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É inegável que o desenvolvimento tecnológico ao longo do desenvolvimento capitalista proporcionou (e tem proporcionado) avanços para a sociedade, diminuindo distâncias, auxiliando em tratamento de enfermidades, mas tem também influenciado negativamente a vida dos trabalhadores quando seu usufruto causa estresse e traz poluição ambiental. A tecnologia é-nos apresentada no dia-a-dia como resultado de uma decisão puramente técnica, destituída de conflitos e fins políticos; é encoberta por um fetiche que prega sua neutralidade, afirmando-a como para o bem de todos. Mas, ao contrário disso, vimos durante toda a exposição que, ao ser controlada pela classe dominante e desenvolvida no interior das relações produtivas capitalistas, ela não alivia o fardo de trabalho exercido diariamente para o trabalhador, pelo contrário, auxilia ainda mais a sua exploração, proporcionando uma apropriação ainda maior de mais-valia por parte dos detentores dos meios de produção. A tecnologia tem servido, majoritariamente, aos interesses dessa classe específica. Afinal de contas, é ela quem domina econômica e politicamente a sociedade; é ela quem tem a posse privada dos meios de trabalho.

A tecnologia sob o domínio do capital é desenvolvida em meio a aspectos positivos e negativos. Por isso, nosso estudo não visou fazer uma analogia valorativa acerca dela. Não desenvolvemos a pesquisa buscando afirmar se a tecnologia é eternamente “boa” ou “ruim”. Nosso intento foi desmistificar o fetiche que a envolve, entendendo que a tecnologia “não é neutra porque incorpora valores da sociedade industrial; especialmente os daquelas elites capazes de incorporar (ou traduzir) seus valores (ou reivindicações) na técnica”. Justamente por isso, ela “é um importante veículo para dominação cultural, controle social e concentração do poder industrial”. Ao longo do desenvolvimento histórico capitalista, “a racionalidade técnica seria também racionalidade política: os valores de um sistema social específico e os interesses da classe dominante se instalam no desenho das máquinas e em outros supostos procedimentos racionais” (NOVAIS; DAGNINO, 2004, p. 193, grifos dos autores).

Nessas palavras finais, algumas descobertas da pesquisa devem ser recapituladas. A primeira delas é a distinção entre trabalho e trabalho abstrato. O trabalho é o único responsável pela transformação da natureza em valores de uso. Desse modo, não existe e nem existirá sociedade que não dependa dessa categoria basilar, visto que ele é fundante do ser social. Característica contrária é atribuída ao trabalho em seu sentido abstrato, cuja função social de possibilitar a valorização do capital só é cumprida quando o modo de produção capitalista torna- se vigente.

Destacamos, ao logo deste trabalho, que as sociedades pré-capitalistas possuem modos peculiares de produção, adquirindo o trabalho características próprias ao ser desenvolvido em relações sociais e técnicas de produção particulares, bem como com instrumentos específicos. Das comunidades primitivas, onde o trabalho era realizado de modo coletivo, passando pelas sociedades asiáticas, pelo escravismo (em que a totalidade da produção era produzida pelos escravos, porém eram apropriadas pelos senhores de forma extremamente violenta), ao modo de produção feudal, os produtores diretos foram aperfeiçoando os instrumentos de trabalho de modo a aumentar a produção. As forças produtivas, até a chegada do capitalismo, alcançaram um desenvolvimento cumulativo, embora lento se comparado com o período posterior. Os meios de produção utilizados revelavam não apenas o grau desse desenvolvimento, como também revelavam as relações ali existentes e o tipo de estágio social obtido.

Outra comprovação a que chegamos é que a maquinaria e a tecnologia foram inseridas no processo produtivo capitalista e se expandiram sobremaneira após a Revolução Industrial, que teve início no século XVIII e perdurou até o século XIX. Esta Revolução não ocorreu espontaneamente, como uma mera evolução do desenvolvimento das forças produtivas, e foi a responsável por trazer grandes mudanças econômicas e sociais para o seio da sociedade. No âmbito dos meios de trabalho, os trabalhadores perderam totalmente o controle sobre o processo produtivo, atuando como “apêndices da máquina”. A realidade da grande indústria, como vimos, abriu a possibilidade de incorporação de toda a família, havendo a extração da mais- valia seja pelo prolongamento desmedido da jornada de trabalho, seja, após a luta dos trabalhadores, pela intensificação do ritmo das tarefas, contando-se, para tanto, com os recursos tecnológicos que aumentaram a cadência da produção, de tal modo que produziu-se mais em menos tempo.

Na dinâmica da acumulação capitalista, verificamos que as inovações tecnológicas devem ser incorporadas ao máximo pelos capitalistas, garantindo uma posição de destaque nos negócios em relação àqueles que não as incorporam. Os capitalistas que se apropriam dos avanços científicos preservam seu lugar nos negócios e, diante da concorrência, derrotam os capitalistas menores. No caso dos trabalhadores, a maior incorporação de maquinário pelos capitalistas tende a elevar a composição orgânica do capital, expulsando uma massa significativa de força de trabalho dos locais onde ocorre a produção. Resultado: com o aumento do capital constante em detrimento da diminuição do capital variável, o desemprego é o caminho para muitos trabalhadores que não são absorvidos pelas indústrias, passando a compor o amplo exército industrial de reserva disponível para as incertezas do mercado.

Observamos, particularmente no segundo capítulo, que cada modelo de produção (taylorismo-fordismo e toyotismo) possui peculiaridades tecnológicas, incorporando a tecnologia em uma clara perseguição ao desperdício de tempo na produção. Esses modelos de produção, a cada época em que tiveram vigência, foram impulsionadores de evoluções que ocorreram no ramo da tecnologia. Uma dessas grandes inovações foi a informação que pôde ser disseminada por um computador, sendo ela a responsável por alimentar a comunicação entre os seres humanos e a sociedade de forma geral. Grandes inovações foram presenciadas, como o rápido avanço do telefone, da televisão, da internet, dos computadores, onde através desses objetos todos poderiam ter acesso a quase tudo e de forma rápida. A tecnologia informacional, embora permita isso, permite também, ao mesmo tempo, uma sofisticada maneira de acelerar a produção, intensificar a exploração e configurar uma nova realidade para o trabalho.

Diante do que foi exposto, pôde-se compreender que o desenvolvimento tecnológico ocorre, na era moderna, conectado às necessidades sóciorreprodutivas do capital em cada conjuntura particular, facilitando o processo de extração da mais-valia e potencializando a capacidade de produzir riqueza. Os resultados da pesquisa põem às claras que “a verdade realista é que a ciência e a tecnologia existentes estão profundamente incrustadas nas determinações que hoje prevalecem na produção, por meio das quais o capital impõe à sociedade as condições necessárias de sua existência instável” (MÉSZÁROS, 2011, p. 265). Ontem e hoje a tecnologia atua em consonância com a lógica expansiva do capital.

Apesar de a tecnologia apresentar uma grande revolução no processo de trabalho e substituir, com o aumento da composição orgânica do capital, parte dos trabalhadores inseridos no processo produtivo, o trabalho não deixou de ser central para a vida em sociedade, como cogitaram alguns estudiosos, uma vez que ele é o único capaz de produzir bens úteis à humanidade. Não há indícios, pelo que foi visto nas páginas que precederam essas considerações finais, que o trabalho seja substituído pelo desenvolvimento tecnológico. Inegavelmente, a tecnologia conquistou ao longo dos anos grande importância para a sociedade, proporcionando-nos hoje uma era da informatização. Porém, distintamente dos autores que fizemos menção na introdução, não podemos afirmar o fim da sociedade do trabalho. O trabalho não foi (e nem será) eliminado; o capitalismo não deixou de existir, chegando a humanidade a outro patamar de sociabilidade “pós-industrial”. As transformações operadas no interior da sociedade conservaram, e não superaram, o capitalismo, as classes sociais fundamentais que o constituem e sua forma típica de trabalho: o trabalho destinado à valorização do capital.

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