESSUPOSTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ... 19

3.2.1RIGIDEZ CONSTITUCIONAL ... 19

3.2.2SUPREMACIA CONSTITUCIONAL ... 22

3.2.3FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO ... 25

3.2.4ÓRGÃO COMPETENTE PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE ... 27

3.3SISTEMAS DE CONTROLE ... 28

3.3.1CRITÉRIO SUBJETIVO OU ORGÂNICO CONTROLE DIF USO E CONCENTRADO ... 28

3.3.2CRITÉRIO RELATIVO Á F ORMA DE CONTROLE (VIA INCIDENTAL E VIA PRINCIPAL) ... 33

3.4MODELO DE CONTROLE ADOTADO NO BRASIL ... 35

3.5NATUREZA JURÍDICA DA NORMA INCONSTITUCIONAL ... 36

4AMODULAÇÃODOSEFEITOSTEMPORAISDASDECISÕESEM CONTROLEDECONSTITUCIONALIDADE ... 43

4.1PANORAMA GERAL ... 43

4.2PREVISÃO LEGAL... 48

4.2.1SEGURANÇA JURÍDICA ... 50

4.2.2EXCEPCIONAL INTERESSE SOCIAL ... 55

4.3MODULAÇÃO TEMPORAL NA HIPÓTESE DE MUDANÇA DE JURISPRUDÊNCIA ... 56

5AAPLICAÇÃODADOUTRINAPROSPECTIVAEMMATÉRIATRIBUTÁRIA ... 63

5.1GENERALIDADES ... 63

5.2ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ... 68

5.2.1CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI 8.212/91 ... 68

5.2.2ISENÇÃO DA COF INS DAS SOCIEDADES CIVIS ... 71

(8)
(9)

1INTRODUÇÃO

A temática em torno da Jurisdição Constitucional ganhou notável importância na atualidade. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem exercido, de forma magistral, o seu mister de guardião da Constituição de 1988, realizando as vontades do Poder Constituinte Originário.

A principal atividade de manifestação da Jurisdição Constitucional é o controle de constitucionalidade, por meio do qual a nossa Corte Constitucional verifica a compatibilidade das leis e atos normativos expedidos pelo Poder Público com o texto da Lei Maior. Através disso, garante-se a eficácia dos direitos fundamentais, bem como dos princípios da Supremacia e da Força Normativa da Constituição.

A doutrina e a jurisprudência pátrias adotaram, de forma majoritária, o princípio da nulidade, o qual aduz que o ato legislativo cuja inconstitucionalidade foi reconhecida possui a natureza jurídica de um ato nulo de pleno direito, ou seja, nunca deveria ter produzido efeito algum. Nesta sorte, a decisão que reconhece o vício de dissonância com o texto constitucional possui, em regra, efeitos retroativos, desfazendo, assim, todos os efeitos pretéritos oriundos do ato normativo impugnado.

Entretanto, com o passar do tempo, percebeu-se que a aplicação irrefletida do entendimento alhures acabava por macular diversos valores protegidos pela própria Carta da República, dentre os quais se destacam a segurança jurídica, a irretroatividade da norma tributária e a boa-fé. Quer dizer: uma doutrina que foi idealizada com o escopo de salvaguardar a Supremacia da Constituição acabou, em alguns casos, indo de encontro ao seu propósito, malferindo diversos direitos fundamentais.

Neste esteio, emergiu a denominada doutrina prospectiva, que apregoa a possibilidade de o Poder Judiciário, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, ou então nos casos de mudanças de entendimentos jurisprudenciais consolidados, definir efeitos ex nunc às decisões judiciais proferidas em sede de controle de constitucionalidade, com o fito

de se preservar diversos princípios constitucionais, mormente a segurança jurídica, por meio da manutenção de situações jurídicas consolidadas sob o pálio do diploma legal considerado inconstitucional.

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de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, desde que seja respeitado o quórum específico para tanto. Contudo, insta salientar que, anteriormente ao advento dos citados diplomas legais, já era possível ao Pretório Excelso conferir efeitos temporais prospectivos aos seus julgados, em decorrência dos seus poderes implícitos, advindos do seu dever constitucional de guardião da Constituição.

Não obstante, como os dispositivos legais que autorizam a modulação temporal possuem como requisitos conceitos jurídicos indeterminados (segurança jurídica e excepcional interesse social), é imprescindível se delimitar o âmbito de aplicação do instituto em comento pelo STF, para se evitar abusos, mormente em matéria tributária.

Para tanto, o presente trabalho irá buscar quais são os elementos e objetivos norteadores do Estado de Direito, os quais servirão de baliza para a correta aplicação da doutrina prospectiva no ordenamento jurídico pátrio.

De logo, importa dizer que, como será demonstrado ao longo do trabalho, a modulação temporal só poderá ser utilizada em favor do cidadão (no caso, o contribuinte), tendo em vista que o Estado de Direito foi erigido para se garantir os direitos dos indivíduos frente ao poder estatal.

(11)

2CONSIDERAÇÕESPREAMBULARESSOBREOESTADODEDIREITO

2.1ORIGEM E ELEMENTOS

O Estado de Direito iniciou-se a partir das revoluções liberais burguesas do século XVIII, as quais romperam com o denominado Antigo Regime, baseado no Estado Absolutista, cuja característica primordial residia na concentração do poder nas mãos de um monarca, fazendo com que os indivíduos fossem considerados como uma mera parte da coletividade, sem titularidade de direito algum.

Com o advento das pré-faladas revoluções, houve uma transição do Antigo Regime, baseado no Estado Absolutista, para o Estado Moderno, o qual foi construído, inicialmente, para proteger os indivíduos conta o arbítrio do poder estatal. Acerca do tema, Noberto Bobbio aduzia que:

A afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/ cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade [...] no início da idade moderna1.

Após a derrocada do Antigo Regime, foi idealizada a formação de um Estado que se coadunasse com a ideologia individualista burguesa existente à época do século XVIII. Assim, foi erigida uma organização estatal capaz de garantir os valores liberais introduzidos pelas citadas revoluções, consistentes, basicamente, no tripé liberdade, igualdade e fraternidade, com a proeminência do primeiro sobre os demais.

Neste contexto, surgiu a noção do Estado de Direito, cujos contornos foram idealizados, inicialmente, para proporcionar a limitação do poder estatal. Em verdade, tal modelo de Estado caracteriza-se não pela mera existência do Direito, tendo em vista que este se encontra presente em qualquer Estado, mas sim pelo fato de o próprio Estado estar submetido aos ditames legais. Neste trilhar, é oportuna a lição de Pontes de Miranda, para o

1

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qual “o Direito não caracteriza o Estado, mas o Estado bem se caracteriza pela atitude, que

assume, de se fazer caracterizado pelo Direito. Onde ainda não há Estado já há Direito”2

. Pelo até aqui exposto, tem-se, então, que o Estado de Direito teve a sua origem fincada nas revoluções liberais burguesas, que ergueram como valor fundamental a liberdade individual, a qual deveria ser protegida contra as indevidas ingerências do Estado. Para tanto, o Estado de Direito foi construído sobre diversos elementos, os quais serviram justamente para tornar possível a concretização do seu objetivo primordial, qual seja: a garantia das liberdades individuais, através da limitação do poder estatal.

O primeiro elemento foi a criação de um documento, chamado de Constituição, caracterizado por prever toda a estrutura do Estado, bem como por conter em seu texto outros elementos capazes de salvaguardar os direitos individuais frente ao Estado, tais como a tripartição de poderes e os direitos fundamentais.

Em verdade, o Estado de Direito introduziu a noção de Constitucionalismo, o qual, precipuamente, surgiu como um movimento de oposição ao anterior Estado Absolutista, que tinha por premissa a concentração dos poderes em um único líder, no caso, o rei. Assim, tem-se que o Constitucionalismo surgiu como uma doutrina fincada na proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, com o fito de impedir ingerências indevidas nas esferas de liberdade individuais3.

Diante disso, observa-se que o Constitucionalismo, em princípio, por conta da influência do art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, designou à Constituição o papel de regular a separação de poderes e a defesa das liberdades individuais contra os arbítrios do poder público, albergando os direitos fundamentais de 1ª geração.

Nesta senda, tem-se que o modelo atual de Constituição, em que pese algumas alterações, ainda mantém a característica primordial de ser um instrumento cuja função é definir os contornos da atuação estatal, com vistas a proteger o direito dos cidadãos contra qualquer arbítrio perpetrado pelo Poder Público. Sobre o tema, entendia Carl Schmitt:

O conceito hoje dominante de Constituição é o ideal de Constituição do Estado Burguês de Direito [...] A particularidade de seu ideal consiste na adoção de uma organização de Estado a partir de um ponto de vista crítico e negativo frente ao poder do Estado – proteção do cidadão contra o abuso do poder do Estado [...] Criam-se garantias contra ataques estatais, e introduzem-se freios ao exercício do

2

MIRANDA, Pontes de. Os fundamentos actuaes do Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Empresa de

Publicações Technicas, 1932, p. 100.

3

(13)

poder público [...] A tendência do Estado Burguês de Direito vai no sentido de deslocar o político, limitar por uma série de normas todas as manifestações da vida do Estado e transformar toda a atividade estatal em competências, limitadas em princípio, rigorosamente circunscritas4.

À luz do acima explanado, é de se observar que o Estado de Direito introduziu não só o princípio da Legalidade, através do qual o Estado só pode agir nos estritos limites delineados nas leis, mas também o princípio da Constitucionalidade, segundo o qual os contornos de todas as atividades estatais devem obediência aos cânones insculpidos na Constituição. Por oportuno, importa trazer á baila o escólio de Leandro Paulsen:

Com o constitucionalismo e a incorporação da ideia de que a Constituição vincula a todos, inclusive aos próprios poderes do Estado, viabilizando-se o controle de constitucionalidade da própria lei, não apenas se deu consistência à noção de Estado de Direito como se passou à ideia de Estado de Constituição [...]. O princípio da legalidade deu lugar ao princípio maior da Constitucionalidade, dependendo da preservação deste o respeito ao Estado de Direito5.

Em verdade, saliente-se que tanto o princípio da Legalidade quanto o da Constitucionalidade traduzem o mesmo fenômeno introduzido a partir do Estado de Direito, qual seja: a submissão estatal ao ordenamento jurídico, o qual abrange as leis e a Constituição. Tal submissão é denominada por José Joaquim Gomes Canotilho como “domesticação do

domínio político”6

. Anota, ainda, o Constitucionalista Português que o princípio fundamental do Estado de Direito não repousa no fundamento de que “o que a Constituição não proíbe é permitido [...], mas sim na noção segundo a qual os órgãos do Estado só têm competência

para fazer aquilo que a Constituição lhes permite”7

.

Em passagem anterior deste trabalho, foi exposto o entendimento que a Constituição é um dos elementos do Estado de Direito, idealizada, primitivamente, para garantir o pretendido controle do poder estatal. Diante disso, fica o questionamento: de que forma esse documento alcança tal objetivo?

A resposta para a indagação anterior reside na constatação de que a Constituição prevê toda a forma pela qual determinado Estado se organiza. É dizer, a Lei Máxima determina de que forma todas as atividades estatais serão exercidas, delimitando as

4SCHMITT, Carl; AYALA, Francisco (versão espanhola). Teoria de L a Constit u ción .Madrid:

Alianza Editorial S.A, 1996, p. 62.

5 PAULSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação. Porto Alegre: Livraria do

advogado, 2006, p. 37.

6

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ª edição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 89

7

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competências a serem exercidas por cada um dos Poderes que compõem o Estado. Assim, tem-se que as Constituições contribuem para a noção de previsibilidade de toda a atividade estatal, o que fomenta qualquer tipo de controle sobre o poder do Estado. Neste diapasão, é o entendimento de Carl Schmitt:

Todas as atividades estatais, inclusive legislação e governo, podem se resumir a um funcionamento previamente calculável, segundo normas fixadas de antemão. Tudo se encontra previsto em um rol de competências, nunca ilimitadas em princípio, nem sequer as extremas, nem sequer a competência de determinar competências; nunca haverá plenitude do poder público, que terá sempre um poder controlável, cuja extrapolação possa dar ensejo a um procedimento judicial. [...] A Constituição aparece como a lei fundamental desse sistema de leis 8. (tradução livre).

Diante do excerto acima, tem-se que a doutrina de Carl Schmitt, ao considerar a Constituição como a lei fundamental do sistema jurídico, foi o embrião do princípio da Supremacia da Constituição, concebida como mecanismo precursor da limitação do poder do Estado.

A noção de Supremacia constitucional foi melhor desenvolvida por Hans Kelsen, o qual, em sua obra Teoria Pura do Direito, concebeu a ideia de que o ordenamento jurídico teria o formato de uma pirâmide, na qual as normas inferiores retirariam seu fundamento de validade das normas imediatamente superiores a elas. Nestes termos, como a Constituição estava no topo do sistema, tem-se que a mesma servia de fundamento para todo o ordenamento jurídico. Por conta disso, Kelsen afirmou que a Constituição detinha o caráter de norma fundamental. Nesta toada, o pensamento do Jurista Alemão pode ser resumido no seguinte excerto:

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é o produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até chegar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nesses termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta inter-relação criadora9.

O princípio de Supremacia do texto constitucional será melhor desenvolvido em seção própria deste trabalho. Por ora, importa apenas a noção de que tal princípio é fundamental para a existência de um controle de constitucionalidade das leis e atos normativos.

8

SCHMITT, Carl; AYALA, Francisco (versão espanhola), o p . c i t ., p. 142.

9

(15)

Em passagem anterior, foi exposto que o Estado de Direito possui diversos elementos para se alcançar o seu objetivo primário de limitar a atuação do poder estatal. Um deles é a existência de uma Constituição, conforme já explanado. Os outros elementos elencados pela doutrina são a separação de poderes e os direitos fundamentais, os quais serão explanados em seções próprias, ante a sua importância.

2.2SEPARAÇÃO DOS PODERES

Consoante mostrado na seção anterior, o Estado de Direito tem por objetivo primordial a proteção dos direitos dos indivíduos em face do Estado, através da limitação do poder deste último.

Uma das formas de se alcançar a pré-citada limitação reside justamente na separação de poderes, por meio da divisão das funções estatais a serem exercidas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Inclusive, para Carl Schmitt, a separação de

poderes é o “segundo princípio elementar do Estado de Direito [...], destinado a assegurar, a pôr em prática, a moderação e o controle de todos os órgãos de poder do Estado”10

.

A teoria em voga tem o mérito de assegurar a restrição do poder estatal na medida em que proporciona a cada um dos Poderes do Estado fiscalizar uns aos outros, mediante um rol expresso de competências insculpidas na Constituição a cada um deles. Assim, tem-se que a separação ou tripartição de poderes, como é mais conhecida, tem o condão de permitir um equilíbrio de forças entre os Poderes do Estado, evitando, principalmente, conforme aponta Carl Schmitt, uma hipertrofia do Legislativo, o qual, por conta da supremacia que a lei goza no Estado de Direito, possui uma tendência de se sobressair frente aos outros Poderes11.

A forma capitaneada pelos idealizadores do Estado de Direito, com o fito de controlar o arbítrio do Poder Público, foi então dividir o poder conferido ao Estado em três, a saber: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Ademais, a cada um desses Poderes foi conferido o exercício típico de uma das funções do Estado, quais sejam: a administrativa, a legislativa e a jurisdicional. Sobre o tema, importa trazer à baila o escólio de Pontes de Miranda:

Três funções chegaram a ponto assaz considerável de diferenciação: a edicção do

direito (expressão mais larga d que “legislação”, “atividade legislativa”, “poder legislativo”, e nisso convém prestar-se toda a atenção); a jurisdição (mais do que

10

SCHMITT, Carl; AYALA, Francisco (versão espanhola), op. cit., p. 186. 11

(16)

“poder judiciário”, porque as leis admitem solução de controvérsias fora do corpo

jurídico); e a administração, no sentido estrito12.

Assim, cada uma das funções acima postas é incumbida a cada um dos Poderes. Nestes termos, a função legislativa é atribuída ao Legislativo; a administrativa, ao Executivo; e a jurisdicional, ao Judiciário. Contudo, insta salientar que os Poderes poderão exercer atipicamente outras funções, diversas das que lhes foram originariamente atribuídas. Por exemplo, o Legislativo, através da instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, exerce função jurisdicional. Por seu turno, o Judiciário, ao organizar a estrutura dos seus órgãos, pratica a função administrativa.

De toda sorte, para o presente estudo, importa apenas a observação de que a separação de poderes é, conforme já defendido neste trabalho, um dos elementos do Estado de Direito, servindo para se alcançar a pretendida limitação do poder estatal, por meio da criação de um sistema de freios e contrapesos, no qual é possível aos Poderes fiscalizarem uns aos outros. Sobre o tema, segue os apontamentos de Anna Candida da Cunha Ferraz:

O essencial da doutrina da ‘separação de poderes’ está em que, se quiser constituir um Estado respeitoso das liberdades, é mister dividir o exercício do poder, estabelecendo um sistema de freios e contrapesos capaz de conter os poderes e

fazê-los andar ‘de concerto’13.

2.3DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais, em linhas gerais, são direitos humanos previsto no corpo da Constituição, conquistados pela humanidade, ao longo da história, contra toda sorte de arbítrios, muitos dos quais perpetrados pelo próprio Estado, de forma que, segundo pondera Carl Schmitt, só possuem a natureza de direitos fundamentais “aqueles que podem valer como anteriores e superiores ao Estado, aqueles que o Estado [...] reconhece-os como pré-existente a ele próprio, só podendo neles penetrar em uma extensão mensurada em

princípio”14

.

Indubitavelmente, o marco teórico a partir do qual foi conferida a devida importância a tais direitos se deu com o surgimento do Estado de Direito. Com efeito, diante da necessidade de restringir os poderes estatais, idealizou-se um modelo de Estado no qual as

12

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1967, Tomo I, p. 266.

13

FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos

normativos do Poder Executivo. São Paulo: RT, 1994, p. 13.

14

(17)

Constituições passaram a prever um rol de direitos individuais fundamentais, que serviriam de norte para o controle do agir estatal.

Nos dizeres de Carl Schmitt:

A declaração solene de direitos fundamentais significa o estabelecimento de princípios sobre os quais se apoia a unidade política de um povo, e cuja vigência se reconhece como o fundamento mais importante para o surgimento e formação dessa unidade, fundamento que dá lugar à integração da própria unidade estatal.15

À luz do acima colacionado, tem-se que os direitos fundamentais serviram, inicialmente, para se preservar as liberdades individuais em face das arbitrariedades do Poder Público. Para se alcançar tal ideário, surgiu a ideia de se incluir os pré-falados direitos em um documento jurídico de eficácia normativa máxima, a Constituição, a qual, conforme já assentado neste trabalho, encontra-se no ápice do ordenamento jurídico. Portanto, com o surgimento do Estado de Direito, tornou-se imprescindível a previsão constitucional dos direitos fundamentais.

Pelo exposto, é perceptível que o advento das Constituições e a previsão dos direitos fundamentais remontam ao mesmo momento histórico. Nestes termos, importa trazer à baila os ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Branco e Paulo Gustavo Gonet:

Correm paralelos no tempo o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais caro da existência humana merecem estar resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem16.

Ainda no concernente à relação entre direitos fundamentais e Constituição, aponta Alexandre de Morais:

Os direitos humanos fundamentais, portanto, colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana17.

Conforme visto, os direitos fundamentais surgiram no contexto do Estado de Direito, em que se buscava a limitação do poder estatal. Desta feita, importa ressaltar que a positivação dos pré-falados direitos nas Constituições serviu, primitivamente, para se garantir

15

Idem, ibidem, p. 189.

16

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. C u r s o

de D i r e ito Constitucional . 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pgs. 221-223. 17

MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais – teoria geral. 5ª edição: São Paulo: Atlas, 2003, p.

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o pleno gozo das liberdades individuais frente ao poderio estatal. Por conta disso, fala-se que a primeira geração de direitos fundamentais é representada pelos direitos subjetivos de defesa dos cidadãos contra atos do poder público.

Acerca da conceituação dos direitos de defesa, expõe José Joaquim Gomes Canotilho:

Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)18.

Apesar de o tema direitos fundamentais ser rico em detalhes, importa para o presente estudo apenas a noção de que essa categoria de direitos é concebida, nos termos da ratio essendi do Estado de Direito, como um dos elementos aptos a restringir o poder estatal,

com vistas a garantir o direito individual à liberdade dos cidadãos.

18

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ª edição.

(19)

3CONTROLEDECONSTITUCIONALIDADE

3.1INTRODUÇÃO

O controle de constitucionalidade encontra-se inserido no contexto do Estado de Direito como um dos elementos aptos a restringir o exercício do poder estatal, por meio da aferição acerca da compatibilidade das leis e atos normativos do Poder Público com a Constituição.

Com efeito, o Estado de Direito fornece as condições necessárias para que haja uma rígida fiscalização de constitucionalidade sobre todos os atos normativos estatais, tendo em vista, principalmente, a presença de um documento de eficácia vinculativa máxima, a Constituição, que se encontra no ápice do sistema jurídico, segundo o cânone da Supremacia constitucional, idealizada por Carl Schmitt e Hans Kelsen, conforme visto na seção 2.1 deste trabalho.

No que atine ao seu conceito, o controle de constitucionalidade é um conjunto de medidas concernentes à análise sobre a conformidade das leis e demais atos normativos diante das normas constitucionais.

Insta salientar, de logo, que o controle de constitucionalidade é espécie do gênero Jurisdição Constitucional. Em verdade, os atos judiciais de aplicação das normas constitucionais, bem como o exercício da competência originária do Supremo Tribunal Federal, incorrem em um legítimo exercício desse tipo de Jurisdição.

Em que pese a constatação acima, tem-se que, indubitavelmente, o controle de constitucionalidade é a principal manifestação da Jurisdição Constitucional, pois, conforme aduz Mauro Cappelletti:

Todas essas manifestações da “justiça constitucional” podem, decerto, reduzir-se a unidade, pelo menos, sob o seu aspecto funcional: a função da tutela e atuação judicial dos preceitos da suprema lei constitucional. No entanto, é indubitável a profunda diferença estrutural que intercorre entre aquelas várias manifestações pelo que bem se pode justificar uma exposição limitada a apenas uma delas – [...] o controle judicial sobre a legitimidade constitucional das leis19.

19 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado.

(20)

O controle de constitucionalidade é uma forma de se preservar a Supremacia da Constituição e, destarte, o próprio Estado de Direito. Em primeiro lugar, pois mantém, segundo Luís Roberto Barroso, a ordem e a unidade do ordenamento jurídico20. Em segundo lugar, porque a aplicação de uma lei inconstitucional é o mesmo que negar vigência, durante certo período, à Constituição21.

Sem pretender exaurir o tema em voga, far-se-á, a seguir, uma análise pormenorizada dos principais institutos que regem o controle de constitucionalidade, com o fito de construir a base teórica para a correta compreensão acerca da modulação de efeitos decisórios em matéria tributária.

3.2PRESSUPOSTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

3.2.1RIGIDEZ CONSTITUCIONAL

Em apertada síntese, pode-se dizer que uma dada Constituição é rígida na hipótese de a mesma prever um procedimento mais dificultoso, solene, para a criação e alteração de suas normas, se comparado ao processo legislativo de criação das normas infraconstitucionais.

Segundo o magistério de José Luiz Quadros Magalhães:

As constituições rígidas são aquelas que necessitam de um processo formal, que dificulta a alteração de seu texto, estabelecendo mecanismos parlamentares específicos, quorum para a aprovação com maiorias especiais, competência restrita para propor a sua alteração, além de limites temporais, circunstanciais e materiais para o funcionamento do poder de reforma22.

Em decorrência da austeridade procedimental presente nas normas constitucionais surge o princípio da Supremacia Formal da Constituição, o qual é imprescindível para a existência do controle de constitucionalidade.

É sabido que toda e qualquer Constituição é dotada de Supremacia Material23, por conta do conteúdo veiculado em suas normas, que atinem à estruturação do Estado.

Contudo, é de se observar que a mera presença da Supremacia Material não é suficiente para viabilizar um sistema de fiscalização de constitucionalidade das leis. Com

20

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição

sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1. 21 Idem, ibidem, p. 1.

22

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A Constituição democrática. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 13, 18 maio 1997. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/84>. Acesso em: 10 maio. 2013.

23

(21)

efeito, é a diferença entre os procedimentos de alteração das normas da Lei Maior e das leis infraconstitucionais que torna possível qualquer aferição em torno da constitucionalidade dos atos legislativos. Isto porque, caso inexistisse a previsão de um procedimento mais solene para a alteração das normas constitucionais, ocorreria que todas as normas que compõem o ordenamento jurídico possuiriam o mesmo nível hierárquico. Em decorrência disso, no caso de haver um confronto entre as leis e atos normativos de um lado, e a Carta Magna de outro, tal conflito seria temporal, e não hierárquico, de sorte que a solução estaria na regra insculpida no art. 2o, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”24 (lex posterior derogat priori).

Assim, tem-se que a rigidez constitucional, ao prever um procedimento mais rígido para a alteração das normas constitucionais, confere uma Supremacia Formal ao texto da Lei Maior, imprescindível para a existência de um controle de constitucionalidade, ao proporcionar uma distinção formal entre o texto constitucional e o das leis. Caso assim não fosse, haveria, tão somente, uma revogação das normas constitucionais anteriores contrárias às leis infraconstitucionais posteriores, o que fulminaria, decerto, qualquer análise dos atos legislativos à luz da Carta da República.

Nesta senda, é o escólio de Luís Roberto Barroso:

A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle. Se as leis infraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que as normas constitucionais, em caso de contrariedade ocorreria revogação do ato anterior e não a inconstitucionalidade25.

Outrossim, aduz José Afonso da Silva:

O conceito de rigidez, consubstanciado na imutabilidade relativa da Constituição, é de fundamental importância na teoria do direito constitucional contemporâneo. Funciona como pressuposto: a) da distinção do próprio conceito de Constituição em sentido formal; b) da distinção entre normas constitucionais e normas complementares e ordinárias; c) da supremacia formal das normas constitucionais. Constitui, também, suporte da própria eficácia jurídica das normas constitucionais.

24

BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, RJ, 09. Set. 1942.

25

(22)

Se estas pudessem ser modificadas pela legislação ordinária, sua eficácia ficaria irremediavelmente comprometida26.

Pelo exposto, é inarredável perceber que a Constituição de 1988 é dotada de rigidez, principalmente diante da redação do seu art. 60, caput, e incisos27. Com efeito, diante de tais dispositivos, é perceptível que o rol de legitimados para a propositura de um Projeto de Emenda à Constituição –PEC, é bem mais restrito do que o de legitimados à iniciativa das leis complementares e ordinárias, as quais cabem a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional; ao Presidente da República; ao Supremo Tribunal Federal; aos Tribunais Superiores; ao Procurador - Geral da República e aos cidadãos, nos termos do art. 61, caput, da Carta Magna28.

Além disso, o caráter rígido da Carta de 1988 é demonstrado pelo procedimento de aprovação de uma Emenda Constitucional, a qual, necessariamente, terá de ser discutida e votada em cada uma das Casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), em dois turnos, sendo somente aprovada na hipótese de alcançar o quórum qualificado, em ambas as Casas Legislativas, de três quintos dos votos do total de Parlamentares existentes em cada uma delas (maioria absoluta), nos termos do § 2 do art. 60, da CF29.

As restrições alhures colocadas para a alteração do texto constitucional consubstanciam as denominadas limitações formais, as quais consistem em um quórum qualificado, em uma limitação do número de legitimados para a propositura de Projeto de Emenda Constitucional, dentre outras. Nesta sorte, consubstanciam regras procedimentais endereçadas ao Poder Constituinte Derivado.

Além das restrições supra, há as limitações circunstanciais à alteração do texto constitucional, o qual não poderá ser objeto de Emenda Constitucional durante intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio, segundo o § 1º do art. 60, da CF30, pois, conforme

26

SILVA,José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 40.

27

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

28

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

29

Art. 60, § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

30 Art. 60. [...]§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de

(23)

observa Michel Temer, “a reforma constitucional é matéria de relevância inquestionável e, por isso, não pode ocorrer em instante de conturbação nacional”31

.

Contudo, insta salientar que as limitações ao texto constitucional não se esgotam nas duas espécies acima colocadas. Com efeito, a noção de rigidez constitucional perpassa pelo estabelecimento de normas imutáveis presentes no texto da Lei Fundamental, por conterem as mesmas valores que refletem os fundamentos pelos quais o Poder Constituinte Originário erigiu o Estado, constituindo as denominadas restrições materiais ao poder de reforma constitucional. Diante disso, tais normas não poderão ser extirpadas da Lei Maior, sendo um autêntico limite ao poder de reforma constitucional. Na doutrina constitucional brasileira, as pré-faladas normas são denominas de cláusulas pétreas, encontrando previsão no § 4º do art. 60 da Carta de Direitos32.

Além disso, as limitações materiais também estão presentes de forma implícita,

conforme defende alguns constitucionalistas, como Paulo Bonavides, para o qual “essas

limitações tácitas são basicamente aquelas que se referem à extensão da reforma, à modificação do processo mesmo de revisão e a uma eventual substituição do poder

constituinte derivado, pelo poder constituinte originário”33

.

Ante o exposto, é cristalino perceber o caráter rígido da Constituição de 1988, que torna possível a existência do controle de constitucionalidade.

3.2.2SUPREMACIA CONSTITUCIONAL

A partir do conceito de rigidez advém o princípio da Supremacia, que, em linhas gerais, versa que a Constituição encontra-se alocada no ápice do ordenamento jurídico, sendo, pois, o fundamento de validade de todas as normas existentes em dado sistema jurídico. Por

conta disso, leciona José Afonso da Silva que “todos os poderes estatais são legítimos à medida que a Constituição os reconhece e na proporção por ela distribuídos”34

.

Neste trilhar, segue o excerto do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, exarado no julgamento da ADI 2215/PE:

31

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004p. 36. 32

Art. 60. [...]§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.

33

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 202.

34 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.

(24)

A supremacia da ordem constitucional [...] deriva [...] do caráter eminentemente rígido de que se revestem as normas inscritas no estatuto fundamental. Nesse contexto, em que a autoridade normativa da Constituição assume decisivo poder de ordenação e de conformação da atividade estatal, [...] nenhum ato de Governo poderá contrariar-lhe os princípios ou transgredir-lhe os preceitos, sob pena de o comportamento dos órgãos do Estado incidir em absoluta desvalia jurídica35.

Consoante já explanado no item 2.1 deste trabalho, a teoria supra foi melhor desenvolvida por Hans Kelsen, na sua obra Teoria Pura do Direito, ao idealizar um sistema jurídico escalonado no qual as normas inferiores retiram seu fundamento de validade das normas imediatamente superiores e assim por diante, sendo a Constituição a norma que se encontra no vértice da pirâmide normativa. Por conta disso, segundo o Jurista Austríaco, todas as normas presentes no ordenamento retiram seu fundamento de validade do texto constitucional.

Sobre o tema, prescreve Gilmar Ferreira Mendes:

Pela sua própria localização na base da pirâmide normativa, é a Constituição a instância de transformação da normatividade, puramente hipotética, da norma fundamental, em normatividade concreta, dos preceitos de direito positivo, [...] cuja forma e conteúdo, por isso mesmo, subordinam-se aos ditames constitucionais36.

Ademais, a Supremacia Constitucional vincula-se à constatação de que a Constituição, atualmente, é dotada de um efeito expansivo, no sentido de que as suas normas regulam todo o sistema jurídico, alcançando, até mesmo, a atividade legiferante. Este fenômeno recebe a denominação, segundo Luís Roberto Barroso, de “constitucionalização

dos direitos”37

.

Pelo exposto, resta claro que o princípio em lume é imprescindível para a existência do controle de constitucionalidade, pois, ao se admitir a posição de superioridade hierárquica que a Constituição goza diante das normas infraconstitucionais, faz-se imperioso conferir meios para que seja preservada e efetivada a pré-falada Supremacia constitucional. Noutro giro, caso não houvesse um sistema de verificação da constitucionalidade dos atos emanados pelo Poder Público, a dita Supremacia estaria ameaçada, diante da possível existência, no ordenamento jurídico, de leis cujos comandos não se coadunariam aos preceitos da Lei Máxima.

35

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na ADI 2215/PE. Relator Min. Celso de Mello. Julg: 17/04/2001. Disponível em www.stf.jus.br.

36

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. Cit, p. 14.

37

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio

(25)

Evoluindo em relação ao tema em voga, cumpre diferenciar Supremacia Formal e Material. Para tanto, deve-se, a priori, distinguir as normas formalmente constitucionais das materialmente constitucionais.

As normas materialmente constitucionais são aquelas relativas “à organização do

poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos

direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”38

. Quer dizer, tal critério é analisado em vista do conteúdo da norma. Neste esteio, poderá haver normas de viés constitucional dentro e fora da Lei Maior, desde que veiculem matérias tipicamente constitucionais.

Do conceito anteriormente posto, extrai-se a noção de Supremacia Material. Quer dizer, a Constituição, por conta do conteúdo disciplinado na maioria do seu texto, possui sobrelevada importância frente às leis infraconstitucionais.

Contudo, conforme assentado no tópico 3.2.1 do presente trabalho, a Supremacia Material da Constituição, por si só, não é capaz de ensejar o controle de constitucionalidade, o qual está umbilicalmente ligado à Supremacia Formal.

Com efeito, caso determinada Constituição não seja dotada de rigidez, as suas normas terão a mesma hierarquia formal dos demais dispositivos legais do ordenamento jurídico, de sorte que um eventual conflito entre normas constitucionais e infraconstitucionais será cronológico, e não hierárquico. Destarte, as normas constitucionais contrárias aos dispositivos de leis posteriores seriam revogadas por eles, impossibilitando, assim, que a Constituição seja o norte de interpretação do sistema jurídico.

Assim, tem-se que a Supremacia Formal, advinda do caráter rígido da Constituição, é a característica crucial para que haja o controle de constitucionalidade. Com isso, torna-se imperioso discorrer, por hora, sobre o tema das normas formalmente constitucionais.

O conceito de normas formalmente constitucionais encontra-se imbricado à ideia de Constituição formal, a qual, em síntese, constitui um documento escrito, elaborado pelo Poder Constituinte Originário, por meio de uma Assembleia Constituinte, e eminentemente rígido, cujo processo de alteração de suas normas é mais dificultoso do que o relacionado às normas infraconstitucionais.

38

(26)

Neste viés, tem-se que são formalmente constitucionais todas as normas inclusas no corpo do texto da Constituição, independentemente do seu conteúdo. É dizer, na Carta de Direitos há normas que disciplinam matérias afeitas à regulação constitucional, sendo elas, por isso mesmo, formal e materialmente constitucionais, bem como outras que, por não disporem sobre os elementos da organização do Estado, mas por estarem inseridas na Carta Magna, são apenas formalmente constitucionais.

Os conceitos acima explanados são de fundamental importância para se definir o parâmetro do controle de constitucionalidade, o qual repousa apenas nas normas formalmente constitucionais. Dito de outra forma: somente as normas contidas na Carta da República podem ser usadas como norte para a aferição da compatibilidade das leis e atos normativos editados pelo Poder Público com o Texto Maior, por possuírem rigidez e, destarte, Supremacia Formal. Noutro giro, é vedado utilizar como parâmetro para o controle de constitucionalidade normas materialmente constitucionais que estão localizadas em leis infraconstitucionais.

3.2.3FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO

Para a compreensão do presente tema, faz-se imperioso analisar três concepções históricas acerca da ideia de Constituição e de seus contornos no Estado, quais sejam: a concepção política, a concepção sociológica e a concepção jurídico-normativa.

A primeira concepção foi capitaneada por Carl Schmitt, segundo o qual só detinha a natureza constitucional as normas que dispusessem sobre a organização do Estado, delimitação dos poderes, previsão de direitos fundamentais e repartição de competências. Por conta disso, o Jurista Alemão entendia que não cabia ao Poder Judiciário a função de intérprete da Constituição, e sim ao Presidente do Reich, por ser este, segundo o autor, neutro e independente de influências político-partidárias.

O pensamento do jurista alhures citado pode ser resumido no seguinte excerto:

O Presidente do Reich encontra-se no centro de todo um sistema de neutralidade e independência político-partidárias, construído sobre uma base plebiscitária. O ordenamento estatal do atual Reich alemão depende dele na mesma medida em que as tendências do sistema pluralista dificultam, ou até mesmo impossibilitam, um funcionamento normal do Estado legiferante. [...] Consoante o presente conteúdo da Constituição de Weimar, já existe um guardião da Constituição, a saber, o Presidente do Reich39.

39

(27)

Nesta toada, para o jurista em comento, a criação de um Tribunal Constitucional conferiria ao Poder Judiciário a função legislativa de Estado, malferindo, pois, a tripartição de poderes. Assim, entendia que apenas o Presidente do Reich alemão detinha a legitimidade para figurar na condição de guardião da Constituição, por conta da sua investidura ser decorrente da vontade popular, sendo, por conta disso, capaz de ser independente do Poder Legislativo40.

Em resposta à doutrina supra, Hans Kelsen escreveu o ensaio intitulado “Quem

deve ser o guardião da Constituição?”, no qual rechaça o magistério de Schmitt, aduzindo ser imprescindível para o Estado Democrático de Direito a existência de um Tribunal Constitucional, além de afastar a pretensa legitimidade do Presidente do Reich para figurar na condição de guardião da Constituição.

Eis o teor do escólio de Hans Kelsen:

[...] para tornar possível a noção de que justamente o governo – e apenas ele – seria o natural guardião da Constituição, é preciso encobrir o caráter de sua função. Para tanto serve a conhecida doutrina: o monarca é [...] uma terceira instância, objetiva, situada acima do antagonismo dos dois polos de poder, e detentor de um poder neutro. Apenas sob esse pressuposto parece justificar-se a tese de que caberia a ele [...] cuidar que o exercício do poder não ultrapasse os limites estabelecidos na Constituição. [...] Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de constitucionalidade?41

A concepção sociológica, por seu turno, foi construída por Ferdinand Lassale, para o qual a Constituição representa a soma dos fatores reais de poder observados em uma dada sociedade, em determinado momento histórico. Para o autor, as normas constitucionais devem reger as relações de poder vigentes no seio social, para que sejam reais e efetivas. Se assim não o for, os dispositivos constitucionais formariam aquilo que o publicista denominou

de “folha de papel”.

Nos dizeres de Lassale:

Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são. [...] Esta é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação. [...] A verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis, a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social [...]42.

40 Idem, ibidem, p. 201 e 233.

41 Kelsen, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.241-242. 42

(28)

A concepção jurídico-normativa, encabeçada por Konrad Hesse, preocupou-se em reconhecer a força normativa do texto constitucional. Neste viés, foi que o pré-citado autor

elaborou um ensaio denominado de “Força Normativa da Constituição”, no qual buscou

referendar o caráter jurídico-positivo presente nas normas constitucionais. Sobre o tema, versa Konrad Hesse:

Como toda ciência jurídica, o Direito Constitucional é ciência normativa. Diferencia-se, assim, da Sociologia e da Ciência Política enquanto ciências da realidade. [...] Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão somente a miserável função – indigna de qualquer ciência – de justificar as relações de poder dominantes43.

Ante o exposto, observa-se que, para o pré-falado autor, o Direito Constitucional adquire o status de ciência jurídica a partir do momento em que é reconhecida a força normativa e, destarte, vinculante dos dispositivos contidos no texto constitucional, sendo, por isso mesmo, oponíveis a todos os Poderes do Estado. Ademais, o caráter normativo da Constituição também se revela através da incidência da Lei Maior nos demais diplomas normativos, consubstanciando o fenômeno denominado por Luís Roberto Barroso de

“Constitucionalização dos Direitos”44

. Outrossim, a Constituição, atualmente, regula até mesmo situações envolvendo exclusivamente particulares, campo este que anteriormente só era afeito ao Direito Civil45.

Atualmente, é inquestionável que a Constituição possui uma eficácia normativa, vinculando todos os Poderes da República no exercício das suas atividades típicas e atípicas. Em decorrência disso, é que se justifica a existência do controle de constitucionalidade das leis, bem como do instituto da modulação dos efeitos decisórios, com o fito de garantir a hierarquia e a força normativa do Texto Maior.

3.2.4ÓRGÃO COMPETENTE PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE

Para que exista um sistema de controle de constitucionalidade, faz-se imperioso conferir competências para o seu exercício a um ou mais órgãos. No Brasil, tal prerrogativa foi atribuída, prioritária mas não exclusivamente, ao Poder Judiciário, o qual poderá realizá-lo

43

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Sérgio Antônio Fabris Editor. Porto Alegre, 1991, p. 11.

44

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio

do Direito Constitucional no Brasil). Revista Opinião Jurídica. Ano III - nº 3, 2005. 45

(29)

diante de um caso concreto (controle incidental) ou em face de uma lei em tese (controle abstrato), de sorte que este último modelo é exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal.

Insta salientar que, não obstante o controle de constitucionalidade seja exercido precipuamente pelo Poder Judiciário, a análise sobre a compatibilidade dos atos do Poder Público à Lei Máxima poderá ser feita, igualmente, pelos Poderes Legislativo e Executivo. Contudo, não abordaremos essas outras modalidades de controle, pois foge ao objetivo do presente trabalho.

3.3SISTEMAS DE CONTROLE

3.3.1CRITÉRIO SUBJETIVO OU ORGÂNICO CONTROLE DIF USO E CONCENTRADO

O sistema difuso de controle, também conhecido como modelo norte-americano, surgiu, segundo a doutrina constitucional majoritária, a partir do julgamento pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1803, do caso Marbury versus Madison, em que este, Secretário de Estado americano à época, obstava a pretensão daquele, no sentido de ser nomeado juiz de paz.

Sobre a importância do dito precedente americano, aduz Luís Roberto Barroso:

Marbury v Madison foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando a aplicação de leis que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais. Assinale-se, por relevante, que a Constituição não conferia a ela ou a qualquer outro órgão judicial, de modo explícito, competência dessa natureza. Ao julgar o caso, a Corte procurou demonstrar que a atribuição decorria logicamente do sistema46.

Entretanto, insta salientar que, em verdade, o case alhures citado não foi o marco inicial para o surgimento do controle difuso de constitucionalidade, em que pese a maioria da doutrina apontar nesse sentido. Com efeito, nos termos do colocado por Uadi Lammêgo Bulos, já em 1780, o Poder Judiciário do Estado de New Jersey já havia exarado decisões no sentido de afastar a aplicação de leis contrárias ao texto constitucional. Na mesma esteira, houve decisões com o mesmo teor na Virgínia, em 1782, bem como na Carolina do Norte, em

46

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática

(30)

178747. Nesta senda, importa observar que o citado precedente da Suprema Corte Americana transparece não o surgimento do controle difuso, mas sim o seu amadurecimento, advindo, inclusive, das várias decisões proferidas anteriormente no mesmo sentido.

Em todo caso, a grande envergadura conferida ao citado case reside no fato de o então Presidente da Suprema Corte, John Marshal, ao fundamentar a sua decisão, ter afastado a aplicação de uma lei contrária ao texto constitucional, sob o argumento de que decisão em sentido contrário afrontaria a Constituição norte-americana, a qual é hierarquicamente superior aos demais diplomas legais.

Segundo trecho do voto do juiz John Marshal, citado por Luís Roberto Barroso:

Todos aqueles que elaboraram constituições escritas encararam-na como a lei fundamental e suprema da nação. Um ato do Poder Legislativo contrário à Constituição é nulo. É enfaticamente da competência do Poder Judiciário dizer o Direito, o sentido das leis. Se a lei estiver em oposição à Constituição a Corte terá de determinar qual dessas normas conflitantes regerá a hipótese. E se a Constituição é superior a qualquer ato ordinário emanado do Legislativo, a Constituição, e não o ato ordinário, deve reger o caso ao qual ambos se aplicam48.

Ainda sobre o tema, arremata o pré-falado constitucionalista:

[...] Naquela decisão considerou-se competência própria do Judiciário dizer o Direito, estabelecendo o sentido das leis. Sendo a Constituição uma lei, e uma lei dotada de supremacia, cabe a todos os juízes interpretá-la, inclusive negando aplicação às normas infraconstitucionais que com ela conflitem. Assim, na modalidade de controle difuso, também chamado de sistema americano, todos os órgãos judiciários, inferiores e superiores, estaduais e federais, têm o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais nos casos levados a seu julgamento49.

Isto posto, é forçoso reconhecer que, dos fundamentos supra, a Suprema Corte introduziu três conceitos primordiais para o controle de constitucionalidade, quais sejam: a Supremacia da Constituição; a nulidade da lei inconstitucional e a competência do Poder Judiciário como legítimo intérprete dos preceitos da Lei Maior.

Pelo até aqui colocado, pode-se dizer que o controle difuso é aquele que autoriza a qualquer juiz ou tribunal, diante de um caso concreto, verificar a obediência das leis e dos atos normativos aos dispositivos presentes na Constituição. Para Olavo Alves Ferreira, tal

controle tem “a potencialidade de ser encetado por qualquer juiz ou tribunal”50

.

É de se observar que tal modalidade de controle jurisdicional opera-se sempre diante de um caso concreto, a ser apreciado por qualquer um dos órgãos do Poder Judiciário,

47 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 117.

48

BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 8. 49

Ibidem, p. 47. 50

(31)

incluindo o Supremo Tribunal Federal. Nas palavras de Luís Roberto Barroso “do juiz estadual recém- concursado até o Presidente do Supremo Tribunal Federal, todos os órgãos

judiciários têm o dever de recusar aplicação às leis incompatíveis com a Constituição”51

. Segundo versa Olavo Ferreira Alves, o controle difuso, por ser exercido mediante a análise de um caso concreto, é incidental, de sorte que a inconstitucionalidade não é a questão principal do processo, sendo analisada apenas como questão preliminar ao mérito da causa52. Como

aponta Luís Roberto Barroso, nessa modalidade de controle “a questão constitucional figura

como questão prejudicial, que precisa ser decidida como premissa necessária para a resolução

do litígio”53

.

Neste diapasão, consoante os ensinamentos de Anna Candida da Cunha Ferraz, o controle difuso pode ser assim sintetizado:

O controle difuso, com suas características básicas extraídas sob a inspiração do modelo americano de controle – controle do caso concreto, provocado pelo titutlar do direito violado por ato inconstitucional; controle exercido por todo e qualquer juiz ou tribunal e, em última instância pelo Supremo Tribunal Federal, com efeitos inter partes e ex tunc – é instrumento por excelência de proteção dos direitos fundamentais. [...] A decisão proferida em sede de controle difuso só alcança as partes, mesmo se proferida pelo Supremo Tribunal Federal, e não tem, em princípio, efeitos vinculantes nem para o Judiciário nem para os demais poderes políticos; todavia, ante a reforma do Poder Judiciário provocada pela Emenda Constitucional 45, de 08/12/2004, poderá o Supremo Tribunal Federal, por intermédio da súmula vinculante, atribuir efeitos dessa ordem em ações originadas no controle difuso. Não obstante, reforça, ainda que de maneira tênue e pálida, a eficácia das decisões nessa via de controle e remessa da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao Senado Federal (art. 52, X), que poderá, à sua discrição (segundo entendimento majoritário do STF e da doutrina), expedir Resolução, suspendendo a execução de ato ou lei declarados inconstitucionais em decisão definitiva e, via este mecanismo, estender o alcance da decisão erga omnes 54.

Em que pese o controle difuso e o controle incidental estarem intrinsecamente relacionados, cumpre asseveras que os mesmos não dizem respeito, necessariamente, ao mesmo fenômeno. Com efeito, conforme pondera Luís Roberto Barroso, o controle difuso é aquele em que a apreciação acerca da compatibilidade entre a lei e a Constituição pode ser feita por qualquer órgão do Poder Judiciário. De outro norte, o controle incidental é aquele realizado na apreciação de um caso concreto55, conforme será melhor explanado posteriormente. Disso decorre que nem sempre o controle exercido pela via incidental será

51

BARROSO, Luís Robert, op. cit., p. 47. 52

FERREIRA, Olavo Alves, op. cit., p. 38-39. 53

BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 47-48.

54

FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Anotações sobre o controle de constitucionalidade no Brasil e a proteção dos direitos fundamentais, in Revista Mestrado em Direito – UNIFIEO. Osasco: Edifieo, 2004,

ano 04, nº 04, p. 41-42. 55

(32)

difuso, a exemplo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (APDF), a qual constitui hipótese de controle concentrado incidental.

Noutro giro, o controle concentrado, também denominado de sistema austríaco ou sistema europeu, originou-se na Áustria, cujo idealizador foi Hans Kelsen, tendo como marco inicial a Constituição Austríaca de 1920, por meio da qual foi conferida a um Tribunal Constitucional a competência para o exercício do controle de constitucionalidade das leis, de forma concentrada56.

Em linhas gerais, diz-se que tal controle é aquele “exercido por um único órgão ou por um número limitado de órgãos, criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade a sua função principal”57. Ademais, é um controle abstrato, que busca atacar uma lei em tese, quer dizer, o objeto da demanda é o próprio ato legislativo, sem qualquer relação com um caso concreto. Destarte, o modelo de controle em lume não se presta à proteção de direitos subjetivos, conforme alerta Luís Roberto Barroso, tendo, pois, como objetivo maior a harmonização do sistema jurídico, através da exclusão de qualquer norma que não se coadune aos preceitos constitucionais58.

O modelo de controle difuso americano, oriundo dos países que adotam o sistema do commom Law, com o fito de evitar o conflito entre órgãos do Poder Judiciário, diante da possibilidade de alguns juízes aplicarem determinado precedente e outros não, instituiu o princípio do stare decisis, segundo o qual os julgados de um tribunal superior vinculam todos os órgãos judiciais inferiores contidos na mesma jurisdição.

Nestes termos, aduz Luís Roberto Barroso:

Nos países que seguem a tradição do commom law , em contraposição aos que se filiam à família romano-germânica, existe a figura do stare decisis. Esta expressão designa o fato de que [...] os julgados de um tribunal superior vinculam todos os órgãos judiciais inferiores no âmbito da mesma jurisdição. Disso resulta que a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória para todos os juízes e tribunais. E, portanto, a declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto traz como consequência a não aplicação daquela lei a qualquer outra situação [...], de modo que a decisão, não obstante referir-se a um litígio específico, produz efeitos gerais, em face de todos (erga omnes)59.

Segundo o magistério de Mauro Cappelletti, o modelo concentrado de controle foi idealizado exatamente para suprir a ausência, nos países da Europa Continental de tradição

56

BULOS, Uadi Lammêgo, op. cit., p. 118. 57

BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 47.

Referências

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