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O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS NA FILOSOFIA POLÍTICA DE HEGEL: DA DIALÉTICA ENTRE SENHOR E ESCRAVO AO DIREITO INTERNACIONAL

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O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS NA FILOSOFIA

POLÍTICA DE HEGEL: DA DIALÉTICA ENTRE SENHOR E ESCRAVO AO

DIREITO INTERNACIONAL

FERNANDA JOOS BLANCK

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O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS NA FILOSOFIA

POLÍTICA DE HEGEL: DA DIALÉTICA ENTRE SENHOR E ESCRAVO AO

DIREITO INTERNACIONAL

FERNANDA JOOS BLANCK

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc. Josemar Sidinei Soares Itajaí, junho de 2009

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Aos meus pais, Egon Blanck e Elisabeth Joos Blanck, que sempre deram o máximo valor à formação acadêmica e profissional;

À minha irmã Aline Joos Blanck, por sua amizade e companheirismo;

Ao Professor Josemar Sidinei Soares, orientador deste e de tantos outros trabalhos, verdadeiro Mestre, por incentivar o desenvolvimento pessoal de seus alunos;

À Dra. Aulia Esper, pelos valorosos conselhos que me fizeram enxergar para além da linha do horizonte;

À Professora Maria da Graça Mello Ferracioli, pelo exemplo de professora, pessoa e mulher;

À Professora Karine de Souza Silva, pela oportunidade de estágio e aprimoramento intelectual;

Aos amigos do Grupo Paidéia, e, em especial, Bruna Adriano, Tarcísio Meneghetti, Tiago Mendonça, Renan Bernardes e Matheus Branco, pela amizade que potencializa o que há de melhor em todos nós.

(4)

Dedico este trabalho a todos aqueles que buscam o melhor de si.

(5)

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2009

Fernanda Joos Blanck Graduanda

(6)

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Fernanda Joos Blanck, sob o título “O reconhecimento dos Estados soberanos na filosofia política de Hegel: da dialética entre senhor e escravo ao Direito Internacional”, foi submetida em ____ de junho de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Josemar Sidinei Soares e ________________________________, e aprovada com a nota ______.

Itajaí, junho de 2009

Professor MSc. Josemar Sidinei Soares Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

(7)

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FE Fenomenologia do Espírito

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

CONSCIÊNCIA-DE-SI – “A consciência de si é essencialmente consciência prática, consciência de uma superação do saber do Outro”.1

DIALÉTICA - “É o método segundo o qual, como no saber, o conceito se desenvolve a partir de si mesmo e é apenas um avançar e um trazer à tona imanentes suas determinações, avanço que não ocorre pela afirmação de que haveria diferentes relações, logo, pela aplicação do universal a uma tal matéria tomada do exterior”.2

VIDA – “A vida é um vir-a-ser circular que se reflete em si; sua reflexão verdadeira, porém, é seu vir-a-ser para si, ou ainda “a emergência da consciência-de-si” cujo desenvolvimento reproduz, sob nova forma, o desenvolvimento da vida”.3

DESEJO – “[...] o desejo contém mais do que parece numa primeira abordagem. Ao confundir-se inicialmente com o apetite sensível, enquanto se refere aos diversos objetos concretos do mundo, traz consigo um sentido infinitamente mais extenso. [...] o desejo é, em sua essência, outra coisa que não aquilo que, imediatamente, parece ser”.4

CONSTITUIÇÃO – “A constituição política é, num primeiro momento, a organização do Estado e o processo da sua vida orgânica que se

1 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel.

Tradução de Silvio Rosa Filho. São Paulo: Discurso Editorial, 1999, p. 160.

2 ROSENFIELD, Denis L. Hegel. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005. p. 69. 3 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel.

Tradução de Sílvio Rosa Filho. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. p. 26.166-167.

4 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel.

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relaciona consigo mesma; [...] num segundo momento, a constituição política é o Estado enquanto individualidade [...]”.5

ESTADO - “[...] esse é então uma organização de poder em que as formas objetivas da liberdade (não coisas, mas normas e instituições) se encontram e se realizam com a liberdade subjetiva”.6

SOBERANIA – “[...] constitui o momento da idealidade das esferas e das funções particulares próprio na situação legal, constitucional [...]”.7

DIREITO INTERNACIONAL – “O direito internacional é um direito universal que deve valer em si e para si entre os Estados”.8

GUERRA – “A guerra, tal como é apresentada no fim da Filosofia do Direito, tornou-se a expressão conceitual de um novo fato histórico, a concretização política da substância ética”.9

5 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cicero.

Milano: Rusconi Libri, 1996. p. 459.

6 SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Hegel. São Paulo: Loyola, 1996.

p. 387.

7 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cicero.

Milano: Rusconi Libri, 1996, p. 475.

8 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cicero.

Milano: Rusconi Libri, 1996, p. 555.

(10)

RESUMO ... 1

 

INTRODUÇÃO ... 2

 

CAPÍTULO 1 ... 5

 

DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO: LUTA PELO

RECONHECIMENTO ... 5

 

1.1 CONSCIÊNCIA E CONSCIÊNCIA-DE-SI ... 5 

1.2 ENFRENTAMENTO E RECONHECIMENTO DAS CONSCIÊNCIAS-DE-SI DESEJANTES ... 14 

CAPÍTULO 2 ... 28

 

A SOBERANIA ESTATAL ... 28

  2.1 O ESTADO ... 28  2.2 A CONSTITUIÇÃO ... 32  2.3 A SOBERANIA INTERNA ... 35  2.4 A SOBERANIA EXTERNA ... 39 

CAPÍTULO 3 ... 45

 

O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS ... 45

 

3.1 O DIREITO INTERNACIONAL ... 45 

3.2 O RECONHECIMENTO DE UM ESTADO SOBERANO ... 46 

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 56

 

(11)

A presente Monografia tem como objeto de estudo o reconhecimento dos Estados soberanos na filosofia política de Hegel, com uma abordagem a partir da lógica da dialética do Senhor e do Escravo, exposta por Hegel no Capítulo IV da Fenomenologia do Espírito, conduzida na realidade do reconhecimento no plano do Direito Internacional. A monografia é composta por três capítulos, sendo abordado no primeiro, como embasamento para a realização do presente trabalho, a definição de consciência e consciência-de-si e, principalmente, a Dialética do Senhor e do Escravo. No segundo capítulo é apresentada a lógica interna e externa do Estado na filosofia política de Hegel, expressada pela Constituição, soberania interna e externa. Após o embasamento apresentado nos dois primeiros capítulos da monografia, essenciais à confecção do terceiro capítulo, apresenta-se a concepção hegeliana de direito internacional e os pressupostos para o reconhecimento dos Estados soberanos no cenário internacional, com ênfase no reconhecimento recíproco de suas individualidades e também na resolução de suas diferenças pela guerra, momento em que a unidade substancial estatal é posta à prova.

(12)

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o reconhecimento dos Estados soberanos na filosofia política de Hegel.

O seu objetivo é analisar o reconhecimento recíproco dos Estados na filosofia política de Hegel, a partir da Dialética do Senhor e do Escravo.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da Dialética do Senhor e do Escravo: a luta pelo reconhecimento. Inicialmente apresenta-se a proposta de Hegel com a obra Fenomenologia do Espírito, e essencialmente, a primeira parte, acerca Consciência e Consciência-de-si, para depois adentrar o enfrentamento e reconhecimento das consciências-de-si desejantes.

No Capítulo 2, tratando de apresentar o organismo estatal, a concepção hegeliana de Estado, sua tripartição interna, a começar pela sua realidade imediata, a Constituição, sua forma ideal de governo, a monarquia constitucional, e, por fim, a estrutura da soberania interna e externa.

No Capítulo 3, tratando de discorrer sobre o direito internacional, que, para Hegel é o reconhecimento recíproco entre Estados soberanos. Em outras palavras, verifica-se no contexto internacional a mesma dialética exposta na Fenomenologia do Espírito, de uma luta pelo reconhecimento. Ao final, são expostos os pressupostos para o reconhecimento dos Estados.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre

(13)

o reconhecimento dos Estados soberanos e das implicações internacionais resultantes desta relação.

No início da pesquisa formulou-se o seguinte problema: Existe uma relação entre a luta pelo reconhecimento dos Estados soberanos no cenário do direito internacional com a luta por independência entre senhor e escravo na Fenomenologia do Espírito?

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses:

9 O Estado seria para Hegel o fim último absoluto, realidade da vida ética, personificado na figura do monarca, tendo, portanto, a sua realidade interna, expressada e garantida pela Constituição e, externa, na sua relação com os demais Estados.

9 O reconhecimento dos Estados soberanos seria baseado na reciprocidade, de modo que enquanto um Estado reconhece, também é reconhecido.

9 Há uma relação entre a luta por independência na dialética entre senhor e escravo na Fenomenologia do Espírito e a luta pela soberania estatal externa frente aos demais Estados na Filosofia do Direito.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Para a confecção da presente monografia foram utilizadas diversas obras em língua estrangeira, sendo que as traduções das mesmas, feitas ao longo do texto, são de inteira responsabilidade da autora do trabalho.

(14)

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

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DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO: LUTA PELO

RECONHECIMENTO

1.1 CONSCIÊNCIA E CONSCIÊNCIA-DE-SI

A consciência-de-si (Selbstbewuβtsein) é tratada por Hegel na IV parte da Obra Fenomenologia do Espírito (FE). Nesta obra, Hegel procura demonstrar o caminho percorrido pela consciência, o caminho da experiência da consciência, do seu saber mais imediato até a culminação no Saber Absoluto, isto é, no saber Filosófico.10

Portanto, um dos objetivos principais de Hegel na Fenomenologia do Espírito é relacionado ao problema do conhecimento. A particularidade da obra de Hegel segundo Robert Pippin é o fato de que ele relaciona a problemática do conhecimento com questões éticas, ou seja, correlaciona a ética com a cognição.11

A tarefa de Hegel é conduzir o indivíduo singular ao saber, para tanto, toma-o de modo universal, seu escopo é “retirar os homens do afundamento no sensível, no vulgar e no singular, e dirigir seu olhar para as

10 “Hegel quer nos conduzir do saber empírico ao saber filosófico, da certeza

sensível ao saber absoluto, indo verdadeiramente “às próprias coisas”, considerando a consciência tal como ela se oferece diretamente. Assim essa Fenomenologia se apresenta verdadeiramente como uma história da alma [...]”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel. Tradução de Sílvio Rosa Filho. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. p. 26.

11 “A formula ‘relação de um em relação a outro’ aparece por todo o idealismo

hegeliano e é certamente relevante no sentido em que Hegel coloca o problema de uma justificável reconhecimento de outro ser humano, ou o problema geral de uma objetivo fundamento da vida ética”. PIPPIN, Robert B.

(16)

estrelas; [...]”.12 Em outras palavras, busca elevar o espírito da experiência do sensível do ‘aqui’ e ‘agora’ para o verdadeiro saber.

[...] o caminho da alma, que percorre a série de suas figuras como estações que lhe são preestabelecidas por sua natureza, para que se possa purificar rumo ao espírito, e através dessa experiência completa de si mesma alcançar o conhecimento do que ele é em si mesma.13

Essa experiência da consciência acontece principalmente no mundo, na Vida, pois abrange todos os campos da experiência da consciência, seja ético, jurídico, moral, conforme explica Hyppolite

[...] o que a consciência faz aqui não é somente a experiência teorética, o saber do objeto; mas toda a experiência. Trata-se de considerar a vida da consciência tanto ao conhecer o mundo como objeto de ciência quanto ao conhecer-se a si mesma como vida [...]. 14

No entanto, esse percurso de formação da consciência não é apenas um processo cognitivo, mas também existencial, uma vez que Hegel tem diante de si uma tarefa pedagógica, de condução da consciência mais simples até o seu ponto mais alto no plano da Vida15.

12 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 29. 13 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 74.

14 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p.

26.

15 “[...] vemos por que o texto da Fenomenologia sobre a consciência de si

começa por nos apresentar uma filosofia geral da Vida, que é em si o que a consciência de si vai ser para si. Aqui, a passagem do em-si ao para-si não será somente uma passagem de uma forma a outra, sem mudança de natureza. A

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Destarte, a proposta de Hegel com a obra Fenomenologia do Espírito é uma proposta de formação (Bildung) do indivíduo, elevá-lo da sua singularidade à humanidade de seu tempo em cada passagem das figuras do espírito que se suprassumem nas figuras precedentes.

Esse aprimoramento do indivíduo não diz respeito somente a ele, mas também a sociedade em geral, como bem esclarece Hyppolite

Mas essa cultura não é somente aquela do indivíduo, e não interessa apenas a ele; além disso, é um momento essencial do Todo, do Absoluto. Com efeito, se o Absoluto é sujeito e não somente substância, ele é a sua própria reflexão em si mesmo, seu vir-a-ser consciente de si como consciência do espírito, de modo que, quando a consciência progride de experiência em experiência, e assim estende seu horizonte, o indivíduo se eleva à humanidade, mas ao mesmo tempo a humanidade se torna consciente de si mesma.16

Justamente pela sua natureza, a consciência não é estática, está, pelo contrário, sempre em movimento. Sua força motriz é que cada experiência vivida a leva adiante, a busca incessante de experiências que a leva a verdades que, ao longo do caminho, acabam se tornando ilusórias. No entanto, destaca Hegel, nesse processo de negação das verdades anteriores, a consciência encontra sempre uma nova verdade, um novo saber.

Deste modo, a negação encontrada pela consciência é sempre uma negação determinada, pois constitui um novo saber. A consciência, portanto, experimenta-se no movimento da negação das verdades

HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p162.

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anteriormente encontradas. Hyppolite esclarece o sentido especial atribuído por Hegel à palavra experiência

No curso de seu desenvolvimento, a consciência não perde somente aquilo que, do ponto de vista teorético, tomava como verdade; perde ainda sua própria visão da vida e do ser, sua intuição do mundo. A experiência não conduz somente ao saber no sentido restrito do termo, mas à concepção da existência.17

A negatividade da experiência da consciência, na sucessão constante de novas verdades, remete ao papel desempenhado pelo termo Aufheben18 na filosofia hegeliana. É, ao mesmo tempo, um

conservar, negar e guardar o conhecimento (experiência) anterior num plano mais evoluído.

Enquanto que um conhecimento imediato é negado, descobre-se sucessivamente um novo saber, em um processo constante até que a consciência corresponda finalmente ao seu conceito19 (Begriff).

17 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p.

29.

18 “Termo exemplar, segundo Hegel, do gênio especulativo da íngua alemã, no

qual ele reúne intimamente dois significados opostos, para conservar [aufbewaren], revogar ou suprimir [hinwegräumen]. [...] A Identidade da conservação e da supressão faz, certos, que conservar qualquer coisa é, da preservação da corrupção, o suprimir como se suprime, o colocar negando sua negação, mas a Aufhebung significa sim a negação uma vez que ela coloca a supressão que ela mantém. O que não pode ser negado é que, como já é em si mesmo negada, limitada, determinada, por isso não pode ser por si próprio, por si mesmo. Essa autonegação originária é seu caráter dialético [...]”. BOURGEOIS, Bernard. Le vocabulaire de Hegel. Paris: Ellipses, 2000. p. 13.

19 O termo conceito significa para Hegel: “Se a filosofia hegeliana, que expõe o

ser como o todo, pode ser apresentada como a filosofia do conceito, então o todo como conceito dele mesmo, o que não o reduz à concepção corrente de geral abstração de conteúdos sensíveis, que, lhes revelaria o real. BOURGEOIS, Bernard. Le vocabulaire de Hegel, p. 16.

(19)

A consciência tem essa característica de transcendência, ir sempre além dela mesma. Em busca da sua correspondência com o seu conceito.20

Para Hegel, o saber é inquieto em si mesmo, precisa superar-se constantemente, isto é, existencialmente não se aquieta até que, além de si mesma, a consciência encontre a correspondência entre o conceito e o objeto.21

Destarte, ao iniciar seu percurso de formação (Bildung) a consciência tinha o objeto (Gegenstand) como um Outro, algo além dela mesma.

Inicia-se este processo com o saber mais simples, o da certeza sensível (sinnliche Gewiβheit), aquele saber que, a princípio, parece ser o mais verdadeiro, o mais rico, pois toma o objeto do modo como ele se apresenta, em sua total plenitude. Só exprime o que o objeto é, nada além dessa verdade. A certeza sensível apenas conhece a Coisa, no Aqui e Agora universais. Qualquer qualidade dada ao objeto supõe uma mediação, que não é característica deste saber imediato.22

Tal fase progride a um saber mais elevado, o qual percebe o objeto, a coisa de infinitas qualidades.

20 “Ora, toda consciência comum é também consciência transcendental, toda

consciência transcendental é também, necessariamente comum; a primeira não se realiza senão na segunda. Isto quer dizer que a consciência comum supera-se a si mesma, transcendendo-se e torna-se consciência transcendental. o movimento de se transcender, de ir além de si, é característico da consciência”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 32.

21 O caminho da Fenomenologia do Espírito é em direção ao encontro do saber

e a da verdade. “O ser está absolutamente mediatizado; é conteúdo substancial que também, imediatamente. é propriedade do Eu; tem a forma do Si, ou seja, é o conceito”. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 47.

(20)

A certeza sensível não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a certeza sensível quer captar o isto, a percepção, ao contrário, toma como universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu princípio geral, assim também são universais seus momentos, que nela se distinguem imediatamente: o Eu é um universal, e o objeto é um universal.23

Enquanto que a certeza sensível permanece no isto, na sua simples imediatez, a percepção (Wahrnemung) tem como fundamento o universal.

A certeza sensível somente indica o objeto, a percepção vai mais além, o percebe. Dá ao objeto qualidades, temos então a perspectiva do também, o objeto é branco, quadrado, salgado, mas ao mesmo tempo exclui outras possibilidades, não é azul, nem doce, na figura da percepção temos a negação, a diferença.24

A superação da percepção pelo entendimento se dá pela superação da coisa, que para o entendimento passa a ser a força, a lei. No jogo da forças, que é o objeto para o entendimento, ocorre a passagem de um momento para o outro, a força como movimento das diferenças.

O entendimento eleva-se da substância à causa, da coisa à força. De início, tudo é uma força para o entendimento, mas a força não é outra coisa senão o conceito, o

23 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 95.

24 Enquanto ele (o objeto) tem certas propriedades, como branco, largo,

redondo, são, ao mesmo tempo, excluídas outras, de ser azul, quadrado, etc. Hegel explica que “Esse meio universal abstrato, que pode chamar-se coisidade em geral ou pura essência, não é outra coisa que o aqui e agora como se mostrou, a saber: como um conjunto simples de muitos. Mas os muitos são, por sua vez, em sua determinidade, simplesmente universais”. HEGEL, G. W. F.

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pensamento do mundo sensível, ou a reflexão desse mundo em si mesmo [...].25

O entendimento (Verstand) é o reino da aparência, do fenômeno. Ainda aqui, a consciência só se sabe Em si. A consciência só toma conhecimento de si mesma em seu processo de formação enquanto consciência-de-si, seu saber não é mais somente em si, mas também para si.

Obedecendo a sua lógica interna de desenvolvimento, a consciência não pode se contentar com esse saber inicial que ela busca em um Outro, mas sim descobrir sua verdade em si mesma, é necessário tornar-se consciência-de-si, conforme a explicação de Hyppolite

A consciência não pode permanecer nessa certeza; deve descobrir sua verdade e para tanto é preciso que, em lugar de se dirigir ao objeto, se dirija a si mesma; é preciso que busque a verdade de sua certeza, ou seja, que se torne consciência de si, consciência de seu próprio saber em vez de ser consciência do objeto.26

Por isso Hegel denomina o capítulo da consciência-de-si como a ‘verdade da certeza de si mesmo’. Isso porque nas figuras anteriores, a certeza não coincidia com a verdade. Ela era somente Em si, ou seja, para um Outro e não para ela mesma. Surge agora nessa relação, explica Hegel, “[...] uma certeza igual á sua verdade, já que a certeza é para si mesma seu objeto, e a consciência é para si mesma o verdadeiro”.27

25 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 133. 26 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 82.

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Portanto, pela primeira vez a verdade da consciência corresponde ao seu conceito,28 pois a consciência descobriu que na sua relação com o objeto, quem estava por trás dele, não era nada além dela mesma. Com a consciência-de-si, nos diz Hegel, entramos na terra pátria da verdade.29

Neste capítulo, Hegel nos mostra o surgimento e a transformação da consciência-de-si, nos seus momentos, no seu desenvolvimento na Vida, sua divisão em duas consciências: A e B, a busca e a luta pela satisfação dos desejos (Begierde), o enfrentamento das consciências e a luta das mesmas no confronto face a face com a morte e o reconhecimento mútuo das consciências que se experimentam. Aquilo que para a consciência foi experimentado nas figuras precedentes, na certeza sensível, na percepção e no entendimento são suprassumidos, isto é, negados, guardados e conservados, nos momentos da consciência-de-si.

Como consciência-de-si ela tem diante de si agora dois objetos, aquele inicial já conhecido das figuras precedentes e, um segundo, o desejo que a impulsiona, a faz sair de si mesma, desejo que é, na verdade, de si mesma. Essa reflexão, o sair de si mesma, caracteriza o objeto como algo vivo. Explica Hegel

28 É importante salientar que quando Hegel fala da correspondência entre

conceito e objeto, usa o verbo entesprechen, que significa exatamente corresponder e não igualdade, de pura identidade. Sobre este ponto, Verene explica: “O termo entsprechen preserva a noção de falar e adiciona o prefixo ent. […] Os dois, o objeto e o conceito, atinge uma correspondência. Ele não diz que se tornam idênticos, únicos, mergulham em uma unidade, manifestam princípios comuns, ou existem através de um elemento comum. Eles alcançam um estágio no qual eles são o mesmo, parecidos, proporcionais”. VERENE, Donald Phillip. Hegel’s recollection: a study of images in the Phenomenology of Spirit. Albany: State University of New York Press, p. 17

29 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 3 ed.

(23)

O que a consciência-de-si diferencia de si como essente não tem apenas, enquanto é posto como essente, o modo da certeza sensível e da percepção, mas é também Ser refletido sobre si; o objeto do desejo imediato é um ser

vivo.30

Hyppolite ressalta que ao adentrar na consciência-de-si, a consciência faz parte do curso da Vida

[...] vemos por que o texto da Fenomenologia sobre a consciência de si começa por nos apresentar uma filosofia geral da Vida, que é em si o que a consciência de si vai ser para si. Aqui, a passagem do em-si ao para-si não será somente passagem de uma forma a outra, sem mudança de natureza. A tomada de consciência da vida universal pelo homem é uma reflexão criadora.31

A consciência-de-si tem esse caráter reflexivo, pois ela faz esse movimento de sair de si mesma à procura da satisfação de seu desejo e retorna a si, ela não se finitiza no objeto, suprassume-o, supera-o. O desejo é apenas um dos momentos da consciência-de-si.

A condição da consciência-de-si é a existência de outras consciências-de-si; o desejo não pode se pôr no ser, atingir uma verdade, e não pode permanecer no estágio subjetivo da certeza, sem que a vida se manifeste como um outro desejo. O desejo deve referir-se ao desejo e, como tal,

(24)

encontrar-se no ser, deve encontrar-se e ser encontrado, aparecer-se como um outro e aparecer a um outro.32

Ao satisfazer seu desejo e retornar a si, a consciência-de-si retorna ao seu Eu na Vida, essa reflexão é o seu desdobramento que a levará em busca do reconhecimento através da luta com outra consciência-de-si, uma luta de vida ou morte.

1.2 ENFRENTAMENTO E RECONHECIMENTO DAS CONSCIÊNCIAS-DE-SI DESEJANTES

A passagem mais comentada de toda a Fenomenologia do Espírito, a dialética do senhor e do escravo, é uma parábola que representa o confronto entre uma consciência de si independente e outra dependente. Neste ponto, Hegel adentra na experiência direta da autoconsciência, de modo que ela participe deste processo em primeira pessoa. O resultado concreto dessa experiência é a duplicação da consciência de si em duas figuras que se caracterizam pela desigualdade e pela ausência de reciprocidade.33

Hegel enfatiza que a consciência-de-si só é consciência-de-si enquanto o for para uma outra consciência, enquanto for reconhecida como tal.34 Assim sendo, o movimento do reconhecimento está intrinsecamente ligado à natureza infinita da consciência-de-si, pois

32 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 178.

33 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della

Fenomenologia dello Spirito di Hegel. Milano: GUERINI, 1999. p. 171.

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ambas reconhecem ao reconhecer-se, ou seja, é um movimento recíproco, que acontece no plano da Vida. 35

A consciência de si, que é Desejo, só chega à sua verdade ao encontrar outra consciência de si, vivente como ela. Os três momentos – o das duas consciências de si postas no elemento da exterioridade [...] dão lugar a uma dialética que conduz da luta pelo reconhecimento até a oposição entre o Senhor e o Escravo, e daí até a liberdade.36

A dialética humana se fundamenta na necessidade de reconhecimento, pelos outros e por si mesmo. O homem busca a si mesmo nessa relação, busca conhecer-se e ser conhecido. Em outras palavras, é condição da experiência humana o fato de reconhecer-se, de travar a luta, de colocar sua vida em jogo.

Os homens não têm, como os animais, somente o desejo de perseverar em seu ser, o ser-aí ao modo das coisas; têm o imperioso desejo de se fazerem reconhecer como consciência de si, como elevados acima da vida puramente animal, e essa paixão, para se fazer reconhecer, exige, por seu turno, o reconhecimento da outra consciência de si.37

Hegel utiliza-se da parábola do Senhor e do Escravo como uma metáfora para apresentar o processo de reconhecimento mútuo das consciências-de-si desejantes. Ele procura estabelecer que a possibilidade

35 “A experiência traduz o fato da emergência da consciência de si no meio da

vida”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 180.

(26)

de autodeterminação, de ser uma pessoa, requer o recíproco reconhecimento das duas consciências.38

Tendo em vista o simbolismo que representa na sua filosofia como um todo, a parábola da Dialética do Senhor e do Escravo é considerada por muitos comentadores de Hegel um dos trechos mais importantes da obra Fenomenologia do Espírito.39

O processo de reconhecimento existe pela própria natureza infinita da consciência de si, o qual se dá na seguinte forma: a consciência-de-si sai de si mesma em busca do Outro40, ela precisa suprassumir esse Ser-Outro, porém, na verdade, ela vê a si mesma nesse Ser-Outro.

Esse é o suprassumir do primeiro sentido duplo, e por isso mesmo, um segundo sentido duplo: primeiro, deve proceder a suprassumir a outra essência independente, para assim vir-a-ser a certeza de si como essência; segundo, deve proceder a suprassumir a si mesma, pois ela mesma é esse Outro.41

Então, após sair de si mesma e suprassumir a outra consciência-de-si, ela retorna si mesma. Esse movimento praticado pelas consciências não é

38 PIPPIN, Robert B. Hegel’s Idealim: the satisfactions of self-consciousness, p. 154. 39 Verene entende que essa parte é a mais memorável de toda a Fenomenolgia

do Espírito. “Uma vez lida, impossível de ser esquecida. É uma vívida imagem que se espalha em todas as direções e permite que o leitor relembre suas próprias lutas pela sobrevivência”. Essa metáfora empregada por Hegel influenciou outros pensadores, cita o autor, entre eles a teoria de Marx, principalmente no tocante á relação do trabalho, e também interessou à psicologia, em relação do papel do medo do confronto de uma consciência com a outra. VERENE, Donald Phillip.

Hegel’s Recollection: a study of images in the Phenomenology of Spirit. p. 59.

40 Esse outro apontado por Hegel é a Vida em sentido universal. “[...] é o

elemento da diferença e da subtancialidade das diferenças”. HYPPOLITE, Jean.

Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 182. 41 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 143

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um agir individual42, pois enquanto uma o faz, a outra também deve necessariamente fazê-lo. Pois é exatamente o que afirma Hegel: “Eles se reconhecem como reconhecendo-se reciprocamente”.43

O processo do reconhecimento das consciências de si manifesta a desigualdade existente entre elas, pois ambas se encontram nos extremos, uma que reconhece e outra que é reconhecida.44

A princípio, as consciências-de-si estão somente para si mesmas, só tem certeza da sua verdade. Desse modo, no encontro com outra consciência, cada uma é independente no seu agir na Vida. Porém, para serem realmente consciências de si, em si e para si45, precisam ser reconhecidas na outra, sair de si mesmas.

Esse reconhecimento é, na verdade, um enfrentamento, uma busca pela morte da outra para que seu desejo seja satisfeito.46 É necessário

42 A esse respeito, explica Pippin: “[...] autorelação em relação a qualquer outro,

então mesmo a forma mais imediata dessa autorelação ou autosentimento deve ser uma autorelação genuína, que o desejo por uma objeto deva ser um desejo por mim, prosseguido de modo autoconsciente. Ele argumenta que essa condição não pode ser cumprida no modelo de um sujeito solitário respondendo impulsivamente a um forte desejo contingente. Nesses termos, iria “afundar” na vida, não conduzindo sua vida”. PIPPIN, Robert B. Hegel’s Idealim: the satisfactions of self-consciousness, p. 157.

43 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 144. 44 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 144.

45 Em si e para si no pensamento deHegel significa: “O terceiro momento do

processo do todo que constituti, então, a reconciliação do em si e do para si, o ser em si e para si realizador em ato [...] a unidade em si da forma idêntica à si [...] Por exemplo, o homem, que em si é livre mesmo na condição de escravo, se libera no querer de traduzir exteriormente seu livre-arbítrio puramente formal, antes de fazê-lo a forma mesma da afirmação de si, do conteúdo em si da liberdade, a atualização subjetiva da autodeterminação objetiva, sozinho, é verdadeiramente, o saber do todo”. BOURGEOIS, Bernard. Le vocabulaire de

Hegel, p. 26.

46 “Os homens não têm, como os animais, somente o desejo de perseverar em

seu ser, o ser-aí ao modo das coisas; têm o imperioso desejo de se fazerem reconhecer como consciência-de-si, como elevados acima da vida puramente animal, e essa paixão, para se fazer reconhecer, exige, por seu turno, o reconhecimento da outra consciência de si”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e

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arriscar-se par obter a satisfação de seu desejo, conforme Hegel: “a relação das duas consciências-de-si é determinada de tal modo que elas se provam a si mesmas e uma a outra através de uma luta de vida ou morte”.47

A consciência-de-si é marcada pelo desejo, ela deseja o desejo do outro.

O objeto individual do desejo, fruto que vou colher, não é um objeto posto em sua independência; também se pode dizer que, enquanto objeto do desejo, é e não é; é, mas em breve não será mais; sua verdade é a de ser consumido, negado, para que, por meio dessa negação do outro, a consciência de si se assemelhe a si mesma.48

Esse desejo não pode ser apenas um desejo natural, é preciso, segundo Kojéve que o mesmo “se dirija a um objeto não-natural, algo que ultrapasse a realidade dada. Ora, a única coisa que ultrapassa o real dado é o próprio desejo”49.

A consciência-de-si de fato é desejo, mas em realidade deseja a si mesma, e para satisfazer-se, isto é, alcançar seu desejo, é preciso encontrar uma outra consciência-de-si.

A dialética teleológica da Fenomenologia explicita, progressivamente, todos os horizontes desse desejo que é a essência da consciência-de-si. O desejo se refere aos

47 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 145.

48 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 175.

49 KOJEVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Tradução de Estela dos Santos. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2002, p. 12.

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objetos do mundo; depois, a um objeto mais próximo de si mesmo, a Vida; enfim, a uma outra consciência-de-si, é o próprio desejo que se procura no outro, o desejo do reconhecimento do homem pelo homem.50

Portanto, quando se encontram, as duas consciências-de-si se provam a si mesmas e uma a outra numa luta de vida ou morte.51 Essa luta é travada pela busca da verdade de si mesmas, pela sua verdadeira liberdade.

A consciência de si eleva-se acima da vida, e o idealismo não é somente uma certeza, experimenta-se ainda, ou antes, assevera-se no risco da vida animal. [...] A vocação espiritual do homem manifesta-se já nessa luta de todos contra todos, pois tal luta não é somente uma luta pela vida, é uma luta para ser reconhecido, [...].52

Ao colocar sua vida em risco, uma das consciências se eleva acima da vida animal, uma vez que considera a Vida e a pura consciência de si como lhe sendo absolutamente necessárias, liberta-se das amarras da vida natural.

Nessa disputa, torna-se Escravo a consciência que, perante a morte, teve medo e voltou atrás e torna-se Senhor aquela que enfrentou a morte e não teve medo de perder sua vida.

Muitos intérpretes do texto hegeliano se detiveram em expressões e pensamentos isolados, de modo que não captaram a essência de seu pensamento, cujo resultado é a distorção do conteúdo entendido pelo

50 KOJEVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel, p. 12. 51 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 145.

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filósofo alemão. Sergio Landucci destaca que muitos estudiosos consideraram a relação laborial entre o senhor e o escravo somente a partir de uma visão negativa, de que o trabalho humano é um trabalho escravocrata, em suma, por uma série de desvantagens, na verdade, uma leitura atenta do texto de Hegel sugere justamente o contrário.53 Do mesmo modo entende Vinci, o qual adverte que apesar de muitos intérpretes terem se fixado na relação de trabalho entre o senhor e o escravo, não se deve perder de vista que o escopo de Hegel com essa passagem da Fenomenologia do Espírito é acompanhar o desenvolvimento do movimento da consciência de si.54

Este confronto entre a consciência de si e vida representa o momento de ruptura, em que a consciência consegue superar as exigências da vida natural e animal:

Nessas páginas, Hegel delineia as linhas essenciais da antropogênese: o acesso ao mundo humano, o superamento da dimensão da naturalidade, da vida biológica e animal, encontra-se ligado à capacidade de não sofrer a lei do desejo, superando o “atrito com aquilo que é imediatamente dado” e se empenhando em uma atividade elaborativa e tranformativa que produz uma realidade dotada pela “impressão” humana.55

53 “Da escravidão, ele não sublinha as desvantagens, mas sim somente as

vantagens, para o desenvolvimento da consciência, na figura em questão. Não porque ele pensava que não haviam desvantagens: não somente existem segundo Hegel, mas derivam próprio da desigualdade do ‘reconhecimento’, [...] porque isso implicaria essencialmente a reciprocidade”. LANDUCCI, Sergio.

Hegel: la coscienza e la storia. Approssimazione alla ‘Fenomenologia dello

spirito’. Firenze: La Nouva Italia, 1976. p. 75.

54 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della

Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p. 176. “[...] a passagem da consciência de si da singularidade à universalidade e o superamento, através do reconhecimento do outro, da referência exclusiva a si”.

55 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della

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Para a consciência, a morte é um momento necessário, um momento de elevação, em outras palavras, é o começo de uma nova vida da consciência.56 Na verdade, o medo da morte é o medo da impossibilidade da satisfação de seu desejo.

O indivíduo que não arriscou a vida pode bem ser reconhecido como pessoa; mas não alcançou a verdade desse reconhecimento como uma consciência-de-si independente.57

Assim, de um lado temos o senhor, independente, liberto e, de outro, o escravo, consciência dependente à vida, presa na coisidade.

[...] uma, a consciência independente para a qual o ser-para-si é a essência; outra, a consciência dependente para a qual a essência é a vida, ou o ser para um Outro. Uma é o

senhor, outra é o escravo.58

A consciência senhoril, que não se submeteu à escravidão da vida, é a figura dominante na relação com o escravo.

[...] na autoconsciência é o momento que se conhece como a si mesmo eterno, como pura identidade. Não quer

56 “Enquanto a morte é na natureza uma negação exterior, o espírito traz a morte

nele próprio e a ela confere um sentido positivo. Toda a Fenomenologia será uma meditação sobre essa morte de que a consciência é portadora e que, longe de ser exclusivamente negativa, o fim do nada abstrato, é pelo contrário uma Aufhebung, uma ascensão”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da

Fenomenologia do Espírito, p. 34.

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fazer-se determinar por coisa nenhuma, de nenhum objeto de sua vida. Enquanto identidade absoluta consigo mesmo, com esta infinita indeterminação, reivindica a si o direito sobre a infinidade. Quer limitar-se a ao seu puro ser-para-si, em uma pura independência. Não entende que com isso não obteve nada, porque assim não pode realizar-se. Ele bloqueia a realização que é necessária para a autoconsservação, e não gostaria de permanecer sufocada como um morto Eu = Eu. E é desse modo que entra em luta contra uma outra parte de sua autoconsciência.59

O escravo, ao escolher a vida, rejeita a consciência de si, prefere a escravidão ao reconhecimento, a vida natural ao desenvolvimento do espírito. Ou seja, o escravo permanece no plano da vida natural, ele rejeita tornar-se consciência de si ao agarrar-se firmemente à sua vida, no confrontar frente a frente com outra consciência. No fundo, o escravo é mais dependente da vida do que do senhor, pois ao colocar sua vida em perigo, teve medo e recuou.60

O escravo permanece dependente do senhor porque ele não conseguiu se libertar como consciência de si independente ao temer a morte, negação da vida. O senhor é reconhecido como consciência de si porque o escravo o vê como tal. No confronto, o escravo teve seu desejo refreado.

59 “[...] na autoconsciência é o momento que se conhece como o a si mesmo

eterno, como pura identidade. Não quer se deixar determinar por nenhuma coisa, por nenhum objeto da vida. Enquanto identidade absoluta a si mesmo, com esta infinita indeterminação, reivindica o direito à sua infinitude. Quer se limitar ao seu puro ser para-si, em uma pura independência não entende que com ela não obtém nada, pois não pode realizar-se ele bloca a realização que é necessária para a autoconservação e que não deveria permanecer sufocada em um morto Eu =Eu. E é assim que entra em luta contra a outra parte de sua autoconsciência”. LUDWIG, Ralf. Fenomenologia dello spirito: guida e commento. Tradução de Elettra Stimilli. Milão: Garzanti, 1988, p. 84.

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A relação entre o senhor e o escravo é baseada na unilateralidade e desigualdade entre as partes, pela dominação de uma consciência em relação à outra. Para que a dialética seja recíproca é preciso primeiramente que ocorra a autonegação do senhor e o ser negado do servo. Isto é, enquanto que o senhor não se coloque em confronto com um outro igual, não é capaz de se negar, nem de encontrar a si mesmo.61 Isto é, a consciência do escravo é insuficiente, não representa reciprocidade para a consciência independente do senhor.

À medida que a consciência senhorial enfrenta o dilema da perda da sua essência, por não se espelhar em uma alteridade à altura da sua, a consciência servil caminha rumo à sua independência. No movimento da sua independência, sublinha Vinci, o trabalho é a expressão do medo da morte enfrentado anteriormente.62 Destarte, o trabalho do escravo é o meio pelo qual ele alcança a essência da consciência de si. É a superação do desejo, que não lhe permitia ser independente.

[...] o desejo é intimamente constituído pela “pura negação do objeto”, por uma constante estímulo à apropriação daquilo que é independente que mira ao exclusivo referimento a si. O trabalho, ao contrário, aparece como um formar [...] O trabalho, superando a dimensão do desejo, vai além de uma relação com um real fundado sobre a destruição e sobre o consumo imediato, mas realiza uma transformação. Por suas características, o trabalho é a expressão efetual daquela dinâmica própria da

61 “O servo, enquanto objeto do qual o senhor deve encontrar a verdade da

certeza de si mesmo, revela-se inadequado ao conceito de consciência independente, ao ser para si. Esta não correspondência faz com que o senhor não realize a si mesmo e que a sua essência se torne “o inverso daquilo que a senhoria mesma deve ser”. VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p. 178.

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subjetividade, pela qual se faz objetiva e se encontra na alteridade, reconhecendo-a como igual a si.63

O trabalho permite a superação do objeto, a consciência escrava torna-se independente em relação ao objeto, ou seja, a atividade laboral é a via de saída que consente à consciência sair de si mesma e que lhe permite conhecer a si mesma.

Assim, o escravo trabalha a coisa na natureza, ele a transforma com o seu labor e, ao mesmo tempo, é o mediador entre o senhor e a coisa trabalhada. O senhor torna-se obsoleto nessa relação, pois precisa do escravo como mediador entre ele e a vida. O trabalho, portanto, explica Rauch é a forma com que o escravo se torna consciência de si

A forma que ele dá as coisas ao trabalhá-las, sendo

exteriorizadas por ele, não é nada mais que ele mesmo –

por esta forma, também, é o seu puro ser-para-si, o qual (como exteriorizado) assim se torna a verdade para ele. Essa redescoberta de si mesmo se torna o seu próprio senso de si precisamente no trabalho [...].64

É através do trabalho que o escravo conquista seu reconhecimento com a outra consciência de si, pois o trabalho é a intuição da independência de si mesma. É pelo trabalho que o escravo conquista sua liberdade, pela sua capacidade de transformação do mundo.65

63 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della

Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p.180.

64 RAUCH, Leo. SHERMAN, David. Phenomenology of self-consciousness: text and

commentary. New York: State University New York, 1999, p. 27

65 Nesse sentido, também entende Verene, “A solução para o servo é trabalhar

(Arbeit). A realidade do servo é autodefinida na atividade laborativa. A experiência do medo mostrou-lhe que ele está além do mestre. Ele precisa agora ser astuto em relação ao mestre e prosseguir com seu trabalho [...] A

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O medo e o serviço não seriam suficientes para elevar a consciência de si do escravo à verdadeira independência, mas é o trabalho que transforma a servidão em maestria. [...] Só podia transformar o mundo e torná-lo, assim adequado ao desejo humano. Mas precisamente nessa operação que parece inessencial o escravo torna-se capaz de dar a seu ser-para-si a subsistência e a permanência do ser-em-si; o escravo forma-se a si mesmo não somente ao formar as coisas, mas também imprime no ser essa forma que é a da consciência de si, e assim o que encontra em sua obra é ele mesmo.66

Todavia, o trabalho, sozinho não é capaz de preencher o caminho da consciência de si. Na relação entre o senhor e o escravo o trabalho encontra também seus limites.

[...] Hegel, de fato, evidencia que a negatividade do trabalho não é a “negatividade em si” pela qual, a consciência que se limita a isso corre o risco de adquirir somente “um vão sentido próprio” que se apresenta como “obstinação”, uma liberdade “conservada fixa ainda na escravidão”, uma “habilidade que tem poder sobre qualquer coisa de singular”. Deste modo, fica evidenciado que no trabalho a atividade é sempre determinada, voltada a qualquer coisa de singular e, portanto, origem de uma negatividade que não alcança a se universalizar, assim

solução do servo para seu problema está na sua própria realidade. Ele arriscou a sua individualidade na luta com o mestre, ele percebeu a insignificância e a irrealidade da posição do mestre e viu um modo de sobreviver no trabalho”. VERENE, Donald Phillip. Hegel’s Recollection: a study of images in the Phenomenology of Spirit, p. 68.

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que no seu nível de consciência, “toma parte ainda, em si, ao ser determinado”.67

É a conjugação do medo, serviço e trabalho que possibilitam a independência da consciência servil. Na sua condição, o escravo realiza-se a si próprio. Ao realiza-servir, a consciência realiza-se libera do domínio do derealiza-sejo, o homem natural se liberta dos impulsos dos instintos, do arbítrio irracional de sua consciência natural. O escravo, ao servir o senhor, exercita o seu autocontrole, seu domínio interior. A dialética se desenvolve, saindo da dominação e da servidão, e caminhando para a libertação do escravo, para uma verdadeira liberdade, baseada no medo, no serviço e no trabalho.

Ao discorrer sobre o trabalho do escravo, Hegel o considera como contributo ao desenvolvimento da consciência.68

O trabalho liberaria o escravo, ou seria o princípio da sua liberação, no sentido de que no trabalho ele teria consciência de si e, portanto, mais ou menos explicitamente, também na sua necessidade de modificar a sua condição; nas figuras que logo seguirão, a começar pelo Estoicismo, haveria a primeira noção de consciência da liberdade, essência do homem, e, portanto, da igualdade entre os homens, etc., e o escravo seria, então, verdadeiro portador de todo o seguimento do movimento

67 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della

Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p. 182.

68 Landucci explica a esse respeito: “[...] quando Hegel considera tematicamente

o trabalho (do servo), considera-o independentemente do seu ser laborial servil, mas somente enquanto atividade de objetivação do Si, como tal positiva (em sentido axiológico), [...] em realidade, reivindica-o expressamente, [...] como contribuição essencial à educação da consciência”. LANDUCCI, Sergio. Hegel: la

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fenomenológico, ou, mais concretamente, o protagonista da sucessiva história do espírito humano.69

A superioridade inicial do senhor era representada por uma consciência de si abstrata e imediata, o escravo é a mediação, quando esta for efetuada, o escravo é libertado da servidão a princípio escolhida.

A parábola da dominação e servidão conclui que o senhor era na verdade, mais escravo que o próprio escravo, e este, senhor do outro. Restabelece-se, portanto, a desigualdade entre as consciências de si.

A relação entre o senhor e o escravo resulta da luta pelo reconhecimento. Está na essência do homem lutar pela vida, por ser reconhecido. Não é um confronto qualquer, mas o momento de provar a autonomia de sua consciência, de sua independência.

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CAPÍTULO 2

A SOBERANIA ESTATAL

2.1 O ESTADO

Na obra Filosofia do Direito (FD), Hegel apresenta a sua concepção de Estado, apontando-o como a realidade da idéia ética.70

O Estado é a figura que atingiu o mais alto grau de organização social na estrutura do pensamento político hegeliano, é a expressão da vida política, manifesta em dois níveis: o primeiro imediato, pelo modo de ser, pensar e de viver de seus cidadãos, pela cultura, tradições, costumes, história e, o segundo, mediatizado, caracterizado pela consciência dos cidadãos de fazer parte da unidade estatal, isto é, pela consciência política de pertencer a uma mesma organização institucional.

No § 258 da Filosofia do Direito, Hegel apresenta suas críticas à concepção de Estado expostas por outros pensadores71 e,

70 Ao afirmar que o Estado é a realidade da idéia ética, Hegel quer dizer que o

Estado, na estrutura da Filosofia do Direito, é a culminação da vida ética do indivíduo, onde ele encontra a sua liberdade substancial.

71 Destaca-se a crítica feita à concepção de Rousseau a respeito do Estado

exposta na obra ‘Do Contrato Social’. Emanuele Cafagna entende que não se pode compreender a teoria política hegeliano do Estado sem confrontá-la com Rousseau, uma vez que “[...] Rousseau não é somente um autor de obras de filosofia que fizeram época, mas, sobretudo, no seu nome está concentrada toda a época que culminou na Revolução e as esperanças e desilusões das quais tem como objeto a políitca”. CAGAFNA, Emanuele. La liberta nel mondo: etica e scienza dello Stato nei “Lineamenti di filosofia del diritto” di Hegel. Bologna: Società editrice il Mulino, 1998, p. 227. No que diz respeito à concepção de Rousseau, primeiramente, Hegel reconhece e concorda com a colocação roussoniana de que o princípio do Estado é a vontade, porém, aponta que Rousseau a tomou somente na forma determinada da vontade singular, nem considerou a vontade universal como o racional em si e para si, somente como vontade comum. Para Hegel, a idéia da união dos indivíduos para formar um

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fundamentalmente, expõe a sua teoria. O primeiro ponto a ser destacado é a diferenciação entre Estado e sociedade civil72. Enquanto que na sociedade civil os interesses dos indivíduos encontram todos os meios adequados para a sua máxima satisfação, no Estado, em contrapartida, a primazia é dada aos interesses públicos, universais. Destarte, o papel de cada uma das instituições é distinto: na sociedade civil o indivíduo busca os seus interesses, a satisfação dos seus desejos; já no Estado, tais interesses não encontram proteção e amparo. Por esta razão, Hegel atribui a segurança da propriedade privada e a dos indivíduos à esfera da sociedade civil, pois o contrário representaria a redução do fim do Estado aos interesses particulares.

Nesse sentido, o Estado, como realidade da idéia ética, é o fim último absoluto, que prevalece no confronto com interesses particulares de seus membros. De fato, enquanto unidade substancial que possibilita a efetivação da liberdade no mundo torna-se um dever para o indivíduo fazer parte dele, pois “[...] a lei, a moral, o Estado – e só eles – são a satisfação e a realidade positiva da liberdade”.73 Como realização da

Estado através de um contrato baseado no arbítrio dos pactuantes não é fundamento para o Estado ético.

72 Hegel considera a sociedade civil como um estado exterior, próprio do

entendimento, isto porque as relações dos indivíduos são baseados numa “conexão social de exterioridade”, ou seja, numa dependência recíproca entre os indivíduos. Cada indivíduo se encontra empenhado na procura da satisfação de suas carências, necessidades, desejos. Assim sendo, a sociedade civil se transforma num certo tipo de universalidade que se realiza através do interesse egoísta de cada um, mas cujo processo de efetuação passa necessariamente pela ação recíproca de todos, criando um sistema de dependência universal. Portanto, “[...] a sociedade civil, por si mesma, não pode realizar a unidade dos indivíduos senão analiticamente, num aglomerado de pontos iguais formalmente, mas que no jogo dos interesses diversos se tornam desiguais, só se igualando formalmente na dependência das classes uma da outra”. SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Hegel, p. 382.

73 HEGEL, G. W. F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história.

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liberdade, o Estado é o fim absoluto.74 O indivíduo tem o seu valor, a sua liberdade, a sua realidade espiritual por ser membro do Estado.

Assim sendo, Hegel destaca que o indivíduo somente tem objetividade na condição de cidadão, seu destino não é seguir uma vida desgarrada, dominada pela satisfação de seus desejos, mas sim voltada à universalidade, de modo que “cada satisfação, atividade, modo de comportamento tenha como ponto de partida e resultado este elemento substancial e universalmente válido”.75 Trata-se de uma união dos indivíduos, membros da totalidade estatal, que tem o escopo comum de conduzir sua vida pautada em preceitos éticos. O sentimento de pertencer ao Estado implica um querer e um saber, a consciência de fazer parte de um propósito maior, universal. No Estado, a universalidade e a singularidade não estão contrapostas, isto é, a particularidade se encontra preservada na universalidade.76 A estrutura estatal permite a objetivação da liberdade, a sua exteriorização e, ainda, a liberdade

74 Como fim imanente dos indivíduos, no Estado os cidadãos cumprem as leis

éticas, na unidade entre os interesses particulares e os universais, possibilita a verdadeira reciprocidade entre direitos e deveres. Somente no Estado ocorre essa correspondência real, conforme assinala Hegel (1998, p. 36): “[...] os indivíduos têm deveres para com ele na medida em que, ao mesmo tempo, têm direitos em face dele”. HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cícero. Milano: Rusconi Libri, 1996, p. 417.

Hegel diz que o dever para o indivíduo é algo substancial, enquanto que o seu direito é o ser-aí em geral do dever substancial. Todavia, no Estado ambos estão ligados em uma relação única, uma vez que essa obrigação se torna a liberdade particular do indivíduo. Deveres e direitos têm, no Estado, uma igualdade de conteúdo, pois estão baseados na liberdade pessoal dos indivíduos

75 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 419.

76 ‘Vivendo no Estado, o homem percebe a vida universal como algo que não é

simplesmente uma idéia ou um ideal, mas uma efetividade já presente [...] Universal realizado, o Estado faz com que todo o universal, o universal inteiro, beneficie-se do seu ser, e, por ser assim o ser do universal, mesmo em seu sentido ou conteúdo não-político, ele pode, num sentido amplo do termo, designar toda a esfera que ele faz existir”. BOURGEOIS, Bernard. Hegel: os atos do espírito. Tradução de Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 117.

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subjetiva também encontra espaço, pois é na consciência de pertencer ao Estado, de perseguir seus fins comuns que o indivíduo é liberto.77

Ora, a liberdade concreta consiste no fato de que a singularidade pessoal e os seus interesses particulares, por um lado, tem o seu desenvolvimento completo e o

reconhecimento do seu direito por si (no sistema da família e

da sociedade civil); [...] com o seu saber e querer reconhecem o universal: precisamente, o reconhecem como o seu próprio espírito substancial, e são ativos em vista deste como em vista do seu fim último.78

Para Hegel, o princípio dos Estados modernos implica na harmonia entre o universal e o interesse particular, não é um Estado tirano que sufoca a individualidade de seus membros. Ao contrário, a particularidade é mediatizada, desvanece o arbítrio, a escolha individual própria da sociedade civil, sendo suplantada pelo fim universal.

Portanto, a articulação do organismo79 estatal, capaz de manter a unidade ética, divide-se em três momentos: 1) como realidade imediata, isto é, a Constituição, que abarca todo o direito interno; 2) a relação do Estado com outros Estados, regrados pelo direito internacional e 3) a idéia

77 “O indivíduo, de fato, está mergulhado numa rede de relações reconhecidas

como sendo o resultado da sua própria ação, e em virtude desse reconhecimento interior não sente o dever e o Estado como limites exteriores, mas encontra neles a sua libertação”. TOMBA, Massimiliano. Poder e constituição

em Hegel. In: O poder: história da filosofia política moderna. Tradução de Andréa

Ciacchi, Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tossi. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 307.

78 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 429.

79 “O Estado como organismo seria, portanto, percorrido por conflitos, nos quais a

unidade se decompõe e se recompõe e, nesse processo, a unidade se reestrutura sempre como totalidade compreendida pelos seus elementos singulares”. RODESCHINI, Silvia. Costituzione e popolo: lo Stato moderno nella

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universal como gênero em relação aos demais Estados, na história do mundo.80

2.2 A CONSTITUIÇÃO

A existência imediata do Estado é verificada através de seu funcionamento interno, organizacional, pautada na Constituição, que Hegel delineia a partir do § 260 até o § 329 da Filosofia do Direito.

O organismo estatal tem seu fundamento em uma Constituição política, ou seja, é através dela que o Estado conquista vida e realidade.81 Em um primeiro momento, a Constituição, explica Hegel, é a vida orgânica do Estado organizada para dentro de si, nos assuntos de internos e, em um segundo momento, é o Estado como individualidade, o que o diferencia externamente, na relação com os demais Estados.82 A Constituição é racional, de modo que o Estado se diferencia e se determina segundo a natureza do conceito. Isso significa que os poderes, na sua idealidade, constituem um Todo individual, uma vez que cada um contém em si também o outro.83 Hegel entende o princípio da divisão dos poderes como uma unidade, não unilateral, limitador em relação ao outro. Entender cada poder como absolutamente autônomo, traria como conseqüência cisão, hostilidade que abalaria o equilíbrio do organismo político. Entre os três poderes há uma interdependência, cujo resultado se configura na soberania interna, existe, portanto, uma estrutura institucional que une os interesses da sociedade civil aos da unidade política estatal.84

80 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, § 259, p. 425.

81 HEGEL, G. W. F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história. 82 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 459.

83 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 461.

84 CAGAFNA, Emanuele. La liberta nel mondo: etica e scienza dello Stato nei

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O Estado, para Hegel, é uma totalidade orgânica articulada incompatível com a divisão dos poderes de tal modo independentes que possam prejudicar a estabilidade política interna. Tal posição não pressupõe a supressão da pluralidade de poderes, mantém-se a tripartição, porém um dos poderes predomina sobre o outro no intuito de preservar o Estado.85

Logo, o Estado político é composto por três poderes: 1) o poder legislativo, responsável pela determinação do universal; 2) o poder governativo, cuja competência é a esfera privada e 3) o poder soberano, representado pela monarquia constitucional86, no qual estão contidos os demais, em uma unidade individual.87

Então, a monarquia constitucional é a unidade das três formas de poder clássicas (monarquia, aristocracia e democracia): “O monarca é Uno, com o poder governativo entram em jogo Alguns, com o poder legislativo intervém os Muitos em geral”.88 Através da monarquia constitucional, aperfeiçoada pela história universal, é possível a efetivação da vida ética.

Diante disso, Hegel levanta a questão de quem deve fazer a Constituição. Trata-se da problemática da origem do poder político. A história de hoje é o produto de formas de organização política anteriores,

85 “A constituição do Estado hegeliano articula entre si os três grandes poderes: a

determinação legisladora das regras universais do agir comunitário, a aplicação governamental dessas regras às situações particulares, poderes relacionados ao conteúdo desse agir, eo poder principesco da decisão, sempre singular, relacionado à forma de todo agir, inclusive o legislador e o governamental”. BOURGEOIS, Bernard. Hegel: os atos do espírito. Tradução de Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 154-155.

86 André Lécrivain observa que na época de Hegel, a monarquia constitucional

era a forma mais evoluída de instituição política. “A República revolucionária faliu e terminou por engendrar o terror com o império napoleônico”. LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’ethicité: commentaire de la troisième partie des’Principes de la Philosophie du Droit’. Paris: Vrin, 2001. p. 119.

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de modo que fazer uma Constituição quer dizer modificar a precedente. Hegel não a considera como ‘feita’, mas “[...] é Essente pura e simplesmente em si e para si, a qual é considerada como entidade divina, [...] superior à esfera das coisas que são ‘feitas’”.89 Tal posicionamento é compreensível pelo fato de que a Constituição de um povo é a expressão das maneiras de ser, sentir, pensar que os caracteriza, herança de seu passado. Por conseguinte, a Constituição de um determinado povo depende de seu grau de desenvolvimento social e histórico, é a consciência dos indivíduos que determina a Constituição. Ademais, um povo inexiste sem Constituição, é apenas um aglomerado de pessoas.90 Diz Hegel

[...] o Estado, enquanto espírito de um povo, é ao mesmo tempo a lei que compenetra todas as suas relações, é o

ethos e a consciência dos próprios indivíduos, eis que então

a Constituição de um determinado povo depende, em geral, da modalidade e da formação da consciência de si do povo. É na consciência de si que reside a Liberdade subjetiva do povo, e, portanto, a realidade da Constituição.91

Hegel conclui que cada povo tem a Constituição adequada ao seu nível de consciência política. Por ser a expressão de um determinado modo de ser histórico e social de um povo, não é de modo algum um

89 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 470-471.

90 Robert Pippin explica que uma coletividade somente pode ser considerada

povo com a sua Constituição, por ser a expressão da consciência dos direitos, de seu modo de viver, ou seja, trata-se da identidade daquele povo. PIPPIN, Robert; HÖFFE, Otfried. Hegel on Ethics and Politics. Translated by Nicholas Walker. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 273.

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conjunto de normas escritas imutáveis. O seu desenvolvimento acompanha o devir histórico de cada povo.92

2.3 A SOBERANIA INTERNA

A soberania estatal é de um lado, ao interno, aos assuntos de competência interna, e, de outro, para o exterior, nas suas relações com os demais Estados. A primeira hipótese está prevista no § 278 da Filosofia do Direito. Daí se extrai que o princípio da soberania está intimamente ligado à personalidade do Estado, o qual é determinado pela interdependência dos seus elementos constitutivos, “A determinação fundamental do Estado político é a unidade substancial como idealidade dos momentos estatais”.93 Os poderes e as funções estatais não são autônomos por si, não existem sem o Estado, ou seja, existem por estarem inseridos na idéia94 do Todo, de modo que tem seu fundamento na unidade dialética estatal, e enquanto tal, os mesmos constituem a soberania do Estado.

92 “[...] a constituição de um povo é feita da mesma matéria e do mesmo espírito

de sua arte e filosofia ou, pelo menos, de sua inventividade, seus pensamentos e sua cultura geral – para não se mencionar as outras influências exteriores do clima, de seus vizinhos e de sua posição no mundo. [...] A constituição não apenas está intimamente ligada e depende das outras forças espirituais, mas a determinação de toda a individualidade espiritual, incluindo as suas forças, é apenas um momento na história do conjunto, com o seu rumo predeterminado. É isso que proporciona a mais elevada aprovação à constituição e que estabelece a sua necvessidade”. HEGEL, G. W. F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história, p. 97.

93 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 471.

94 O idealismo da soberania significa que as partes do todo, não são apenas

partes, mas momentos orgânicos que conjuntamente, representam o todo. “O idealismo que constitui a soberania é aquela mesma determinação segundo a qual, no organismo animal, as chamadas partes orgânicas não são efetivamente partes, mas sim membros, momentos orgânicos, enquanto que, ao invés, o seu isolamento e a sua existência por si é a doença”. HEGEL G. W. F. Lineamenti di

Referências

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