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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MONISY KENNYA FAGUNDES DE SOUSA

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Academic year: 2021

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CAMPUS ARAPIRACA

UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

MONISY KENNYA FAGUNDES DE SOUSA

O FETICHE DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO SOB O DOMÍNIO DO CAPITAL: implicações no processo de trabalho

PALMEIRA DOS ÍNDIOS 2020

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O FETICHE DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO SOB O DOMÍNIO DO CAPITAL: implicações no processo de trabalho

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado ao Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas/Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

Orientador: Prof. Me. Fernando de Araújo Bizerra

PALMEIRA DOS ÍNDIOS 2020

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Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios

Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

S729f Sousa, Monisy Kennya Fagundes de

O fetiche do desenvolvimento tecnológico sob o domínio do capital: implicações no processo de trabalho/ Monisy Kennya Fagundes de Sousa, 2020.

68 f.

Orientador: Fernando de Araújo Bizerra.

Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade Federal de Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios. Palmeira dos Índios, 2020.

Bibliografia: f. 64 – 68

1. Serviço social. 2. Trabalho. 3. Capitalismo. 4. Tecnologia – aspectos sociais. I. Bizerra, Fernando de Araújo. III. Título.

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Agradeço primeiramente à Deus, por ter me possibilitado a vivência e conclusão desse ciclo, me dando força e fé para enfrentar as adversidades. Pela proteção durante toda a jornada de viagens entre Palmeira-Arapiraca e por todo o consolo nos dias em que perdia o chão por problemas pessoais que enfrentei.

À minha família, em especial à minha mãe, a quem devo tudo o que sou e conquistei até aqui. Mãe, sem seu amor, dedicação e incentivo, não chegaria até aqui! Agradeço também às minhas avós Ivone e Lucila, que a todo instante me deram o suporte necessário para o êxito nessa experiência de Graduação. Venho de uma família que as mulheres são grandes guerreiras e, certamente, essa será a maior herança que deixarão para mim. Ao meu pai, pelo apoio e pela disponibilidade em me levar ao ponto de ônibus durante maior parte dessa trajetória. Ao meu irmão, meus tios, tias e primos, pela força e torcida.

Ao meu noivo, Leandro Torres, pela paciência, incentivo, amor e compreensão dedicados a mim. Por muitas vezes, não conseguia tê-lo ao meu lado pelos compromissos da faculdade. Saiba que seu amor, carinho e cuidado, foram fundamentais para as conquistas dessa jornada. Obrigada por tudo!

Às minhas amigas, com quem pude dividir as alegrias e as angústias dessa caminhada na Universidade, Bruna, Jaqueline e Yanne, pelo carinho, amizade, respeito e apoio que me deram e por terem sido companheiras durante todos esses anos.

Ao meu orientador, professor Fernando Bizerra, pelo apoio e conhecimentos a mim compartilhados.

À Banca Examinadora, por prontamente aceitarem o convite para avaliar e contribuir com meu trabalho.

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tecnológico, o presente trabalho traz uma reflexão sobre a relação entre trabalho e tecnologia no capitalismo. Objetiva analisar as implicações da tecnologia no processo de trabalho sob o domínio do capital, evidenciando sua funcionalidade à ordem vigente. Para o entendimento das questões colocadas durante a investigação, recorreu-se à uma pesquisa bibliográfica amparada na teoria social crítica, utilizando-se de obras de autores clássicos e contemporâneos vinculados à tradição marxista que discutem sobre o trabalho, as mudanças na esfera da produção e o aperfeiçoamento tecnológico, com vistas à potencializar a exploração do trabalhador e aumentar a produtividade. Ao longo desse estudo, aborda-se o trabalho em seu sentido concreto e abstrato, explicitam-se as técnicas de produção desenvolvidas nas sociedades que antecederam ao capitalismo e, na sequência, demonstra-se como a Revolução Industrial possibilitou a expansão das forças produtivas mediante a aplicação capitalista da maquinaria. Discute-se sobre o desenvolvimento tecnológico à época do padrão produtivo

taylorista-fordista e, posteriormente, no contexto da produção flexível, sinalizando que a generalização das

inovações constitui-se enquanto um mecanismo usado pelos capitalistas para evitar os desperdícios e elevar os níveis de lucratividade. As informações reunidas permitem a conclusão de que, embora a tecnologia substitua parcela significativa dos trabalhadores no processo produtivo, ela não eliminou e nem eliminará o trabalho, uma vez que apenas ele possibilita a produção da riqueza que garante a reprodução da sociedade. A tecnologia, por mais avançada e necessária ao longo do tempo, não pode jamais cumprir essa função social.

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Contrasting with the thesis that work would be disappearing due to the advancement of technological development, the present work brings a reflection on the relationship between work and technology in capitalism. It aims to analyze the implications of technology in the work process under the domain of capital, showing its functionality to the current order. To understand the questions posed during the investigation, a bibliographic research based on critical social theory was used, using works by classic and contemporary authors linked to the Marxist tradition that discuss about work, changes in the sphere of production and technological improvement with a view to enhancing worker exploitation and increasing productivity. Throughout this study, work is approached in its concrete and abstract sense, the production techniques developed in the societies that preceded capitalism are explained and, next, it is demonstrated how the Industrial Revolution enabled the expansion of the productive forces through the capitalist application of machinery. It discusses technological development at the time of the Taylorist-Fordist production pattern and, subsequently, in the context of flexible production, signaling that the generalization of innovations is a mechanism used by capitalists to avoid waste and raise levels of profitability. . The information gathered allows the conclusion that, although technology replaces a significant portion of workers in the production process, it did not and will not eliminate work, since only it enables the production of wealth that guarantees the reproduction of society. Technology, however advanced and necessary over time, can never fulfill this social function.

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1 INTRODUÇÃO 8

2 TRABALHO, CAPITAL E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO 11

2.1 Trabalho, meios de trabalho e valorização do capital 11 2.2 As técnicas de produção ao longo da história 19 2.3 Maquinaria: o revolucionamento técnico do processo de trabalho capitalista 32

3 DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO CAPITALISMO DE

ONTEM E DE HOJE: RUMO À SUPERAÇÃO DO TRABALHO

44

3.1 A aplicação da tecnologia no trabalho rígido 44 3.2 Trabalho, flexibilidade produtiva e desenvolvimento tecnológico 56 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 68

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1 INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) aborda a relação trabalho e desenvolvimento tecnológico no contexto do modo de produção capitalista, evidenciando a funcionalidade que a tecnologia assume no marco das relações produtivas comandadas pelo capital. Demonstra-se, ao longo do texto, como em cada época histórica particular da sociedade burguesa aperfeiçoam-se os instrumentos de trabalho visando produzir riquezas em escala ascendente, garantindo, por essa via, o aumento da produtividade. O entendimento é o de que a tecnologia tem sido, estrategicamente, uma aliada do capital na exploração da força de trabalho da qual resulta a extração do trabalho excedente, objetivo movente da ação dos capitalistas. Tem-se como objetivo geral analisar as implicações do desenvolvimento tecnológico no processo de trabalho capitalista, desmistificando o fetiche que envolve a tecnologia sob o domínio do capital, qual seja: o de que ela é neutra, estando à serviço de toda a humanidade. Como objetivos específicos, elegemos quatro: delimitar as diferenças essenciais entre trabalho e trabalho abstrato; sinalizar o avanço do desenvolvimento das forças produtivas ao longo da história, mediante o aprimoramento sucessivo das técnicas de produção; investigar a funcionalidade da tecnologia para a reprodução do capital; demonstrar os aperfeiçoamentos tecnológicos ao longo dos padrões taylorista-fordista e, na sequência, toyotista.

O interesse em estudar a temática em questão surgiu, inicialmente, através de estudos em algumas disciplinas do Curso de Serviço Social, tais como Fundamentos da Economia, Trabalho e Sociabilidade, Fundamentos do Serviço Social V, as quais, cada uma a seu modo, ofereceram elementos para pensar de que modo o trabalho na sociedade capitalista impulsiona e é impulsionado pelas tecnologias aplicadas ao processo produtivo. Um segundo incentivo, e não menos importante, adveio da experiência do Programa de Monitoria que participei nas disciplinas de Teoria Política e Trabalho e Sociabilidade, sob orientação do professor Fernando Bizerra, nos semestres letivos 2016.2 e 2017.1, onde nesses momentos foi possível aprofundar os conhecimentos sobre a categoria trabalho e despertar algumas curiosidades que exigiram a continuidade das leituras e reflexões, levando esse objeto para o TCC.

Fomos também provocados a estudar as implicações do desenvolvimento tecnológico no processo de trabalho devido às polêmicas que surgem nas últimas quatro décadas no interior das Ciências Sociais e Humanas, acerca do fim da sociedade do trabalho em decorrência dos avanços da tecnologia. Autores renomados, como Gorz, Schaff, Lojkine, Mallet, Piore, Sabel, defendem, com argumentos diferentes, a tese de que com as mudanças que ocorreram na

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sociedade, o trabalho deixaria de ser central para a vida em sociedade. Ao invés dele, outras categorias assumiriam esse estatuto, como a técnica, o conhecimento e/ou a informação. Esses teóricos, no final das contas:

se ajustam às ideias da superação do trabalho pela tecnologia, [percorrendo] um caminho científico que conduz a uma perigosa ilusão”. Enxergam “a miragem enganadora que o desenvolvimento tecnológico seria o responsável pela superação das contradições e mazelas da sociedade. (BARROS, 2015, p. 167).

E ao agirem assim, alinham-se, no plano teórico, às necessidades conjunturais dominantes no atual momento histórico.

Diante das questões colocadas pela realidade do objeto de pesquisa, foram realizadas leituras e fichamentos que proporcionaram a organização das ideias necessárias para a elaboração final deste trabalho. Metodologicamente, a investigação realizou-se mediante a pesquisa bibliográfica, consolidada através do estudo de obras de autores clássicos, como Marx (1983); (1988) e Marx e Engels (2009), e contemporâneos que tratam do objeto em questão, a exemplo de Antunes (2009), Gorz (2001), Hobsbawn (2000), Lessa (2012); (2015), Mészáros (2011), Barros (2015), Paulo Netto e Braz (2009), entre outros citados ao longo dos capítulos. Devemos sinalizar, nesse espaço introdutório do trabalho, que algumas indagações orientaram o percurso investigativo, a saber: seria a tecnologia uma aliada do trabalho no seio das relações produtivas capitalistas? Porque ocorrem aperfeiçoamentos tecnológicos sob do domínio do capital? Quais as configurações assumidas pelo trabalho e pela tecnologia durante a vigência do padrão taylorista-fordista e no contexto da produção flexível? Quais as implicações da expansão e modernização da tecnologia para o processo de trabalho ao longo dos últimos séculos? As respostas alcançadas não esgotam tais questionamentos, mas possibilitam uma aproximação inicial ao rico universo do objeto estudado.

Com relação aos resultados da pesquisa, eles estão organizados didaticamente em dois capítulos. No primeiro, explana-se, de início, a concepção marxiana da categoria trabalho, entendida como categoria fundante do ser social e responsável pela transformação consciente dos elementos naturais em objetos que possuem valor de uso. Avança-se no sentido de abordar o trabalho em seu sentido abstrato, no capitalismo, cujo fim é a valorização do capital mediante a produção da mais-valia pela exploração da força de trabalho. Exposto isso, faz-se uma contextualização das técnicas de produção nas sociedades precedentes como as comunidades primitivas, sociedades asiáticas, escravista e feudal, demonstrando que em cada período os meios de trabalho apresentaram peculiaridades, conectando-se com as demandas produtivas.

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Posteriormente, no último item do primeiro capítulo trata-se da aplicação capitalista da maquinaria no processo produtivo no contexto da Revolução Industrial, que proporcionou a consolidação do modo de produção atual, trazendo à tona a funcionalidade da tecnologia aos propósitos do capital e, além disso, seus efeitos sobre a dinâmica do processo de trabalho. Evidencia-se que a maquinaria permite “uma racionalização capitalista na produção, externa e contrária ao saber-fazer operário. A fábrica torna-se caserna do capital, onde a tecnologia ocupa uma dupla função: a de exploração e de domínio, sob a orientação capitalista” (ROMERO, 2005, p. 18). Explorando e dominando os trabalhadores, com o auxílio direto da tecnologia, os capitalistas acumulam cada vez mais capital, impondo condições e relações de trabalho degradantes para os produtores diretos – essa é a principal constatação do primeiro capítulo. O segundo capítulo, tomando como base o entendimento de que a tecnologia não é neutra, sendo aperfeiçoada para potencializar a extração do trabalho excedente, aborda o desenvolvimento tecnológico associado ao modelo de produção taylorista-fordista, dando destaque para a racionalização da produção mediante a criação de métodos científicos e para o surgimento da linha de montagem em série nas fábricas fordistas. Finalizando, o item 3.2 trata do desenvolvimento tecnológico no contexto da reestruturação produtiva, abordando a especificidade da crise estrutural que se estende até os dias atuais, a introdução da flexibilidade produtiva em substituição à rigidez fordista e os avanços no âmbito da tecnologia aplicada à produção, os quais permitem a redução do número de trabalhadores empregados, o aumento da eficácia do processo produtivo, a intensificação do ritmo de trabalho, a desqualificação do trabalhador e a diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário.

Para o Serviço Social, as reflexões aqui expostas assumem relevância, tendo em vista que os assistentes sociais são partícipes da classe trabalhadora e, desse modo, vivenciam em seu cotidiano profissional as mudanças que o contexto do desenvolvimento tecnológico traz. Acrescido a isso, os assistentes sociais trabalham diariamente operando as políticas sociais, utilizando-se, para tanto, de recursos tecnológicos com o intuito de viabilizar direitos sociais e atender as demandas dos usuários. O trabalho em redes, o acesso à informação, o preenchimento de cadastros, a inserção dos sujeitos nos programas e benefícios sociais faz com os assistentes sociais recursem à tecnologia, sobretudo a informacional.

Desvendar o fetiche da tecnologia funcional à reprodução do capital, a partir de uma investigação científica, é de suma importância para oferecer aos trabalhadores um conhecimento crítico acerca dessa problemática.

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2 TRABALHO, CAPITAL E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

Nesse primeiro capítulo, abordamos a categoria trabalho, explicitando suas características principais e a especificidade que ela assume no capitalismo, destinando-se, prioritariamente, à produção de mais-valia. Em seguida, destacamos as técnicas de produção que foram, ao longo da história, sendo criadas nas sociedades precedentes, assinalando o desenvolvimento das forças produtivas em cada contexto particular. No último item, a análise tem como foco a introdução da maquinaria no processo produtivo, com todas as consequências daí decorrentes. A exposição oferece, portanto, elementos para pensar a relação indissociável entre trabalho, capital e desenvolvimento tecnológico na sociedade capitalista.

2.1 Trabalho, meios de trabalho e valorização do capital

De início, antes de nos determos na relação constituinte entre trabalho e desenvolvimento tecnológico, foco da nossa investigação, faz-se necessário expor a concepção do que é trabalho, em seu sentido concreto, bem como, em seguida, as peculiaridades que ele adquire no sistema social que tem como comando o capital. Ou seja, diferenciar trabalho de trabalho abstrato, recusando qualquer tentativa de estabelecer uma identidade entre ambos.

Marx e Engels (2009), n’A Ideologia Alemã, afirmam que os homens têm de estar em condições de viver para construírem sua história. Daí porque o único pressuposto para a existência da humanidade é que os homens precisam, em circunstâncias distintas, produzir os bens imprescindíveis à sua sobrevivência. Eles devem, diariamente, suprir necessidades de subsistência do tipo comer, beber, vestir, habitar, etc. O suprimento de tais necessidades, segundo os autores, se dá mediante uma atividade específica denominada de trabalho.

A especificidade de tal atividade pode ser assim sintetizada:

[...] o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio (MARX, 1983, p. 297).

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Nessa abordagem, o trabalho é a transformação consciente dos elementos naturais em objetos que possuem valor de uso, que ganham utilidade ao atender às necessidades sociais criadas no cotidiano dos indivíduos. O homem, membro de uma determinada organização social, ao sujeitar as forças referentes à sua corporalidade – “braços e pernas, cabeça e mão” provoca uma modificação intencional na natureza “externa a ele”, de modo a convertê-la em objetos que tenham uma “forma útil” na sua vida. Através do trabalho, o homem intervém na materialidade natural de tal forma que domina o processo de trabalho ao desenvolver uma automediação, autorregulação e autocontrole sobre a atividade posta em prática.

Sendo o trabalho a transformação da natureza, esta última se constitui, em todo caso, a base indispensável da vida em sociedade. Sem a natureza, a sociedade, desde as suas origens até as formas mais complexas, não pode existir. Inexiste qualquer possibilidade de reprodução social sem seu pressuposto, qual seja: a natureza, que deve ser transformada nos meios de produção e nos meios de subsistência, de acordo com as necessidades produzidas. Do ponto de vista histórico, o que se altera é a modalidade de organização dos homens para transformarem a natureza e a forma1 como eles satisfazem suas necessidades.

Ao longo do tempo, variam “os objetos produzidos a partir dos elementos naturais, bem como os meios empregados nessa transformação”, isto é, os instrumentos com os quais se trabalha; entretanto, “permanece o fato de que a reprodução da sociedade depende da existência da natureza” (LESSA, 2007, p. 132). Não há reprodução social sem que se atenda à necessidade, primária e indispensável, de transformação da natureza nos bens materiais.

O processo de trabalho é planejado previamente antes mesmo de ser posto em prática, distinguindo-o, portanto, de qualquer atividade animal que possa vir a ser análoga a dos homens. Chama a atenção Marx (1983) que:

[...] pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, 1983, p. 297-298).

1 Paulo Netto e Braz (2009, p. 31, grifos dos autores) lembram que “o trabalho não atende a um elenco limitado de e praticamente invariável de necessidades, nem as satisfaz sob formas fixas; se é verdade que há um conjunto

de necessidades que sempre deve ser atendido (alimentação, proteção contra intempéries, reprodução biológica etc.), as formas desse atendimento variam muitíssimo e, sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase sem limites, de novas necessidades”.

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O trabalho, atividade existente apenas no mundo dos homens, afirma-se como uma síntese entre dois momentos distintos, porém articulados. O primeiro momento é a prévia-ideação. Nele, o homem, ao se defrontar com uma situação concreta que lhe coloca necessidades particulares, planeja e antevê os resultados pretendidos com sua posterior ação. Como afirma Lessa (2015, p. 22, grifo do autor), durante o planejamento prévio, “o resultado é idealizado (ou seja, projetado na consciência) antes que seja construído na prática”. A consciência, no ato de planejar, desempenha um papel de destaque, pois, através dela o homem pode capturar os nexos da realidade que irá ser modificada, respeitando as leis naturais do objeto que será transformado e atuando no sentido que lhe indica a prévia-ideação.

O segundo momento é a objetivação. O homem, após planejar, objetiva, materializa o que estava sendo idealizado. A objetivação, convertendo o idealizado em objeto, é “o momento do trabalho pelo qual a teleologia se transmuta em causalidade posta”. Ela tem a função de articular “a idealidade da teleologia com a materialidade do real sem que, por esta articulação, a teleologia e a causalidade percam suas respectivas essências, deixem de ser ontologicamente distintas” (LESSA, 2012, p. 64-65). Não há objetivação sem prévia-ideação, e vice-versa. A objetivação só existe porque, anterior à ela, algo foi previamente idealizado. A objetivação, em suma, é a materialização de uma prévia-ideação.

Prévia-ideação e objetivação são consideradas diferenciadas no plano do ser. Sujeito (que dispõe da capacidade de planejar) e objeto (o que foi projetado e, em seguida, materializado) não são idênticos. O sujeito tem sua histórica particular, assim como o objeto, ao se inserir no interior das relações sociais, ganha autonomia em relação ao sujeito criador, tendo sua própria história. Ao objetivar, o homem cria não só um novo objeto; cria, ainda, uma nova situação que o coloca novas necessidades e que conduzem à novas objetivações.

Ao passo em que se transforma a natureza, o indivíduo também se transforma interiormente no mesmo processo, uma vez que ele já não será mais o mesmo de quando iniciou a objetivação. Pelo trabalho, e em consequência dos seus resultados, o homem adquire conhecimentos e habilidades que contribuem para o seu desenvolvimento pessoal e da sociedade em que vive. O trabalho, assim, “é a atividade de transformação da natureza pela qual o homem constrói, concomitantemente, a si próprio como indivíduo e a totalidade social da qual é partícipe”. É, por isso, “a categoria decisiva da autoconstrução humana, da elevação dos homens a níveis cada vez mais desenvolvidos de sociabilidade” (LESSA, 2012, p. 26).

É significativo mencionar, devido ao nosso objeto de estudo, que para o trabalho ser desenvolvido, faz-se necessária a existência dos instrumentos apropriados. Além da já citada

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força física humana, os meios de trabalho possibilitam ao homem o intercâmbio com a natureza. Nesta direção, Marx (1983, p. 298) aponta que “os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios”.

A terra e os elementos derivados dela, sempre se constituem como objetos de trabalho. Como indica o autor, “todas as coisas que o trabalho só desprende de sua conexão direta com o conjunto da terra, são objetos de trabalho preexistentes por natureza”. Sendo assim, “o peixe que se pesca ao separá-lo de seu elemento de vida, a água, a madeira que se abate na floresta virgem, o minério que é arrancado de seu filão” (MARX, 1983, p. 298) são objetos de trabalho. A natureza, em sua forma encontrada pelo homem, independente da sua ação, é objeto de trabalho. Porém, se determinado objeto de trabalho já tenha passado por alguma modificação por intermédio da intervenção humana, temos então a matéria-prima que é inserida como base para outros processos de trabalho. Nas palavras do autor:

Se, ao contrário, o próprio objeto de trabalho já é, por assim dizer, filtrado por meio de trabalho anterior, denominamo-lo matéria-prima. Por exemplo, o minério já arrancado que agora vai ser lavado. Toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho apenas é matéria-prima depois de já ter experimentado uma modificação mediada por trabalho (MARX, 1983, p. 298).

A finalidade almejada só irá se materializar caso haja os meios (instrumentos) de trabalho compatíveis com ela, já que é através deles que o homem pode dominar a natureza e, uma vez dominada, transformá-la. Seja “um machado de pedra lascada ou uma perfuradora de poços de petróleo com comando eletrônico, entre o sujeito e a matéria natural há sempre um meio de trabalho, um instrumento (ou um conjunto de instrumentos) que torna mediada a relação entre ambos” (PAULO NETTO; BRAZ, 2009, p. 32, grifos dos autores).

Conforme Marx (1983, p. 298), “o meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e que lhe serve como condutor de sua atividade sobre esse objeto”. No decorrer do processo de trabalho, o sujeito, interagindo com a natureza, se apropria das “propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas para fazê-las atuar como meios de poder sobre outras coisas, conforme o seu objetivo”. A criação dos meios de trabalho coloca para o sujeito, já nos estágios mais primitivos de sociabilidade, “o problema dos meios e dos fins (finalidades) e, com ele, o problema das escolhas: se um machado mais longo ou mais curto é ou não adequado (útil, bom) ao fim a que se destina (a caça, a autodefesa, etc.)” (PAULO NETTO; BRAZ, 2009, p. 32, grifos dos autores). As escolhas entre alternativas concretas não são nunca condicionadas por pulsões

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naturais. Os homens escolhem tendo como base avaliações (bom, mau, útil, inútil, etc.) que os permitem alcançar os resultados esperados com sua ação transformadora.

Além de todas essas características acima apontadas, para que ocorra o processo de trabalho, exige-se do sujeito “a vontade orientada a um fim” (MARX, 1983, p. 298), sendo a finalidade socialmente posta a partir de uma determinada realidade. O homem não estabelece um intercâmbio com a natureza simplesmente por estabelecer. Ele sabe, desde o início, o que pretende alcançar ao final o processo de trabalho. A finalidade é posta já no momento inicial desse processo, orientando-o, e só se realiza quando o homem tem em suas mãos o objeto.

Ao trabalho se objetivar, efetua-se uma transformação no objeto de trabalho almejada desde o princípio; “a vontade orientada a um fim” se realiza. Feito isso, todo esse processo “extingue-se no produto. Seu produto é um valor de uso; uma matéria natural adaptada às necessidades humanas mediante transformação da forma” (MARX, 1983, p. 300). Em síntese:

O processo de trabalho, como o apresentamos em seus elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais (MARX, 1983, p. 303).

As características até aqui mencionadas caracterizam o trabalho concreto, cuja finalidade é a produção de valores de uso, estando presente em toda sociedade ao ser “condição natural eterna da vida humana”. No capitalismo, dadas as suas particularidades enquanto modo de produção específico, a conversão da natureza nos meios de subsistência se dá mediante o trabalho abstrato. Mas, qual a distinção entre trabalho e trabalho abstrato?

Para identificar a especificidade do trabalho no modo de produção capitalista, faz-se necessário fazer menção à acumulação primitiva do capital, momento histórico que ocorreu entre os séculos XV e XVIII2, antecedendo o capitalismo e se constituindo como seu “ponto de partida”, ao gestar as condições para sua posterior consolidação. A acumulação primitiva se traduziu em “todos os revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação”; sobretudo, porém, “todos os momentos em que grandes massas humanas são arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários livres como os pássaros” (MARX, 1988, p. 341-342).

2 A história da acumulação primitiva “assume coloridos diferentes nos diferentes países e percorre as várias fases

em sequência diversa e em diferentes épocas históricas. Apenas na Inglaterra, que, por isso, tomamos como exemplo, mostra-se em sua forma clássica” (MARX, 1988, p. 342).

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A partir da acumulação primitiva do capital os trabalhadores foram expropriados brutalmente dos seus meios de produção, tendo que ingressar no mercado de trabalho como vendedores da sua força de trabalho para garantir o suprimento das suas necessidades de reprodução, tornando-se desde então trabalhadores assalariados. Com os trabalhadores expropriados e livres3, passa a existir na sociedade uma relação de compra e venda entre trabalhadores e capitalistas, sustentando a relação-capital.

Resumindo esse movimento histórico, o autor observa que:

[...] o processo que cria a relação-capital não pode ser outra coisa que o processo de separação de trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho, um processo que transforma, por um lado, os meios sociais de subsistência e de produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados. A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o processo histórico de separação entre produtor e meio de produção. Ele aparece como “primitivo” porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe corresponde (MARX, 1988, p. 340).

O capitalismo, ao generalizar a lógica mercantil, é um modo de produção onde a compra e a venda não se resumem apenas a objetos. Inclusive a força de trabalho, propriedade do trabalhador, passa a ser também uma mercadoria; aliás, a mais importante mercadoria no processo de produção, pois, sem a força de trabalho humana a produção e, consequentemente, a riqueza do capitalista não seriam possíveis. Quando capitalista e trabalhador passam a se relacionar enquanto comprador e vendedor, “com essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção capitalista” (MARX, 1988, p. 340).

Ao contratar o trabalhador, comprando sua força de trabalho, o capitalista pretende que ele produza através do seu trabalho objetos que possuam valor de uso, que atendam às necessidades sociais e humanas. Porém, o principal interesse do proprietário dos meios de produção não é o valor de uso oriundo do processo de trabalho, mas sim o valor que esse objeto, ao ser levado ao mercado enquanto mercadoria, vai lhe render como valor de troca. Ao capitalista não importa quem será o consumidor e nem com que pretensão o objeto será consumido. Importa, isto sim, que o produto seja vendido e resulte em lucro.

Verificando, no capitalismo, a sobreposição do valor de troca sobre o valor de uso, Marx afirma (1983):

3 Livres num duplo sentido: “porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como os escravos, os

servos etc., nem os meios de produção lhes pertencem, como, por exemplo, o camponês economicamente autônomo etc., estando, pelo contrário, livres, soltos e desprovidos deles” (MARX, 1988, p. 340).

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O produto - a propriedade do capitalista - é um valor de uso, fio, botas etc. Mas, embora as botas, por exemplo, constituam de certo modo a base do progresso social e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica as botas por causa delas mesmas. O valor de uso não é, de modo algum, a coisa qu’on aime pour lui-même4.

Produzem-se aqui valores de uso somente porque e na medida em que sejam substrato material, portadores do valor de troca (MARX, 1983, p. 305, grifos do autor).

O capitalista obtém, ao final do processo de trabalho,

[...] um valor de uso que tenha um valor de troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. [...] ele quer produzir uma mercadoria cujo valor seja mais alto que a soma dos valores das mercadorias exigidas para produzi-las, os meios de produção e a força de trabalho, para as quais adiantou seu bom dinheiro no mercado. Quer produzir não só um valor de uso, mas uma mercadoria, não só valor de uso, mas valor e não só valor, mas também mais-valia (MARX, 1983, p. 305).

O trabalhador produz através do dispêndio das faculdades próprias ao seu corpo objetos que têm valor de uso, produzindo, ao mesmo tempo e no mesmo processo, ao ter sua força de trabalho explorada, novo valor que é apropriado pelo dono do capital sem nenhum custo adicional e sem nenhuma retribuição ao produtor direto. Acrescenta – e este é o fim posto para o ato de trabalho capitalista – um valor superior àquele desembolsado inicialmente para arcar com a compra da força de trabalho e dos meios de produção (objeto e meios de trabalho). A especificidade do trabalho sob a égide do capital é ser um processo de valorização. O capital, movido pelo impulso de se autovalorizar, subordina a produção ao atendimento de suas necessidades vitais, controlando, para isso, o processo de trabalho do início ao fim para que ocorra a formação do valor. Sobre este aspecto, Marx (1983) afiança que:

Se comparamos o processo de formação de valor com o processo de valorização, vemos que o processo de valorização não é nada mais que um processo de formação de valor prolongado além de certo ponto. Se este apenas dura até o ponto em que o valor da força de trabalho pago pelo capital é substituído por um novo equivalente, então é um processo simples de formação de valor. Se ultrapassa esse ponto, torna-se processo de valorização (MARX, 1983, p. 312-313).

O trabalhador, além de produzir um objeto portador de valor de uso, produz um valor excedentário através da exploração da sua força de trabalho, valor esse que é apropriado de pelo capitalista. Portanto, o valor do produto final será sempre maior do que os custos pagos pelo capitalista de início, fato esse que garante a produção de mais-valia5. Para consolidar o processo

4 Que se ama por si mesma [Nota dos tradutores].

5 A mais-valia pode ser extraída nos marcos do capitalismo de dois modos distintos, todavia, não excludentes. O

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de valorização, a mercadoria deve vendida no mercado por um valor maior do que o investido pelo proprietário dos meios de produção. Não é do interesse do capitalista que a mercadoria seja comercializada pelo mesmo valor do que foi gasto na produção da mesma, pois isso acarreta na não geração do lucro, sendo este último o seu maior interesse.

O capitalista, para realizar sua produção à base da divisão social do trabalho e da propriedade privada dos meios de produção,

[...] precisaria ter a sorte de descobrir dentro da esfera da circulação, no mercado, uma mercadoria cujo próprio valor de uso tivesse a característica peculiar de ser fonte de valor, portanto, cujo verdadeiro consumo fosse em si objetivação de trabalho, por conseguinte, criação de valor. E o possuidor de dinheiro encontra no mercado tal mercadoria específica — a capacidade de trabalho ou a força de trabalho (MARX, 1988, p. 285).

A única mercadoria capaz de gerar mais-valia é a força de trabalho, por isso a sua decisiva importância no processo de produção capitalista. Seu valor é determinado como o das demais mercadorias que são levadas ao marcado diariamente: “pelo quantum de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção” (MARX, 1983, p. 305). O salário que é pago pelo capitalista ao produtor através de um acordo previamente firmado no contrato estabelecido entre ambas as partes, representa apenas uma parte do valor total que é criado pelo trabalhador. O trabalhador produz o valor total e usufrui tão-somente de uma parcela. Ao vender sua força de trabalho, aliena seu valor de uso e tem acesso apenas ao seu valor de troca. O que produz, portanto, não é sua propriedade. Produz não para si, mas para o empregador. Produz, mas não exerce o controle sobre a produção.

A jornada de trabalho divide-se em tempo de trabalho socialmente necessário, correspondendo aos gastos que o capitalista teve, e tempo de trabalho excedente, fonte de mais-valia. A ação do capitalista direciona-se no sentido de fazer com que esta segunda parte seja cada vez mais ampliada, resultando em lucros crescentes; e para isso conta com estratégias sofisticadas de controle do trabalho e incentiva os aperfeiçoamentos técnico-científicos aplicados ao processo de trabalho. O exemplo a seguir sintetiza tal ação:

o trabalhador em jornadas extensivas, fazendo-o trabalhar até 16 horas diárias, obtendo a mais-valia absoluta. O segundo modo é diminuindo a jornada de trabalho e, com o auxílio das inovações tecnológicas, intensificando o ritmo das tarefas. Ao trabalhar menos tempo e produzir o mesmo volume de produtos, tem-se, assim, a extração da mais-valia relativa.

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Se 10 libras de algodão absorviam 6 horas de trabalho e transformavam-se em 10 libras de fio, então 20 libras de algodão absorverão 12 horas de trabalho e se transformarão em 20 libras de fio. Consideremos o produto do processo prolongado de trabalho. Nas 20 libras de fio estão objetivadas agora 5 jornadas de trabalho: 4 na massa consumida de algodão e fusos, 1 absorvida pelo algodão durante o processo de fiação. Mas a expressão em ouro de 5 jornadas de trabalho é 30 xelins ou 1 libra esterlina e 10 xelins. Esse é, portanto, o preço das 20 libras de fio. Uma libra de fio custa, depois como antes, 1 xelim e 6 pence. Mas a soma dos valores das mercadorias lançadas no processo importou em 27 xelins. O valor do fio é de 30 xelins. O valor do produto ultrapassou de 1/9 o valor adiantado para sua produção. Dessa maneira, transformaram- se 27 xelins em 30. Deram uma mais-valia de 3 xelins. Finalmente a artimanha deu certo. Dinheiro se transformou em capital (MARX, 1983, p. 312).

Evidente está, pelas questões expostas no decorrer deste item, que o que o trabalho tem como fim é a produção de valores de uso necessários à existência humana. Sob o domínio do capital, tem-se uma produção da riqueza que não é destinada, nunca foi e nem será, prioritariamente, à satisfação das necessidades sociais dos indivíduos; seu destino é a produção e apropriação contínua de mais-valia. O trabalho, conservando a característica de produzir valores de uso, passa também, e o que é mais importante para os capitalistas, a produzir valor de troca. Quando o trabalho se torna relevante pelo seu valor de troca e não pelo de uso, ou seja, quando é submetido lógica expansiva do capital, ele assume a configuração de trabalho abstrato.

É somente quando passa a vigorar na sociedade o modo de produção capitalista em sua forma desenvolvida, que se pode falar na forma específica de trabalho citada acima. Portanto, o trabalho abstrato, por ser uma categoria especificamente capitalista, tem como propósito atender às necessidades do capital, exigindo, como veremos mais adiante, o desenvolvimento tecnológico avançado, possível com a introdução da maquinaria.

Antes de nos determos nesse aspecto, passaremos, no item seguinte, à constatação das técnicas de produção das sociedades pré-capitalistas, assinalando o cumulativo desenvolvimento das forças produtivas e o crescente domínio da natureza por parte dos homens.

2.2 As técnicas de produção ao longo da história

Em cada forma específica de sociabilidade existe a produção do que lhe é essencial, sendo essa produtividade capaz de apontar o seu estágio de desenvolvimento, além das circunstâncias sob as quais o homem realiza a transformação da natureza. Isso porque, “não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz, é o que distingue as épocas

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econômicas” (MARX, 1983, p. 299). Os meios de trabalho, as técnicas de produção assinalam o nível de desenvolvimento social alcançado nas distintas organizações societárias.

O processo de trabalho abrange, como já vimos no item anterior, os meios de trabalho (todos os instrumentos que o homem se utiliza para mediar seu intercâmbio com a natureza), os objetos de trabalho (a natureza em sua forma bruta, ou a natureza já transformada pela ação humana e inserida como matéria-prima em outros processos de trabalho) e a força de trabalho (a força física e psíquica do trabalhador), responsável pela produção dos bens. A totalidade desses elementos que compõem o processo de trabalho é denominada forças produtivas, e estas são desenvolvidas no interior de determinadas relações de produção.

As relações de produção são relações técnicas e relações sociais. As relações técnicas de produção “dependem das características técnicas do processo de trabalho (o grau de especialização do trabalho, as tecnologias empregadas etc.)” e “dizem respeito ao controle ou domínio que os produtores diretos têm sobre os meios de trabalho e sobre o processo de trabalho em que estão envolvidos”. Estas relações se subordinam às relações sociais de produção, “que as especificam historicamente e que são determinadas pelo regime de propriedade dos meios de produção fundamentais” (PAULO NETTO; BRAZ, 2009, p. 62). Se a propriedade dos meios de produção é coletiva, como veremos mais adiante, as relações sociais de produção assumem a feição de cooperação e ajuda mútua. Diferentemente, se aquela propriedade é privada, tais relações são permeadas por antagonismos de classe irreconciliáveis, ao passo em que os proprietários privados dos meios de produção exploram aqueles indivíduos que não a detêm. Paulo Netto e Braz (2009) afirmam que se as relações de produção proporcionam o progresso das forças produtivas quando há entre elas uma relação de correspondência. Se o contrário ocorrer, isto é, caso as relações de produção se apresentem como obstáculos para o desenvolvimento das forças produtivas, que ocorre de forma cumulativa, desencadeia-se um quadro de crise porque “a dinâmica das forças produtivas entra em contradição com as relações de produção e estas se tornam um freio para o desenvolvimento das forças produtivas, o modo de produção pode ser implodido” (PAULO NETTO; BRAZ, 2009, p. 62).

As comunidades primitivas, primeira forma de organizar a vida em sociedade, eram formadas por povos nômades, visto a necessidade de se deslocarem quase que diariamente por conta dos eventos naturais e também para obter alimentos em um generalizado quadro de escassez de valores de uso. Organizavam-se através do trabalho de coleta, havendo a caça de animais de pequeno porte e coleta de frutos. A forma de propriedade que sustentou seu

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desenvolvimento foi a propriedade coletiva, sendo a riqueza produzida comum a todos. Tudo que o bando conseguia era repartido igualitariamente, servindo para o autoconsumo.

A divisão social do trabalho era determinada fisiologicamente e se realizava de modo espontâneo: só existindo entre os dois sexos. Nela, o “homem vai à guerra, incumbe-se da caça e da pesca, procura as matérias-primas para a alimentação, produz os instrumentos necessários para a consecução dos seus fins”. A mulher, por sua vez, “cuida da casa, prepara a comida e confecciona as roupas: cozinha, fia e cose”. Assim se relacionando, cada uma manda no seu domínio: “o homem na floresta, a mulher em casa” (ENGELS, 2010, p. 200).

Nas comunidades aldeãs, cada um é proprietário dos instrumentos que elabora e faz uso: “o homem possui as armas e os petrechos de caça e pesca, a mulher é dona dos utensílios caseiros” (ENGELS, 2010, p. 200). A autoridade era baseada na sabedoria, nos costumes, na tradição e na experiência acumulada ao longo da vida; as decisões eram tomadas coletivamente, contando com a participação de todos os envolvidos. Viviam em cabanas e tendas levantadas nos bosques. As comunidades primitivas não conheceram, devido a essas características, classes sociais; não foram marcadas pelas desigualdades típicas da divisão entre exploradores e explorados.

Com relação aos meios de trabalho, os mesmos eram expressos nos instrumentos rudimentares, existindo nessa época o predomínio da pedra lascada. Nas cavernas humanas mais antigas “encontramos instrumentos de pedra e armas de pedra. Ao lado de pedra, madeira, osso e conchas trabalhados, o animal domesticado e, portanto, já modificado por trabalho, desempenha no início da história humana o papel principal como meio de trabalho” (MARX, 1983, p. 299). Os nômades das comunidades primitivas confeccionaram meios de trabalho extremamente rústicos, como lanças, arcos, flechas, canoas e outros instrumentos cortantes que lhes possibilitaram realizar as atividades produtivas e serviram aos propósitos de defesa.

Nas comunidades primitivas, utilizava-se pedra, pele, osso, sílex (rocha rudimentar silicatada muito dura e com elevada densidade), marfim e restos de animais para produzir os meios de trabalho. Os registros arqueológicos demonstram que haviam instrumentos como o macho de mão, feito por golpes dados no núcleo da pedra, possuindo duas bordas cortantes opostas; instrumentos de corte, grande, alongado e em forma oval, produzidos com martelo de pedra ou madeira; instrumentos com uma só borda feitos de seixos (semelhante a um cascalho) que são lascados em um lado, ou nos dois lados da borda de corte; e lascas muito bem preparadas, possuindo uma lâmina muito fina e, por isso, muito afiada.

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A rotina de vida acima mencionada foi se modificando com o advento da Revolução Neolítica, que ocorreu entre 10 a 12 mil anos atrás, possibilitada através do uso da semente e do início da pecuária. Os homens, pelas experiências diárias, conheceram melhor a natureza e deram início à agricultura e à prática do pastoreio, aumentando a produção e superando, em parte, a extrema penúria em que viviam. Em vista disso, com o passar do tempo, foi possível presenciar o aumento da produção, gerando, pela primeira vez, um excedente econômico, já que alguns bandos estavam produzindo além das necessidades imediatas, possibilitando o acúmulo dos produtos do trabalho. Os produtos excedentes eram destinados à venda, à troca ou armazenados para quando houvesse demanda de consumo.

Os homens aperfeiçoaram os meios de trabalho, inclusive começando a usar metais; controlaram o tempo, conhecendo as estações do ano, o intervalo entre os períodos de semeadura e de colheita; e empregaram algumas forças naturais, a exemplo da irrigação, para melhorar a produção e elevar a quantidade de bens produzidos. Associado à produção agrícola e às atividades desenvolvidas no campo, instaurou-se o artesanato, estimulando a fabricação de utensílios de cerâmica e de metal, rodas, veículos rudimentares e dos primeiros tecidos. Os progressos no processo de trabalho, com o aperfeiçoamento dos seus instrumentos e das habilidades dos sujeitos, favoreceram a produção do excedente econômico.

Com o excedente econômico, “sinalizando o desenvolvimento das forças produtivas, da produtividade do trabalho e apontando para as trocas entre os grupos humanos”, “e sua apropriação por aqueles que passaram a explorar os produtores diretos” (PAULO NETTO; BRAZ, 2009, p. 65), teve-se a dissolução das comunidades primitivas. As forças produtivas avançaram qualitativamente com a agricultura e a pecuária, suscitando novas relações de produção que lhes fossem correspondentes. A possibilidade de acumular os produtos excedentes

[...] abre a alternativa de explorar o trabalho humano; posta a exploração, a comunidade divide-se, antagonicamente, entre aqueles que produzem o conjunto dos bens (os produtores diretos) e aqueles que se apropriam dos bens excedentes (os

apropriadores do fruto do trabalho dos produtores diretos) (PAULO NETTO; BRAZ,

2009, p. 57, grifos dos autores).

Ao longo dos anos, com essa divisão da sociedade em classes antagônicas, ocorreu a transição para a Antiguidade, sendo esse período composto pelos modos de produção asiático e escravista. O primeiro foi uma experiência isolada que ocorreu predominantemente na Índia

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e na China, onde a produção de riquezas se dava majoritariamente através do cultivo de cereais em terrenos alagados, especialmente às margens de grandes rios

.

Marx (1988) afirma, no que diz respeito ao modo de produção asiático, que:

[...] aquelas pequenas comunidades indianas antiquíssimas [...] baseiam-se na posse comum das terras, na união direta entre agricultura e artesanato e numa divisão fixa do trabalho, que no estabelecimento de novas comunidades serve de plano e de projeto. [...] A maior parte dos produtos é destinada ao autoconsumo direto da comunidade não como mercadoria, sendo, portanto, a própria produção independente da divisão social do trabalho medida pelo intercâmbio de mercadorias no conjunto da sociedade indiana. Apenas os produtos excedentes transformam-se em mercadorias, parte deles só depois de chegar às mãos do Estado, para o qual flui desde tempos imemoriais certo quantum como renda natural (MARX, 1988, p. 470, grifo do autor).

Marcado por um estágio muito primitivo de exploração do homem pelo homem, nesse modo de produção as unidades autossuficientes produziam visando o atendimento das necessidades imediatas de sobrevivência, sendo o excedente direcionado ao pagamento de impostos recolhidos pelo Estado6. No modo de produção asiático, que se estendeu até o início

do século XX, o Estado, de modo a garantir as condições para a realização da produção nos terrenos alagados, apropriava-se de um certo quantum de produtos excedentes e tinha como atividades a construção de obras hidráulicas (diques, valas, sistemas de drenagem e represas), o controle das terras, a regularização das águas e a defesa militar contra os inimigos externos.

Os diques e reservatórios eram fundamentais para reter as águas que seriam utilizadas por meio de canais de irrigação no tempo de escassez das chuvas para a produção agrícola (trigo, cevada, ervilha, cebola, linho, tâmaras, diversas árvores frutíferas), a pecuária (bois, ovelhas, porcos, cabras) e o consumo humano. Como o ciclo agrícola durava cerca de seis meses, considerando o plantio e a colheita, no restante do ano os camponeses praticavam atividades artesanais. Utilizaram o linho e o couro de animais, confeccionaram cerâmicas. As fibras da planta foram usadas para fazer embarcações, redes e cordas, e acabaram tendo enorme importância quando utilizadas como matéria-prima para fazer papel.

Reconhecendo o papel do modo de produção asiático para o desenvolvimento científico e dos meios de trabalho, Santos Neto (2014) salienta que a China não apenas constituiu a base

6 Engels (2010) sinaliza que o Estado tem sua gênese quando a propriedade privada passa a reger a vida em

sociedade, ou seja, quando os conflitos, os confrontos das classes, põe em cheque a relação da propriedade privada, desse modo, não é um poder que surge no modo de produção capitalista, mas anteriormente a ele, sendo assim, só existe no interior de relações sociais específicas. Tem como natureza ser o poder político da classe economicamente dominante, assumindo a função garantir as condições para que haja a reprodução das sociedades de classe.

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da ciência moderna como fez ciência, embora esse aspecto tenha sido negado pelo pensamento hegemônico ocidental. Diz o autor que:

As descobertas chinesas não estão circunscritas à bússola e à pólvora, mas estendem-se aos diferentes campos que constituíram o terreno avançado da ciência moderna. Além dos instrumentos de marear, como astrolábio, quadrante, sistemas de velas com roldanas e do telescópio utilizado por Kepler e Galileu, cabe frisar que os chineses foram os inventores do relógio, que serviu e ainda serve para medir o tempo da produção no sistema capitalista. Os inventos chineses estão na base dos sistemas complexos como observatórios astronômicos, sistemas hidráulicos, fábricas de metalurgia, periscópio, balança de peso, papel moeda, pluviômetro, mapas geográficos, estudos complexos do movimento da terra (sismógrafo) etc. Antes de Johannes Gutenberg (1400-1468) introduzir a imprensa no Ocidente, os monges chineses haviam produzido, no século IX, as primeiras impressões móveis em papel. Sem falar das pipas, dos guarda-chuvas, do ábaco (primeiro instrumento de contagem), do uso de animais para o trabalho na agricultura, da moagem de grãos com maquinário de bambu, do uso da seda (bicho-da-seda) para manufatura de tecido e dos brinquedos de diferentes tipos (SANTOS NETO, 2014, p. 66).

Para o cultivo das terras produtivas, inventaram-se instrumentos apropriados: plantador, bastão empregado como cavadeira e a enxada (lâminas feitas de pedra ou chifre, e, após, de madeira). Tendo em vista o excedente de produção, surgiram locais para o armazenamento dos produtos: celeiros (casa para armazenagem construída sobre o solo) e silos (local de armazenamento subterrâneo,) mantendo conservados, por certo tempo, os alimentos. Para a colheita dos cereais e sua posterior transformação em farinha, criaram implementos como a ceifadora (pedaços retos de madeira com uma pequena fileira de pedras constituídas por serras). Os povos asiáticos confeccionaram a foice curva feita de madeira ou de ossos (especialmente maxilares de animais), com pontas de sílex. Para realizar a trituração dos grãos, tinha-se o pilão e o almofariz, ou então triturava-os com pedras arredondadas, meio mais usual que passou por transformações até chegar ao modelo padrão do moinho de mão.

O modo de produção escravista foi caracterizado pela existência de duas classes opositivas: os senhores de escravos, proprietários dos meios de produção, e o escravos, os produtores diretos. A totalidade7 da produção era apropriada pelos senhores de forma explicitamente violenta, ficando os escravos com o mínimo destinado apenas à sua sobrevivência. Existia, portanto, uma produção coletiva e uma apropriação privada, onde os produtores não possuíam liberdade alguma e, por não terem acesso ao produzido, não tinham

7 No trabalho escravo, “parece ser trabalho não remunerado até a parte do trabalho que se paga. Claro que, para

poder trabalhar, o escravo tem de viver, e uma parte de sua jornada de trabalho serve para repor o valor de seu próprio sustento. Mas como entre ele e seu senhor não houve trato algum, nem existe entre eles qualquer ato de compra e venda, todo o seu trabalho parece ser gratuito” (MARX, 2012, p. 116).

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interesse em aumentar a produção e aperfeiçoar continuamente os meios de trabalho, sendo comum a prática da sabotagem por parte deles.

Nesse período histórico, a classe dominante além de possuir a propriedade das terras e dos meios de produção, estendia essa posse aos escravos. Segundo Anderson (1991, p. 21), “foram as cidades-Estado gregas que primeiro tornaram a escravidão absoluta na forma e dominante na extensão, transformando-a assim de sistema auxiliar em um modo sistemático de produção”. O escravo, ao ser propriedade do seu senhor, poderia ser vendido ou emprestado como qualquer outro bem. Era inserido na produção agrícola, nos serviços domésticos e na construção de estradas que auxiliavam a movimentação dos bens comercializáveis. A forma de um senhor obter o maior número de escravos era sair vitorioso nas guerras.

A sociedade escravista apresentou grandes progressos no campo da filosofia, da ciência, da poesia, da história, da arquitetura, da escultura. O direito, a administração, a economia, os impostos, o voto, o debate, o recrutamento – “tudo isso chegou a níveis de sofisticação e força inigualáveis” (ANDERSON, 1991, p. 19). Ao contrário do que se imagina, nesse modo de produção quase toda a riqueza produzida advinha do campo e não da cidade, sendo a agricultura o setor predominante, a qual oferecia a produção e a riqueza quase que por completa das cidades. Tinha-se, assim, uma economia preponderantemente rural.

No escravismo,

Cada agrupamento municipal, fosse da democrática Atenas, da Esparta oligárquica ou da Roma senatorial, era essencialmente dominado por proprietários agrários. Sua renda provinha do milho, do azeite e do vinho – os três grandes produtos básicos do Mundo Antigo, vindos de terras e fazendas fora do perímetro físico da própria cidade. Dentro dela, as manufaturas permaneciam poucas e rudimentares: o gênero das mercadorias urbanas normais nunca ia muito além dos têxteis, cerâmica, mobília e os utensílios de vidro. A técnica era simples, a demanda limitada e o transporte era exorbitantemente custoso. O resultado era que as manufaturas da Antiguidade se desenvolviam tipicamente não por um aumento da concentração, como em épocas posteriores, mas pela descentralização e dispersão, já que a distância ditava mais os custos relativos da produção do que a divisão do trabalho (ANDERSON, 1991, p. 19-20).

Ainda que se observe o desenvolvimento das forças produtivas à época do escravismo, contraditoriamente ainda se notava o inverso em alguns setores como a produção, que ficava à mercê da locomoção bastante dificultosa. Inversamente à esta situação, os escravos eram tidos como um “bem móvel”, já que conseguiam se movimentar entre as regiões sem nenhum contratempo, podendo ser treinados para exercer diferentes atividades. Alguns escravos também eram destinados a trabalhar em outros setores da economia além da agricultura, como é o caso da Grécia clássica, onde se via esses indivíduos desempenhando atividades na

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manufatura. Já em Roma, existiam escravos que tinham a função de supervisionar os seus colegas; “era típico do modo de produção escravo plenamente desenvolvido no campo romano que até funções de administração fossem delegadas a escravos supervisores e feitores, que punham as turmas escravas para trabalhar nas terras” (ANDERSON, 1991, p. 24).

Além dos escravos e dos senhores de escravos, haviam poucos segmentos livres (artesãos, por exemplo), “subgrupos que serviam aos proprietários, ligando-se a tarefas administrativo-burocráticas (coleta de impostos, cobradores de agricultores e mercadores) ou repressoras (combate às rebeliões de escravos)” (PAULO NETTO; BRAZ, 2009, p. 66).

O escravismo foi um modo de produção altamente degradável para o trabalho e, assim, para os hebreus, egípcios, romanos, gregos e babilônios que o desenvolviam. Esses trabalhadores eram privados de toda a liberdade, trabalhando acorrentados e em condições insalubres que resultavam em doenças. Apesar disso, não se pode negar que houve desenvolvimento material e cultural nesse momento histórico. Como pontua Anderson (1991):

[...] o modo de produção escravo em seus primórdios registrou alguns avanços importantes no aparelhamento econômico desenvolvido no arcabouço de sua nova divisão social do trabalho. Entre eles podem contar-se a disseminação de mais lucrativas culturas de vinho e azeite, a introdução de moinhos rotativos para cereais

e a melhoria na qualidade do pão. Foram criadas as prensas de parafuso, o vidro soprado se desenvolveu e os sistemas de produção de calor refinaram-se; a

combinação de culturas, o conhecimento botânico e a drenagem do campo provavelmente também progrediram. Não houve, portanto, uma parada técnica no mundo clássico (ANDERSON, 1991, p. 25-26, grifos nossos).

Outros autores também trazem argumentações no sentido de demonstrar o desenvolvimento dos meios de trabalho:

Sob o escravismo, [...], inventou-se a roda dentada, passou-se a fundir e a utilizar eficientemente o ferro e o bronze, generalizou-se o emprego da tração animal, surgiram as alavancas e o parafuso de Arquimedes, o arado pesado, a confecção de pregos, a plaina de carpinteiro, o moinho d’água, os guinchos e a roda hidráulica (PAULO NETTO; BRAZ, 2009, p. 68).

Os escravos participaram da construção de aquedutos que podiam medir de 10 a 100 quilômetros de comprimento e, em geral, desciam de uma elevação de 300 metros acima do nível do mar na fonte até 100 metros quando atingiam os reservatórios próximos à cidade. Os aquedutos assinalavam o uso da energia da água pela humanidade e serviam para mover os equipamento usados na extração de minérios e armazenar a água usada na mina. Participaram,

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ainda, da construção de pontes levantadas com pedras; estradas para resistir a inundações e outro riscos ambientais; represas e tanques para armazenamento de água.

Para exercer o controle dos escravos que, em grande número nas propriedades do senhor, se rebelavam contra a bárbara situação a eles imposta, atuou o Estado através de um “conjunto de funcionários públicos, somado aos instrumentos de repressão de escravos (exército, polícia, prisões etc.)”(LESSA; TONET, 2008, p. 60) e o direito. Como as despesas eram altas, os senhores anualmente as compartilhavam, pagando impostos recolhidos pelos funcionários públicos. Todavia, os senhores de escravos, em um determinado momento, não conseguiram manter as despesas com o exército e com os funcionários públicos. Sua riqueza tronara-se insuficiente para arcar com os custos estatais, abrindo-se um quadro de crise.

O modo de produção escravista teve sua decadência concomitante à desestruturação do Império Romano. Em virtude das “invasões bárbaras8” que provocaram a desorganização do comércio, das revoltas que passaram a acontecer no Império, do colapso da estrutura militar, das constantes guerras civis e da insuficiente riqueza dos senhores que acarretou na dificuldade em conservar a submissão dos escravos, tem-se a crise do escravismo. Passa, então, a se instaurar de forma lenta e gradativa na sociedade o modo de produção feudal.

O feudalismo emergiu na Europa Ocidental e teve sua consolidação plena9 no século

XI. O campo, que concentrava as relações de produção, exercia supremacia sobre a cidade, já que nesse momento histórico a terra tinha grande significado. Como afirma Anderson (1991), na dinâmica feudal localiza-se claramente uma oposição entre o campo e a zona urbana:

[...] uma oposição dinâmica de cidade e campo só foi possível no modo de produção feudal: a oposição entre uma economia urbana de crescente comércio de bens, controlada pelos mercadores e organizada em associações e corporações, e uma economia rural de troca natural, controlada pelos nobres e organizada em terras senhoriais e pequenas propriedades, com enclaves camponeses individuais. Não é preciso dizer que a preponderância deste último era enorme: o modo de produção rural era esmagadoramente agrário. Mas as leis de sua dinâmica eram determinadas pela complexa unidade de suas diferentes regiões, e não pela simples predominância do domínio senhorial (ANDERSON, 1991, p. 146-147, grifos do autor).

8 Os principais povos “bárbaros” e os lugares onde eles se estabeleceram foram: os Francos, habitando na região

da atual França; Lombardos, no norte da Península Itálica; Anglos e Saxões, na Inglaterra; Burgúndios, no sudoeste da França; Visigodos, na região da Gália, Itália e Península Ibérica; Suevos, na Península Ibérica; Vândalos, no norte da África e na Península Ibérica; Ostrogodos, na Itália; Hunos, eram nômades, viviam em suas carroças e barracas que armavam por onde percorriam.

9 Anderson (1991, p. 150) lembra que o feudalismo “jamais existiu em um estado puro em parte alguma da

Europa”. As formações sociais feudais europeias eram “sempre sistemas complexos, nos quais sobreviviam outros modos de produção entrelaçados com o feudalismo propriamente dito: os escravos, por exemplo, existiram durante toda a Idade Média, e os camponeses livres nunca foram totalmente eliminados em lugar algum durante [o] período” obscurantista.

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A organização da produção se dava através de unidades autossuficientes – os feudos – e a propriedade privada nessa época era a terra, sendo ela motivo de muitas disputas10 em toda a história da Idade Média. A divisão da sociedade feudal se dava entre duas classes antagônicas: os servos (que eram responsáveis pela produção) e os senhores feudais (proprietários dos feudos), indivíduos que se relacionavam por meio de deveres e obrigações mútuas. Socialmente, havia uma íntima relação: os servos não podiam sair dos limites das terras do senhor; o senhor não podia expulsar os servos de suas terras. Nesta relação, o servo estava ligado ao meio de produção – a terra, impondo-se à servidão11 ao passo em que os servos não gozam de liberdade para além das terras do senhor; juridicamente tinham mobilidade restrita.

Os servos, embora ocupassem as terras, trabalhando e morando nelas, não eram seus proprietários. A terra era controlada privadamente pelos senhores feudais, classe que expropriava o excedente de produção “através de uma relação político-legal de coação” (ANDERSON, 1991, p. 143) tomando a forma de serviços, arrendamentos em espécie ou obrigações consuetudinárias ao senhor feudal. As terras dos senhores eram pradarias, pântanos e florestas. Nelas, os aldeões mantinham animais para se abastecerem de lã, carne, leite ou força animal, esta última transformada em trabalho para tracionar arados e carroças. As terras ofertavam turfa e madeira para suprir as necessidades energéticas e artesanais dos aldeões.

O sistema de agricultura familiar característico do feudalismo revelou-se mais dinâmico

[...] que os outros sistemas na capacidade de incorporar ensinamentos que começam a aparecer entre os séculos VI e VII, relacionados com o cultivo em solos pesados localizados nas vizinhanças dos grandes rios da planície Padana. Estes ensinamentos não se restringiam ao uso do novo arado munido de roda, tracionado por cavalos e com capacidade de realizar subsolagem e que foi levado para a Itália pelos conquistadores germânicos [...]. Iam além e resultavam de técnicas que vinham sendo testadas e aplicadas nas terras incorporadas à fronteira agrícola pelas imponentes obras hidráulicas – tipo cortes de canais, desvio de rios, etc., realizadas pelas comunidades das aldeias italianas – as quais possibilitaram ampliar os terrenos irrigados e drenados (BAIARDI, 1997, p. 454).

Os servos trabalhavam sob o sistema de corveia12, tendo acesso à uma parte do que era produzido. Trabalhavam nas terras alguns dias da semana para si e para o senhor feudal noutros,

10 Essa disputa ocorria entre os próprios senhores feudais, uma vez que a quantidade de terras traçava o grau de

poder político e econômico, e também entre os servos e os senhores. Os senhores para saírem vitoriosos nas disputas, formaram exércitos com homens bem equipados e aparelhados militarmente, prezando por sua proteção.

11 A servidão não foi imposta e consolidada sem resistências. Os camponeses resistiram com “apelos à justiça

pública contra as reivindicações senhoriais exorbitantes, a não-submissão coletiva aos serviços de mão-de-obra, pressões pela redução imediata nos arrendamentos, ou malandragens nos pesos de produção ou medidas de terra” (ANDERSON, 1991, p. 182).

Referências

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