• Nenhum resultado encontrado

A reparação do dano e a lei 11.7192008: análise do inciso IV do artigo 387 do código de processo penal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "A reparação do dano e a lei 11.7192008: análise do inciso IV do artigo 387 do código de processo penal"

Copied!
50
0
0

Texto

(1)

DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL

SABRINA RODRIGUES DE CARVALHO

A REPARAÇÃO DO DANO E A LEI 11.719/2008: ANÁLISE DO INCISO IV DO ARTIGO 387 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

(2)

SABRINA RODRIGUES DE CARVALHO

A REPARAÇÃO DO DANO E A LEI 11.719/2008: ANÁLISE DO INCISO IV DO ARTIGO 387 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Processual Penal.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

(3)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

C331r Carvalho, Sabrina Rodrigues de.

A reparação do dano e a lei 11.719/2008: análise do inciso IV do artigo 387 do código de processo penal / Sabrina Rodrigues de Carvalho. – 2014.

48 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Processual Penal. Orientação: Prof. Dr. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

1. Danos (Direito) - Brasil. 2. Reparação (Direito) - Brasil. 3. Processo penal - Brasil. I. Rebouças, Sérgio Bruno Araújo (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

(4)

SABRINA RODRIGUES DE CARVALHO

A REPARAÇÃO DO DANO E A LEI 11.719/2008: ANÁLISE DO INCISO IV DO ARTIGO 387 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Processual Penal.

Aprovada em 06/11/2014.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Bruno Araújo Rebouças (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________ Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________ Prof. Eugênio Saulo de Lima Carvalho

(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por guiar meus caminhos e escolhas com amor e tranquilidade. Aos meus pais, Deuseni e Socorro, por tudo que me proporcionaram até hoje. Pelo amor incondicional e pelo exemplo de vida repassado. Pelos ensinamentos e pela educação transmitida, dando-me oportunidade de realizar meus sonhos. Pelos incentivos e conselhos em todos os momentos de desafio da minha vida.

Aos meus irmãos, Deusene e Monique, pelo companheirismo e pelo estímulo na superação das dificuldades para o alcance dos meus objetivos.

Ao Emerson, pelo exemplo de competência e justeza profissionais, de estudo e disciplina e, principalmente, pelo carinho e cuidado dispensados durante nossa convivência.

Ao meu querido Pedro, por todo o amor, amizade e confiança, e por todos os momentos inesquecíveis ao longo dos últimos três anos.

Aos demais familiares, que me deram apoio e confiança.

Ao professor Sérgio Bruno Araújo Rebouças, por aceitar ser meu orientador. Aos integrantes da banca, professor Raul Carneiro Nepomuceno e professor Eugênio Saulo de Lima Carvalho, pela solicitude com que aceitaram meu convite.

(7)

“aquele que assim pecou e se tornou culpado

deve restituir o que roubou, ou o que extorquiu de seu compatriota, ou o que recebeu em depósito, ou o objeto perdido que encontrou, ou todo objeto a propósito do qual pronunciou um falso juramento; reembolsa-o por inteiro, acrescentando o quinto do preço, e o entrega a seu legítimo proprietário no dia em que se

(8)

RESUMO

A determinação de valor mínimo na sentença penal a título de reparação civil do dano proveniente de ato ilícito é assunto recente no sistema processual penal brasileiro. Foi implementado por um dos projetos de lei transformados em norma jurídica no ano de 2008, referentes à proposta de reforma geral do Código de Processo Penal. Por ser uma modificação recente do sistema processual, tem gerado muitas controvérsias acerca de sua aplicação. Examina-se a questão do ponto de vista dos doutrinadores, com exploração dos entendimentos divergentes. Do ponto de vista forense, são utilizados os julgados dos Tribunais brasileiros para exemplificar as situações em que a norma é aplicada. Com base no estudo da reparação do dano nos Direitos Civil e Penal, são descritos os sistemas processuais de reparação existentes, com ênfase na autonomia das jurisdições (penal, civil e administrativa), além de serem mencionadas as legislações de outros países que autorizam a compensação do dano causado por infrações penais (crimes e contravenções). São discutidas também as propostas de reforma contidas nos projetos de lei de 2001, que culminaram na edição das leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008. Concluiu-se que as divergências suscitadas na doutrina e na jurisprudência são comuns a todo período de adaptação depois de uma reforma legislativa. A inovação acerca da fixação de valor mínimo de indenização no âmbito da sentença penal é um benefício para a vítima do ilícito penal e deve ser efetivamente usada para garantir a satisfação do dano suportado. Nesse sentido, as demais mudanças, que trouxeram simplicidade e celeridade para o processo penal, também são tidas como benéficas para a sociedade e para a preservação da ordem pública.

(9)

ABSTRACT

The determination of minimum value in a criminal sentence as civil reparation for damage from an illicit act is a recent issue in the Brazilian criminal justice system. It was implemented by a bill which turned into a legal ruling in 2008, pertaining to the proposed overhaul of the Code of Criminal Procedure. As a new modification of the procedural system, it has generated many controversies surrounding its application. The issue is examined from the point of view of scholars, exploring their divergent understandings. From a forensic perspective, cases of the Brazilian courts are used to illustrate situations in which the standard is applied. Based on the study of reparations in Criminal and Civil Rights, the existing procedural repair systems are described, with emphasis on the autonomy of the courts (criminal, civil and administrative), as well as mentioning the laws of other countries that allow compensation for the harm caused by criminal offenses (felonies and misdemeanors). Reform proposals contained in the 2001 bills, culminating in the publication of the law 11.689/2008, 11.690/2008 and 11.719/2008 are also discussed. It was concluded that the conflicts arising in the doctrine and jurisprudence are common throughout the adjustment period after a legislative reform. The innovation concerning the fixing of minimum indemnity under a criminal sentence is a benefit for the victims of the criminal act and should be used effectively to ensure the satisfaction of the damage endured. In this sense, the other changes that brought to simplify and expedite the criminal proceedings, are also seen as beneficial to society and to preserve public order.

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 A REPARAÇÃO DO DANO POR ATO ILÍCITO NO DIREITO BRASILEIRO ... 12

2.1 Os sistemas processuais: resolução para a independência das responsabilidades ... 13

2.2 A reparação do dano no Direito Civil ... 16

2.3 A reparação do dano no Direito e no Processo Penal ... 18

3 INCISO IV DO ARTIGO 387 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ... 22

3.1 Direito comparado: legislação estrangeira ... 22

3.2 Considerações iniciais sobre a Lei 11.719/2008 ... 23

3.2.1 Breve histórico ... 23

3.2.2 Vigência ... 24

3.2.3 Natureza jurídica e irretroatividade da norma ... 25

3.3 Aplicação do inciso IV do artigo 387 do CPP ... 27

3.3.1 Legitimidade para requerer... 28

3.3.2 Necessidade de requerimento das partes ... 31

3.3.3 Observância do contraditório ... 32

3.3.4 Elementos mínimos para aplicação da norma e momento de fixação da reparação ... 33

3.3.5 Aplicação na extinção da punibilidade ... 35

3.4 Natureza do dano a ser valorado na sentença penal condenatória ... 37

4 OS PROJETOS DE LEI DE 2008 E A REFORMA NO PROCESSO PENAL ... 40

4.1 Projeto de Lei nº 4.203/2001 e comentários sobre a Lei nº 11.689/2008 ... 41

4.2 Projeto de Lei nº 4.205/2001 e comentários sobre a Lei nº 11.690/2008 ... 42

4.3 Projeto de Lei nº 4.207/2001 e comentários sobre a Lei nº 11.719/2008 ... 44

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 46

(11)

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto principal do estudo o inciso IV do artigo 387 do Código de Processo Penal, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 11.719/2008, segundo o qual o juiz penal, ao proferir sentença condenatória, “fixará valor

mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos

pelo ofendido”. Possibilita-se, assim, a execução da sentença penal transitada em julgado sem a necessidade de liquidação no juízo cível, tal como acontecia antes da alteração legislativa.

Diante da ausência de orientação sobre o procedimento a ser seguido quanto ao cumprimento da nova regra, surgiram vários questionamentos. Cita-se, como exemplos,

“quem tem legitimidade para postular a reparação civil na ação penal”, “quais critérios deverão ser adotados pelo magistrado para fixação do quantum”, “em que momento do processo a indenização deve ser estabelecida” e “qual a natureza do dano a ser valorado”.

Pretende-se, portanto, analisar a redação e a aplicação da norma dentro do contexto do direito de reparação de danos à vítima do ilícito penal. Essa pesquisa faz-se necessária para que essas e outras questões levantadas possam ser esclarecidas, o que, em muitos casos, também ocorrerá com o posicionamento dos Tribunais brasileiros, motivo pelo qual o trabalho tem como base os julgados de diversos tribunais pátrios, permitindo a visualização do tratamento dispensado ao tema nas diferentes instâncias.

Não se alterou, entretanto, o direito de a vítima de uma infração penal recorrer diretamente à jurisdição civil para satisfação do dano efetivamente sofrido, sendo possível a propositura da chamada ação civil ex delicto. Em razão desta, faz-se inicialmente uma ampla abordagem do sistema da reparação do dano no Direito Brasileiro, com explanação do modo como a matéria é regulada em nosso ordenamento jurídico, bem como em outros países, mencionando-se, inclusive, os sistemas existentes.

As noções iniciais acerca da reparação do dano, dos sistemas processuais e da interligação das responsabilidades civil e penal decorrentes de um mesmo fato servem de base para todo o estudo que se desencadeia e são relevantes, principalmente, para a compreensão das ideias expostas no segundo momento da pesquisa, que trata da aplicação do inciso IV do artigo 387 do Código de Processo Penal.

(12)

2008 (11.689, 11.690 e 11.719); de modo a demonstrar que as modificações são positivas, na medida em que visam à tutela da vítima de maneira mais ampla.

(13)

2 A REPARAÇÃO DO DANO POR ATO ILÍCITO NO DIREITO BRASILEIRO

O artigo 3871 do Código de Processo Penal modificou o procedimento de obtenção de reparação de dano decorrente de ilícito penal e causou muitas dúvidas quanto à sua aplicação. Tendo isso em vista, antes de debruçar-se sobre os questionamentos suscitados por doutrinadores e operadores do Direito a esse respeito, faz-se necessário apresentar alguns conceitos e posicionamentos acerca da reparação do dano no ordenamento jurídico brasileiro.

A partir da palavra “reparar”, de forma amplamente considerada, tem-se a noção de, dentre outros sinônimos, restaurar, restituir, compensar, indenizar; enfim, de remediar as consequências de alguma atitude equivocada ou errônea.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988, grifo nosso), entretanto, se refere de maneira mais específica ao direito de reparação, quando, em seu artigo 5º, incisos V e X, prescreve expressamente que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

No que concerne ao sentido da palavra utilizada no texto constitucional, Mirabete (2006) afirma que “indenização” é apenas uma das espécies da reparação lato sensu. Segundo seu ensinamento, a satisfação do dano pode ocorrer de quatro formas: por restituição, quando se devolve o bem do qual o dono se viu privado da posse; por ressarcimento, quando, não sendo possível a devolução integral do objeto subtraído ou nas mesmas condições em que se encontrava antes do ato ilícito, dá-se um pagamento equivalente ao valor pecuniário do bem com vistas a satisfazer o prejuízo causado; por reparação, quando o dano a ser reparado é apenas de cunho moral e não patrimonial; e por indenização, quando surge para o Estado uma obrigação de reparar o ato ilícito cometido pelo Poder Público a um particular.

1 Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: [...]

(14)

Observa-se, contudo, que, com o intuito de dar dinamicidade ao texto deste trabalho, tais palavras (exceto a noção de restituição) serão usadas diversas vezes com um único sentido – como sinônimo da reparação em sentido amplo – até porque os próprios doutrinadores aqui estudados, apesar de mencionarem as diferenças, utilizam esses termos com o mesmo valor semântico da reparação latu sensu.

Com esses conceitos, de reparação, indenização e ressarcimento, percebe-se que a intenção é diminuir a intensidade do mal causado por meio do retorno à condição anteriormente existente. Vislumbra-se também a ideia de que o prejuízo, de maneira geral, pode advir tanto do ato ilícito de natureza civil (descumprimento de contrato, por exemplo) quanto do ato ilícito de natureza penal (crime, contravenção), devendo o ofendido buscar a jurisdição correspondente à natureza do dano sofrido para ver satisfeita a pretensão.

Porém, pode ocorrer, na esfera penal, a hipótese de uma única conduta criminosa motivar, além da pretensão punitiva do Estado (típica da ação penal), a pretensão da vítima à indenização (esta originária da ação civil). Conforme afirma Alencar e Távora (2010, p. 209),

“É inegável que uma conduta tipificada penalmente, também pode se materializar em ilícito civil, trazendo para a vítima, se identificada, pretensões de cunho indenizatório”.

Surge, pois, a discussão sobre a competência da jurisdição, ou seja, sobre “como” e “onde” deve ocorrer a busca da tutela jurisdicional quando se tem em foco uma conduta criminosa. Questiona-se, assim, em qual juízo, cível ou criminal, deve ser intentada a ação de reparação, e de que forma, se conjunta ou separadamente à ação penal, a mesma deve ser proposta. Criou-se, então, a noção dos “sistemas processuais”, a seguir conceituados.

2.1 Os sistemas processuais: resolução para a independência das responsabilidades

(15)

A partir da independência das responsabilidades – ainda que oriundas de um mesmo fato – adota-se no Brasil a separação das jurisdições em relação à ação de reparação. Nesse ponto torna-se relevante mencionar o artigo 935 do Código Civil, segundo o qual “A

responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem

decididas no juízo criminal” (BRASIL, 2002).

Como exemplo clássico dessa situação, cita-se a impossibilidade de propor a ação civil quando há uma sentença penal declarando a inexistência de ato ilícito; pois se não há fato, também não há pretensão a ser perseguida.

Os sistemas processuais, portanto, surgiram a partir dessa dúvida de em qual jurisdição intentar a ação de ressarcimento quando o ato ilícito originador do dano for o mesmo, isto é, quando estivermos diante de duas responsabilidades distintas – civil e penal – ocasionadas pelo mesmo fato.

Dessa forma, todos os doutrinadores analisados fazem alusão aos quatro sistemas processuais (da separação, da livre escolha, da solidariedade e da confusão), porém, relevante transcrever, pela didática, a síntese realizada por Lima (2013, p. 277, grifo do autor):

a) sistema da confusão: na antiguidade, muito antes de o Estado trazer para si a solução dos conflitos intersubjetivos, cabia ao ofendido buscar a reparação do dano e a punição do autor do delito por meio da ação direta sobre o ofensor. Por meio deste sistema, a mesma ação era utilizada para a imposição da pena e para fins de ressarcimento do prejuízo causado pelo delito;

b) sistema da solidariedade: neste sistema, há uma cumulação obrigatória de ações distintas perante o juízo penal, uma de natureza penal, e outra cível, ambas exercidas no mesmo processo, ou seja, apesar de separadas as ações, obrigatoriamente são resolvidas em conjunto e no mesmo processo;

c) sistema da livre escolha: caso o interessado queira promover a ação de reparação do dano na seara cível, poderá fazê-lo. Porém, neste caso, face a influência que a sentença penal exerce sobre a civil, incumbe ao juiz cível determinar a paralisação do andamento do processo até a superveniência do julgamento definitivo da demanda penal, evitando-se, assim, decisões contraditórias. De todo modo, a critério do interessado, admite-se a cumulação das duas pretensões no processo penal, daí por que se fala em cumulação facultativa, e não obrigatória, como se dá no sistema da solidariedade;

d) sistema da independência: por força deste sistema, as duas ações podem ser propostas de maneira independente, uma no juízo cível, outra no âmbito penal. Isso porque, enquanto a ação cível versa sobre questão de direito privado, de natureza patrimonial, a outra versa sobre o interesse do Estado em sujeitar o suposto autor de uma infração penal ao cumprimento da pena cominada em lei.

(16)

separação, cada pedido deve ser formulado em sua respectiva jurisdição (TOURINHO FILHO, 2013).

Percebe-se que é bem fácil confundi-los, tendo em vista que são muito parecidos, e não há, na verdade, uma unanimidade do melhor sistema a ser utilizado. Diante das opções, cada país adota em sua legislação o sistema mais adequado a sua sociedade. De acordo com Tourinho Filho (2013), Itália, França, Portugal e Espanha, por exemplo, adotam o sistema da livre escolha, enquanto México e Holanda adotam os sistemas da confusão e da separação, respectivamente.

Antes da vigência da Lei 11.719/2008, o sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro era claramente o da separação ou independência das jurisdições, tendo em vista o disposto no artigo 935 do Código Civil, indicado anteriormente, pelo qual o fato e a autoria não podem mais ser contestados civilmente depois de decididos na seara criminal.

Nesse sentido, “é possível o desenvolvimento paralelo e independente de uma ação penal e uma ação civil sobre o mesmo fato” (MIRABETE, 2006, p. 146).

Após a inclusão do inciso IV no artigo 387 do CPP, no entanto, é praticável obter, diretamente no âmbito penal (sem a necessidade de prévio ingresso no juízo cível), um valor em pecúnia a título de reparação. Tal fato gerou, mais uma vez, desentendimentos acerca da jurisdição a ser escolhida e do método adotado no Brasil.

Destarte, para Lima e Tourinho Filho (2013; 2013), o que temos atualmente é um sistema da independência mitigado, uma vez que a ação para reparação de dano decorrente do ilícito penal deve ser prioritariamente proposta no juízo cível, mas existem situações excetuadas, de interação entre as duas jurisdições, em que se pode, inclusive, obter um valor mínimo de indenização ou a satisfação integral do dano na própria esfera penal.

Em oposição a esse pensamento, Alencar e Távora (2010, p. 209) acreditam que o Brasil passou a permitir o uso de dois sistemas, o da independência e o da confusão: “O que

se percebe [...] é uma tentativa de adoção do sistema da confusão, onde a pretensão

condenatória e indenizatória estariam veiculadas na mesma demanda”. De acordo com essa concepção, quando a vítima tem interesse apenas no ressarcimento do prejuízo, deverá propor somente a ação civil, e, quando espera, além da reparação do dano, a punição do delito sofrido, cumula os pedidos numa mesma ação penal.

(17)

então, a afirmação de Mirabete (2006, p. 152), proferida antes mesmo da lei aqui analisada, de que “existem assuntos que, por sua natureza, caberiam à jurisdição civil, mas, por força de conexão com a matéria penal, são dirimidos por esta”.

Assim sendo, em conformidade com a maioria dos doutrinadores citados no presente trabalho, compreende-se que o sistema da separação ou independência fora apenas adequado à nova situação jurídica brasileira para evitar conflitos entre as decisões cíveis e criminais, restando óbvio que uma interfere na outra, por advirem do mesmo fato.

2.2 A reparação do dano no Direito Civil

Evidente, portanto, que o assunto da reparação do dano no Direito Penal possui estreita ligação com o Direito Civil, tendo em vista que este é um instituto inerente ao Direito Civil, que remonta ao Direito Romano, a começar pelo princípio geral de não causar danos ao próximo (neminem laedere), consagrado, na legislação pátria no Código Civil, artigo 186, segundo o qual “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”

(BRASIL, 2002).

Com base nesse princípio, aquele que comete ato ilícito tem o dever de compensar o dano, de acordo com o artigo 927, do Código Civil, in verbis: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) 2, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (BRASIL, 2002).

Nessa linha de pensamento, como explanado, o ato ilícito de natureza penal ofende não só a ordem pública como também o interesse particular (regido pelas normas civis), e gera para o agressor, além da responsabilidade penal, de se submeter a uma sanção imposta pelo Estado, a responsabilidade civil, de reparar totalmente o dano causado pelo delito, buscando ao máximo, quando possível, o retorno do statu quo ante da vítima.

Mirabete (2006, p. 142) sintetiza muito bem algumas situações em que o Código Civil Brasileiro regula a indenização em casos específicos de conduta criminosa. Veja-se.

No caso de homicídio, por exemplo, a reparação do dano consiste no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, e na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto as devia (art. 948 do CC). Nos delitos de lesões corporais dolosas ou culposas, o ofensor deve indenizar a vítima das despesas

2 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano

a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(18)

do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de outro prejuízo que haja sofrido (art. 949 do CC) e, ainda, na hipótese de cessação ou diminuição da capacidade de trabalho da vítima, deve pagar pensão correspondente à importância do trabalho para o qual se inabilitou ou da depreciação resultante (art. 950 do CC). Nas hipóteses de homicídio e lesão corporal prevê-se também expressamente o dever de indenizar do profissional que, por negligência, imprudência ou imperícia, causar ao paciente a morte, a lesão ou seu agravamento ou a inabilitação para o trabalho (art. 951 do CC). Dispõe a lei civil, ainda, a respeito da indenização devida nos crimes contra a honra (art. 953 do CC), nas ofensas à liberdade pessoal derivadas de cárcere privado ou de prisão ilegal ou decorrente de queixa ou denúncia falsa e de má-fé (art. 954 do CC) etc.

Com o Projeto de Reforma do Código de Processo Penal, entretanto, deseja-se incluir uma parte civil no processo penal, por meio da qual a vítima ou seu representante poderá demandar ação específica no juízo penal apenas para obter a satisfação do dano (TOURINHO FILHO, 2013).

Ainda que haja concordância com o propósito da reforma, de dar celeridade à consecução da tutela jurisdicional pela vítima, praticamente todos os doutrinadores pesquisados não apoiam essa idealização, por acreditarem que os juízes penais terão dificuldade na determinação do quantum, deixando até de aplicar a reparação – o que prolongaria ainda mais o andamento do processo. Entretanto, não se pode deixar de implantar mudanças positivas para a sociedade, sob o argumento precipitado de fracasso das modificações.

Enfim, por enquanto, a sentença penal condenatória transitada em julgado configura-se em título executivo judicial, nos termos do art. 475-N, II, do CPC3, podendo ocorrer a reparação do dano por meio da propositura de ação de execução civil, dentro do prazo de três anos (art. 206, § 3º, V, do Código Civil4), ou por meio da propositura de ação civil de conhecimento, cujo prazo prescricional também será de três anos, conforme o art. 200 do Código Civil5, contados do trânsito em julgado da sentença penal, ainda que a ação cognitiva tenha sido promovida antes da resolução no juízo penal (LIMA, 2013).

3 Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: [...]

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

4Art. 206. Prescreve: [...]

§ 3º Em três anos: [...]

V - a pretensão de reparação civil.

5 Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição

(19)

2.3 A reparação do dano no Direito e no Processo Penal

Como explanado, as responsabilidades civil e penal podem correr interligadas, diante da influência direta do Direito Civil no Direito Penal, quanto ao tema da reparação do dano. Segundo o art. 91, II, do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 7.209/1984 (BRASIL, 1940), “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime” é um dos

efeitos da condenação criminal, não dependendo tal efeito de referência expressa na sentença. Tendo em vista a obrigação de reparar, o Direito Penal, em muitos momentos, incentiva o condenado à prática da reparação do dano por meio de medidas que aliviem a punição do crime cometido. O art. 16, por exemplo, possibilita ao agente da conduta criminosa a redução da pena quando ele próprio promove a reparação do prejuízo ou a restituição do bem antes do recebimento da denúncia ou da queixa6 (BRASIL, 1940).

No mesmo sentido, o art. 65, III, b, do CP, garante ao ofensor a atenuação da pena, caso procure, por sua espontânea vontade e com eficiência, reparar o dano ou diminuir as consequências do crime, pouco depois de cometida a infração7 (BRASIL, 1940).

A reparação do dano pelo agente da infração penal ainda é capaz de extinguir a punibilidade em determinados casos, como o do art. 312, § 3º, do CP, que se refere ao crime de peculato culposo, quando a reparação é feita antes da sentença penal8. E isso não se verifica somente no Código Penal, mas também em legislações específicas, como a de Crimes Ambientais, a do Código de Trânsito Brasileiro e a dos Juizados Especiais Criminais, acerca da qual se transcreve a explanação abaixo.

Há determinados crimes de escassa lesividade (lesão leve e lesão culposa de ínfima gravidade) em que o interesse na recomposição patrimonial do dano é muito maior do que o da efetividade da aplicação da lei penal. [...] À vista disso, marcando o início da fase de redescobrimento, nosso ordenamento jurídico recebeu, em boa hora, a Lei 9.099/95, possibilitando, em infrações consideradas de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima de um ano), a extinção da punibilidade mediante a composição civil entre lesado e autor do fato, objetivando a total reparação dos prejuízos suportados pelo primeiro (Lei 9.099/95, art. 74, parágrafo único). (CAPEZ, 2003, p. 356).

6 Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa,

até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de uma a dois terços.

7 Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: [...]

III – ter o agente: [...]

b) procurado, por sua espontânea vontade e eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano.

8 Art. 312.[...]

(20)

O próprio Código de Processo Penal (Capítulo VI, Título VI, Livro I), dispõe sobre as medidas assecuratórias – arresto, sequestro e hipoteca legal – como instrumentos processuais que visam a assegurar, de imediato, o resultado de uma decisão judicial futura, evitando o prejuízo da demora na conclusão da ação penal, e a garantir o ressarcimento do dano causado pelo crime. (MIRABETE, 2006).

Nesse sentido, Capez (2003, p. 356, grifo do autor) afirma que o processo penal

“começa a deixar de ser um simples meio para o Poder Público satisfazer sua pretensão punitiva e passa a ser visto também como um mecanismo reparatório do dano ex delicto da vítima [...] e demais prejudicados (terceiros que suportam os efeitos maléficos do crime [...])”.

O CPP define também diretrizes sobre o procedimento da reparação do dano

advindo de infração penal. No Título IV (Livro I), denominado “Da Ação Civil”, nos artigos 63 a 68 (BRASIL, 1941), é explícita a interrelação das matérias civil e penal e o interesse do Poder Público em proteger o direito da vítima à redução da lesão patrimonial e/ou extrapatrimonial. Assim, além da execução civil da sentença penal condenatória transitada em julgado, o Código de Processo Penal, no art. 64, legitima a propositura da ação de conhecimento no juízo cível para ressarcimento do dano9.

A partir de um ilícito penal, portanto, com base nos artigos citados, poderá ser promovida uma ação civil cognitiva para apuração e quantificação do dano advindo da infração, quando se terá a ação de responsabilidade civil decorrente do crime, também chamada actio civilis ex delicto. Trata-se de uma faculdade do ofendido, que poderá pleitear ou não o restabelecimento do direito violado.

Sobre a legitimidade para intentar a ação civil ex delicto e sua natureza, segue breve dissertação abaixo.

[...] a actio civilis ex delicto somente pode ser intentada pela vítima do crime, seu

representante legal ou herdeiros. É certo que, nos termos do art. 68 do CPP10, pode

ser promovida pelo Ministério Público ou pelo Defensor Público, onde houver. Tal circunstância, entretanto, não lhe tira o caráter eminentemente civilístico. Não é a qualidade da pessoa que promove a ação que dá a esta o caráter de penal ou civil, mas, sim, o seu conteúdo, o seu objeto. Se a ação tiver por objeto uma pretensão punitiva, será penal; se a pretensão for de satisfação do dano, será civil. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 24, grifo do autor).

9 Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no

juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.

10 Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença

(21)

Percebe-se que, para promover a ação civil decorrente do crime, não é necessário esperar o término da ação penal, que pode demorar muito tempo para ser iniciada. O ofendido poderá propor a ação civil antes do recebimento da denúncia ou até mesmo durante o curso da ação penal, devendo o juiz do cível, neste caso, suspender o andamento da ação até decisão definitiva do juiz criminal, para evitar contradição nas decisões (art. 265, CPC).

Para Alencar e Távora (2010), promover a ação de conhecimento com vistas a obter indenização por dano sofrido em consequência de conduta criminosa é o melhor caminho para vítima, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado da sentença penal.

Como alternativa à ação civil ex delicto, tem-se a ação de execução civil da sentença penal condenatória transitada em julgado, cujo procedimento foi modificado pela Lei 11.719/2008, assunto principal de estudo deste trabalho.

No caso da ação de execução civil para reparação do dano causado pelo crime, antes da alteração, com o trânsito em julgado da sentença penal e a certeza da existência do delito (materialidade e autoria), a vítima ou seu representante, deveria ingressar com a ação de execução na jurisdição civil para liquidação da sentença, ou seja, para apuração do “quê” e do

“quanto” seria devido a título de indenização, fosse por danos morais, materiais ou ambos, quando ainda poderia haver discussão sobre a existência do direito da vítima à satisfação do prejuízo, o que significa dizer que existia a possibilidade de o ofendido não obter a tão almejada indenização.

Atualmente, na mesma sentença que condena o acusado do delito, o próprio magistrado criminal fixa um valor mínimo referente à compensação do dano, cabendo à vítima, caso concorde com o valor, apenas executar no cível a quantia já determinada no penal; e caso não concorde ingressar com a ação de conhecimento.

A diferença, portanto, está na rapidez com a qual o ofendido recebe uma resposta do Poder Judiciário, restando óbvio que esta sim é a melhor escolha que o ofendido pode fazer, haja vista que ele sai do processo criminal já com uma quantia predeterminada, não havendo necessidade de propor uma ação cognitiva no âmbito civil. Nesse sentido, segue opinião de Lima (2013, p. 1535, grifo do autor).

Essa importante mudança permite que, doravante, o ofendido não seja obrigado a promover a liquidação para apuração do quantum debeatur, podendo promover, de

(22)

Para Silva (2010a), a modificação representa, na realidade, a conquista de diversos benefícios para o ofendido, uma vez que o objetivo de tutelar os interesses da vítima foi alcançado, houve economia e celeridade processual, além de uma maior abrangência de legitimados a propor a ação no sistema civil. O julgado transcrito nas linhas seguintes confirma tal lição, demonstrando a utilidade do instituto em tela, nestes termos:

[...] PLEITO DE EXCLUSÃO DA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA. Da análise da sentença, às fls. 51, o MM. Magistrado, em atenção ao inciso IV, Art. 387 do Código de Processo Penal, arbitrou a indenização em decorrência dos danos sofridos pelo ofendido no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais). In casu, verifica-se que consta nos autos, mais especificamente em alegações

finais do Ministério Público pedido expresso de fixação de indenização a título de reparação pelos danos causados, no valor mínimo de R$ 500,00 (quinhentos reais), sendo oportunizado a defesa o contraditório e a ampla defesa, que no entanto não a fez. Constata-se que o valor arbitrado mostra-se compatível com o dano sofrido, conforme o valor de mercado do aparelho celular da marca Sansung roubado. Nesse

contexto, correta a condenação do réu ao pagamento de indenização de acordo com o artigo 387, inciso IV, do CPP, nos exatos termos prolatados na sentença [...]11.

Assim, faz-se imprescindível o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, que passa a ser um título executivo, para que o ofendido, seu representante ou seus sucessores obtenham a reparação civil do dano, bastando somente a execução da sentença em vez da proposição de ação de conhecimento na jurisdição civil.

Contudo, a dificuldade hoje existente está na aplicação da norma que trouxe a inovação (art. 387, IV, CPP), tendo em vista que atraiu muitas dúvidas acerca do procedimento a ser seguido, cujas questões passam a ser elucidadas e dirimidas durante o próximo capítulo.

11 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Apelação nº 2013.3026041-9. Acórdão 135487. Comarca:

(23)

3 INCISO IV DO ARTIGO 387 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O inciso IV do artigo 387, juntamente com o parágrafo único do artigo 6312, ambos do Código de Processo Penal, foi uma das alterações procedimentais introduzidas pela Lei 11.719/2008, mais especificamente quanto à execução civil da sentença penal condenatória. De acordo com esse inciso, o juiz criminal deve fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Todavia, doutrinadores, magistrados, promotores, advogados e defensores públicos, no momento de colocar a norma processual penal em prática, se depararam com questionamentos que obstavam o andamento do processo de fixação do quantum e, algumas vezes, até da propositura da ação penal, trazendo, inclusive, controvérsias acerca da validade e da constitucionalidade do novo diploma.

Com o pensamento avesso à mudança citada, Tourinho Filho (2013), afirma que esse assunto não deveria ter sido alterado pelo legislador. Para ele, a responsabilidade de fixar valor indenizatório deveria ter permanecido no juízo cível, haja vista a compensação do dano ser uma obrigação inerente ao Direito Privado.

Essa, entretanto, não é a melhor maneira de encarar a inovação, que busca gerar um procedimento mais resolutivo para a vítima. O magistrado, ao executá-la, não arbitra apenas o valor devido, mas também demonstra a intenção do legislador de simplificar e de dar celeridade ao processo de obtenção da reparação no ato de confecção da sentença penal.

3.1 Direito comparado: legislação estrangeira

Como explanado na parte sobre os sistemas processuais, legislações de diversos países permitem a postulação de direitos civis dentro do processo penal quando os danos advêm da mesma conduta ilícita. A obrigação do condenado de ressarcir o dano – patrimonial ou não patrimonial – também é imposta por outros ordenamentos jurídicos além do brasileiro.

Na Itália, por exemplo, a punição do acusado volta-se preferencialmente para a satisfação da sociedade e não para a vítima, como acontece no Brasil. Porém, não deixa de conceder à vítima a possibilidade de satisfação do dano suportado, quando, no art. 74 do

12 Art. 63. [...]

(24)

Codice di Procedura Penale, aduz que a ação civil para restituição e ressarcimento de danos pode ser exercida no próprio processo penal (SILVA, 2010b.).

Em Portugal, existe o chamado sistema da adesão, ratificado no artigo 72 do Código de Processo Penal português, segundo o qual “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”. Assim como na França, por autorização do art. 3º do Code de Procedure Pénale, o pedido de reparação pode ser veiculado na ação penal perante o juízo criminal (SILVA, 2010b.).

Também na Alemanha, ao ofendido ou seu herdeiro é autorizada a postulação da reparação civil de cunho patrimonial na jurisdição penal, a partir da introdução do instituto da Adhäsionsprozess na ordenação processual alemã (TOURINHO FILHO, 2013).

3.2 Considerações iniciais sobre a Lei 11.719/2008

Percebe-se que o exposto até o momento é de extrema importância para o sistema processual cível e criminal, mas principalmente para a vítima, que deve ser priorizada em detrimento de posturas que terminam por causar óbices à aplicação da lei e ao andamento do processo; razão pela qual se opta neste trabalho por um estudo detalhado do inciso que inovou a abordagem do assunto no ordenamento jurídico brasileiro.

Apesar de a Lei 11.719/2008 estar em vigor há cerca de seis anos, poucos são os doutrinadores que fazem uma análise minuciosa do tema, que, na jurisprudência pátria, ainda está num estágio inicial de publicações, visto que, há pouco, o assunto ingressou nas discussões do Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal com vistas a dirimir as controvérsias, como a constitucionalidade e a validade das alterações, tanto na norma – que supostamente afasta os princípios do contraditório e da ampla defesa – quanto na aplicação.

3.2.1 Breve histórico

(25)

O projeto dessa lei, juntamente com os projetos das Leis nº 11.689/2008, que alterou o procedimento dos crimes dolosos contra a vida e do tribunal do júri, e nº 11.690/2008, que modificou a disciplina das provas no processo penal, foi enviado ao Congresso Nacional com cerca de 20 outros projetos, no chamado “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, firmado pelos Chefes de cada um dos Poderes

– Legislativo, Executivo, Judiciário – com o intuito de simplificar e acelerar o andamento dos processos civil, penal e trabalhista no judiciário brasileiro.

Percebe-se, portanto, o caráter prático das modificações, de economia procedimental, que visam a concretizar, mais rápida e principalmente, as lides no Poder Judiciário, diminuindo, como consequência, a quantidade de processos em andamento.

No caso específico da norma em análise, tem-se, a partir do julgamento de um mesmo fato, o aproveitamento da cognição e da produção de provas no processo penal para apreciação de matéria originariamente civil, fato que afasta a necessidade de cognição e produção de provas nesta jurisdição e já garante a observância dos princípios citados, principalmente o de economia e o de celeridade processual.

3.2.2 Vigência

A Lei 11.719/2008, de 20 de junho de 2008, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal (Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941), relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos, foi publicada em 23 de junho de 2008, no Diário Oficial da União, com a seguinte redação (grifo nosso).

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passam a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se o art. 396-A:

[...]

Art. 2o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.

Art. 3o Ficam revogados os arts. 43, 398, 498, 499, 500, 501, 502, 537, 539, 540,

594, os §§ 1º e 2º do art. 366, os §§ 1º a 4º do art. 533, os §§ 1º e 2º do art. 535 e os §§ 1º a 4º do art. 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

Brasília, 20 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

(26)

Diferentemente das outras duas leis que fizeram parte do mesmo processo de reforma e passaram a vigorar no dia seguinte à publicação, a Lei 11.719/2008, conforme o disposto no seu artigo 2º, somente entrou em vigor 60 dias após sua publicação, em 22 de agosto de 2008 (SANTOS, 2009).

Isso porque, segundo o § 1º do art. 8º da Lei Complementar 95/1998, acrescido

pela Lei Complementar 107/2001, “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último

dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”.

3.2.3 Natureza jurídica e irretroatividade da norma

Assim, após a definição da data de vigência da nova regra, importante determinar o tempo e os limites de sua aplicação. Não há dúvida quanto à aplicação imediata da norma, tendo em vista o princípio geral do efeito imediato, consubstanciado no art. 2º do CPP,

segundo o qual “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos

atos realizados sob a vigência da lei anterior” (BRASIL, 1941).

Resta, portanto, o questionamento sobre os limites de sua aplicação: ocorrerá somente nos crimes cometidos após a sua vigência ou abrangerá também os crimes cometidos em momento anterior, cuja ação penal ainda está em curso?

Se observarmos apenas a determinação do artigo retro citado, de forma isolada, vendo a inovação como mero procedimento, a aplicação será imediata aos processos em andamento, abrangendo crimes consumados antes de sua vigência.

A nova lei, por isso, seria imposta a fatos ocorridos no pretérito, condenando o acusado ao pagamento de quantia referente à satisfação do dano, que, destaca-se, foi gerado antes da lei. Esse, inclusive, foi o entendimento inicial do Superior Tribunal de Justiça, em relação ao inciso IV do art. 387 do CPP, como se vê no Informativo de nº 0499 e no julgado abaixo.

APLICAÇÃO. REPARAÇÃO. ART. 387, IV, DO CPP. A alteração advinda da Lei n. 11.719/2008, que determinou ao juiz que, ao proferir a sentença condenatória, fixe o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido [...] é norma processual. Tal norma modificou apenas o momento em que deve ser fixado o mencionado valor, aplicando-se imediatamente às sentenças proferidas após a sua entrada em vigor (grifo nosso)13.

(27)

PROCESSUAL PENAL. INDENIZAÇÃO DO ART. 387, IV, DO CPP. APLICABILIDADE À AÇÃO PENAL EM CURSO QUANDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA FOR PROFERIDA EM DATA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 11.719/2008.1. A regra estabelecida pelo art. 387, IV, do Código de Processo Penal, por ser de natureza processual, aplica-se a processos em curso. [...] (grifo nosso).14

Acredita-se, porém, em conformidade com Tourinho Filho (2012) e maioria dos doutrinadores estudados, que o mencionado art. 2º do CPP deve ser interpretado à luz da Constituição, que, em seu art. 5º, XL, prescreve que a “lei penal não retroagirá, salvo para

beneficiar o réu”.

Mas qual seria o sentido de obedecermos ao disposto na Constituição Federal, que se refere à lei penal, se a regra em estudo é modificação processual? Cabe, então, dissertar, rapidamente, sobre a natureza jurídica da norma, que pode ser de caráter processual, material ou processual material (híbrida), oportunidade em que se repassa o ensinamento de Mirabete (2006, p. 39, grifo do autor).

São normas penais as que versam sobre o crime, a pena, a medida de segurança, os efeitos da condenação e, de um modo geral, o jus puniendi (por exemplo, extinção

da punibilidade). São normas processuais, as que regulam o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade.

Normas híbridas, dessa forma, são normas formalmente processuais e materialmente ou substancialmente penais, que, embora disciplinadas em sistemas processuais penais, dispõem sobre a pretensão punitiva ou ainda sobre direitos e garantias constitucionais do indivíduo (BADARÓ, 2009). O art. 387, IV, do CPP, por exemplo, ao indicar ao infrator quantia devida a título de compensação do dano, logo na sentença penal, acaba por prejudicá-lo mais do que se não houvesse a determinação do vaprejudicá-lor, aumentando, assim, a punição.

Ora, considerando que, antes da lei, essa reparação só se concretizava por meio da instauração de ação civil (seja de conhecimento seja de execução), na maior parte das vezes, tendo de se esperar pela decisão definitiva na jurisdição penal sobre a autoria e a materialidade do crime, a satisfação do direito demorava tanto tempo que a vítima poderia perder o interesse na indenização. Havia casos até de a vítima não postular seu direito por desestímulo a enfrentar novo procedimento ou por desconhecimento da possibilidade de reparação; o que terminava, de certa forma, por beneficiar o réu já que não o punia.

14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.176.708-RS (2010.0010022-7). Recorrente:

(28)

É verdade que o problema da morosidade no Poder Judiciário ainda não foi de todo solucionado, mas o que se busca é resolvê-lo, e o fato de o ofendido obter um valor ainda na ação penal pode incentivá-lo a buscar a execução da sentença e a satisfação do seu direito.

Com isso, chega-se à conclusão de que essa regra, introduzida pela Lei 11.719/2008, apesar de processual, tem conteúdo material, e não pode incidir sobre os processos em andamento, mas tão somente sobre os crimes cometidos após o seu advento, sendo inaplicável a retroação da lei a fatos anteriores à sua vigência em observância à vedação da mudança em prejuízo do réu.

Nesse sentido, no Informativo nº 0528, de 23 de outubro de 2013, o STJ modificou seu entendimento, ao qual se filia nesta pesquisa, de irretroatividade da norma, por considerá-la de natureza híbrida, determinando a aplicação do art. 387, IV, do CPP, apenas aos delitos praticados após a entrada em vigor da Lei 11.719/2008.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. IRRETROATIVIDADE DO ART. 387, IV, DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.719/2008. A regra do art. 387, IV, do CPP, que dispõe sobre a fixação, na sentença condenatória, de valor mínimo para reparação civil dos danos causados ao ofendido, aplica-se somente aos delitos praticados depois da vigência da Lei 11.719/2008, que deu nova redação ao dispositivo. Isso porque se trata de norma híbrida - de direito material e processual - mais gravosa ao réu, de sorte que não pode retroagir. Precedente citado: REsp 1.206.635-RS, Quinta Turma, DJe 9/10/2012. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/8/2013 (grifo nosso).15

Em síntese, a aplicação do inc. IV do art. 387 do CPP será imediata, mas somente às infrações penais consumadas a partir do dia 22 de agosto de 2008.

3.3 Aplicação do inciso IV do artigo 387 do CPP

Como dito, os operadores do Direito Penal enfrentaram questões que, muitas vezes, só seriam solucionadas com uma decisão definitiva por meio dos Tribunais pátrios, de modo a nortear o modo de agir em relação à nova determinação processual.

Acerca da validade da inserção da lei no ordenamento jurídico, surgiram dúvidas, por exemplo, fundadas na necessidade de pedido expresso de reparação na denúncia ou queixa-crime; na possibilidade de fixação do quantum de ofício pelo juiz; na legitimidade do Ministério Público para promover o pleito de reparação civil (o que caracterizaria o exercício

(29)

da advocacia); e na impossibilidade de se estabelecer o contraditório para discutir o valor arbitrado, uma vez que interferiria e atrasaria o andamento da ação penal.

Tendo isso em vista, necessária uma análise das questões mais recorrentes na doutrina e na jurisprudência, deixando claro que ainda persistem discordâncias severas em relação à regra do art. 387, e que não se pretende, neste trabalho, afirmar o que é certo ou errado, mas sim mostrar os fundamentos utilizados por cada entendimento.

3.3.1 Legitimidade para requerer

Uma das dúvidas iniciais trata da legitimidade para postular a fixação do valor referente à reparação do dano causado pelo ilícito penal. A obrigação pecuniária de reparar é originariamente civil, recaindo sobre bens particulares e interesses privados dos indivíduos, enquanto o cumprimento da pena imposta pelo Estado, em primeiro lugar, é uma sanção ao descumprimento da ordem jurídica e à perturbação da ordem e da segurança pública.

Em relação às ações penais privadas, não existe contradição, uma vez que a ação é intentada pelo próprio ofendido ou seu representante legal; logo, um deles será também o titular do direito à reparação civil.

Mesmo porque o artigo 63 do CPP afirma que o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros poderão promover a execução da sentença condenatória transitada em julgado no juízo cível, para o efeito da reparação do dano (BRASIL, 1941).

Em relação à possibilidade de pedido de indenização na ação penal privada, segue abaixo interessante julgado, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em que se admite a cumulação do pedido de reparação civil na peça da queixa-crime, devendo ser adotado o rito processual penal e não o civil, como aconteceu na primeira instância de julgamento.

(30)

na sentença penal, nos moldes do art. 64 do CPP. 4. A queixa-crime é peça inaugural das ações penais de iniciativa privada. Por conseguinte, deverá o processo seguir o rito processual do CPP que estabelece, em seu art. 396, que “oferecida a

denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez)

dias”. Desta forma, o autor da demanda passa a ser chamado de querelante ao passo que o réu será denominado querelado. 5. O rito adotado pelo Magistrado de 1º Grau foi o do Código de Processo Civil, ao momento em que, na decisão agravada, concedeu pedido liminar, bem como determinou a citação dos querelados para, querendo, apresentar contestação [...] 6. A anulação da vergastada decisão monocrática é medida que se impõe, para que o M.M. juiz a quo possa corrigir o erro material apontado, sendo adotado o rito processual penal [...]. (grifo nosso).16

Mas quando se trata de ação penal pública, cujo titular privativo é o Ministério Público, quem deveria requerer essa compensação, já que se trata de interesse particular da vítima e não de defesa da sociedade?

Nos termos do art. 68 do CPP17, no caso de a vítima ser pobre, o responsável pela propositura da ação civil é a Defensoria Pública, e, nos locais onde esta não exista, pelo Ministério Público (BRASIL, 1941). Esse artigo, contudo, refere-se à promoção da ação (conhecimento ou execução) no juízo cível e não ao pedido de indenização na seara penal logo na denúncia ou na queixa-crime. Incumbir tal responsabilidade ao Ministério Público excederia o âmbito de sua atuação.

Pensamos, então, em conformidade com maior parte da doutrina e da jurisprudência, por analogia ao art. 68, que assistiria ao Ministério Público, mesmo agindo em nome próprio na defesa de interesse disponível alheio, requerer a indenização em favor do hipossuficiente. “Nos demais casos, restaria ao ofendido devidamente identificado habilitar-se como assistente da acusação, para só assim apresentar sua pretensão indenizatória”

(ALENCAR; TÀVORA, 2010, p. 209).

Em relação ao tema, seguem julgados abaixo, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, de acordo com os quais o ofendido, o assistente de acusação ou Ministério Público devem requerer a fixação do valor mínimo.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS DECORRENTES DE CRIME. Para que seja fixado na sentença valor mínimo

16 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. 1ª Câmara Especializada Cível. Agravo de Instrumento nº

2009.0001.001426-9. Agravantes: Edmundo do Monte Torres Neto e Outro. Advogado: Téssio da Silva Torres. Agravada: Raimunda Alves Melo. Advogado: Josué Soares da Silva. Relator: Fernando Carvalho Mendes. Julgado em: 05/09/2012. Publicado no DJe em: 17.09.2012.

17 Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1o e 2o), a execução da sentença

(31)

para reparação dos danos causados pela infração, com base no art. 387, IV, do CPP, é necessário pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público e a concessão de oportunidade de exercício do contraditório pelo réu. [...] (grifo original)18.

[...] PEDIDO NÃO REALIZADO NOS AUTOS. FIXAÇÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. [...] 2- A fixação do valor mínimo a título de reparação, prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal por dano moral, somente pode ser fixada se houver pedido por parte da acusação ou do assistente de acusação, a fim de possibilitar ao réu que elabore defesa sobre tal questão, sob risco de ocorrer violação ao princípio da ampla defesa.19 (grifo nosso).

[...] GARANTIA DE DIREITO INDENIZATÓRIO PLEITEADO EM FAVOR DOS HERDEIROS DA VÍTIMA. ART. 387, IV, CPP. ANTERIOR AO FATO. NORMA MATERIAL MALÉFICA. IRRETROATIVIDADE. RESTRIÇÃO DO ART. 387, IV, CPP À VÍTIMA. HERDEIROS DEVEM BUSCAR DIREITOS EM ESFERA CÍVEL. [...] 2. O art. 387, IV, Código de Processo Penal não autoriza os herdeiros e sucessores da vítima pleitear reparação por dano material na esfera penal. O preceito legal referiu-se unicamente ao ofendido e o conceito de ofendido não pode ser ampliado pelo aplicador do direito, quando não o fez o legislador. [...] (grifo nosso).20

Com essas decisões, no caso de ação penal pública, percebe-se a aceitação de requerimento tanto da vítima (assistente de acusação), quanto do Ministério Público (acusação); mas nunca dos herdeiros ou sucessores do ofendido, devendo estes propor a ação civil ex delicto. Portanto, nos casos, por exemplo, de homicídio e de latrocínio consumados, os sucessores da vítima falecida não poderão pleitear a indenização no processo criminal.

Importante dizer, quanto à legitimidade passiva, que a reparação civil somente pode ser promovida na jurisdição penal (art. 387, IV, CPP) contra o acusado de cometer o delito, em virtude de a condenação não ultrapassar a figura do ofensor.

Caso o real responsável pela satisfação da obrigação de reparar o prejuízo seja terceiro não participante do crime, “a vítima deve ingressar com ação de conhecimento no juízo cível, já que os efeitos da coisa julgada penal não podem prejudicar terceiros que não intervieram no feito criminal” (Lima, 2013, p. 286).

18BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 0528. Período de 23 de outubro de 2013. Quinta Turma. 19BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Criminal nº 0.780932-5. Apelante: Daniel Nunes.

Advogado: Stelio Machado. Apelado: Ministério Público do Estado do Paraná. Órgão Julgador: 4ª Câmara Criminal. Relator: Des. Miguel Pessoa. Julgado em: 01/03/2012. Publicado em: 27/03/2012. DJPR 832. p. 569.

20BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão 608786. Embargos Infringentes nº

(32)

3.3.2 Necessidade de requerimento das partes

O inciso em estudo determina que a fixação do valor seja feita pelo juiz no momento de proferir a sentença condenatória. O legislador, contudo, não se debruçou sobre a necessidade de requerimento, seja na denúncia seja no curso da ação penal, dessa fixação pela parte interessada, o que suscitou a indagação sobre a possibilidade de determinação do quantum de ofício pelo juiz criminal.

Tendo em vista que reparar o dano causado é uma obrigação do infrator, grande parte da doutrina e da jurisprudência acredita que a fixação do valor, além de determinação legislativa, é quase um dever da atuação do juiz; deduzindo-se, em razão disso, que deve haver, no mínimo, ainda que o magistrado se abstenha de valorar o dano, menção a esse quesito sem a necessidade de requerimento da parte.

Alega-se que a condenação civil na sentença penal é um dos requisitos desta, bastando que o juiz fundamente a decisão e demonstre os elementos que o levaram à condenação; e, por se tratar de valor mínimo, que pode ser majorado quando da execução no juízo cível, pouco importa que o juiz se adiante à fixação sem o pedido da parte. (MOURA, 2009; LAI, 2011; LIMA, 2013; SILVA, 2010a; TOURINHO FILHO, 2012).

Nesse sentido, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu apelação criminal, cujo julgado segue abaixo.

[...] INDENIZAÇÃO CIVIL PARA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELA INFRAÇÃO PENAL. ART. 387, IV, DO CPP. PEDIDO FORMAL DO OFENDIDO. PRESCINDIBILIDADE. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. [...] 4. A estipulação de indenização para fazer frente (à parte) dos danos causados pelo ilícito penal independe de pedido expresso do autor da ação penal ou da vítima. Trata-se de medida imposta ex lege. [...] (grifo nosso).21

Entretanto, como dizer que o assunto deve ser apreciado ex officio pelo juiz e, ao mesmo tempo, permitir que este se abstenha quanto à valoração, fundamentando-se na falta de requerimento? São, obviamente, pensamentos contraditórios; motivo pelo qual se acredita na necessidade de pedido expresso da parte ainda na denúncia ou queixa, devendo, ainda, o inciso ser mencionado mesmo que não haja valoração nem condenação.

21 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Criminal nº 2006.38.00.003576-4/MG. Quarta

(33)

O magistrado não pode julgar extra petita, de sorte que só estabelecerá o valor da

indenização se tal requerimento lhe foi apresentado, em regra, com a apresentação da inicial acusatória. (ALENCAR; TÁVORA, 2010, p. 209, grifo do autor).

Nesse sentido, o Informativo nº 693 do Supremo Tribunal Federal.

[...] O Revisor ponderou que incumbiria ao parquet, além de requerer a fixação de

valor mínimo, indicá-lo e apresentar provas, para que fosse estabelecido contraditório. Salientou ser defeso ao magistrado determinar a quantia sem conferir às partes a oportunidade de se manifestar. [...] (grifo nosso).22

Assim sendo, a existência de pedido formulado pelas partes é pressuposto para a fixação de tal indenização, sendo defeso ao juízo arbitrá-la de ofício, por ofender aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Para entender esse raciocínio, basta atentar para o princípio da inércia da jurisdição, segundo o qual o Estado-Juiz só atua mediante provocação da parte interessada.

Tal princípio encontra-se consubstanciado, explicitamente, no art. 2º do Código de Processo Civil23 (BRASIL, 1973) e, implicitamente, no art. 24 do Código de Processo Penal24 (BRASIL, 1941), mantendo desse modo a imparcialidade do julgador.

3.3.3 Observância do contraditório

Com base nos autores mencionados no presente trabalho, em relação ao contraditório, afirma-se que não há muita controvérsia, motivo pelo qual se infere que existe, praticamente, unanimidade tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileiras.

A partir da conclusão de que é preciso requerimento expresso da parte interessada para que possa haver apuração e valoração do dano, provocando a tutela da jurisdição penal, deduz-se pela exigência de formação do contraditório, de maneira que seja garantido o atendimento aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal25.

22BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 470/MG 230. Informativo nº 693. Período: 17 a 19 de dezembro de

2012. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Data: 17/12/2012.

23 Art. 2º Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos

e formas legais.

24 Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá,

quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

25 Art. 5º [...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

(34)

E aqui, cita-se mais uma vez, os Informativos nº 0528/2013 do STJ e nº 693/2012 do STF, em que se salienta ser imprescindível a concessão de oportunidade ao acusado de exercício do contraditório, bem como ser defeso ao magistrado determinar a quantia sem conferir às partes a oportunidade de se manifestar. Abaixo, decisão do STJ.

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. REPARAÇÃO POR DANO MATERIAL. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. SÚMULA 83/STJ.

1. Não há falar em fixação de valor mínimo de indenização à vítima se o Ministério Público não requereu, tampouco o fez o ofendido, a fixação desse quantum no momento do oferecimento da denúncia, sob pena de violação dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Súmula 83/STJ. 2. Agravo regimental improvido. (grifo nosso).26

Mesmo aqueles que defendem a desnecessidade de pedido expresso, concordam que o magistrado pode e deve se abster de determinar o valor mínimo quando não vislumbrar no processo substratos fáticos autorizadores da aplicação da norma; devendo, contudo, de ofício, manifestar-se sobre ela, dizendo se aplica ou se deixa de aplicar o art. 387, IV, do CPP por causa da falta de discussão sobre a indenização à vítima no curso da instrução criminal.

Ademais, conforme exposto acima, acredita-se que o pedido expresso de reparação deve ser feito no bojo da denúncia ou da queixa-crime, de modo a oportunizar a manifestação do réu e assegurar o contraditório desde o início da ação penal.

3.3.4 Elementos mínimos para aplicação da norma e momento de fixação da reparação

Diante do que já fora exposto, conclui-se que, para a fixação do valor mínimo pelo juiz, imprescindível haver nos autos prova da existência do prejuízo suportado pelo ofendido. A falta de comprovação do dano impediria a aplicação do inciso IV do artigo 387 do Código de Processo Penal, com base, simplesmente, na impossibilidade de o magistrado arbitrar um valor sem que possa fundamentar sua decisão, por mais sensibilidade e bom senso que possa ter, a contrário do que afirma Tourinho Filho (2012, p. 257): “Todavia, ainda que

não exista prova, pelo tipo de infração, pode muito bem o Juiz, como um bom pater familiae que é e deve ser, [...], saber como não extrapolar esse mínimo”.

26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (2013/0203375-9) Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial

Referências

Documentos relacionados

As análises serão aplicadas em chapas de aços de alta resistência (22MnB5) de 1 mm de espessura e não esperados são a realização de um mapeamento do processo

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar testes de tração mecânica e de trilhamento elétrico nos dois polímeros mais utilizados na impressão

Os principais objectivos definidos foram a observação e realização dos procedimentos nas diferentes vertentes de atividade do cirurgião, aplicação correta da terminologia cirúrgica,

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

O objetivo deste trabalho foi realizar o inventário florestal em floresta em restauração no município de São Sebastião da Vargem Alegre, para posterior