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4.2 P REVISÃO LEGAL

4.2.1 S EGURANÇA JURÍDICA

A segurança jurídica está umbilicalmente relacionada com o Estado de Direito, o qual, conforme já assentado neste trabalho,funda-se na supremacia das leis, de modo que as condutas individuais são reguladas por normas cujo conteúdo é previamente conhecido pelos cidadãos. Ademais, o Estado deve estrita observância aos ditames legais e constitucionais, de sorte que a ele só é permitido agir nas estritas hipóteses autorizadas pelo ordenamento jurídico.

Assim, tem-se que no Estado de Direito as condutas humanas são praticadas com base nas leis. Com isso, é imprescindível que haja a estabilidade do direito, visando a impedir que os particulares sejam surpreendidos por mudanças legais imprevisíveis, que alterem as suas situações jurídicas há muito consolidadas, baseadas em determinados diplomas normativos expedidos pelo Estado.

Em face do objetivo maior do Estado de Direito em defender as liberdades individuais frente ao arbítrio estatal, faz-se imperioso que todas as atividades do poder público sejam previsíveis aos indivíduos, justamente como forma de garantir a estabilidade das relações jurídicas.

Acerca da íntima relação entre Estado de Direito e a segurança jurídica, expõe José Joaquim Gomes Canotilho:

O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito110.

Na mesma senda, é o escólio de Roque Antonio Carrazza:

O princípio da segurança jurídica hospeda-se nas dobras do Estado Democrático de Direito, consagrado já no art. 1º da Constituição Federal, e visa proteger e preservar as justas expectativas das pessoas. Para tanto, veda a adoção de medidas legislativas, administrativas ou judiciais, capazes de frustrar a confiança que as pessoas depositam nas normas jurídicas em vigor111.

110

CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op. cit., p. 252. 111

CARRAZZA, Roque Antonio. Segurança jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais – competência dos tribunais superiores para fixá-la – questões conexas, in Efeitos ex nunc e as decisões do

Outrossim, versa Leandro Paulsen:

O princípio da segurança jurídica decorre implicitamente do Estado de Direito, tendo em conta o resguardo que este implica à esfera individual no sentido de garantir o reconhecimento de qual seja o direito válido, de proteger a liberdade, de imunizar contra a arbitrariedade e de assegurar o acesso ao Judiciário [...]112.

A par das várias acepções sobre a natureza da segurança jurídica, ganha especial relevo as posições doutrinárias que a elegem ora como princípio, ora como direito fundamental.

Ingo Wolfgang Sarlet entende que a natureza jurídica da segurança é, simultaneamente, de princípio e de direito fundamental:

Um autêntico Estado de Direito é sempre também [...] um Estado de segurança

jurídica, já que, do contrário, também o “governo das leis” [...] poderá resultar em

despotismo e toda a sorte de iniquidades. Com efeito, a doutrina constitucional contemporânea, de há muito e sem maior controvérsia no que diz a este ponto, tem considerando a segurança jurídica como expressão inarredável do Estado de Direito, de tal sorte que a segurança jurídica passou a ter o status de subprincípio concretizador do princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito.Assim, para além de assumir a condição de direito fundamental da pessoa humana, a segurança jurídica constitui simultaneamente princípio fundamental da ordem jurídica estatal e, para além desta, da própria ordem jurídica internacional113.

Luís Roberto Barroso, por seu turno, filia-se à corrente de que a segurança jurídica se afigura como um legítimo direito fundamental:

O conhecimento convencional, de longa data, situa a segurança – e, no seu âmbito, a segurança jurídica – como um dos fundamentos do Estado e do Direito, ao lado da justiça e, mais recentemente, do bem-estar social. [...]. Consagrada no art. 2º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, como um direito natural e imprescritível, a segurança encontra-se positivada como um direito individual na Constituição brasileira de 1988 [...] na dicção expressa do caput do art. 5º114.

Na esteira do alhures posto, entende Hugo de Brito Machado:

112

PAULSEN, Leandro, op. cit., p. 39. 113

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional brasileiro, in ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (coord.). Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito

e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2.ª ed. Belo Horizonte: Fórum,

2009, p. 90.

114

BARROSO, Luis Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil, in ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (coord). Constituição e Segurança Jurídica: direito

adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence.

A importância da segurança jurídica como direito fundamental é de tal ordem que mesmo certos atos praticados com fundamento em lei depois declarada inconstitucional devem ser preservados se já cobertos pela coisa julgada115.

Ademais, a natureza de direito fundamental atribuída à segurança jurídica pode ser comprovada por meio de diversos dispositivos constitucionais, tais como o § 1º, do art. 103-A, o inciso XXXVI do art.5º (proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada) e o inciso III, do art. 150 (princípio da irretroatividade da lei tributária). Com efeito, tais normas demonstram que “não sendo estabelecido de modo expresso, mas, de qualquer modo, revelando-se no texto constitucional, o princípio da segurança jurídica se

apresenta como princípio constitucional implícito na CRFB” 116

.

No que atine ao conceito de segurança jurídica, o tema é, igualmente, bastante tormentoso, tendo em vista as múltiplas acepções propostas pela doutrina. De todo modo, é possível extrair um denominador comum de todas as tentativas em se conceituar o instituto, quais sejam: certeza do direito, previsibilidade, estabilidade das situações jurídicas a e confiança depositada pelo particular nos atos oriundos do Poder Público.

Para Luís Roberto Barroso, o conceito de segurança pode ser entendido a partir de cinco premissas, expostas a seguir:

A expressão segurança jurídica passou a designar um conjunto abrangente de ideias e conteúdos, que incluem: 1. A existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade; 2. A confiança nos atos do poder público, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade; 3. A estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade as normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conversão de direitos em face da lei nova; 4. A previsibilidade dos comportamentos [...]; 5. A igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas117.

No conceito de segurança jurídica, sobressai-se a ideia de previsibilidade, colocando a segurança como um norte para a produção legislativa, conforme aponta Celso Antônio Bandeira de Mello118. Na mesma toada, é o entendimento de Fábio Martins de Andrade:

115

MACHADO, Hugo de Brito. O princípio da segurança jurídica e a identidade da lei complementar, in FOLMANN, Melissa (coord.). Tributação e direitos fundamentais – propostas de efetividade. Curitiba: Juruá, 2006, p. 134.

116

PAULSEN, Leandro, op. cit., p. 30. 117

BARROSO, Luis Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil, in ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (coord). Constituição e Segurança Jurídica: direito

adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence.

2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 139-140.

118

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14.ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 104.

A noção de segurança jurídica é um conceito jurídico indeterminado e que, por isso mesmo, não conta com definição clara e incontroversa. Mesmo permanecendo o seu núcleo vago e ambíguo, a doutrina já logrou identificar o que pode ser chamado de seu núcleo conceitual, cuja palavra chave é previsibilidade. A previsibilidade [...], por sua vez, desdobra-se em duas dimensões distintas, quais sejam, a certeza quanto à norma aplicável ás relações sociais que estabelecem (certeza jurídica ou estabilidade e a expectativa ou confiança quanto à situação de cada um nas relações sociais de que participa (proteção da confiança)119.

Por estar inserida na noção de direito fundamental, ainda que de forma implícita, conforme já aventado anteriormente, tem-se que a segurança jurídica constitui um direito subjetivo, sendo possível, portanto, ao particular requerê-lo judicialmente.

Neste sentido, é o escólio de César García Novoa e Patrícia Ferreira Baptista:

A positivação da segurança jurídica como princípio constitucional autônomo autoriza a afirmação da existência de um autêntico direito à segurança jurídica. [...] Por usa natureza normativa, os princípios constitucionais, ainda que implícitos, possuem eficácia jurídica. Por isso, [...] é possível cogitar da existência de um direito subjetivo à segurança jurídica, com aptidão para ser arguido judicialmente120.

Do conceito de segurança jurídica se extrai dois outros princípios, quais sejam: o princípio da confiança e o princípio da proibição do retrocesso. Sobre o primeiro, importa trazer á colação o magistério de Ingo Sarlet:

Como concretização do princípio da segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança serve como fundamento para a limitação de leis retroativas que agridem situações fáticas já consolidadas (retroatividade própria), ou que atingem situações fáticas atuais, acabando, contudo, por restringir posições jurídicas geradas no passado (retroatividade imprópria), já que a ideia de segurança jurídica pressupõe a confiança na estabilidade de uma situação legal atual121.

Pelo exposto, resta claro observar que o subprincípio da confiança visa a resguardar as legítimas expectativas dos indivíduos diante da atuação do Poder Público. Nesta senda, tal princípio só pode se atribuído em benefício do cidadão, haja vista que carece de sentido proteger as expectativas do Estado contra atos de sua própria autoria.

Com fulcro no acima explanado, Ana Paula Ávila defende que a modulação dos efeitos temporais das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade é uma

119

ANDRADE, Fábio Martins, op. cit., p. 280. 120

BAPTISTA, Patrícia Ferreira. Segurança jurídica e proteção da confiança legítima no direito

administrativo. Análise sistemática e critérios de aplicação no direito administrativo brasileiro. Tese de

doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 40.

121

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional brasileiro, in ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (coord.). Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito

e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004,

via de mão única, quer dizer, só pode ser utilizada em favor do particular, sendo vedado ao Estado utilizar-se de tal instituto para defender interesses próprios, senão vejamos:

É importante perceber que, em todas essas decisões, apresenta-se um elemento comum: a utilização da segurança jurídica em favor da proteção do cidadão. Isso favorece, em boa medida, a densificação conceitual da expressão razões de segurança jurídica , presentes no art. 27, através de uma generalização, no sentido de que essas razões somente podem ser invocadas para conferir prevalência aos direitos fundamentais dos indivíduos e, jamais, para perpetuar a lesão, a esses mesmos direitos, em decorrência da norma declarada inconstitucional122.

Ainda sobre o tema, arremata a pré-citada autora;

Questão interessante é responder se o Estado pode também invocar a segurança jurídica, nesse mesmo aspecto, para a manutenção de situações em que a lei inconstitucional tenha gerado em seu benefício. A resposta é não [...], por diversas razões. Primeiro, porque se esse benefício se deu em detrimento de direitos fundamentais do indivíduo, já se conclui pela prevalência desses em caso de conflito. Segundo, porque a segurança jurídica é, também, um direito fundamental do cidadão (art.5º, caput) oponível ao Estado, e o Supremo Tribunal Federal, na esteira do pensamento constitucional germânico, tem confirmado o entendimento de que os direitos fundamentais aproveitam aos cidadãos, e não ao Estado. E terceiro, porque uma análise mais aprofundada de alguns aspectos do princípio da boa-fé, que, por aqui, tem servido para complementar a segurança jurídica no sentido de proteção da confiança, jamais autorizaria que o autor de um ato inválido pudesse lograr proveito através dele123.

O princípio da proibição do retrocesso, por sua vez, importa na preservação, por parte do Estado, dos direitos fundamentais, os quais são fruto das conquistas da humanidade ao longo do tempo.

Em relação ao tema, segue as lições de Ingo Wolfgang Sarlet:

Muito embora o direito à segurança jurídica [...] seja mais amplo que o instituto da proibição do retrocesso no sentido aqui desenvolvido, já que abrange as figuras dos direitos adquiridos e outros institutos no âmbito dos limites da retroatividade dos atos do Poder Público, não há como desconsiderar que a garantia da manutenção de um nível mínimo de proteção social [...] importa também em um correspondentepadrão mínimo de segurança jurídica nesta esfera, já que as pessoas poderão [...] confiar [...] na manutenção de tais condições básicas de vida, especialmente no contexto de um Estado Democrático de Direito inequivocamente comprometido com realização da justiça social124.

122

ÁVILA, Ana Paula, op. cit., p.157-163. 123

Idem, ibidem, p. 151-152. 124

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional brasileiro, in ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (coord.) Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e

coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2.ª edição. Belo Horizonte: Fórum,

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