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INCONSTITUCIONALIDADE DE DIREITOS SUCESSÓRIOS DIFERENCIADOS PARA CÔNJUGE E COMPANHEIRO: UMA ABORDAGEM A PARTIR DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: 878.

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INCONSTITUCIONALIDADE DE DIREITOS SUCESSÓRIOS DIFERENCIADOS PARA CÔNJUGE E COMPANHEIRO: UMA ABORDAGEM A PARTIR DO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO: 878.694-MG

Rayanne Moreira dos Santos Dantas1 RESUMO:

Sentença de primeira instância reconheceu a companheira como herdeira universal do falecido, dando tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Contudo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), ao reconhecer a constitucionalidade do inciso III do artigo 1.790 do Código Civil, reformou tal decisão. De acordo com essa norma, na falta de descendentes e ascendentes, o companheiro faz jus, a título de herança, unicamente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, pois concorre com os colaterais até quarto grau, devendo ser excluída sua participação como herdeiro dos bens particulares da pessoa falecida. A inconstitucionalidade do dispositivo legal por violar os artigos 5º, inciso I, e 226, §3º, ambos da Constituição Federal de 1988, está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do Recurso Extraordinário (RE) 878.694-MG. Até o momento, sete ministros votaram pela inconstitucionalidade da norma, por entenderem que a Constituição Federal garante a equiparação entre os regimes da união estável e do casamento no tocante ao regime sucessório. O presente artigo tem por objetivo analisar o tema à luz da jurisprudência do STF a partir do RE 878.694-MG.

Palavras-chave: Direitos sucessórios diferenciados. Companheiro e cônjuge. Inconstitucionalidade.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. UNIÃO ESTÁVEL: CONCEITO, REQUISITOS E ELEMENTOS NECESSÁRIOS. 2.1. REQUISITOS E ELEMENTOS PARA O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL. 2.2. UNIÃO ESTÁVEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 3. SUCESSÃO ENTRE COMPANHEIROS (LEI Nº 8.971/93) E DIREITO REAL DE HABITAÇÃO (LEI Nº 9.278/96). 4. SUCESSÃO DOS COMPANHEIROS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 4.1. CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM OS DESCENDENTES COMUNS. 4.2. CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM DESCENDENTES DO AUTOR DA HERANÇA. 4.3. CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM FILIAÇÃO HÍBRIDA. 4.4. CONCORRÊNCIA COM OUTROS PARENTES SUCESSÍVEIS. 4.5 DIREITO DO COMPANHEIRO À TOTALIDADE DA HERANÇA QUANDO NÃO HÁ PARENTES SUCESSÍVEIS. 5. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL. 6. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL, PARA FINS DE SUCESSÃO, NO RE Nº 878.694-MG. 6.1. VOTO DO RELATOR DO RE Nº 878.694-MG. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

1. INTRODUÇÃO

No dia 31 de agosto de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 878.694-MG, com repercussão geral reconhecida, em que se discute a constitucionalidade do tratamento diferenciado dado ao cônjuge e a companheiro, pelo artigo 1.790 do Código Civil, para fins de sucessão. O ministro Dias Toffoli pediu vistas dos autos após os votos do ministro-relator, Roberto Barroso, e outros seis ministros integrantes daquela Corte Suprema. Até o momento, sete ministros votaram

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito-CERES-UFRN como requisito para a

obtenção do grau de Bacharela em Direito sob a orientação do professor Dr. Orione Dantas de Medeiros.

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pela inconstitucionalidade da norma, por entenderem que a Constituição Federal garante a equiparação entre os regimes da união estável e do casamento no tocante ao regime sucessório.2

No caso concreto, decisão de primeira instância reconheceu ser a companheira de um homem falecido a herdeira universal dos bens do casal, dando tratamento igual ao instituto da união estável em relação ao casamento. O Tribunal de Justiça de Minas (TJ-MG), contudo, reformou a decisão inicial, dando à mulher o direito a apenas um terço dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, ficando o restante com os três irmãos do falecido, por reconhecer a constitucionalidade do artigo 1.790.

A defesa da viúva, então, interpôs recurso extraordinário ao Supremo, contestando a decisão do TJ-MG, com o argumento de que a Constituição Federal não diferenciou as famílias constituídas por união estável e por casamento, ficando certo que qualquer forma de constituição familiar tem a mesma proteção e garantia do Estado.

O conceito de família foi ampliado pela Constituição Federal de 1988, reconhecendo a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, bem como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, trazendo uma evolução para o direito sucessório daqueles que vivem em união estável.

As Leis 8.971/94 e 9.278/96 trouxeram muitas contribuições para o direito sucessório dos companheiros, vez que passaram a reconhecer o direito real de habitação, o direito ao usufruto dos bens, o direito a alimentos entre companheiros, entre outros.

No entanto, o Código Civil de 2002 trouxe dispositivos que retrocedeu alguns direitos que haviam sido conquistados nas legislações anteriores. Uma dessas mudanças foi à possibilidade de companheiro herdar apenas os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

Diante do caso concreto, o relator do RE 878.694-MG, o ministro Roberto Barroso, sugeriu a aplicação de tese segundo a qual “no sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo

2 STF. Notícias do STF. Suspenso julgamento sobre tratamento diferenciado a cônjuge e companheiro em

sucessões. Brasília, 31 de agosto de 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verImpressao.asp>. Acesso em: 22 out. 2016.

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ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil de 2002”.

O presente trabalho tem por objetivo analisar o entendimento do STF sobre o tratamento diferenciado dado ao cônjuge e a companheiro, pelo artigo 1.790 do Código Civil, para fins de sucessão, a partir da discussão no RE 878.694-MG, e o posicionamento de parte da doutrina pátria.

Inicialmente aborda-se o conceito de união estável e apontam-se os requisitos e elementos necessários para o seu reconhecimento, que são: diversidade de sexos; convivência pública, contínua e duradoura e objetivo de constituição familiar.

Posteriormente, traz-se a evolução da união estável, que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 passa a ser considerada uma entidade familiar. Em seguida, faz-se uma análifaz-se da Lei nº 8.971/93 e da Lei nº 9.278/96, apontando de que forma estas influenciam na concorrência sucessória do companheiro supérstite.

Logo depois, tem-se uma análise do regime sucessório dos companheiros no Código Civil de 2002, dando ênfase a concorrência sucessória do companheiro com os descendentes comuns, com os descendentes só do autor da herança e com outros parentes sucessíveis.

Além disso, discute-se sobre os casos de filiação híbrida e do direito do companheiro à totalidade da herança quando não há parentes sucessíveis.

Ademais, tecem-se comparações ao regime sucessório dos cônjuges, bem como críticas ao artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que por muitas vezes coloca o companheiro em situação de desvantagem em relação ao cônjuge.

Outrossim, traz-se o debate sobre a aplicabilidade ou a revogação da Lei nº 9.278/96, no tocante ao direito real de habitação do companheiro, por ela previsto.

Por fim, discute-se o entendimento atual do STF em relação à (in) constitucionalidade do tratamento diferenciado dado a cônjuges e companheiros no direito sucessório, com base no julgamento do RE 878.694-MG, que analise a validade ou não desse tratamento diferenciado, pelo artigo 1.790 do Código Civil.

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2. UNIÃO ESTÁVEL: CONCEITO, REQUISITOS E ELEMENTOS NECESSÁRIOS A união estável para Francisco José Cahali (apud FERRIANI, 2010, p. 35) consiste em um vínculo de afeto que une a mulher e o homem, como se fossem casados, com as mesmas características próprias do casamento, e a intenção de permanência da vida juntos.

Luiz Augusto Gomes Varjão citado por Ferriani (2010, p. 35) define a união estável como sendo a convivência de forma duradoura, entre um homem e uma mulher, que vivem como se fossem casados, não havendo impedimentos para a contração de matrimônios entre eles.

Ante as definições expostas, infere-se que há certa convergência sobre o conceito de união estável; apenas alguns conceitos trazem mais requisitos que outros.

O Código Civil de 2002 (CC/02), no seu artigo 1.723, traz o conceito de união estável, quando dispõe que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

2.1. REQUISITOS E ELEMENTOS PARA O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL

Como já exposto acima, o art. 1.723 do CC/02 define a união estável e traz como elementos e requisitos: diversidade de sexos; convivência pública, contínua e duradoura; objetivo de constituir família.

Pode-se perceber que a diversidade de sexos é um requisito essencial da união estável, estando em perfeita consonância com a Constituição Federal, que no seu art. 226, § 3º3, reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar.

3 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

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O segundo requisito é o da convivência pública, que de acordo com Rodrigo da Cunha citado por Ferriani (2010, p. 35), consiste na relação notória, que deve ser conhecida no meio social em que vivem os parceiros. Logo, não se admite que a união seja secreta.

Além da publicidade, a união deve ser contínua e duradoura. No entanto, o Código Civil não faz menção sobre o prazo necessário para que a união estável esteja caracterizada, diferente da legislação anterior, que segundo a Lei n.8.971/94, estabelecia um prazo de 05 (cinco) anos ou condicionava à existência de filhos em comum.

Na visão de Luciane de Paula Assis Ferriani (2010, p. 36) o Código Civil acertou em não estabelecer um prazo para a caracterização da união estável, devendo-se analisar cada caso no seu contexto, independentemente de prazo.

Dessa forma, na hipótese de dúvida, já que não há prazo fixado, o juiz decidirá o caso conforme as suas circunstâncias, vez que as relações efêmeras, passageiras e fugazes não podem ser consideradas como união estável.

Todavia, é necessário ter cautela e prudência ao analisar os casos concretos, vez que convivência de muitos anos, como por exemplo, 13 (treze) anos pode não ser caracterizada como união estável, e uma de apenas 02 (dois) anos vir a ser união estável. Zeno Veloso citado por Tartuce (2015, p. 271) estabelece que os fatores que influenciarão o juiz serão: vida em comum sob o mesmo teto, existência de filhos, notoriedade da convivência, casamento religioso, contrato escrito da união, além da vontade dos partícipes de constituir família.

Um ponto que merece destaque é a de que a lei não exige que a convivência se dê sob o mesmo teto. Zeno Veloso citado por Tartuce (2015, p. 273) conclui que a vida em comum sob o mesmo teto é uma característica marcante, mas não imprescindível vez que há diversos casos em que os companheiros não habitam a mesma residência. No entanto, nesses casos faz-se necessário que haja prova robusta da união, de modo a ficar comprovado o laço afetivo que os une e a intenção de constituição de uma família.

Há ainda, para caracterizar a união estável, o requisito de que exista entre as partes o objetivo de constituir família.

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A Constituição Federal em 1988 (CF/88) ampliou o conceito de família, ao estabelecer a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Desta forma, com a promulgação da CF/ 88 a união estável foi reconhecida como entidade familiar, permitindo que as pessoas optem por viver em união.

Em conformidade com a tendência trazida pela CF/88, é relevante aprimorar o estudo dos direitos sucessórios daqueles que vivem em união estável, devendo ser analisados à luz da proteção conferida pelo Estado à entidade familiar.

Maria Berenice Dias (2015, p. 65-66) faz uma análise dos direitos sucessórios dos que vivem em união estável após a Constituição de 1988, nos moldes seguintes:

Mesmo com o advento da norma constitucional, que reconheceu a união estável como entidade familiar (CF 226, §3º), a jurisprudência resistiu em conceder direito sucessório aos companheiros. (...). Foi somente com o advento da legislação que regulou a norma constitucional que a união estável foi admitida como família, com direitos sucessórios iguais ao casamento (Lei 8.971/1994 e 9.278/1996).

Zeno Veloso (2010, p. 159) aborda a questão da sucessão dos companheiros após a Constituição de 1988, nos termos seguintes:

Com o advento da Constituição de 1988, entrou em vigor o art. 226, § 3º, que enuncia: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Em nível infraconstitucional, regulando e explicitando o estatuído na Carta Magna, vigoraram no país duas leis: Lei nº 8971, de 29 de dezembro de 1994, e Lei nº 9278, de 10 de maio de 1996. A primeira tratou da sucessão entre companheiros; a segunda, em complemento, previu o direito real de habitação.

3. SUCESSÃO ENTRE COMPANHEIROS (LEI Nº 8.971/94 E DIREITO REAL DE HABITAÇÃO (LEI Nº 9.278/96)

No Brasil, os direitos sucessórios dos companheiros foram adquiridos paulatinamente com a evolução da sociedade, tendo como marco a publicação da Lei n. 8.971/94.

De início, somente os direitos de indenização por serviço prestado foram reconhecidos aos companheiros. Com o passar do tempo, foi reconhecido o direito de partilha

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dos bens, desde que ficasse comprovado o esforço em comum na aquisição, de acordo com a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal4.

Com a promulgação da CF/88 continuou o entendimento sedimentado pela Súmula 380, que os companheiros teriam direito somente a participação dos bens adquiridos conjuntamente, ficando demostrado o esforço comum. Logo, os que vivem em união estável são meeiros e não herdeiros.

O advento da Lei n. 8.791/94 acabou com as dúvidas existentes sobre os direitos sucessórios dos companheiros, pois trouxe expressamente que os companheiros participavam da sucessão um do outro, tendo direito ao usufruto de um quarto dos bens, no caso de existirem filhos, sejam eles comuns ou não, ao usufruto da metade dos bens, no caso de não existirem filhos e houvesse ascendentes, e a totalidade da herança quando não houvesse nem descendentes e nem ascendentes (FERRIANI, 2010).

A referida lei acima previa como requisito indispensável para a concessão dos direitos já expostos, que os companheiros já tivessem um mínimo de 05 (cinco) anos de convivência um com o outro ou tivessem filhos juntos. Além disso, era necessário que os companheiros fossem solteiros, viúvos, divorciados ou separados judicialmente.

A Lei n. 9.278/96 surgiu poucos anos depois, trazendo o direito real de habitação como o único direito sucessório dos companheiros, e alterando os requisitos para a configuração de união estável, vez que não trouxe prazo mínimo para a estipulação e nem os estados civis que os companheiros deviam ter para que pudesse ser considerada a união estável.

Entende-se como positiva a mudança trazida por essa lei com relação a não mais exigência do prazo de cinco anos, pois há diversas situações que apesar da relação ser de muitos anos, não há o intuito de constituição familiar, devendo o juiz analisar todas as circunstâncias do caso para que se averigue se de fato há existe uma entidade familiar, um objetivo de constituir uma família.

4. SUCESSÃO DOS COMPANHEIROS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

4 Súmula 380 do STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua

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A sucessão dos companheiros está prevista no art. 1.790 do CC/02, sendo objeto de duras críticas por parte da doutrina. Uma delas se refere à posição em que vem prevista no Código Civil, estando posicionado no capítulo 1, denominado de disposições gerais, do título 1, da sucessão em geral, quando na verdade, segundo Zeno Veloso (2010, p. 166), deveria estar no capítulo correspondente a ordem de vocação hereditária. São suas palavras:

Sem dúvida, o companheiro é sucessor legítimo, mas o Código Civil dedica o art. 1.790, que está no capítulo denominado “Disposições Gerais”. A sucessão dos companheiros, por obvio, não devia estar aí; tinha de ficar no capítulo que regula a ordem de sucessão hereditária. Estamos diante de uma topografia ilógica. Mas esse é um problema menor.

O Código Civil dispõe em seu art. 1.790:

Art. 1790- A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência de união estável, nas condições seguintes:

I- se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á metade do que couber a cada um daqueles;

III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança;

IV- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

A partir da leitura do referido artigo, percebe-se que houve uma diminuição de direitos em relação aos que os companheiros tinham na legislação anterior, pois quando da ausência de descendentes e ascendentes do falecido, o companheiro sobrevivente era o herdeiro da totalidade da herança. Agora, o companheiro sobrevivente, na falta de descendentes e ascendentes, ainda concorre com os parentes colaterais.

Outra mudança consiste no fato de o companheiro apenas ser herdeiro dos bens que foram adquiridos onerosamente na constância da união estável, o que não era previsto na legislação anterior.

Assim, a sucessão dos companheiros se restringe aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. No entanto, esses bens que foram adquiridos na vigência da

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união estável a título oneroso, a metade já pertence ao companheiro sobrevivente, em face da regra da meação contida no art. 1.7255 do Código Civil.

Dessa forma, não estão compreendidos na herança do companheiro, os bens de que o de cujos era dono antes da convivência, nem os bens adquiridos a título gratuito. Assim, há casos em que o companheiro nada herdará o que gera consequências muito negativas e injustas. A esse respeito Giselda Hironaka (apud, DIAS, 2015, p. 132) enfatiza que: “Se o companheiro falecido não tiver amealhado quaisquer bens na constância da união estável, ainda que possuísse um enorme patrimônio anterior, o companheiro sobrevivente restará afastado da sucessão, sejam quais forem os herdeiros eventualmente existentes”.

Luciana de Paula (FERRIANI, 2010, p.78), ao discorrer sobre o assunto, entende que os direitos sucessórios dos companheiros não deveriam ficar restritos somente aos bens adquiridos de forma onerosa, mas que se incluísse a totalidade do patrimônio do companheiro falecido. Ou então que só ficassem restritos os bens particulares do de cujus, da mesma forma que ocorre na sucessão dos cônjuges, extinguindo a confusão que existe com o direito de meação.

Zeno Veloso (2010, p. 184) comentando o assunto enfatiza que:

Restringir a incidência do direito sucessório do companheiro sobrevivente aos bens adquiridos onerosamente pelo de cujus na vigência da união estável não tem nenhuma razão, não tem lógica alguma, e quebra todo o sistema, podendo gerar consequências extremamente injustas: A companheira de muitos anos de um homem muito rico, que possuía vários bens na época em que iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do companheiro se este não adquiriu outros bens durante o tempo da convivência. Ficará essa mulher – se for pobre – literalmente desemparada, mormente quando o falecido não cuidou de beneficiá-la em testamento.

Note-se que, quando comparado com a legislação anterior, o que se pode concluir é que o art. 1.790 retirou direito e vantagens antes existente em favor dos companheiros, quando na realidade deveria dar proteção especial para essas famílias, mostrando-se muito injusto com aqueles que vivem em união estável.

Para Maria Berenice Dias (2015, p. 76), o código civil trouxe prejuízo para o companheiro sobrevivente nos termos seguintes:

5 Art. 1.725 do CC: Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações

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10 O Código Civil, ao tratar do direito sucessório na união estável, ao menos em cinco aspectos, trouxe inegável prejuízo ao companheiro sobrevivente: (a) não o reconheceu como herdeiro necessário; (b) não lhe assegurou quota mínima; (c) o inseriu no quarto lugar na ordem de vocação hereditária, depois dos colaterais; (d) limitou o direito concorrente aos bens adquiridos onerosamente durante a união; e (e) não lhe conferiu direito real de habitação.

No entanto, há casos em que os companheiros não são prejudicados, estando até em situação mais benéfica que os cônjuges, que ocorre quando há apenas bens adquiridos a título oneroso, visto que além do direito de meação, ao companheiro é dado também direito de herança sobre esses bens, o que não ocorre com os cônjuges, que apenas tem direito a meação dos bens adquiridos onerosamente, quando concorrem com descendentes. Para exemplificar, se o de cujus deixa um único bem adquirido a título oneroso e como herdeiro deixa uma filha e uma companheira, esta ficará com 50% desse bem a título de meação e 25% a título de concorrência na herança, totalizando 75% do bem. Se na mesma situação ao invés de companheira, houver um casamento com comunhão parcial de bens, a cônjuge do falecido somente receberá 50% do bem, e a título de meação.

4.1. CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM OS DESCENDENTES COMUNS A hipótese trazida pelo inciso I do artigo 1.790 do Código Civil se refere à concorrência do companheiro com os filhos comuns do de cujus. Nesta situação, cada um terá direito à mesma quota, ou seja, companheiros e filhos comuns terão direito a uma mesma parte da herança, que será dividida em porções iguais.

Onde se lê “filhos”, deve-se interpretar como qualquer descendente comum, como ocorre no inciso II do mesmo artigo, que se refere aos descendentes exclusivos do de cujos6.

É necessário ressaltar que a quota igual a que terá direito o companheiro, trata-se dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, vez que como já fora visto, os companheiros não têm direito sobre os bens particulares do de cujos, logo os bens particulares somente serão herdados pelos filhos, salvo disposição testamentaria em sentido contrário.

6 Existe uma teoria, defendida por Mario Roberto Carvalho de Faria, segundo a qual o legislador foi taxativo no

inciso I do art. 1.790 do Código Civil. O referido autor entende que, por essa razão, se o companheiro concorrer com descendentes comuns que não sejam filhos – netos, bisneto, etc. -, aplica-se o inciso III do art. 1.790, que prevê a concorrência do companheiro com outros parentes sucessíveis do de cujos. Direito das Sucessões: teoria e prática, p.151.

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Neste ponto, há outra diferença entre a sucessão do cônjuge e a do companheiro, pois a depender do regime de bens do casamento, o cônjuge concorre com os descendentes quanto aos bens particulares. Além disso, percebe-se que não há a previsão legal da reserva mínima da quarta parte da herança ao companheiro sobrevivente, tal como acontece com relação ao cônjuge sobrevivente.

Ao abordar a questão da concorrência do companheiro com os filhos comuns ensina Maria Berenice Dias (2015, p. 76) que:

Desse modo, se todos os herdeiros forem filhos do casal, a fração que recebe o companheiro é igual a de seus filhos, uma vez que a herança é dividida por cabeça entre todos: conta-se como se fosse mais um filho. Portanto, se há um só filho, a herança é dividida por dois. Sendo dois filhos, eles recebem dois terços da herança, e o companheiro um terço. O mesmo ocorre se forem três os filhos: cada um recebe uma quarta parte, e assim por diante. A divisão é sempre igual entre os filhos e o seu genitor.

4.2. CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM DESCENDENTES SÓ DO AUTOR DA HERANÇA

A hipótese trazida pelo inciso II do artigo 1.790 do Código Civil trata sobre a concorrência do companheiro com os descendentes só do de cujos. Nesse caso, o companheiro terá direito somente à metade do que couber àqueles.

Desta forma, na concorrência do companheiro sobrevivente com descendentes exclusivos do falecido, os últimos terão direito a uma quota da herança e o companheiro somente a metade desta quota, ou seja, a quota dos descendentes do de cujos tem peso dois, enquanto que a quota do companheiro apenas tem peso um.

A esse respeito, Maria Berenice Dias (2015, p. 192) ensina que:

Quando os herdeiros são filhos somente do autor da herança, eles recebem o dobro do companheiro sobrevivente. Ou seja, ele faz jus à metade do que recebe cada um dos enteados. Para proceder à partilha, o jeito é multiplicar por dois o número de filhos e somar mais um, que é a fração do parceiro. Assim, se dois forem os filhos, a herança precisa ser dividida por cinco, recebendo cada filho duas partes e o companheiro uma parte.

Sendo assim, pode-se concluir que o companheiro será favorecido se concorrer com descendentes comuns, ao passo que terá tratamento menos benéfico quando concorrer com descendentes exclusivos do de cujus.

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4.3. CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM FILIAÇÃO HÍBRIDA

O Código Civil não trouxe qual seria a solução cabível quando tratar-se de concorrência do companheiro com filiação híbrida, situação bastante comum na nossa sociedade contemporânea, que é justamente aquela em que há a concorrência do companheiro sobrevivente com filhos comuns e filhos exclusivos do falecido.

Diante da omissão do código civil sobre o assunto, cabe ao interprete solucionar o problema, definindo como será preenchida essa lacuna normativa. Assim, surgiram várias correntes doutrinárias propondo uma solução.

Nas lições de Hironaka (2003, p. 59):

O legislador se olvidou mais uma vez da comum hipótese que abarca aqueles que, tendo sido casados em primeiras núpcias, ou tendo mantido uma união estável precedente, tendo se separado, se divorciado, ou assistido a morte do companheiro da primeira fase de suas vidas, resolvendo assim, reconstruir sua trajetória afetiva com terceiro, hipótese esta que se qualifica ainda, pela especial condição de se ter advindo prole de ambos os relacionamentos vividos.

Uma das hipóteses de solução para o caso de filiação híbrida consiste em aplicar o inciso I do art. 1.790 do CC/02. O inciso trata da hipótese de concorrência entre companheiro e filhos comuns e prevê a divisão da herança em partes iguais. Assim, utilizando essa solução para o caso, tanto o companheiro sobrevivente como ou filhos comuns e exclusivos irão receber a mesma quota da herança, ou seja, receberão partes iguais.

Seguem esse entendimento Luciana Ferriani, Sílvio de Salvo Venosa, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Ana Luiza Maia Nevares, Inácio de Carvalho Neto e Francisco José Cahali, este último autor enfatiza no caso de filiação híbrida, a solução não cabe no inciso II, pois este inciso expressamente se refere à disputa com descendentes só do autor da herança, sendo cabível o inciso I, em razão desta regra não restringir a concorrência só com filhos comuns (CAHALI, 2012).

Como segunda solução temos a aplicação do inciso II do artigo 1.790, dedicado apenas aos descendentes exclusivos do falecido. Se utilizarmos essa hipótese, o companheiro sobrevivente receberá metade do que caberia tanto aos filhos exclusivos como aos filhos comuns. Por essa hipótese, verifica-se que os filhos comuns ou não, herdam em partes

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igualitárias, e o companheiro herda apenas a metade da parte que cabe aos filhos, sejam eles exclusivos ou não.

Zeno Veloso defende esta segunda corrente, uma vez que entende que no caso de filiação híbrida, deve prevalecer o inciso II do art. 1.790, pois não se deve prejudicar os filhos exclusivos do falecido em benefício do companheiro sobrevivente, vez que aos filhos comuns ainda resta a expectativa de herdar do companheiro sobrevivente, enquanto que os filhos exclusivos não têm essa esperança (VELOSO, 2010, p. 176).

A terceira solução é trazida por Giselda Maria (HIRONAKA, 2003, p.62), que consiste em aplicar ao mesmo tempo o inciso I e II do art. 1.790, ou seja, combinar os dois primeiros incisos, atribuindo assim uma quota e meia ao companheiro sobrevivente. Ao número de filhos, comuns e exclusivos, acrescentar-se-iam um e meio, resultantes da quota do companheiro sobrevivente (um diz respeito à concorrência com os filhos comuns, e meio, com os filhos exclusivos).

No entanto, a própria autora dessa proposta a crítica, por entender que esta não atende ao espirito do legislador, visto que este não quis que o companheiro recebesse mais do que os filhos.

Giselda Hironaka traz outra solução, que seria a composição dos incisos I e II do artigo 1.790 do CC/02, dividindo a herança em dois grupos, com a participação do companheiro sobrevivente em ambos. No primeiro grupo, formado pelos descendentes comuns, o companheiro receberia quota igual. No segundo grupo, formado pelos descendentes exclusivos, o companheiro receberia metade da quota que coubesse a cada um. A soma das duas quotas seria o total que caberia ao companheiro sobrevivente. O resultado dessa subdivisão é a divisão em quotas iguais para os filhos do de cujos (HIRONAKA, 2003, p.63).

Essa solução recebe duras críticas, pois estabelece que os filhos do falecido recebam quotas diferentes, vindo a contrariar o art. 1.8347 do Código Civil. Ocorre que essa solução

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também contraria o art. 227, § 6º8 da Constituição Federal, pois contraria o direito de que todos os filhos, havidos da relação de casamento ou não, recebem o mesmo tratamento.

Sendo assim, essa proposta de solução se mostra inconstitucional, uma vez que prevê a divisão da herança de forma desigual.

Diante do exposto, entende-se que a solução mais justa para o caso de concorrência de companheiro com filiação híbrida é aquela trazida pelo inciso I do art. 1.790, ou seja, seria considerar todos os descendentes do de cujus como se fossem comuns, procedendo a divisão da herança de forma igual entre o companheiro supérstite, os descendentes exclusivos e os comuns.

4.4. CONCORRÊNCIA COM OUTROS PARENTES SUCESSÍVEIS

O inciso III do art. 1.790 trata sobre a concorrência do companheiro sobrevivente com os demais parentes do de cujos, de forma que os ascendentes e colaterais até o quarto grau concorrem com o companheiro sobrevivente no que diz respeito aos bens que foram adquiridos de forma onerosa na constância da união estável. A proporção da divisão da herança será de um terço para o companheiro e dois terços para os parentes sucessíveis do falecido.

Note-se que diferentemente do que ocorre no casamento, na união estável os companheiros também concorrem com os colaterais, sendo que estes somente serão chamados a receber a herança na falta dos ascendentes do de cujus. Quando se trata de casamento, os colaterais estão na quarta classe de herdeiros, logo não concorrem com o cônjuge. Como vimos, essa concorrência apenas se dá na união estável.

No que diz respeito à concorrência com os ascendentes, Maria Berenice Dias ensina que:

Quando a concorrência se dá com ambos os genitores do falecido, cada um deles recebe 1/3 e mais a integralidade dos bens particulares do filho falecido. Na

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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

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15 concorrência com só um dos pais, este fica com 2/3, e o companheiro permanece somente com a terça parte dos aquestos. Mesmo quando os ascendentes forem de graus mais distantes (avós ou bisavós do falecido), permanece igual o direito do companheiro, independente do número de ascendentes.

Além disso, é válido mencionar que se o falecido deixou bens particulares, esses serão herdados somente pelos ascendentes (pais, avós, bisavós, etc.) ou colaterais (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avôs, sobrinhos-netos), não havendo a participação do companheiro.

Cabe ressaltar, que a quota do companheiro será sempre de um terço, não importando a quantidade e nem o grau dos ascendentes ou dos colaterais com quem concorre.

O Código Civil mostrou-se muito injusto neste ponto, pois dá preferência aos colaterais, que muitas vezes são tão distantes e em nada contribuíram para formar o patrimônio do falecido, em detrimento do companheiro de toda uma vida.

A solução que parece ser mais sensata consiste justamente em estender aos companheiros o mesmo direito que existe para os cônjuges, ou seja, na falta de ascendentes, os companheiros deviam ocupar a terceira classe de herdeiros, não concorrendo com os colaterais, que ocupam a quarta classe da vocação hereditária.

A esse respeito Sílvio Rodrigues não vê motivos para que o companheiro sobrevivente concorra com os colaterais do de cujus e defende que “nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com quem viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo uma família, que merece tanto reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto à família fundada no casamento” (RODRIGUES, 2011, p. 119).

Zeno Veloso (2010, p. 180) também se mostra inconformado com a solução trazida pelo Código Civil vigente, considerando que houve um grande retrocesso para os companheiros, enfatizando que a lei é anacrônica, antiliberal e regressista. São suas palavras:

Nada pode justificar, ninguém consegue explicar esse recuo, essa involução ocorrida no Código Civil vigente, fazendo o companheiro concorrer com colaterais até o 4º grau do de cujos, e em situação francamente inferior à destes, o que não se pode deixar de dizer, é uma solução anacrônica, antiliberal, além de atrasada e regressista.

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Guilherme Calmon Nogueira da Gama chega a entender que o inciso III do art. 1.790 é materialmente inconstitucional, pois não protege à família formada pela união estável, muito pelo contrário, elimina direito e vantagens concedidas anteriormente em favor dos companheiros (GAMA, 2007).

Zeno Veloso (2010, p. 181) ainda sobre a concorrência do companheiro supérstite com os colaterais do falecido comenta:

Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de quarto grau (primos, tios avós, sobrinhos netos). Em muitos casos, sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encontram. E o atual Código Civil brasileiro, que começou a vigorar no Terceiro Milênio, resolve que o companheiro sobrevivente que formou família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só herdará sozinho se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4º grau do de cujus. Temos de convir: isso é demais!

Por fim, é válido mencionar que Zeno Veloso (2010, p. 181) questiona o porquê de se privilegiar ao extremo vínculo biológico, ainda que remoto, em prejuízo do vínculo de amor, carinho, dedicação e afetividade:

Sem dúvida, nesse ponto, o Código Civil não foi feliz. A lei não está imitando a vida, nem está em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o falecido, que sustentou com ele uma convivência séria, sólida, qualificada pelo animus de constituição de família, que com o autor da herança protagonizou, até a morte deste, um grande projeto de vida, fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação hereditária. O próprio tempo se incumbe de destruir a obra legislativa que não segue os ditames do seu tempo, que não obedece às indicações da história e da civilização.

4.5 DIREITO DO COMPANHEIRO À TOTALIDADE DA HERANÇA QUANDO NÃO HÁ PARENTES SUCESSÍVEIS.

O companheiro supérstite, nos termos do artigo 1.790, IV9, terá direito à totalidade da herança na hipótese de não existir mais nenhum parente sucessível.

No entanto, resta-se saber se a herança referida no inciso IV é a totalidade da herança dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, ou se trata também dos bens particulares do falecido.

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Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

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Para Luciane Ferriari (2010, p. 87), fica claro que o inciso IV do art. 1.790 deve ser sempre interpretado em harmonia com o caput do artigo mencionado, vez que se o legislador quisesse se referir à totalidade da herança do de cujus, teria utilizado a expressão todo o patrimônio do falecido. Trata-se de uma séria injustiça com o companheiro que sobrevive, mas de acordo com a referida autora, não há outra de interpretação.

Por conseguinte, se o de cujus deixou somente bens que foram adquiridos na constância da união estável, de forma onerosa, o companheiro sobrevivente, na falta de demais parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Em contrapartida, se deixou unicamente bens particulares, o companheiro nada terá direito, sendo a herança declarada jacente, passando ao domínio do Poder Público.

Compartilham deste mesmo entendimento, José Cahali, Sebastião Amorim, Sílvio Rodrigues, Rodrigo da Cunha e Maria Aracy da Costa.

Contudo, essa não é uma questão pacífica, há diversos doutrinadores que entendem que na falta de parentes sucessíveis, todo o patrimônio do falecido, inclui-se aqui os particulares e os adquiridos na vigência da união estável, serão herdados pelo companheiro supérstite.

Seguem esse entendimento Maria Helena Diniz, Zeno Veloso, Sílvio de Salvo Venosa, Rosa Maria de Andrade Nery, José Luiz de Almeida, Mario Roberto Carvalho de Faria e Caio Mário da Silva Pereira.

A esse respeito Zeno Veloso (2010, p. 183) expõe que:

Pode-se admitir que o inciso IV está abrindo, francamente, uma exceção ao caput do art. 1.790. Em primeiro lugar, pela energia que imprimiu à expressão: o companheiro terá direito à totalidade da herança. Depois – e principalmente -, se atentarmos para o art. 1.844, que diz que a herança só fica vacante e é devolvida ao Poder Público se não sobreviverem cônjuge ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado à herança. Essa interpretação homenageia a família constituída pela união estável; é mais justa e humana.

Corroborando com esse entendimento, Rosa Nery (apud, LÔBO, 2013) enfatiza que o legislador não quis excluir o companheiro da sucessão dos bens adquiridos gratuitamente,

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por três motivos, o primeiro, porque o Código Civil em seu art. 1.84410 diz que a herança deverá ser devolvida ao Poder Público, unicamente na hipótese de o falecido não ter deixado cônjuge, companheiro ou parente sucessível; segundo porque quando não há a concorrência do companheiro com os parentes do de cujus, a lei menciona que aquele terá direito à totalidade da herança, e por último, porque a abertura da herança jacente somente se dá quando não há herdeiro legítimo (art. 1.81911 do CC/02), qualidade esta que o companheiro detém, apesar de não constar no rol do artigo acima mencionado.

É importante ressaltar, o entendimento de Maria Helena Diniz, que declara que não havendo parentes sucessíveis ou tendo estes renunciados à herança, o companheiro supérstite receberá a totalidade da herança no que tange tanto aos bens adquiridos onerosamente quanto gratuitamente antes ou durante a união estável, ou seja, todos os bens do falecido (DINIZ, 2014, p.188). Assim, os bens não irão ao Município, Distrito Federal ou União por força do disposto no art. 1. 844 do Código Civil de 2002.

Entende-se que deve prevalecer o segundo entendimento por ser mais justo ao companheiro de toda uma vida com quem o de cujus mantinha laços de afetividade, pois é ilógico, inadmissível e injusto que o Poder Público se sobreponha ao companheiro e arranque daquele o direito da totalidade da herança.

5. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

A Lei nº 9.278/1996 previa o direito real de habitação para os companheiros no seu art. 7º, parágrafo único, nos seguintes termos: “dissolvida à união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.

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Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.

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Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.

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No entanto, o código Civil de 2002 foi omisso quanto ao direito real de habitação dos companheiros, uma vez que o art. 1.83112 não fez qualquer menção ao companheiro, apenas concedeu ao cônjuge o direito real de habitação, independentemente do regime de bens, contanto que o imóvel fosse o único bem a inventariar.

Assim, o ponto questionável é saber se a Lei nº 9.278/1996 continua em vigor ou se foi revogada pelo Código Civil de 2002.

Seguem o entendimento de que o companheiro não tem o direito real de habitação Flávio Augusto Monteiro de Barros, Francisco José Cahali, Inácio de Carvalho Neto e Mario Roberto Carvalho de Faria.

Francisco José Cahali entende que as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 foram revogadas diante da incompatibilidade com o Código Civil de 2002. Para o mencionado autor, não há como utilizar, no presente caso, o argumento de que lei geral não revoga lei especial, porque, do contrário, além do direito real de habitação, também estaria em vigor o direito de usufruto. E, se assim fosse, o companheiro teria mais direitos do que o cônjuge sobrevivente (CAHALI, 2012, p.233).

Dos que se posicionam favoráveis ao direito real de habitação dos companheiros temos: Sílvio Salvo Venosa, Giselda Hironaka, Maria Helena Diniz, Flávio Tartuce, Luciana de Paula Assis Ferrriani e Ana Luiza Maia Nevares. Esse entendimento é o majoritário tanto na doutrina como na jurisprudência.

Sílvio Venosa defende a sobrevivência do parágrafo único do art. 7º da Lei nº 9278/96 à luz do Código Civil de 2002, nos seguintes termos: “somos da opinião de que é perfeitamente defensável a manutenção desse direito no sistema do Código de 2002” (VENOSA, 2010, p.135).

A esse respeito, Maria Helena Diniz (2014, p. 148):

Além disso, urge lembrar que o companheiro sobrevivente, por força da Lei nº 9278/96, art. 7º, parágrafo único, e, analogicamente, pelo disposto nos arts. 1831 do CC e 6º da CF (...), também terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família; mas pelo Código Civil tal direito só é deferido ao cônjuge sobrevivente.

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Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

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20 Diante da omissão do Código Civil (norma geral), o art. 7º, parágrafo único daquela Lei estaria vigente, no nosso entender, por ser norma especial.

Flávio Tartuce entende que apesar do suposto silêncio do legislador, deve-se prevalecer o entendimento pela manutenção do direito real de habitação dos companheiros (TARTUCE, 2016, p. 282).

Neste sentido, o Enunciado n. 117 CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, com o seguinte texto: “o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6 º, caput, da CF/1988”.

Cabe ressaltar que a jurisprudência majoritária conclui pela manutenção do direito real de habitação dos companheiros, como se pode inferir da leitura das ementas seguintes:

DIREITO CIVIL. SUCESSAO. DIREITO REAL DE HABITAÇAO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. POSSIBILIDADE. VIGÊNCIA DO ART. 7º DA LEI N. 9.278/96. RECURSO IMPROVIDO. 1. Direito real de habitação. Aplicação ao companheiro sobrevivente. Ausência de disciplina no Código Civil. Silêncio não eloquente. Princípio da especialidade. Vigência do art. 7º da Lei n. 9.278/96. Precedente: REsp n. 1.220.838/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 27/06/2012. 2. O instituto do direito real de habitação possui por escopo garantir o direito fundamental à moradia constitucionalmente protegido (art. 6º, caput , da CRFB). Observância, ademais, ao postulado da dignidade da pessoa humana (art. art. 1º, III, da CRFB). 3. A disciplina geral promovida pelo Código Civil acerca do regime sucessório dos companheiros não revogou as disposições constantes da Lei 9.278/96 nas questões em que verificada a compatibilidade. A legislação especial, ao conferir direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, subsiste diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal direito àqueles que convivem em união estável. Prevalência do princípio da especialidade. 4. Recurso improvido. (STJ, PEsp 1.156.744/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 09.10.2012, DJe 18.10.2012).

UNIÃO ESTÁVEL. 1) DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE, NA RESIDÊNCIA EM QUE VIVIA O CASAL. EXISTÊNCIA DE OUTRO IMÓVEL RESIDENCIAL QUE NÃO EXCLUI ESSE DIREITO. 2) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO POR EQUIDADE. MAJORAÇÃO NECESSÁRIA. 3) RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. - O direito real de habitação, assegurado, devido à união estável, ao cônjuge sobrevivente, pelo art. 7º da Lei 9287/96, incide, relativamente ao imóvel em que residia o casal, ainda que haja mais de um imóvel residencial a inventariar. 2. - Esta Corte admite a revisão de honorários, pelo critério da equidade (CPC, art. 20, § 4º), quando o valor fixado destoa da razoabilidade, revelando-se irrisório ou exagerado, ocorrendo, no caso concreto, a primeira hipótese, pois estabelecidos em R$ 750,00, devendo ser majorados para R$ 10.000,00. Inviável conhecimento em parte para elevação maior pretendida, em respeito ao valor dado à causa pela autora. 3. - Recurso Especial conhecido, em parte, e nessa parte provido, reconhecendo-se o direito real de habitação, relativamente ao imóvel em que residia o casal quando do óbito, bem como elevando-se o valor dos honorários advocatícios. (STJ, REsp 1220838/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 27/06/2012).

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21 DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇAO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇAO LEGISLATIVA. SITUAÇAO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE. EQUIPARAÇAO DA UNIÃO ESTÁVEL. 1.- O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens. 2. - A Lei nº 9.278/96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens do casamento. 3. - A Constituição Federal (artigo 226, 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação parcial do 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002. 4. - Recurso Especial improvido. (STJ, 3ª T., REsp. 821660/DF, Rel. Sidnei Beneti, DJe 14.6.11).

Por tudo que foi exposto acima, entendo que o direito real de habitação deve ser concedido aos companheiros sobreviventes, por não haver nenhuma incompatibilidade de seu art. 7º com o Código Civil de 2002, e também pelo fato de não constar no Código Civil, a expressa revogação da Lei 9.278/96, devendo prevalecer à lei especial em detrimento da lei geral.

6. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL, PARA FINS DE SUCESSÃO, NO RE 878.694-MG.

Como já mencionado alhures, o art. 1.790 do CC/2002 é bastante criticado pelos operadores do direito, dividindo opiniões sobre a sua adequação à Constituição de 1988.

A grande maioria que o considera inconstitucional alega um tratamento discriminatório do companheiro em relação ao cônjuge, uma vez que na concorrência sucessória com os ascendentes, descendentes e colaterais, os companheiros somente entram na ordem de divisão em relações aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, o que acaba por restringir os seus direitos. Já na concorrência com os colaterais, os companheiros supérstites apenas têm direito a um terço da herança, o que demonstra ser um total absurdo quando se comparado com o direito do cônjuge que exclui os parentes colaterais da sucessão. Por fim, menciona o fato do companheiro não fazer parte da ordem de vocação hereditária do art. 1.829 do CC/2002 (TARTUCE, 2016, p. 311).

É importantíssimo mencionar a tese defendida pela Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (apud, TARTUCE, 2016, p. 259) são as suas palavras:

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22 O art. 1.790 do CC restringiu a possibilidade de incidência do direito sucessório do companheiro à parcela patrimonial do monte partível que houvesse sido adquirido na constância da união estável, não se estendendo, portanto, àquela outra quota patrimonial relativa aos bens particulares do falecido, amealhados antes da evolução da vida em comum. A nova lei limitou e restringiu, assim, a incidência do direito a suceder do companheiro apenas àquela parcela de bens que houvessem sido adquiridos na constância da união estável a título oneroso. Que discriminação flagrante perpetuou o legislador, diante da idêntica hipótese, se a relação entre o falecido e o sobrevivente fosse uma relação de casamento, e não de união estável!

No mesmo sentido, Zeno Veloso (apud, TARTUCE, 2016, p. 303) lamenta a redação do artigo, enfatizando que:

As famílias são iguais, dotadas da mesma dignidade e respeito. Não há, em nosso ordenamento jurídico, família de primeira, segunda ou terceira classe. Qualquer discriminação, neste campo é nitidamente inconstitucional. O art. 1.790 do Código Civil desiguala as famílias. É dispositivo passadista, retrógado, perverso. Deve ser eliminado o quanto antes. O código ficaria melhor – e muito melhor – sem essa excrescência.

Por outro lado, há quem sustente que não há qualquer inconstitucionalidade no art. 1.790 do Código Civil, caso de Mário Luiz Delgado, que entende que ao consagrar a união estável como entidade familiar a Constituição Federal não quis equipará-la ao casamento, visto que mencionou expressamente a possibilidade de uma lei infraconstitucional fosse utilizada para converter a união estável em casamento. Assim, para ele não há como se converter o que é igual. Além disso, enfatiza que foi opção do legislador o tratamento diferenciado da sucessão do companheiro, não tendo, portanto, o que se falar em injustiça (apud, TARTUCE, 2016, p. 306).

Flávio Tartuce é do entendimento de que somente o inciso III do art. 1.790 seria inconstitucional, uma vez que prevê a união estável em grau de inferioridade ao se reconhecer a concorrência sucessória com os parentes colaterais e ascendentes numa proporção de apenas um terço (TARTUCE, 2016, p. 306).

Como já foi demonstrado, o citado art. 1.790 do CC/2002 divide muito as opiniões, o que não poderia ser diferente com a jurisprudência. Traremos a título de ilustração algumas jurisprudências a favor da inconstitucionalidade e outras, contra.

Inventários Sucessão da companheira Inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil Regime sucessório do cônjuge sobrevivente - Não havendo descendentes e ascendentes, a companheira recolhe toda a herança Recurso provido.(TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento 0078186-86.2013.8.26.0000, Acórdão 6878634, Peruíbe, Rel. Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville, DJESP 06.0.2013).

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23 Equiparação constitucional das entidades familiares matrimoniais e extramatrimoniais, em razão de serem oriundas do mesmo vinculo, qual seja, a afeição , de que decorrem a solidariedade e o respeito mútuo entre os familiares. Entidades destinatárias da mesma proteção especial do Estado, de modo que a disparidade de tratamento em matéria sucessória fere a ordem constitucional. Ponderação dos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e direito fundamental à herança. Proibição do retrocesso social (TJSP, Apelação com Revisão 587.852.4/4, Acórdão 4131706, 9ª Câmara de Direito Privado, Jundiaí, Rel. Des. Piva Rodrigues, j. 25.08.2009, DJESP 25.11.2009).

Agravo de instrumento. Sucessão. União Estável. Companheira. Constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Recurso Provido. Embora o art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988 reconheça a união estável como entidade familiar, não a equiparou ao casamento, tanto que a referida norma constitucional prevê que a Lei deve facilitar sua conversão. Não é inconstitucional o tratamento conferido pelo art. 1.790 do Código Civil acerca do direito sucessório do companheiro (TJMG, Agravo de Instrumento 1.0261.09.073944-0/001, Rel. Des. Ana Paula Caixeta, j. 23.05.2013, DJEMG 29.05.2013).

INVENTÁRIO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. HERANÇA. PARTICIPAÇÃO. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES. ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. PRIVILÉGIO EM RELAÇÃO A CÔNJUGE SOBREVIVENTE. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INEXISTÊNCIA. A Constituição Federal não equiparou o instituto da união estável ao do casamento, tendo tão somente reconhecido aquele como entidade familiar (art. 226, § 3º, CF). Dessa forma, é possível verificar que a legislação civil buscou resguardar, de forma especial, o direito do cônjuge, o qual possui prerrogativas que não são asseguradas ao companheiro. Sendo assim, o tratamento diferenciado dado pelo Código Civil a esses institutos, especialmente no tocante ao direito sobre a participação na herança do companheiro ou cônjuge falecido, não ofende o princípio da isonomia, mesmo que, em determinados casos, como o dos presentes autos, possa parecer que o companheiro tenha sido privilegiado. O artigo 1.790 do Código Civil, portanto, é constitucional, pois não fere o princípio da isonomia. (TJDF; Rec. 2009.00.2.001862-2; Ac. 355.492; Primeira Turma Cível; Rel. Des. Natanael Caetano; DJDFTE 12/05/2009; Pág. 81) (Publicado no DVD Magister nº 27 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007).

Esse problema sob a constitucionalidade ou não do art. 1.790 do Código Civil está bem perto de ser solucionado, pois o Supremo Tribunal Federal, em sede do Recurso Extraordinário 878694, está analisando a inconstitucionalidade de tal artigo.

O caso concreto trata de uma decisão de primeira instância em que ficou reconhecido o direito da companheira herdar a totalidade dos bens do casal, dando tratamento igual ao do casamento. No entanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao reformar a decisão deu direito à companheira somente aos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, ficando o restante com os três irmãos do falecido, por reconhecer a constitucionalidade do artigo 1790. Dessa forma, a autora interpôs recurso extraordinário ao Supremo, contestando a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, enfatizando que a Constituição Federal não faz diferenciação entre as famílias originadas da união estável e do casamento (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2016).

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A sessão de julgamento do Recurso Extraordinário 878.694-MG foi realizada em 31 de agosto de 2016, conforme já dito na introdução do presente trabalho, no qual sete Ministros votaram pela inconstitucionalidade do artigo, sendo eles, Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello, Cármen Lúcia e o relator Luís Roberto Barroso. O julgamento do RE sobredito encontra-se atualmente suspenso em virtude do pedido de vista feito pelo Ministro Dias Toffoli.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) participou na qualidade amicus curiae do julgamento do RE 878.694 por meio da sustentação de Ana Luíza Maia Nevares, vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do IBDFAM, no qual defendeu a tese da inconstitucionalidade da norma, acreditando que a suspensão do julgamento não deve interferir no resultado da decisão, pois a maioria dos ministros já se posicionou favoravelmente à inconstitucionalidade do artigo 1.790. Para Ana Luíza Nevares, essa decisão causará grandes impactos, repercutindo de forma contundente e trazendo para o mundo jurídico uma maior segurança e também uma maior previsibilidade nos julgamentos posteriores (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2016).

No entanto, Ana Luíza Nevares explica que a decisão a ser tomado pelo STF somente gerará efeitos às partilhas de bens que ainda não se concretizaram, ou seja, terá efeitos ex nunc.

6.1. VOTO DO RELATOR DO RE Nº 878.694-MG.

O Ministro Luís Roberto Barroso foi o responsável pela relatoria do Recurso Extraordinário nº 878.694-MG manifestando a presença da repercussão geral tanto do ponto de vista social como jurídico, social por tratar de uma proteção dada às famílias em um momento difícil, qual seja, a perda da pessoa querida, que pode provocar uma situação tanto de desamparo emocional como também financeiro, e jurídico pelo fato da proteção dada pelo Estado a família, prevista no art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988. Além disso, a repercussão geral está também pautada no fato de servir de norte para a atuação do Judiciário em casos semelhantes.

O voto do Ministro Barroso foi dividido em três partes, na primeira parte enfatiza que o tema do presente recurso tem gerado significativa judicialização, com frequentes decisões em sentidos divergentes, enfatizando que no Brasil o fundamento do Direito sucessório está ligado à ideia de continuidade patrimonial como uma forma de perpetuidade da família. Dessa

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forma, o regime sucessório vincula-se ao conceito de família, destacando-se que na história brasileira sempre houve uma forte influência religiosa justificando o conceito de família, sendo aceito apenas a família constituída pelo casamento. A esse respeito expressa que antes da Constituição Federal de 1998, todas as outras constituições traziam expressamente que a família se constitui pelo casamento (BRASIL, 2016).

No entanto, com o passar do tempo, já na segunda metade do XX, houve uma lenta e gradual evolução na concepção de família na sociedade brasileira, com o reconhecimento de múltiplos modelos de família, consistente em uniões estáveis, uniões homoafetivas, e também de famílias monoparentais, pluriparentais ou anaparentais (BRASIL, 2016).

Na segunda parte do seu voto, o Ministro Barroso esclarece que após a Constituição de 1988 e antes da edição do CC/2002, a união estável já havia sido alvo de duas leis específicas, a saber, a Lei nº 8.971/94 e a Lei n º 9.278/96, que praticamente reproduziu o regime sucessório estabelecido para os cônjuges no Código Civil de 1916, vigente à época, sendo que a grande diferença se dava basicamente, quanto a Lei nº 8.971/94, na ausência do direito real de habitação para o companheiro, que foi superada com a vigência da Lei nº 9.278/1996, que veio a conceder o direito real de habitação aos companheiros. Além disso, o Barroso enfatiza que o Código Civil de 2002 veio interromper a evolução de direitos do regime sucessório dos companheiros, quando trouxe dois regimes sucessórios diversos, o instituído pelo casamento e o instituído pela união estável, considerando o art. 1790 do CC/02 como o grande marco na involução na proteção do companheiro (BRASIL, 2016).

Pode-se perceber com a leitura do art. 1.790 do CC/02 que há uma verdadeira oposição entre a proteção legal dada ao cônjuge ao companheiro, pois o código civil confere maiores possibilidades, chances e recursos ao cônjuge para que leve adiante a sua vida de forma digna, o que não ocorre com a companheira, como se esta merecesse menos proteção legal quando comparada a cônjuge, o que mostra que o referido artigo é totalmente retrógado e preconceituoso.

Outrossim, o relator concorda que o casamento e a união estável são entidades familiares distintas, senão não haveria necessidade de a lei facilitar a conversão da união estável em casamento. No entanto, questiona-se se é possível extrair do art. 226 da CF algum tipo de hierarquia constitucional entre as formas de constituição de família que levasse o legislador a autorizar a instituição de regimes sucessórios diversos, ou seja, se é possível

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identificar alguma diferença entre as entidades que justificassem um tratamento tão discrepante (BRASIL, 2016).

Dessa forma, conclui o relator que não existe qualquer hierarquia entre a união estável e o casamento, possuindo ambas direito igual à proteção legal, sendo inconstitucional o art. 1.790, do Código Civil, ao prever regimes sucessórios distintos para o casamento e para a união estável. Argumentando ainda que, se o legislador civil entendeu que o regime do art. 1.829 do CC/2002 permite ao cônjuge ter uma vida mais digna quando do falecimento do parceiro, não poderia de nenhuma forma estabelecer um regime diverso e menos protetivo para o companheiro (BRASIL, 2016).

Na terceira parte do seu voto, o Ministro Barroso entende que o art. 1.790 do CC/02 além de criar uma hierarquia inconstitucional entre as entidades familiares ainda viola o princípio da dignidade da pessoa humana, acrescentando que não é logico desproteger os que vivem em união estável pelo simples fato de não terem optado pelo casamento. Além disso, sustenta que o art. 1.790 do CC/2002 é incompatível com a Constituição Federal (BRASIL, 2016).

Finalizando o seu voto, o relator taxa de discriminatório e anacrônico o art. 1.790 do CC/02, em virtude de tentar hierarquizar entidades familiares diversas, em clara violação à igualdade entre as famílias e aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade (BRASIL, 2016).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de família com a evolução do direito passou por inúmeras modificações, protegendo atualmente não só as famílias constituídas pelo casamento, mas também aquelas provenientes de união estável.

Um dos marcos para o reconhecimento da união estável foi à promulgação da Constituição Federal de 1988, que a elevou a categoria de entidade familiar, sem, contudo, ter equiparado união estável a casamento. Foi apenas com o surgimento das Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 que os direitos a meação, direitos sucessórios, alimentos, direito real de habitação passaram a incidir sobre os companheiros.

A primeira lei a tratar sobre os direitos de sucessão do companheiro supérstite foi a Lei nº 8.971/94, que regulamentou o direito do companheiro sobrevivente ao usufruto de um

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quarto ou metade dos bens, a depender da situação. Depois a Lei nº 9.278/96 veio estabelecer entre outras medidas, quais seriam os requisitos para a caracterização da união estável e qual o foro competente para julgar as ações especificas, além de estabelecer o direito real de habitação. O entendimento majoritário é de que a Lei nº 9.278/96 somente derrogou a Lei nº 8.971/94, permanecendo em vigor as disposições compatíveis.

O Código Civil de 2002 em seu art. 1.790 dispõe sobre a sucessão resultante da união estável, estando mal posicionado no referido código, visto que se encontra localizado no capítulo das disposições gerais da sucessão em geral, quando deveria estar posicionado no capítulo da ordem de vocação hereditária.

O direito sucessório do companheiro supérstite sofreu um grande retrocesso, se compararmos com os direitos que possuíam na legislação anterior ao Código Civil de 2002, uma vez que passaram a herdar somente os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, assim estão excluídos da sucessão os bens adquiridos antes da união, bem como aqueles adquiridos a título gratuito. Além disso, passaram a concorrer com os parentes colaterais do de cujos.

Quando o companheiro sobrevivente concorre com os descendentes comuns, terá direito a mesma quota deles; quando concorre com descendentes exclusivos do de cujos, terá direito à metade da quota que aqueles têm direito; nos casos de filiação híbrida que é aquela em que há tanto descendentes comuns como exclusivos do falecido, embora não haja ainda previsão em lei, a solução mais condizente com os ideais de justiça é considerar como comuns todos os descendentes, dividindo a herança de forma igualitária entre todos.

Não havendo descendentes, o companheiro supérstite concorrerá com os ascendentes, recebendo sempre um terço dos bens adquiridos de forma onerosa durante a união estável. Na ausência de ascendentes, o companheiro ainda concorre com os parentes colaterais do falecido até o quarto grau, tendo direito a um terço dos bens que foram adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Essa última concorrência se mostra injusta para o companheiro, visto que na sucessão dos cônjuges não havendo ascendentes, o cônjuge tem direito a totalidade da herança.

Não havendo parentes sucessíveis, o companheiro supérstite receberá a totalidade da herança no que tange tanto aos bens adquiridos onerosamente quanto gratuitamente antes ou durante a união estável, ou seja, todos os bens do falecido, ficando assim, excluídos da

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