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As Fraudes na Relação de Emprego

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Academic year: 2021

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As Fraudes na Relação de Emprego

Rodrigo de Lacerda Carelli∗

Com a crise econômica e o credo neoliberal em alta, multiplicam-se “novas” modalidades de contratação de trabalhadores. Entretanto, nem sempre essas formas de contrato podem ser tidas como legais: a maioria (ou poderíamos até dizer totalidade) se trata de tentativas de escape das normas de proteção do trabalho.

A legislação trabalhista possui uma norma geral, que é o

art. 9° da Consolidação das Leis do Trabalho,1 cujo conteúdo determina que

não basta uma previsão em contrato afastando o vínculo empregatício, ainda que o trabalhador tenha assinado e/ou concordado com as condições dispostas no trato. Essa disposição contratual, se tiver o objetivo de tentar impedir a aplicação da lei trabalhista, é “nula de pleno direito”, ou seja, sem qualquer valor, como se não existisse. Dessa forma, esse dispositivo age como um escudo protetor da legislação trabalhista, atuando contra a coação econômica, que certamente levaria várias pessoas a aceitarem abrir mão dos direitos sociais em troca de empregos – o que vemos acontecer todos os dias.

Quando ocorre uma situação em que um contrato civil qualquer é utilizado com o objetivo de que todas as regras trabalhistas não

Rodrigo de Lacerda Carelli é um dos coordenadores do CEDES e Procurador do Ministério Público do Trabalho.

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Art. 9° Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

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prevaleçam, ou melhor, que os direitos dos trabalhadores não sejam aplicados, ocorre o que chamamos de “fraude na relação de emprego”, que é justamente a utilização de artifícios ou contratos vários que tentam mascarar uma relação empregatícia existente na vida real. Com isso, uma versão da realidade observada em um contrato formal assinado sempre pode ser afastada pela prova do que existiu na vida real. Se na vida real o trabalhador se comportou como um empregado, o direito assegura que ele tenha todos os direitos relativos a essa condição.

Várias são as formas utilizadas para essa tentativa de camuflar uma relação de emprego. Atualmente, as mais comuns são a contratação por cooperativas de mão-de-obra, a contratação por pessoa jurídica e a contratação por falso estágio. Basicamente elas não serão válidas, como já falamos, quando existirem simplesmente para burlar as normas trabalhistas, isto é, quando tiverem por objetivo dar uma outra aparência a uma relação que na realidade é de emprego. Faz-se necessário, portanto, uma breve análise das principais formas de distorção da legislação trabalhista, no âmbito da existência ou não da relação empregatícia. Vamos dar umas pequenas dicas para sabermos quando essas formas são legais e quando não o são.

Muitas vezes quando um trabalhador busca um emprego em determinada empresa, realiza entrevista e testes e, depois de selecionado, é encaminhado a uma cooperativa onde deve realizar um cadastro para ser contratado. Outras vezes, já trabalhando na empresa, é obrigado pelo empregador a se filiar em uma cooperativa como condição para permanecer em sua vaga de trabalho. Essas duas hipóteses são formas clássicas de burla à

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legislação trabalhista, de nada valendo no mundo do direito. Uma cooperativa não serve para fornecer mão-de-obra a empresas. Só é legítima uma cooperativa quando ela represente o resultado de uma união voluntária dos trabalhadores e que seja, por si só, uma atividade econômica autônoma. Assim são as cooperativas de táxi ou de costureiras, onde os trabalhadores exercem suas atividades sem um patrão e a cooperativa é que presta, em verdade, serviço para os trabalhadores, qual seja a melhor organização de sua profissão. Também são legítimas as chamadas cooperativas de produção, nas quais os trabalhadores se unem para serem eles próprios donos do empreendimento econômico, como comumente acontece quando a gestão de uma empresa em estado falimentar é assumida pelos trabalhadores. Quando, ao reverso, a cooperativa somente serve para fornecer trabalhadores a uma empresa, a cooperativa é tida como mero biombo, sendo afastada, e verificada a real condição do trabalhador de empregado, valendo todos os direitos sociais previstos na Constituição e nas leis trabalhistas.

Muito em voga no momento, principalmente na área de informática e jornalística, é a contratação de trabalhadores por “pessoa jurídica”. A empresa, ao contratar determinado trabalhador, exige que o mesmo, caso ainda não tenha, monte uma empresa (daí advindo o nome “pessoa jurídica”), com a qual será realizado um contrato como se fosse de natureza comercial. Tal atitude é flagrantemente ilegal, pois além de trazer prejuízos aos trabalhadores, os traz também para o Estado, na medida em que se pagará menos imposto de renda e contribuição previdenciária. Caso o trabalhador preste seus serviços de forma pessoal, com chefia e obrigação de prestar contas de suas atividades no seu dia-a-dia, clara estará a burla, de nada valendo a formação desse contrato ou a criação da “pessoa jurídica”.

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Igualmente podemos encontrar uma burla em um suposto contrato de estágio. Um verdadeiro estágio ocorre quando o estudante realiza na empresa atividades relacionadas com o seu currículo escolar, ou seja, aprenderá na prática como realizar os ensinamentos dados na escola ou faculdade. Por exemplo, um estudante de direito nada poderá aprender se tornando um auxiliar em um banco. Do mesmo modo um formando em arquitetura não poderá exercer um estágio em uma fábrica de bebidas. O local onde se realiza o estágio deve dar condições práticas de aprendizagem, e a escola, ou faculdade, deverá acompanhar as atividades realizadas na empresa pelo estagiário. Em uma tentativa de precarização da legislação trabalhista, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso alterou a lei do estágio, autorizando-o para os estudantes de nível médio não-profissionalizante. Entretanto, não foram revogadas as exigências de relacionamento com a grade escolar e com a aprendizagem prática das atividades ensinadas na escola. Assim, somente é adequado o estágio de estudante de nível médio se houver matérias na grade escolar que possibilitam um aprendizado prático, como a realização de atividades que coloquem em prática o português ou a matemática. Por outro lado, nunca poderá ser admitido um estagiário para trabalhar na cozinha de uma loja de “fast food”. Se isso acontecesse, esse “estagiário” teria direito a todas as garantias trabalhistas, pois na verdade seria

um empregado.2

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Lei n° 6494/77. Art. 1° (...) § 2º O estágio somente poderá verificar-se em unidades que tenham condições de proporcionar experiência prática na linha de formação do estagiário, devendo o aluno estar em condições de realizar o estágio, segundo o disposto na regulamentação da presente Lei. § 3º Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e ser planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares.

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Como visto, não basta haver a aparência de legalidade no contrato ou a declaração contratual de inexistência de vínculo de emprego em um contrato: o que importa é a realidade da situação do trabalhador. Invertendo a famosa frase de Cícero, não importa que a mulher de César pareça honesta, ela tem que ser honesta de verdade.

Referências

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