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A BIODIVERSIDADE E A HISTÓRIA DA FLORESTA PORTUGUESA

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Academic year: 2021

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A BIODIVERSIDADE E A HISTÓRIA

DA

FLORESTA PORTUGUESA

Jorge Paiva

(Biólogo)

Centro de Ecologia Funcional. Universidade de Coimbra

Contam-se e aprendem-se muitas histórias durante a nossa vida. Na infância são histórias muito variadas para entretenimento ou para uma melhor integração das crianças no meio em que vivem. Nos estabelecimentos de ensino aprende-se a história do nosso país, a história universal, um pouco de história da literatura, da poesia, das ciências, das religiões, etc. Como normalmente não se refere a história da nossa floresta (silva, em latim), apresentamos uma resenha da história da floresta portuguesa (silva

lusitana) desde que o homem habita a Península Ibérica, pois, além do mais, a silva lusitana foi-nos muito útil para acoitarmos os nossos exércitos nas pelejas contra os

mouros, assim como também o fizeram os franceses que acoitaram os seus exércitos clandestinos no “maquis” na luta contra a ocupação alemã na última Grande Guerra e os vietnamitas que se acoitaram nas florestas tropicais na guerra contra os americanos.

Durante as grandes mudanças climáticas pleistocénicas, com avanços e recuos dos gelos continentais (glaciações), o nosso território esteve coberto de florestas diferentes das actuais. Antes da última glaciação (Würm), já com a espécie humana a viver por cá, este cantimho europeu, com um clima subtropical e húmido, estava coberto de uma floresta de lenhosas sempre-verdes (folhagem persistente), com composição semelhante à que se observa, ainda hoje, nos Açores, Canárias e Madeira. Nestes arquipélagos essa floresta (laurisilva) não foi devastada pela última glaciação, porque as ilhas, estando rodeadas de água, um líquido termo-regulador, as temperaturas não atingiram os baixos valores das regiões continentais. Assim, a laurisilva sobreviveu ali, enquanto foi desrtruída nas regiões continentais.

Este ecossistema (laurisilva) é assim designado por ser um tipo de floresta com árvores da família das Lauráceas, como o loureiro (Laurus nobilis e Laurus azorica), o til (Ocotea foetens ), o vinhático (Persea indica ) e o barbuzano (Apollonias barbujana). Durante a última glaciação (Würm) o nosso país passou a ter um clima extremamente frio. Assim, praticamente desaparece a laurisilva, passando a ter uma cobertura florestal semelhante à actual taiga que circunda a parte continental norte do globo terrestre, em torno do círculo polar árctico. São disso testemunho as relíquias do pinheiro-de-casquinha (Pinus sylvestris) que ainda se encontram em algumas das zonas montanhosas mais frias do Gerês.

Após as glaciações, com o desaparecimento da laurisilva e da taiga, o respectivo nicho ecológico continental foi ocupado por uma nova floresta com espécies arbóreas mais adaptadas ao novo clima. Entre essas espécies lenhosas, predominam árvores da família das Fagáceas, como os carvalhos (espécies do género Quercus), a faia (Fagus

sylvatica), que chegou naturalmente só até à vizinha Galiza, tendo sido introduzido no

nosso país antropicamente (acção humana) e o castanheiro (Castanea sativa). Por isso, a este tipo de floresta devemos chamar fagosilva em consonância com a referida

laurisilva. Portanto, quando a nossa espécie (Homo sapiens sapiens) se instala na

Europa (há ± 40-35 mil anos), em plena última glaciação (Würm) vai “assistir” e talvez “colaborar” na formação da fagosilva, que em Portugal é uma floresta mista de lenhosas caducifólias e de algumas sempre-verdes (relíquias da laurisilva).

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Os lusitanos eram, pois, um povo que vivia desta floresta que lhes fornecia caça, peixe, frutas, farinha de bolota para o pão (não conhecia o trigo), castanha (substituída pela batata após os Descobrimentos) e verduras (veiças). É disto testemunho, o que Estrabão refere ao descrever o povo que os fenícios encontraram (primeira idade do Ferro) neste extremo ocidental europeu (“...três quartas partes do ano alimentam-se

sempre com bolotas secas, partidas e esmagadas, com as quais fazem um pão que se conserva muito tempo. Uma espécie de cerveja é a sua bebida ordinária...”). São

também testemunho disto, os pães de castanha ou pão dos bosques, a “bola sovada” (falacha) e “pratos relíquias” à base de castanha, como o paparote ou caldulo que ainda se comem em algumas regiões beirãs, e, ainda, alguma “actividade social” baseada na castanha, como, os magustos, estando as brechas (apanha prévia, pela garotada) e os rebuscos (apanha das sobras pelos aldeões de fracos recursos) praticamente em desuso.

Quando o homem inicia o cultivo de cereais (trigo e cevada) e a domesticação de animais (cabra, ovelha e porco) há cerca de 8-7 mil anos, inicia-se a degradação da

fagosilva. Uma parte das montanhas do norte do país, como, por exemplo, a serra de

Castro Laboreiro, talvez já estivesse com a floresta muito degradada no inicío da nossa nacionalidade. A riqueza arqueológica dessa região (mamoas, castros, etc.) assim o comprova. Essa degradação continuou depois com a pastorícia e agricultura rural até aos nossos dias, de que as brandas, inverneiras, vezeiras, socalcos e prados-de-lima são ainda o testemunho desse património cultural a preservar.

Por outro lado, os Descobrimentos e respectiva Expansão tiveram grande impacte na devastação das formações florestais do nosso país. A investigação histórica florestal sobre as orientações da evolução dos ecossistemas florestais que acompanharam os rumos da política económica em distintas épocas, confirmam que os Descobrimentos tiveram uma grande responsabilidade na exploração e declínio das florestas europeias e, evidentemente, também das de Portugal.

Inicialmente, para a construção naval, foi utilizada madeira de azinheira (Quercus ilex subsp. ballota = Q. rotundifolia) e de sobreiro (Quercus suber), pela abundância destas árvores nas proximidades dos estaleiros da capital. Porém, devido à utilidade destas duas espécies de carvalhos, fornecedores, respectivamente, de bolota comestível e cortiça, foi proibido o abate destas duas preciosas e úteis espécies de árvores, tendo sido substituídas pelo carvalho-alvarinho (Quercus robur), o carvalho de maior porte que temos [para cada nau eram necessários entre dois mil a quatro mil carvalhos]. Outras madeiras utilizadas, mas em menor quantidade, portanto, com fraco impacte ambiental, foram o pinho (Pinus pinaster) para a mastreação e vigamento e o castanho (Castanea sativa) para o mobiliário. Só para a “Campanha de Ceuta” foram necessárias 200-300 naus e durante a Expansão dos Descobrimentos, para a Índia construíram-se 700-800 naus e para o Brasil cerca de 500. Portanto, durante essa época derrubaram-se mais de 5 milhões de carvalhos. Foi assim que se desflorestou grande parte do país, tendo desaparecido muitos dos nossos riquíssimos carvalhais, plenos de Biodiversidade. O declínio não foi apenas de plantas. O urso, por exemplo, extinguiu-se, nessa época, em Portugal.

Como se referiu, para as naus foi usado, fundamentalmente, madeiramento de carvalho-alvarinho (Quercus robur). Mais tarde, para a construção da rede de caminho-de-ferro, foram derrotadas as florestas onde predominava o carvalho-negral (Quercus

pyrenaica), cuja madeira servia para fabrico das travessas das vias férreas.

Assim, as montanhas, particularmente as da região entre o Douro e o Tejo, foram praticamente desarborizadas e, portanto, erodidas, tendo sido o respectivo solo arrastado, assoreando os rios. O Mondego, por exemplo, assoreou de tal modo e tão rapidamente, que as freiras do Convento de Santa-Clara-a-Velha, que ali se instalaram

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no início do século XIV, três séculos depois (1677), isto é, após o auge da Expansão, tiveram que o abandonar, devido ao assoreamento do rio Mondego. Actualmente, em frente a Coimbra, o rio tem 30-40 metros de altura de areia.

Com as montanhas desarborizadas, a população passou a viver do pastoreio. A pastorícia intensiva também teve grande impacto na destruição da flora portuguesa, utilizando gados nacionais, mas também espanhóis na época medieval. A transumância dos rebanhos das planícies para a montanha no verão e vice-versa no inverno, só decaiu grandemente durante o século XX. Os rebanhos vindos de regiões que rodeavam as nossas serras, juntavam-se aos serranos, agrupando-se os animais em rebanhos de 1-3 mil ou mais cabeças de gado, à guarda de pastores serranos. A quantidade de animais que pastava nas serras era muito elevada, degradando os ecossistemas florísticos da montanha, com a consequente erosão dos solos.

Os fogos e a prática das queimadas nas regiões agrícolas e também nas regiões de pastoreio, foram outro factor que contribuíu e continua a contribuir para a desertificação das nossas montanhas.

As referências de fogos em Portugal podem remontar-se, pelo menos, aos fins do século XII, e os seus nefastos efeitos operaram uma modificação quase integral na cobertura vegetal de Portugal, e o consequente assoreamento de uma grande parte dos nossos rios.

A destruição foi tal que os ecossistemas florestais portugueses, de que ainda possuímos algumas relíquias muito degradadas, foram sendo substituídos por urzais (Erica spp. e Calluna vulgaris), giestas (Cytisus spp.) e tojais (Ulex spp.) ou formações naturais mistas de urzes, giestas, tojo e carqueja (Pterospartium tridentatum), vulgarmente conhecidos pela designação genérica de matos.

A partir de certa altura, essas áreas de mato foram rearborizadas com o pinheiro bravo (Pinus pinaster ). O primeiro Regimento de Reflorestação que conhecemos são as leis publicadas em 1495 e integradas nas Ordenações Manuelinas. Com a conhecida Lei das Árvores de 1565, que constitui uma política de promoção de rearborização nos baldios ou propriedades privadas de todos os municípios, dá-se o incremento do pinhal.

Esta lei realça a prioridade das resinosas, o que constitui um marco importante na história florestal do nosso país, tendo-se dado, portanto, o início da difusão dos pinheiros pelas montanhas portuguesas e, praticamente, por todo o território. Mas a lei, além dos pinheiros, menciona também castanheiros e carvalhos e “outras quaisquer árvores”. Já nessa altura se indicavam as folhosas para as arborizações, e não apenas resinosas. Aliás, era obrigatória a utilização de folhosas, mas, infelizmente, também já nessa altura, não se cumpriam as leis. Muitos municípios não cumpriram a lei alegando desconhecimento da mesma ou alegando que os castanheiros, figueiras, carvalhos, amoreiras, etc. não tinham pegado “por a terra ser tão fria”, o que é realmente estranho num país onde aquelas espécies nascem e crescem naturalmente. Semeou-se pinheiro bravo e pinheiro manso (Pinus pinea), conhecendo-se a composição florística das matas nessa época, diferenciando-se em vários pinhais, quer de pinheiro manso, quer de bravo. O pinheiro bravo ecologicamente é uma árvore bem adaptada aos ambientes de Portugal atlântico. Sendo uma resinosa de crescimento mais rápido que o carvalho, foi semeada com maior profusão do que o pinheiro manso e do que as folhosas, tendo ampliado extraordinariamente a respectiva área, particularmente depois da criação dos “Serviços Florestais” e da política de arborização do “Estado Novo”, tendo-se criado em Portugal a maior área de pinhal contínuo da Europa.

As nossas montanhas transformaram-se então num imenso pinhal, outrora cobertas fundamentalmente por carvalhais caducifólios.

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destruição desta, passou a viver dos matos (pastorícia), modificando novamento os seus hábitos passando, seguidamente, a viver do pinhal, que lhe dava madeira, lenha, resina, e muitos objectos manufacturados artesanalmente, como colheres, garfos e até facas.

Para sul do Tejo, apesar de se terem devastado muitos sobreirais e quase todos os montados de azinho, particularmente após a célebre campanha do trigo, o pinhal, quer de pinheiro bravo quer de manso, nunca teve grande implantação.

A partir de meados do século passado (XX) os pinhais têm vindo a ser substituído por eucaliptais, particularmente de Eucalyptus globulus. Os eucaliptos interessam mais às celuloses por serem árvores de crescimento mais rápido do que os pinheiros. Nas últimas décadas incrementaram-se tão desenfreadamente as plantações de eucaliptos que se criou em Portugal a maior área de eucaliptal contínuo da Europa.

Com as montanhas ocupadas por eucaliptais, deu-se o êxodo rural pois, como os eucaliptos são cortados periodicamente de dez em dez anos, o povo não fica dez anos a olhar para as árvores em crescimento, sem ter mais nada que fazer. Isto porque os eucaliptais não dão para mais nada a não ser madeira para as celuloses, pois além de não terem praticamente mato útil, não podem ser cortados para lenha nem fornecem boa madeira para construção ou mobiliário. Assim, o povo além do abandono rural a que foi “forçado”, ficou ainda numa dependência económica monopolista, um risco para o qual não é, nem nunca foi, alertado.

Como é do conhecimento geral, a partir de 1975 aumentaram espectacularmente os fogos florestais em Portugal, constituindo um verdadeiro escândalo nacional a destruição não só da nossa vasta área de pinhal, como de algumas relíquias florestais e até de zonas agrícolas. Na nossa opinião, a delapidação técnica e humana dos Serviços Florestais, operada pelos sucessivos governos após a “Revolução dos cravos” (25. IV. 1974) e a impreparação democrática da maior parte da população que, inicialmente, entendeu que liberdade era libertinagem são as principais causas desta situação. Por outro lado, como já foi referido, deu-se a desumanização do meio rural, além do abandono a que foram votadas as montanhas pela diminuição de técnicos florestais. Concomitantemente, as casas florestais são abandonadas e, consequentemente, degradadas.

Como consequência da devastação do pinhal, como também foi referido, tem-se vindo a assistir a um aumento sistemático da área ocupada por eucaliptos e acácias ou mimosas, estas últimas por serem invasoras bem adaptadas a zonas incendiadas e os eucaliptos por serem plantados indiscriminadamente devido ao seu presente valor económico.

O declínio da riqueza florística implica empobrecimento faunístico, constituindo os eucaliptais, por vezes com um coberto arbustivo e herbáceo exíguo, as plantações industriais mais pobres sob o ponto de vista faunístico e florístico.

Apesar disso, os carvalhais e os montados de sobro e de azinho ocupam ainda quase um milhão de hectares em Portugal, sendo necessário, no entanto, para a defesa, manutenção e aumento dessa área, que haja uma radical modificação nas políticas agrícola e agroflorestal do nosso país.

Não se pode continuar apenas com explorações agroflorestais e agrícolas monoespecíficas. Não só porque são explorações que provocam baixas drásticas na Biodiversidade, como também são formações de elevada homogeneidade genética. Tal homogeneidade conduz a um empobrecimento dos genes disponíveis e não permite o melhoramento e selecção das espécies que ficam, assim, com menor aptidão para a sobrevivência. Isso implica maiores riscos de catástrofes, como incêndios mais devastadores e maior facilidade de propagação de epidemias.

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anos, as nossas montanhas caminham vertiginosamente para a desertificação com o consequente aumento do assoreamento dos rios. Aliás, muitas das nossas montanhas são, actualmente, autênticas zonas desérticas, pois até as já referidas formações secundárias de tojo, giestas, urzes e carquejas, que ainda “seguravam” o resto de solo empobrecido, têm sido devastadas pelos incêndios.

Outra consequência do desmembramento dos Serviços Florestais é a diminuição da área arborizada de ano para ano, por não terem pessoal e verbas para rearborizar ou apoiar a plantio por particulares das áreas ardidas. Desde 1974, são destruídos por incêndios e exploração industrial, em média anual, cerca de 50-65 mil hectares e são arborizados apenas cerca de 15-20 mil hectares. Há, pois, em média, um défice anual de 30-50 mil hectares. Assim, todos os anos assistimos a uma diminuição contínua da área arborizada do país. Só os nossos governantes é que não querem ver. Por outro lado, temos que legislar no sentido de obrigar a plantar um número igual ou superior ao das árvores abatidas para comercialização, tal como o fazem alguns países europeus (ex.: Finlândia e Suíça). Enquanto não se re-estruturarem convenientemente os Serviços Florestais, continuaremos a caminhar para a desertificação.

Resumindo, Portugal, antes das glaciações, tinha, pelo menos as montanhas cobertas de florestas sempre-verdes (laurisilva) e durante a última glaciação teve uma cobertura florestal semelhante à actual taiga, que foram naturalmente substituídas por florestas mistas (fagosilva) de árvores sempre-verdes e caducifólias, transformando o país praticamente num imenso carvalhal caducifólio (alvarinho, e negral) a norte do Tejo e perenifólio (azinheira e sobreiro) para sul. Por destruição dessas florestas as nossas montanhas passaram a estar predominantemente cobertas por matos de urzes, giestas, tojos, torgas e carqueja. Principalmente, a partir do século XIX, foram artificialmente rearborizadas com pinheiro bravo, o que as transformou em imensos pinhais. Com os incêndios e pela acção do homem, parte dessas montanhas e algumas zonas ribatejanas e alentejanas estão já transformadas em imensos eucaliptais (Portugal tem, actualmente, a maior área de eucaliptal da Europa) e acaciais, estando já algumas montanhas transformadas em zonas desérticas, plenas de pedregulhos.

Se os nossos governantes continuarem, teimosamente, a não querer ver o que está a acontecer, caminharemos rapidamente para um amplo deserto de pedras montanhoso, com a planície e o litoral transformado num imenso acacial, como, aliás já acontece em muitos regiões de Portugal.

Referências

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