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O processo colaborativo no âmbito escolar pela perspectiva da dramaturgia do aluno

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS

ISOLETE DA ROSA

O PROCESSO COLABORATIVO NO ÂMBITO ESCOLAR PELA PERSPECTIVA DA DRAMATURGIA DO ALUNO

ORIENTADOR: Professor Ms. Rodrigo Desider Fischer

ITAPETININGA 2014

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ISOLETE DA ROSA

O PROCESSO COLABORATIVO NO ÂMBITO ESCOLAR PELA PERSPECTIVA DA DRAMATURGIA DO ALUNO

Trabalho de Conclusão de curso de Licenciatura, Habilitação em Teatro, do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Universidade de Brasília.

Orientado pelo Professor Ms. Rodrigo Desider Fischer.

ITAPETININGA 2014

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4 DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais, Moacir F. da Rosa e Luzia A. da Rosa (em memória), é com muita saudade, doída e apertada no peito que faço isso, pois gostaria muito de que estivessem vivos e ao meu lado para que participassem da realização desse sonho, mais sei que estarão ao meu lado em espírito.

Vocês sempre foram meus exemplos de dignidade, sensatez, caráter e perseverança. Sempre lutaram mesmo sendo semi - analfabetos para que eu e meus irmãos tivéssemos o essencial para viver, conseguiram. E fizeram melhor, pois amor nunca faltou, que pra mim é o primordial.

Dedico ao senhor pai querido, todas essas linhas escritas, pois esta conseguiria ler, depois que aprendeu ler junto comigo a letra de “forma” para ler o evangelho (Bíblia).

Dedico à senhora minha querida mãe este trabalho, pois foi através de vivenciar contigo todas as suas habilidades manuais que consegui realizar com êxito todas as fases praticas desse curso.

Sempre foram meu orgulho. E se cheguei ate aqui sem desistir, podem ter certeza que tem uma grande parceria nisso tudo.

Descansem em paz.

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5 AGRADECIMENTO

Primeiramente agradeço а Deus por ter permitido chegar ate este momento, não somente pelo curso mais por tudo que tem realizado ao longo da minha vida, por todas as percas superadas e por todo o aprendizado e conquistas.

A Universidade de Brasília UnB/EaD pela oportunidade de realização do curso, a direção, administração, coordenação, a todos os professores e tutores que estiveram presente nesse percurso, por suas manifestações de afeto e dedicação, por me proporcionarem o conhecimento nesse longo período de aprendizado.

Ao orientador professor Ms. Rodrigo Desider Fischer pelo suporte e dedicação ao pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções, incentivos e por acreditar em meu trabalho.

Aos meus tutores presenciais Edson Pinto e Andre Luiz Camargo pela compreensão, dedicação e gesto de carinho.

Toda equipe do Polo de Itapetininga, principalmente a Ana e Silene pelo apoio.

A todos os colegas de curso que estão realizando comigo este sonho e aos que ficaram pelo meio do caminho, foi muito boa e prazerosa a jornada com vocês.

A direção da E. E. Peixoto Gomide e professores, pela compreensão e ajuda no momento dos estágios. E ao grupo de alunos dessa escola que contribuíram para que o trabalho de improvisação e intervenção tivesse êxito.

Aos integrantes do grupo de montagem do CAC/SP do SESI de Itapetininga que fizeram parte do meu entusiasmo para falar do processo nessa monografia.

Aos queridos professores que contribuíram com seus depoimentos.

A minha família, irmãos, sobrinhos, tios, primos, cunhados e amigos que direta e indiretamente souberam entender a minha falta nas comemorações especiais.

Aos meus companheiros e amigos do trabalho que me apoiaram e souberam lidar com minha euforia e meus nervosismos.

Meus avôs, meus pais e meus sogros, saudades mil, obrigado por terem existido.

Faço aqui um agradecimento especial ao meu companheiro e grande amor de todos os momentos, que soube limpar minhas lágrimas nas horas de fraqueza, desespero e angústia e também se alegrar com minhas conquistas e realizações. Confesso que sem sua presença me incentivando e me amparando não tinha chegado a este momento tão especial na minha vida.

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6 RESUMO:

A partir da vivência e experiência da autora dessa monografia como atriz e pesquisadora, propõe-se um olhar ético e estético sobre as possibilidades do processo colaborativo, considerando a autonomia do aluno enquanto co-criador de suas experiências em sala de aula. A partir dessas considerações, o presente trabalho busca referenciais teóricos no pensamento dos estudiosos Jorge Larrosa, Jacques Rancière e Paulo Freire como suporte para as inquietações e a realização de intervenções com alunos do Ensino Médio da E. E. Peixoto Gomide em Itapetininga/SP. Ao propor esta práxis dentro da escola, entende-se como uma possibilidade pedagógica possível de articulação no espaço escolar, desde que haja por parte dos principais envolvidos, alunos e professor, cumplicidade nas inter-relações rompendo a hierarquia tradicional presentes no ambiente escolar.

Palavras - chave: Processo Colaborativo; experiência; improvisação; autonomia.

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7 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO:... 8

1. CAPITULO I: A DRAMATURGIA COLABORATIVA NA ESCOLA 1.1 – Processo Colaborativo: aspectos Gerais... 12

1.2 – Registros do Processo Colaborativo no Âmbito Escolar... 15

1.3 – Reflexões sobre as dificuldades do Processo Colaborativo na Escola... 20

2. CAPÍTULO II: A IMPROVISAÇÃO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 2.1 – Notas sobre a Experiência para Larrosa, Rancière e Freire ... 24

2.2 – Experiências pessoais com o CAC, espetáculo Lear ... 31

2.3 – O Testamento do Cachorro: Investigação em Processo ... 33

2.4 – Improvisação como Potência de Criação Teatral e Experiência ... 37

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 40

BIBLIOGRAFIA ... 42

ANEXO – 1: Depoimento integral realizado dos professores.

ANEXO – 2: Relato da montagem Lear em processo colaborativo, com depoimentos e desenho da dramaturgia cênica.

ANEXO – 3: Fotos referentes ao O Testamento do Cachorro realizado na E.E. Peixoto Gomide com alunos do Ensino Médio.

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8 INTRODUÇÃO

No meu percurso artístico tive algumas oportunidades de realizar encenações teatrais no âmbito escolar como estudante. Neste ambiente era possível identificar procedimentos que priorizavam a memorização de textos previamente escolhidos pelo professor, com ênfase no senso comum de talento, decisões com pouca participação dos alunos e práticas pedagógicas excludentes que evidenciavam tipos, como por exemplo, o aluno popular, engraçado e que sempre fazia intervenções cômicas nos trabalhos. O preocupante é que, mesmo depois de 20 anos que finalizei meus estudos no curso colegial (atual Ensino Médio), quando pais e educadores me relatam sobre a existência de experiências teatrais no âmbito escolar, percebo que as práticas na qual fui educada, calcadas no textocentrismo e na decoreba, continuam enraizadas na pedagogia do ensino teatral.

Somente quando residi na capital paulista, em 1999, resignifiquei meu olhar sobre o exercício cênico, através do grupo Mimestai, onde realizamos várias montagens cênicas. Durante cinco anos de itinerância com o grupo, pudemos levar espetáculos a lugares carentes da Grande São Paulo. Aos novos integrantes, o grupo distribuía cópia de seu pensamento que permeava suas ações artísticas, do qual reproduzimos um trecho:

Não há fórmulas prontas dentro do Teatro; assim tentamos abrir janelas diversas, de modo a levar os atores a um mergulho sem rede de proteção (...).

A unidade espaço/tempo/elemento é essencial no processo de integração do coletivo ao universo, à vida, ao Teatro. (...) Teatro é uma brincadeira seriíssima, que trabalha com a matéria humana e sua inter-relação, visando sempre o coletivo. E que fique aqui explícito o que é o mau ator, é aquele que não respeita o Teatro ferindo-o, assim como aos seus companheiros, tomando dificulto o processo do coletivo1.

A proposta desse material era uma forma de manter os mesmos princípios para todos integrantes. Em 2013, depois de nove anos sem atuar, retomei a função de intérprete nas aulas ministradas no Centro de Atividades Culturais (CAC) do SESI-SP, na cidade de Itapetininga (SP). A proposta do curso era o estudo e a encenação da tragédia King Lear, de William Shakespeare em processo colaborativo. Este trabalho aglutinou no mínimo doze experiências pessoais ímpares que buscavam, por meio de exercícios e improvisações, uma construção a partir do coletivo. Relato os caminhos

1 Trata-se de panfletos que eram para os novos integrantes.

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9 vivenciados por esta proposta, sendo este curso de Iniciação Teatral – Módulo:

Múltiplas Linguagens2 ofertado aos trabalhadores, estudantes e a comunidade em geral.

Tendo vivenciado processos tão diferentes na minha trajetória escolar e, como aluna do curso já citado que era conduzido por princípios da colaboratividade3, procurei refletir melhor sobre a prática colaborativa e as inúmeras situações que me faziam a todo o momento, observar e questionar as relações, posturas e contribuições dos envolvidos na construção do trabalho. Podemos aprimorar o pensamento sobre essa prática com a reflexão da autora Estela Regina Fischer a respeito do processo colaborativo:

Na criação de um evento cênico, entendemos por processo colaborativo o procedimento que integra a ação direta entre ator, diretor, dramaturgo e demais artistas. Essa ação propõe um esmaecimento das formas hierárquicas de organização teatral. Estabelece um organismo no qual os integrantes partilham de um plano de ação comum, baseado no princípio de que todos têm o direito e o dever de contribuir com a finalidade artística. Rompe-se com o modelo estabelecido de organização teatral tradicional em que se delega poder de decisão e autoria ao diretor, dramaturgo ou líder da companhia (FISCHER, 2003, p. 39).

Durante a construção coletiva, em minhas observações, ficava evidente que os envolvidos entendiam teoricamente do que se tratava o processo colaborativo, porém, na prática se contradiziam em suas posturas. Sendo assim, percebi que o que mais me incomodava em relação a tal processo era o modo como às pessoas se relacionavam e contribuíam a partir de suas experiências. Intui que o grupo do CAC, de 2013, era constituído por pessoas diversas que estavam em momentos diferenciados em seus processos pessoais.

No entanto, ao aventurar-me numa tarefa tão complexa entre a observação pessoal e a possibilidade de aprofundar sobre a atuação das pessoas em um coletivo, recorro às reflexões de Jorge Larrosa sobre a experiência e as interrelações didáticas a partir de Jacques Rancière e Paulo Freire. Nesta pesquisa, a palavra experiência vem como sentido de provar (do latim experiri). “O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-europeia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia”, explica Larrosa (2002, p. 25). Experiência que busca transformar, mexer com sensações, reflexões, conceitos e ideias que permitam novas perspectivas no olhar de quem ensina e quem aprende.

2 O CAC Itapetininga oferta três módulos em sua grade de ensino teatral, além do já citado de duração anual, há os módulos semestrais de Jogos Teatrais e Ler a Cena.

3 Termo utilizado por Lidiane Gomes Lobo na dissertação de Mestrado Um por todos, todos por um?:

Uma reflexão sobre a postura ética na prática teatral colaborativa. (op. cit.)

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10 Com as contribuições dos participantes do curso, todos amadores de teatro juntamente com os profissionais do CAC que conduziam o curso, buscavam-se soluções colaborativas para fugir das armadilhas da experiência, de fórmulas prontas, de regras enraizadas no discurso e na prática.

Deparo-me então com o seguinte questionamento: como o processo colaborativo pode avançar numa perspectiva onde experiências coletivas se coloquem a serviço de uma educação que pensa e constrói o individuo a pensar e agir coletivamente? Recorro ao filósofo argelino Jacques Rancière e seu livro O Mestre Ignorante. Nesse sentido, é pertinente a aproximação entre Larrosa e Rancière no que tange ao sujeito da experiência como o detentor de conhecimentos específicos e pessoais sobre o mundo e à postura não hierarquizada do processo de aprendizagem colaborativa.

Mais adiante, nesse estudo, aproximo também com as ideias do educador brasileiro Paulo Freire, considerando que ele condena o ensino centrado no professor (mestre) e voltado apenas para a aquisição de informações, sem qualquer contextualização ou apreciação crítica, denominado por Freire como “educação bancária” (FREIRE, 2014). Portanto, o problema da explicação é, sobretudo, um problema político, pois esta nunca é neutra. A explicação poderia assim instaurar uma lógica de desigualdade.

Os alunos podem aprender seguindo seus próprios métodos, por meio de caminhos por eles escolhidos. O mestre ignorante, para Ranciére, faz apenas duas coisas: interroga os alunos e verifica se os mesmos realizam o trabalho de aprender com atenção. Faz sempre três questões: "O que vês?", "O que pensas disso?", "O que fazes com isso?". Ele não verificará o que o aluno descobriu, mas sim o modo como realizou sua busca (RANCIÈRE, 2013, p. 44). Entendo que as três perguntas levantadas por Rancière são inspiradoras para o trabalho de análise do processo colaborativo advindos da experiência artística e dos jogos entre ética e estética.

Para desenvolver este percurso de reflexão, essa monografia assim se constituiu:

na primeira parte são apresentados aspectos gerais que proporcionaram o surgimento do processo de criação colaborativa em grupos de teatro no Brasil, a partir da década de 1970. Serão observadas também as contribuições desta prática no universo escolar bem como algumas dificuldades intrínsecas à prática colaborativa, as relações, posturas e contribuições dos envolvidos, apontando para a necessidade de se refletir sobre a postura ética dos participantes a fim de uma maior legitimação do processo.

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11 No segundo capítulo, descreve-se a experiência com o grupo de trabalho do CAC o que sedimentou a própria práxis dessa monografia. A montagem de Lear4 foi um processo de pesquisa que entedia a improvisação e o diálogo como fonte de troca entre os participantes. Por meio deste trabalho, foi possível experienciar e re-elaborar um olhar sobre as parcerias colaborativas, as posturas éticas, a subjetividade e a experiência de cada participante, propondo novas relações humanas e artísticas num trabalho dentro de um coletivo. Investigamos e questionamos o que move as pessoas a participarem de um grupo e qual a maneira de estabelecer uma forma de participar que seja igualitária potente e colaborativa. Ainda no segundo capítulo, exercito e registro minhas intervenções no âmbito escolar da E. E. Peixoto Gomide, em Itapetininga, com alunos do Ensino Médio a partir da dramaturgia do aluno frente a um trecho da peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.

Nas considerações finais busco trazer apontamentos para o estabelecimento de práticas educacionais colaborativas de improvisações, de caráter experimental e investigativo, em espaços principalmente escolares que contemplem o reconhecimento da potência dos indivíduos para que, cada vez mais se tornem autônomos em suas posturas e ações e, consequentemente, potencializem o coletivo.

Pretendo com o presente estudo, lançar perspectiva numa pedagogia de teatro voltada para as necessidades de um mundo contemporâneo e não restrito as “fórmulas mágicas”, já conhecidas, que se fazem passar por imutáveis, contextualizando assim o processo de encenação dentro de uma política colaboracionista no âmbito artístico- pedagógico escolar. Vivências essas que busco aprimorar no oficio de ensinar dentro do âmbito escolar, superando as situações limítrofes da memorização, da tipologia determinada e de práticas pedagógicas excludentes.

4 A encenação que comentaremos no capítulo 2, foi resultado do curso de Múltiplas Linguagens, ocorrido no CAC de Itapetininga, entre os meses de março a dezembro de 2013, com orientação de Milton Cardoso.

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12 1. A DRAMATURGIA COLETIVA NA ESCOLA

Pretendo nesse capítulo buscar conceitos sobre o que é o processo colaborativo e as possíveis contribuições desta prática no universo escolar, além de analisar algumas dificuldades intrínsecas a prática colaborativa com a finalidade de uma maior legitimação deste processo.

1.1 – Processo Colaborativo – Aspectos Gerais

GALILEU: É um astrolábio; mostra como as estrelas se movem à volta da Terra, segundo a opinião dos antigos...

ANDRÉA: É bonito. Mas nós estamos fechados lá no meio.

GALILEU: É, foi o que eu também senti, quando vi essa coisa pela primeira vez. Há mais gente que sente assim... Há dois mil anos a humanidade acredita que o sol e as estrelas do céu giram em torno dela. O papa, os cardeais, os príncipes, os sábios, capitães, comerciantes, peixeiras e crianças de escola, todos achando que estão imóveis nessa bola de cristal... Mas veja o que se diz agora: se as coisas são assim, assim não ficam. Tudo se move meu amigo... Uma noite bastou para que o universo perdesse o seu ponto central; na manhã seguinte tinha uma infinidade deles. De modo que agora o centro pode ser qualquer um, ou nenhum.

Bertold Brecht

O textocentrismo foi por muito tempo elemento essencial à estrutura dramática.

Para Patrice Pavis, desde Aristóteles até o início da encenação no final do século XIX, o teatro ocidental “esteve encerrado numa concepção logocêntrica” (PAVIS, 1999, p.

406). Segundo José da Costa, apesar dos questionamentos no início do século XX de Antonin Artaud, Vsevold Meyerhold, Gordon Craig e Adolphe Appia, houve “a primazia do texto literário fornecido pelo escritor e a hierarquia entre texto e criação cênica no processo teatral" (COSTA, 2009, p. 29). Para o autor somente o experimentalismo nos anos 1960 é que questionou com mais vigor as fases hierárquicas do processo cênico, como por exemplo, as criações coletivas.

Na década de 1970 a criação coletiva é muito disseminada e praticada na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Destacamos aqui o grupo experimental Living Theatre, de Judith Malina e Julian Beck, que além de ser um grupo referência de criação coletiva, estabeleceu uma parceria com um importante grupo brasileiro, o Teatro Oficina de José Celso Martinez Corrêa.

É importante dizer que uma característica do processo de criação coletiva é a organização “de grupos cooperativados sem a intermediação do empresário, com o

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13 papel do encenador não totalmente rejeitado, mas vigorosamente submisso a uma vontade do coletivo.” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p.102).

Neste contexto surgem grupos brasileiros de teatro coletivo como: Pod Minoga (1972), União e Olho Vivo (1972), Asdrúbal Trouxe o Trombone (1974), Ornitorrinco (1977), Tá na Rua (1980), entre outros. Segundo Clóvis Domingos dos Santos:

Começava a haver uma maior abertura à experimentação, ao jogo da improvisação, à destruição e reinvenção dos cânones e de grandes textos. A criação coletiva permitia que os grupos experimentassem maior liberdade artística, quase numa resposta aos governos autoritários. Vivendo numa relação verticalizada com o Poder, era preciso horizontalizar, quase igualar as relações criativas dentro da sala de ensaio e nas decisões grupais (SANTOS, 2010, p. 23).

Nessa democratização das funções, o desempenho do ator passou por significativa transformação dentro do trabalho coletivo: “Ele não é autônomo, no sentido de independente, porque participa de um conjunto artístico, mas possui autonomia para criar, propor e decidir dentro deste mesmo conjunto” (SANTOS, 2010, p. 24).

De modo sucinto, a criação coletiva era um processo totalmente experimental e de uma liberdade irrestrita de seus criadores, mas que apresentava diversas fragilidades durante o processo. Aponta Luis Alberto de Abreu:

A Criação Coletiva possuía, no entanto, alguns problemas de método. Um deles era talvez a excessiva informalidade do próprio processo. Não havia prazos, muitas vezes os objetivos eram nebulosos e se a experimentação criativa era vigorosa, não havia uma experiência acumulada que pudesse fixar a própria trajetória do processo. Era ainda uma abordagem da criação totalmente empírica que se resumia, muitas vezes em experimentação sobre a experimentação5 (ABREU, 2003, p. 35).

No método de criação coletiva não há uma assinatura autoral, nem do dramaturgo e nem do encenador. A assinatura da montagem é dos participantes, sendo que, com raras exceções, “o ator é o elemento central do processo e, a partir de suas improvisações, podem surgir, além do texto, ideias de cenários, figurinos, luz, etc.”, afirma Adélia Nicolete (NICOLETE, 2002, p. 319). Podemos entender assim que a criação coletiva resgata o valor do trabalho grupal. Para o encenador alemão Bertold Brecht, o trabalho coletivo é a “socialização do saber” como cita Patrice Pavis:

Brecht definiu tal trabalho coletivo como socialização do saber; mas pode-se concebê-lo igualmente como colocação em discursos de sistemas significantes na enunciação cênica: a encenação não representa mais a palavra de um autor (seja este autor dramático, encenador ou ator), porém a

5 ABREU, Luís Alberto. Disponível em http://escolalivredeteatro.blogspot.com. Acessado em 27 de setembro de 2014.

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14 marca mais ou menos visível e assumida da palavra coletiva (PAVIS, 2003, p. 80).

Podemos dizer que a criação coletiva procede ao processo colaborativo. Não existe um modelo, um método único deste processo. Mas recorreremos ao Dicionário do Teatro Brasileiro para traçar:

Em linhas gerais, ele se organiza da escolha de um tema e do acesso irrestrito de todos os membros a todo material de pesquisa da equipe.

Após esse período investigativo, ideias começam a tomar forma, propostas de cena são fei tas por quaisquer participantes e a drama turgia pode propor uma estruturação básica de ações e personagens, com o objetivo de nortear as etapas seguintes (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p.

253 – 254).

Segundo Clóvis Domingos dos Santos (2010), o termo processo colaborativo começou a ser usado na segunda metade da década de 1990 dentro de um contexto de retomada do movimento teatral de grupo em São Paulo,6 para depois ganhar proporção nacional. Entendemos que neste momento, com a cristalização do processo colaborativo em palcos nacionais e sua posterior expansão pedagógica em cursos de formação, como a Escola Livre de Santo André (SP), no Departamento de Artes Cênicas da ECA-USP e o Galpão Cine Horto (MG), se consolidará a formação de profissionais (diretores, atores e professores) capacitados a trabalhar processos colaborativos em salas de aula ou de ensaios.

O processo colaborativo rompe a ideia de hierarquia pré-estabelecida, em qualquer função da construção da montagem, cabendo a todos envolvidos as múltiplas interferências na busca criativa. Para Luis Alberto de Abreu (2003) o processo colaborativo busca uma relação de horizontalidade entre os criadores. Para atender esta complexidade, uma nova perspectiva é lançada sobre o trabalho de cada integrante do grupo: é necessário por parte do artista-criador um comprometimento estético, ético e ideológico. Um ator comprometido com o todo.

É a partir da improvisação dos integrantes em cena que se constitui o procedimento essencial para a criação cênica colaborativa. Nascendo, a partir das cenas improvisadas, elementos como o texto, configurações visuais do espaço cênico, a proposta de encenação, etc., um “jogo de complementaridade” (SANTOS, 2010, p. 27).

Santos complementa que “a dramaturgia da cena é, antes de tudo, uma dramaturgia no espaço. E nesse espaço o ator se relaciona não só com as palavras, mas com a luz, com os objetos, com a presença ativa dos outros colaboradores.” (p. 27).

6 O processo colaborativo foi aprofundado graça a contribuição do Teatro da Vertigem sob a liderança de Antônio Araújo.

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15 Portanto, um novo conceito de dramaturgia (entre outros conceitos das artes cênicas, que não comentaremos aqui) necessita de revisão, pois o termo não se restringe à literatura dramática produzida por um dramaturgo, passando a compreender a criação cênica. Conforme observa Pavis:

Dramaturgia designa então o conjunto das escolhas estéticas e ideológicas que a equipe de realização desde o encenador até o ator, foi levada a fazer.

Este trabalho abrange a elaboração e representação da fábula, a escolha do espaço cênico, a montagem, a interpretação do ator, a representação ilusionista ou distanciada do espetáculo. Em resumo a dramaturgia se pergunta como são dispostos os materiais da fábula no espaço textual e cênico e de acordo com qual temporalidade. A dramaturgia no seu sentido amplo mais recente tende a ultrapassar o âmbito de um estudo do texto para englobar texto e realização cênica (PAVIS, 2003, p.113 -114).

Pensa-se, portanto a dramaturgia como uma escrita da cena. Texto e cena são criados conjuntamente a partir das experimentações dos ensaios. Para Santos (2010), neste processo a presença do dramaturgo na sala de ensaios é fundamental, dialógico, bem como de outros profissionais (iluminador, cenógrafo, etc.), abertos a dar e receber comentários da equipe. O que caracteriza a grande diferença entre a criação coletiva e o processo colaborativo é que, embora a construção integre todos os participantes, há a autonomia da identidade criadora.

1.2 – Registros de Processo Colaborativo no Âmbito Escolar

Em 2008, a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, lança a proposta curricular São Paulo Faz Escola para alunos do Ciclo II (6º ano ao 9º ano) e Ensino Médio. Estudantes receberam Cadernos do Aluno (de todas as disciplinas existentes na Grade Curricular) e os professores os textos gerais e específicos nos Cadernos do Professor. Para Maria Inês Fini (Coordenadora geral do Projeto São Paulo Faz Escola), a Secretaria visava “aprimorar o trabalho pedagógico e docente na rede pública de ensino, em parceria com seus professores, coordenadores, assistentes pedagógicos, diretores e supervisores”. (FINI, 2008, p. 5). O material segundo Fini não era uma novidade pedagógica, mas coordenar, auxiliar e avaliar o desenvolvimento curricular na formação do aluno em todas as escolas públicas estaduais, almejando uma educação de qualidade, “que atenda os objetivos sociais” (p.5). Os conteúdos disciplinares foram planejados para cada ano letivo. Nosso interesse sobre esta proposta recai sobre o 1º e 2º ano do Ensino Médio, pois o trabalho desenvolvido (e a ser detalhado no segundo

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16 capítulo) foi com alunos do Ensino Médio da E. E. Peixoto Gomide. Saliento também que nosso estudo irá focar na linguagem teatral.

Entende-se que a partir da implantação da proposta São Paulo Faz Escola todos os professores da rede estadual paulista deveriam desenvolvê-la.

No volume I do Caderno do Professor destinado aos alunos do 1º ano do Ensino Médio, o eixo condutor do conhecimento é a mediação cultural e as práticas criativas que podem acontecer através de projetos individuais ou colaborativos. Na introdução do Caderno, comentam-se as competências e habilidades previstas, metodologia e estratégias e finalmente, a avaliação. Neste momento, nos cabe atentarmos sobre três das oito notas comentadas no referido material “Nota para processos educativos em arte:

metodologia e estratégias” ao educador. Encontramos no Caderno:

1. Manejar as Situações de Aprendizagem oferecidas pelas proposições, como modos de provocar em sala de aula a experiência com e sobre a arte.

2. Não confundir experiência com experimento. A experiência é diferente do experimento. A experiência "é aquilo que nos passa, ou que nos toca ou que nos acontece, e ao passar-nos nos forma e transforma", como diz Jorge Larrosa. Isso implica deslocar o foco da informação para a problematiza- ção, abandonando o velho hábito de professor que tudo quer explicar. Antes de dar respostas prontas é melhor compartilhar experiências de proble- matização com os aprendizes.

3. Sair do lugar de professor que transmite um saber sobre arte, ousando o caminho de um aprendizado permanente no próprio ato de ensinar. (Grifos nossos nos três itens acima).

Observa-se que esses três itens destacados acima estão de acordo com o tema abordado nessa monografia. Iremos discutir no próximo capítulo a questão da experiência e a postura do educador de arte. Nesse momento a ideia é refletir se este material ofertado pela Secretaria oferece de fato subsídios aos professores de Arte da rede pública estadual. Para sermos mais específicos ao nosso assunto, vamos nos deter ao volume 3, onde o Caderno do Professor: arte, ensino médio – 2ª série sugere que o professor estimule o exercício do fazer teatral através da improvisação em oposição à

"preparação" de encenações a serem apresentadas nos eventos “especiais” da escola com algumas características comuns, como textos com o objetivo do riso ou da fácil comoção fácil através de falas decoradas com o objetivo de “agradar” a comunidade escolar. (p. 24). Portanto o material da Secretaria da Educação propõe a criação teatral de cenas curtas pela improvisação, sem a preocupação de resultados acabados. Podemos ir até mais longe: sem o objetivo de utilizar a arte como necessidade de conhecimento, como veremos, adiante em Jorge Larrosa, sobre o saber da experiência.

Defende o caderno de atividades, coordenado por Fini a vantagem da improvisação no âmbito escolar como agente estimulador da criatividade do

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17 participante, a sua espontaneidade, flexibilidade e imaginação. Como suporte, as situações de improviso são retiradas do livro Improvisação para o Teatro de Viola Spolin. Estas referências reforçam que os professores de Arte da rede paulista possui uma familiaridade com os jogos de Spolin, pois receberam orientações técnicas da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (Cenp).

No Caderno analisado por nós, o material fornece subsídios para a ampliação de referenciais do educador ao citar a commedia dell'arte e cita o trabalho da Cia. Jogando no Quintal7 como possibilidade do fazer teatral. Ao final dos exemplos, há o convite para que os alunos produzam um mini-festival de improvisação. Não tivemos nenhum registro ou depoimento deste tipo de evento na E. E. Peixoto Gomide. O caderno parece-nos extremamente precário quanto às sugestões de aproximação do aluno com a improvisação: com leitura de imagens, quatro perguntas disparadoras e um pequeno parágrafo sobre o gênero commedia dell’arte. Mal utilizado pode tornar-se um livro didático, sem a força de propor a ideia de “travessia”, de “risco”, dando o mundo

“mastigado”, como irá advertir Larrosa no segundo capítulo.

Questionamos então: será que o processo colaborativo na escola consegue se sustentar somente com a realização de sugestões de improvisações sem a presença de um

“professor-dramaturgista”?8 No próximo parágrafo relataremos a experiência do professor Marcelo Gianini formado pela ECA-USP em um colégio particular e a seguir, de professores da rede pública estadual em Itapetininga.

O Colégio Singular da cidade de Santo André (SP) formou em suas dependências o Grupo de Teatro do Colégio Singular – ou simplesmente Teatro Singular -, coordenado por Marcelo Gianini, entre 1989 a 2009, ex-aluno do grupo de Teatro Singular de 1984 a 1986. Nos vinte anos que Gianini lecionou aulas de Iniciação Teatral, extracurriculares, para jovens na faixa etária de 15 a 20 anos, incluindo alunos da própria escola como de outras instituições escolares, foram compartilhadas no mesmo espaço experiências de pessoas com visões de mundo diferenciadas.

Para Gianini, a principal herança deixada pelos professores anteriores é que a direção da escola não via o teatro a serviço de outras atividades, “em nenhum momento foi preciso mostrar à direção da escola a autonomia do aprendizado teatral.” (GIANINI, 2009, p. 16). Portanto, o professor não foi cobrado por produção de um “espetáculo”, ou

7 Os atores da Cia Jogando no Quintal improvisam cenas sobre uma estrutura de uma partida de futebol, com dois times de três atores-jogadores cada a partir de sugestões do público. Nesta estrutura a plateia desempenha um papel ativo ao incentivar e avaliar o desempenho do seu time.

8 Na página 36 vamos procurar conceituar este termo.

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18 associar seus trabalhos aos conteúdos curriculares escolares, bem como apresentar-se em eventos do colégio.

Em sua dissertação de Mestrado João, Artur e Alice: Brincando de Fazer Teatro na Contemporaneidade – Processos de Criação como Prática Pedagógica, Gianini descreve sua metodologia de encenação colaborativa. Nesta dissertação, Gianini foca seu processo em três montagens: Paixão e Morte de João do Santo Cristo, A Távola Redonda e Não é Alice no País das Maravilhas. Este estudo nos mostra a cumplicidade do “professor-dramaturgista” perante os desafios e soluções encontradas para a potencialidade da construção colaborativa. O objetivo principal do Teatro Singular para Gianini (p.19) é a autonomia do participante, quando o aluno leigo é provocado a questionar o que se aprende, como diz o autor.

Para formular sua proposta, Gianini recorre aos procedimentos de Brecht e as formulações do teatro épico, ao questionar sobre a cena contemporânea conclui que o mais importante não são às formalizações da encenação mas sim, a fidelidade ao pensamento (p. 20). E segue mais a frente: “Teatralizar é engajar-se em uma experimentação, por meio da interação entre linguagem e experiência; para explorar o próprio sentido da representação.” (p. 20). Segundo o mesmo autor, foram às peças didáticas brechtianas frente aos desafios da cena contemporânea que permearam seu trabalho.

O professor trabalhou com os jogos dramáticos e brincadeiras populares como metodologia num primeiro estágio buscando estimular a reflexão contínua dos alunos sobre o mundo, um estímulo propulsor das improvisações e entendimento estético do trabalho. Gianini acredita que sua ação pedagógica não dá respostas aos alunos, mas provoca sim questionamentos, “não é a representação da situação e sim das ideias.” (p.

31). Mais adiante afirma: “mais que o desenrolar da trama, que as peripécias da fábula, o que nos interessa são os temas que o texto como Modelo de Ação tenha para oferecer”.

(p. 32).

Em uma segunda fase que iria tornar-se a futura montagem, a escolha do espetáculo era decidida com a participação de todos os integrantes, um princípio ético do grupo. Cabia ao grupo explodir o texto (dramático ou não), avaliar os cacos e seu alcance, sugerindo novas leituras e possibilidades de significados. Para Gianini (2009) as crianças não quebram brinquedos para destruir, mas por curiosidade, para saber como funciona. Descobrir a essência do objeto após esta investigação, o brinquedo não é o mesmo. Assim o professor cria uma analogia com o texto: é necessário “quebrá-lo”. (p.

(19)

19 84). Destruído o texto não será como antes, pois alcança novos significados. Veremos no próximo capítulo uma experiência similar com Lear e o trabalho que coordenei com os alunos do E. E. Peixoto Gomide.

Gianini relata que em seus exercícios de criação de cena procura oferecer aos grupos um número maior de atores para poucos personagens, e vice-versa. Tal procedimento amplia para o diretor as possibilidades do universo teatral, afasta a psicologização das personagens, subtraindo assim a força da criação individual em favor do processo coletivo. O que se observa é o afastamento da voz individual perante a voz coletiva9.

Será relatado agora a encenação de A Távola Redonda (2004), por ser a única montagem (na dissertação) que tem como ponto de partida um texto escrito para teatro, Merlin ou a Terra Deserta, de Tankred Dorst. Cabe afirmar que Gianini (2009) deixa bem claro no início de sua tese que o professor é um parceiro do jogo que não abre mão de seus conhecimentos, de sua vivência artística, mas não impõe ao grupo seus desejos e ideias. Sua função é de um “provocador cênico” (Veremos a mesma postura de Milton Cardoso perante Lear).

Colocado isto, retomemos ao processo de A Távola Redonda. Através de uma votação depois de várias sugestões experimentadas, a escolha recaiu sobre as lendas dos cavaleiros da Távola redonda. O ponto de partida geralmente cabe ao professor, como fez Gianini com a sugestão do texto de Dorst e como fez o diretor Milton Cardoso no processo com Lear que será analisado a seguir. Para Gianini “O foco da criação não estava nas personagens e sim nas ações” (p. 89). Portanto o foco da encenação estava na leitura estética, política e filosófica da cena. Coube ao grupo, depois das improvisações, selecionar os materiais produzidos, fazer análises comparadas e fundir as cenas em material poético. Gianini salienta que a definição do intérprete/personagem pode ocorrer próxima a estreia, evitando-se a questão da posse do personagem, bem como a memorização do texto, a fixação de melodia e entonações (p. 90). Ao lermos esta fundamentação de dissertação de mestrado, podemos entender que Marcelo Gianini faz parte dos profissionais capacitados a trabalhar processos colaborativos em salas de aula (ou em ensaios) citados por Clóvis Domingos Santos (no item 1.1 deste trabalho) e como estas ideias refletiram no discurso e na prática do professor do Teatro Singular. Mas, a experiência deste profissional ficou, pelo menos na tese, restrita a um âmbito fora da sala

9 Uma tradição nos trabalhos do Teatro Singular é a utilização do Coro.

(20)

20 de aula. A pergunta que se instala é: seria possível a abordagem da prática colaborativa nas aulas dentro da escola?

1.3 - Reflexões sobre as dificuldades do Processo Colaborativo na Escola

Como disse Maria Inês Fini, na página 15 deste trabalho, a proposta do Caderno, não é nenhuma “novidade pedagógica”. Encontramos neste material, no nosso entender, influências do processo colaborativo na prática teatral escolar. Mas passado sete anos de publicação, será que houve mudanças no fazer teatral nas escolas de Itapetininga?

Por email consultamos a responsável pela disciplina de Arte de Itapetininga e região (ao todo 52 escolas), a professora Camila Aparecida Santi. Perguntamos para a educadora se há dificuldades na aplicação de jogos dentro da sala de aula, propostas da Secretaria da Educação:

Não há dificuldades por parte do professor e na didática proposta e tão pouco na proposição de aprendizagem indicada nos Cadernos, que estão pautados no Currículo Oficial. Em alguns casos o dificultador do processo pode acorrer por falta de espaço físico (grifo nosso) em Unidades que estejam em reformas e neste caso é temporário, onde o professor fará adaptações curriculares e ou alterações no cronograma dos conteúdos em seu plano de trabalho, sendo assim poderá oferecer essa proposição em outro momento.

Um outro dificultador é a falta de hábito de leitura de alguns professores (grifo nosso), pois os material é elaborado de forma sequenciada e portanto deve ser executado etapa por etapa. Quando isso não ocorre há falhas no processo, pois o material exige estudo, que é uma questão de formação, podendo acontecer em qualquer rede10.

Se o agente “dificultador” é o espaço físico, nos parece que há uma contradição:

o teatro (lembramos: restringimos ao teatro praticado na escola) não pode ocorrer em qualquer lugar? Na própria sala, no pátio ou na rua? Não entendemos que este seja um obstáculo na prática, apesar das possíveis dificuldades encontradas nesse tipo de espaço.

Quanto o segundo impedimento, concordamos que a falta de constante atualização possa ser sim um obstáculo na realização do trabalho do professor. O que podemos indagar é se somente a falta de leitura de livros e apostilas dificulta a aprendizagem. A falta de hábito de assistir uma peça, um documentário, ou um concerto não atrapalha a leitura do sujeito sobre o mundo? Será que os 104 professores de Arte da região assistem peças de teatro e confrontam suas “certezas”? Infelizmente não possuímos dados para concluir esta hipótese, mas são inquietações que ficam.

10 Depoimento por email em 2 de outubro de 2014. Os depoimentos completos dos professores encontram em anexo para análise.

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21 Camila Santi acredita que o currículo oficial, elaborado por especialistas, possa ser praticado por professores habilitados em qualquer linguagem artística, pois o caderno “não é um aprofundamento e tampouco visa o olhar profissional da linguagem específica e sim dá pista e noções para que o aluno adquira o gosto e futuramente busque aperfeiçoar-se na linguagem que mais lhe agrade ou não”. Mais adiante conclui

“que o material favorece o despertar do gosto pela arte e suas linguagens”, entendendo a professora ser a prioridade da disciplina.

Para buscar a ótica do professor em sala de aula, optamos por fazer um contato com sete professores do Ensino Médio da rede em Itapetininga.

Primeiramente perguntamos se os professores da Rede Pública Estadual seguiam a proposta do Caderno e todos responderam que sim. Dois profissionais responderam que utilizam outros materiais didáticos para enriquecer suas aulas de teatro, neste procedimento algumas atividades do caderno podem ser descartadas. O professor Edson entende o caderno como uma espécie de “norteador”. Já a professora Drilene Prado Lopes de Oliveira disse trabalhar com todas as linguagens, porém dedica-se mais no campo das artes visuais, sua formação. O comentário do professor André Luiz Camargo nos parece interessante: há por parte dos alunos certa resistência, mesma dificuldade apontada pelo professor José C. de Almeida Junior e que a professora Magali Almeida aponta como “timidez” dos alunos com agente complicador. Seriam resíduos tardios da lei 5692/71, que a mais de quarenta anos implantou a disciplina Educação Artística (hoje Arte) na grade curricular, sem professores habilitados e que enfatizaram o desenho geométrico ou “artístico” em suas aulas como elemento de expressão? Não iremos obviamente abordar este assunto aqui, mas Ana Mae Barbosa pode ser uma boa referência para a tentativa de entender a “resistência” dos alunos.

Perguntamos aos mesmos educadores se já trabalharam ou trabalham com improvisações em sala de aula e as vantagens/ dificuldades diagnosticadas. Respondeu a professora Drilene que já havia trabalhado com jogos teatrais conforme sugestões de Viola Spolin, porém aponta que “a falta de vivência e experiência em teatro dificulta o desenvolvimento da linguagem, pois um número considerável de professores de arte tem formação centrada na linguagem de artes visuais.”. A partir desta afirmação, verificamos então, que conforme afirma as autoras do Caderno, que os professores paulistas tem uma certa familiaridade com os jogos de Spolin, mas não percebemos na fala da profissional uma pré-disposição em criar riscos.

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22 Já o professor Luiz Henrique Cleto, formado recentemente pela Universidade de Brasília, utiliza com mais frequência às improvisações em suas aulas, utilizando-se de jogos de Augusto Boal e de Maria Clara Machado (100 Jogos Teatrais). Conclui:

As vantagens e as dificuldades são proporcionais ao interesse da turma.

Existem problemas relacionados ao espaço que na maioria das vezes são contornados. Quando há um bom planejamento da aula, muitas vezes a improvisação se torna algo divertidíssimo.

Sua opinião é parecida com a do professor André pontuando o espaço como agente dificultador, mas superável se planejado. André reforça a importância do apoio e compreensão da gestão escolar e professores no êxito da aula e afirma que “Os alunos jogam e improvisam com liberdade e percebemos que há muito prazer em suas práticas.”. O professor Junior vê na improvisação a “oportunidade de criar textos, expressões e movimentos com mais facilidade, quando não se prende a um texto pronto.” As mesmas vantagens são apontadas pelo professor Edson Pinto ao “(...) vivenciar um conteúdo de arte de maneira diferenciada.”. Por estes relatos podemos possivelmente afirmar que a improvisação é um exercício de autonomia, palavra já utilizada por Marcelo Gianini em seu processo e que será defendida principalmente por Rancière e Freire no próximo capítulo.

O professor Edson inclui na problemática do ensino de teatro na escola, do espaço “ideal”, a “duração da aula de 50 minutos (quando não são “dobradinhas”) e o espaço entre uma vivência e outra que pode chegar até quatro dias, uma na segunda e outra na sexta-feira. Há um distanciamento entre a frequência dos exercícios”. Mas quais seriam outros agentes dificultadores da utilização da improvisação em sala de aula? Parece-me que o depoimento da professora Magali, com formação em Artes Plásticas e a mais de vinte anos na rede, é muito pontual. Ela afirma que um dos problemas centrais é a “indisciplina”. Perguntamos: será que improvisação gera indisciplina? Ou melhor: será que ser disciplinado é ser obediente as regras sociais?

Durante meu estágio com o professor Milton Cardoso, em 2012, na E. E. Peixoto Gomide não observei o espaço como dificultador em suas aulas. Cardoso defende a improvisação “como fator primordial na experiência cênica do aluno, mas entende que há a necessidade de contextualizá-la com outras fontes de conhecimento para ampliar a bagagem cultural dos alunos.”. Afirma:

Quanto mais professor e alunos compartilham e dialogam experiências, mais rico é o processo. Tive amigos em minha turma que se formaram em artes plásticas e nunca foram a um museu. Pergunto: é possível despertar questionamentos, dúvidas se você não viu, por exemplo, um quadro impressionista, um Monet? Obviamente é um exemplo, sabemos das

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23 dificuldades de locomoção, etc., mas conheço profissionais que quando se formam, estacionam sua curiosidade, não saem mais “de casa”. Ser educador para mim é um exercício de uma vida inteira de pesquisa, sair constantemente da toca. Por isso, defendo que a improvisação se torna rica quando há trocas infinitas, curiosidade aguçada, nunca uma coisa acabada, pronta.11

Podemos deduzir até aqui que a prática da improvisação é viável no âmbito escolar, mas precisa ser também negociada com a gestão escolar e com os demais professores, por “quebrar”, romper uma certa ordem de disciplina no ambiente.

Vejamos que é uma situação oposta ao que trabalhou Marcelo Gianini no Teatro Singular.

Cleto acredita que “o professor de artes, seja de qual linguagem for, pode muito bem trabalhar com jogos de improvisação.”, aponta que há uma extensa bibliografia sobre o assunto (disponível nas escolas), mas entende que a Secretaria e Diretoria de Ensino devam promover capacitação aos educadores da rede. Vejamos que a mesma opinião é compartilhada pelos professores André, Edson e Cardoso, ou seja, o professor terá de ser um eterno pesquisador, podemos dizer um “curioso” como dirá Paulo Freire adiante, que juntamente com os seus alunos serão cúmplices no processo de aprendizagem. Lembramos que no início do item 1.2, destacamos sobre esta questão que o Caderno denomina de “aprendizado permanente”. Quanto à capacitação defendida por Cleto será mesmo importante? Talvez. Mas veremos no próximo capítulo que Rancière falará sobre a “vontade” no ato da aprendizagem que pode ser estendida a esta situação refletida como maneira “de provocar em sala de aula a experiência”. Diante deste quadro, no capítulo seguinte vamos tentar pensar sobre a importância da experiência na visão dos já citados pensadores, Jorge Larrosa, Jacques Rancière e Paulo Freire.

11 Depoimento completo de Milton Cardoso em anexo.

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24 2- A IMPROVISAÇÃO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Além de buscar refletir sobre o conceito de experiência, procuro, neste capítulo, rever minha vivência em uma encenação e minha intervenção com um grupo de alunos do Ensino Médio da rede estadual. Finalizando o tópico, procuro ampliar e problematizar sobre o ato de improvisar.

2.1 – Notas sobre a experiência para Larrosa, Rancière e Paulo Freire.

Se considerarmos que o aniquilamento da experiência dá-se ao longo do desenvolvimento de uma sociedade em que as relações com o tempo e o espaço transformaram-se em decorrência do consumo compulsivo e da aceleração da vida, é possível entender que a cena contemporânea traz inerente aos seus modos de produção e fruição a problematização acerca dessa perda da capacidade de experiência por parte do homem. Desse modo, a pergunta que fica é: qual (is) caminho(s) de uma pedagogia teatral pode(m) contribuir para essa problematização?

O historiador italiano Giorgio Agamben defende a tese de que o homem contemporâneo é incapaz de ser sujeito da experiência.

Todo discurso sobre a experiência deve partir atualmente da constatação de que ela não é mais algo que ainda nos seja dado fazer. Pois, assim como foi privado de sua biografia, o homem contemporâneo foi expropriado de sua experiência: aliás, a incapacidade de fazer e transmitir experiências talvez sejam um dos poucos dados certos de que disponha sobre si mesmo (AGAMBEN, 2008, p. 21).

O professor e pesquisador espanhol Jorge Larrosa pensa de forma coerente à ideia de Agamben. Em seu artigo “Notas Sobre a Experiência e o Saber da Experiência”

(2002), Larrosa nos apresenta os motivos para essa tal privação da experiência por parte do sujeito contemporâneo. Adverte-nos Larrosa, que entre esses motivos encontram-se, de forma relacional e agravante, o fato de o sujeito contemporâneo situar-se no âmago de um sistema saturado de informações, o que por sua vez o impele a opinar e a agir como um consumidor voraz e insaciável de notícias e novidades, tornando-se refém de sua constante curiosidade e insatisfação (LARROSA, 2002, p. 26).

A aceleração e a mercantilização do tempo na vida contemporânea geram a falta de silêncio e de memória, fundamentais à experiência. O excesso de trabalho nos torna sujeitos super estimulados, cheios de vontade e hiperativos. Larrosa ressalta que não podemos parar porque estamos sempre em atividade, querendo o que não é, ou o que nem mesmo sabemos o que é (p. 24). Sem poder parar, nada nos acontece.

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25 A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002, p. 19).

Interromper, olhar, escutar, sentir, detalhar, suspender, desautomatizar, silenciar, atentar, encontrar, calar, dar-se. Tais verbos são fundamentais ao vocabulário do teatro contemporâneo como, por exemplo, na nomenclatura de “teatro pós-dramático”, de Hans-Thies Lehmann, entre outras. O teatro contemporâneo embrenha-se por caminhos que valorizam a presença em detrimento à representação, a experiência compartilhada e a desanestesia dos sentidos, embrutecidos por uma sociedade excessivamente consumista. Os espaços e os tempos problematizados da cena contemporânea buscam exatamente as capacidades que levam o homem à experiência, segundo a definição de experiência por parte de Larrosa.

Para Larrosa (2002) o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas sim por sua passividade, por sua disponibilidade, abertura para que algo lhe aconteça. Trata-se de uma passividade do caráter da paixão, da paciência, da receptividade. Ou seja, da reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional. Nesse contexto torna-se importante a exposição, deixando que esta traga toda a sua responsabilidade de vulnerabilidade e risco. O espaço teatral contemporâneo é também animado pela vulnerabilidade e pelo ímpeto inerentes à exposição e a radicalidade das propositivas artísticas. Objetiva-se enquanto um espaço de travessia e risco, rumo ao inesperado e ao desconhecido.

Já o saber da experiência, como esclarece Larrosa “(...) se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana.” (p. 26). Todavia, o saber da experiência diferencia-se das necessidades utilitárias do conhecimento. O saber da experiência se traduz como: “o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece”.

(p. 27). Uma vez que a experiência é o que nos acontece “(...) e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece.” (p. 27), Larrosa reitera que esse é um saber individual, manifesta um homem singular. Trata-se de um saber individual, um saber que não pode separar-se do sujeito

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26 da experiência. Entendemos, nesse sentido, que os estudos de Larrosa, Rancière e Freire apontam para pontos em comum.

Ao aproximar experiência e arte, Larrosa apresenta que diferentemente do conhecimento científico, que se encontra fora do indivíduo, o saber da experiência, por configurar uma personalidade uma forma humana ímpar de se colocar no mundo, encontra-se dentro do sujeito e é por sua vez uma ética (uma maneira de conduzir-se) e uma estética (um estilo).

Ética e estética se integram no trabalho pedagógico do ambiente escolar, onde as contradições trazidas pelos conhecimentos de vida dos agentes (ética) são exploradas pelo corpo em jogo (estética). É essa relação que almejamos alcançar com a experiência estética: a percepção da vida pelos sentidos.

No livro O Mestre Ignorante, de Rancière, o autor nos apresenta a história do pedagogo francês do século XIX, o revolucionário Joseph Jacotot. Entre as experiências de Jacotot podemos citar que ele serviu o exército, ensinou retórica, ocupou cargos públicos e foi eleito deputado. Em 1818, quando a monarquia dos Bourbons fora restaurada, Jacotot se exilou nos Países Baixos e tornou-se professor, em meio período, de literatura na Universidade de Louvian. Pela casualidade, foi surpreendido por uma conjuntura inesperada. Grande parte de seus estudantes não falavam francês, e ele, por sua vez, ignorava o holandês. O dilema estava instaurado: o professor não podia ensinar e os alunos não podiam aprender, pois entre eles, não havia uma língua comum para que as explicações necessárias fossem dadas. Mas, Jacotot quis responder às expectativas.

Estipulou um vínculo em comum: a leitura do livro Têlemaco, de Fénelon, uma edição bilíngue. Com o auxílio de um intérprete, ele indicou a obra aos estudantes e lhes convidou para que aprendessem o texto francês - ajudados pela tradução. Ao atingirem a metade do livro, o professor francês “mandou dizer-lhes que repetissem sem parar o que haviam aprendido e, quanto ao resto, que se contentassem em lê-lo para poder narrá-lo.”

(RANCIÈRE, 2013, p. 18). A experiência superou as expectativas do professor com trinta anos de ofício. Abandonados a si mesmos, eles saíram-se melhores do que muitos franceses. Neste ponto do livro, Rancière nos questiona sobre a vontade humana: “Não seria, pois, preciso mais do que querer, para poder? Todos os homens seriam, pois, virtualmente capazes de compreender o que outros haviam feito e compreendido?” (p.

19).

Tomado pelas surpresas do acaso, Jacotot, que assim como quase todos os professores acreditava que a maior tarefa de um mestre é formar espíritos, e que isso se

(27)

27 acontecia com a transmissão de conhecimentos de forma sistematizada: dos mais simples aos mais complexos, sua experiência casual inverte essa crença comum. A eventualidade da experiência de Jacotot observa Rancière, demonstra que o processo educacional não pode ser orientado em diferenças a serem “reduzidas” ou “em distância a ser superada entre o mestre sábio que ensina ao estudante desprovido de conhecimento, mas sim em igualdade a ser verificada.”, e conclui “(...) a igualdade como princípio e não como fim.” (p. 12). Entendemos, diante deste pensamento, que a igualdade não deveria ser um resultado a ser alcançado, pois no seio social a própria desigualdade já presume que uma ordem deve ser compreendida e ao compreendê-la deve-se obedecer. Portanto, ao se igualar ao seu mestre, se submete a ele. Para Rancière:

Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre este saber, sobre esta capacidade em ato que todo ensino deve se fundar. Instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e o segundo, emancipação (RANCIÈRE, 2013, p. 11 e 12).

A emancipação, para Rancière, dispensa a crença do ensino pautado na necessidade de explicações. Ao explicar algo a alguém, demonstra a este que ele não pode compreender. A principal causadora da instauração de distâncias é a explicação, pois o explicador ocupa um lugar único de juiz, limitando e direcionando possíveis interpretações sobre o mundo. A instauração da hierarquia é através da explicação, a lógica da desigualdade. O ato da explicação é um mito da pedagogia, sobretudo, um problema político (p. 26).

A experiência de Jacotot demonstra que é preciso inverter a lógica do sistema explicador. Para socorrer uma incapacidade de compreensão não necessitamos de um explicador. É o explicador que necessita de um ignorante, é ele que constitui o incapaz como tal, reiterando a condição do indivíduo de incompetente e dependente. Nesse contexto, estabelecem-se as dicotomias “entre os espíritos sábios e os ignorantes, os maduros e os imaturos, os inteligentes e os bobos” (p. 24).

É a partir da experiência de Jacotot que Rancière define que compreender é a palavra de ordem dos esclarecidos, causadora de todo o mal (p. 25). Entendemos ser pontual o comentário do pensador francês, pois ao estabelecer a prática da explicação e assim sucessivamente até que a criança “compreenda” estabelece-se uma prática pedagógica da “inteligência” dependente de explicações, a supremacia da hierarquização do saber, que irá ao sentido oposto a um dos princípios comuns da

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28 dramaturgia colaborativa: a verticalização das relações. Pois entende Rancière que a compreensão:

Interrompe o movimento da razão, destrói sua confiança em si, expulsa-a de sua via própria, ao quebrar em dois o mundo da inteligência, ao instaurar a ruptura entre o animal que tateia e o pequeno cavalheiro instruído, o senso- comum e a ciência. A partir do momento em que se pronuncia essa palavra de ordem da dualidade, todo aperfeiçoamento na maneira de fazer compreender (...) - se torna um progresso no embrutecimento. (...) Aquele, contudo, que foi explicado investirá sua inteligência em um trabalho do luto:

compreender significa, para ele, compreender que nada compreenderá, a menos que lhe expliquem. (RANCIÈRE, 2013, p. 25)

Para compreendermos algo, nos basta à presença e a relação com esse algo, mediadas por nosso inerente conhecimento sobre o mundo. Não necessitamos de um explicador a nos dizer a razão com esse algo. A inteligência que fizera os estudantes de Jacotot aprender em francês foi à mesma que os fizeram aprender a língua materna:

observar e reter, repetir e verificar, associar o que se busca aprender àquilo que já se conhece, fazer e refletir sobre o que já se fez. Rancière recorre às crianças para dizer que estes estudantes haviam procedido como não se deve proceder, por adivinhação e chega à seguinte questão: não seria o método da “adivinhação”, natural da criança, o verdadeiro movimento da inteligência humana?

Rancière ressalta adiante que, para esse método da igualdade, o ato de aprender parte da inteligência e da vontade. Pode-se aprender sozinho, sem um mestre explicador, pela tensão do próprio desejo ou pelas contingências da situação. (p. 30). E define mais adiante sobre o processo de emancipação no ato de ensinar e aprender:

Chamar-se-á emancipação à diferença conhecida e mantida entre as duas relações, o ato da inteligência que não obedece senão a ela mesma, ainda que a vontade obedeça a uma outra vontade (RANCIÈRE, 2013, p. 31-32).

Parece-nos claro dentro desse pensamento, que os alunos aprendem seguindo seus próprios métodos, por meio de caminhos por eles decididos. Pois entende Rancière, a partir da experiência de Jacotot, que a potência da inteligência está presente em toda a manifestação humana.

Pode-se ensinar o que se ignora, desde que se emancipe o aluno; isso é, que se force o aluno a usar sua própria inteligência. Mestre é aquele que encerra uma inteligência em um círculo arbitrário do qual não poderá sair se não se tornar útil a si mesma. Para emancipar um ignorante, é preciso e suficiente que sejamos, nós mesmos, emancipados; isso é, conscientes do verdadeiro poder do espírito humano (RANCIÈRE, 2013, p. 34).

Ao mestre ignorante cabem apenas duas coisas: interrogar os alunos e verificar se realizam o trabalho de aprender com atenção. Faz sempre três questões: “O que vês?”, “O que pensas disso?”, “O que fazes com isso?”. Perguntas, que já citamos no início desta monografia, foram inspiradoras para este trabalho na investigação das

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