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Aprender a geografia para ler o mundo: o olhar dos alunos sobre a cidade

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ- UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PPGEC – PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

CRISTIANE DE LURDES XAVIER HAGAT

APRENDER A GEOGRAFIA PARA LER O MUNDO: O OLHAR DOS ALUNOS SOBRE A CIDADE

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CRISTIANE DE LURDES XAVIER HAGAT

APRENDER A GEOGRAFIA PARA A LER O MUNDO: O OLHAR DOS ALUNOS SOBRE A CIDADE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Profª Drª Helena Copetti Callai

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A todos os meus alunos, os de antes e os de agora, com quem tive oportunidade de aprender, construir e transformar.

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AGRADECIMENTOS

Há quem diga que o aprofundamento em teorias, na busca de mais conhecimento nos torna céticos. No entanto em minha vida acadêmica essa busca só fez fortalecer minha fé em Deus. Quero agradecer primeiramente a Ele pelo suporte, pela força e acalento ao meu coração em todo esse tempo do mestrado que se traduziu em momentos de angústia, preocupação, mas também de muitas alegrias, experiências, amizades, superação e aprendizagens.

À querida professora Helena Callai, por sempre acreditar no meu potencial e incentivar a minha escrita mesmo quando minha insegurança falava mais alto. Pela compreensão em todos os momentos, bons e ruins, ao longo do percurso do mestrado. Obrigada por fazer parte da minha vida como um exemplo profissional e pessoal.

À minha família, pelo incentivo, carinho e compreensão dispensados a mim. Em especial aos meus pais, Antonio e Iracema, exemplos na minha vida, maiores incentivadores. Ao meu esposo Gelso, pela atenção e paciência em suportar os momentos de lágrimas e, muitas vezes, a minha ausência.

Aos meus alunos do 9º ano da turma 91 da EMEF Conrado Doeth, envolvidos na construção desta dissertação, pelo entusiasmo e dedicação. Vocês são parte essencial da professora em constante construção que sou.

Á todos os professores da EMEF Conrado Doeth onde leciono há 8 anos por me escutarem, colaborarem com trocas de horários e me incentivarem a não desistir.

Aos colegas da turma de mestrado de 2013, pelas aulas divertidas, pelas rodas de conversas e desabafos, pelo empréstimo de materiais e, principalmente, pelas amizades novas construídas.

Às amigas panambienses que encararam juntas o desafio de se tornar Mestre em Educação nas Ciências, juntas passamos por todos os obstáculos, unidas pela mesma causa: a Educação para a cidadania. A vocês amigas meu agradecimento e forte abraço, Naira e Ana Lúcia. Também a amiga Gláucia, pelas dicas e contribuições na escolha da temática de pesquisa.

A todo o grupo de pesquisa orientado pela professora Helena, por contribuir de forma muito rica em minhas aprendizagens profissionais e pessoais. Pelos debates, pelas leituras compartilhadas, pelos artigos e livros escritos entre colegas e individualmente, pelas festinhas de aniversário, pelas amizades construídas.

A todos que de alguma forma contribuíram para o sucesso dessa trajetória na busca de conhecimento, de construção, transformação pessoal e profissional, meu muito obrigada.

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RESUMO

Nesta pesquisa, voltada para o estudo da cidade e para a possibilidade da Geografia Escolar contribuir na formação de um cidadão, são considerados os conceitos geográficos espaço, paisagem e lugar. Este estudo considera o lugar onde vivemos e suas implicações nos processos de ensino e de aprendizagem como possibilidade de compreender o mundo globalizado, ou seja, para podermos estudar a cidade como um local singular, cheio de particularidades, mas sempre situado no global. A intencionalidade da pesquisa é vincular a fotografia à compreensão da paisagem,

como forma de linguagem, de forma a assegurar uma educação cidadã, de modo que o aluno seja protagonista, refletindo sobre a realidade do lugar onde vive. Construída por meio de uma teia empírica e teórica, a pesquisa implica-se na significação dos conteúdos da Geografia e no processo de construção dos conceitos geográficos na vida dos alunos. A opção metodológica insiste na busca constante do diálogo entre os referenciais bibliográficos

e a produção empírica. Busca numa turma de 9º ano da fase final do ensino fundamental a possibilidade de estudar a cidade de Panambi/RS a partir do olhar fotográfico dos alunos. A metodologia empregada permite a interpretação de indícios nas fotografias e está amparada no “paradigma indiciário” proposto e difundido por Carlo Ginszburg (1995). Também é utilizada a análise textual discursiva, proposta por Moraes & Galiazzi (2011) não sendo aplicado o método total em si, mas construída uma forma singular e específica de análise qualitativa. Os procedimentos de interpretação foram realizados a partir das fotografias feitas pelos alunos, articulando com os conceitos estabelecidos como básicos no ensino da Geografia. Os resultados obtidos anunciam que os alunos que

conseguiram ver elementos da Geografia são aqueles que não apenas olharam a partir do senso comum, mas a partir dos conceitos-chaves da Geografia: paisagem, espaço e lugar. A maioria dos alunos se apropria destes conceitos tanto no recorte fotográfico e no título dado a cada imagem quanto nos seus fragmentos textuais. Em relação às entrevistas também confirmam que a maior parte dos alunos opera com os conceitos centrais da Geografia, sendo capazes de relacionar suas fotografias aos conceitos de paisagem e lugar e refletindo sobre a sua cidade. O estudo da cidade pode desenvolver no aluno a compreensão dos diferentes modos de viver na sociedade contemporânea, como a cidade circula e as relações que ele possui com ela. Nesse sentido, a escola pode contribuir na formação para a cidadania pela via do conhecimento, a cidadania como um espaço de convivência e, por conseguinte, como forma de transformação social.

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ABSTRACT

In this research, focused on the study of the city and the possibility of School Geography contribute to the formation of a citizen, are considered the geographical concepts, space, landscape and place. This study considers the place where we live and its implications in the teaching and learning process as a possibility to understand the globalized world, in other words, in order to study the city as a singular place, full of particularities, but always located in the global. The intent of the research is to link photography to understanding the landscape, as a

pedagogical tool in order to ensure citizen education, so that the student is the protagonist, reflecting the reality of where he/she live. Built by an empirical and theoretical web, the research implies in the meaning of Geography contents and in the construction process of geographical concepts in the lives of students. The methodological

option insists on constant pursuit of dialogue between the bibliographic references and empirical production. Search in a 9th grade class of the final phase of elementary school the opportunity to study the city of Panambi / RS from the students’ photographic vision. The methodology used allows the interpretation of evidences in the photographs and is supported in the "evidential paradigm" proposed and disseminate by Carlo Ginszburg (1995). It is also used the discursive textual analysis proposed by Moraes & Galiazzi (2011) not being applied the total method itself, but built a singular and specific form of qualitative analysis. The interpretation of procedures were performed from photographs taken by students, articulating with the criteria established as basic in Geography teaching. The results announce that the students who were able to see geography elements are those who not only

looked from common sense, but from the key concepts of Geography: landscape, space and place. Most students appropriates of these concepts both photographic clipping and the title given to each picture and in its textual fragments. In relation to the interviews, also confirm that most of the students works with the central concepts of Geography, being able to link their photos to landscape concepts and place and reflecting on their city. The study of the city can develop in students an understanding of the different ways of living in contemporary society, as the city circulates and the relationships he/she has with it. In this sense, the school can contribute in citizenship formation through knowledge, citizenship as a living space and therefore as a way of social transformation. Key words: Geography. Photograph. City. Landscape. Place.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...10

1 A GEOGRAFIA E A LEITURA DE MUNDO...15

1.1 Os desafios da Geografia na escola ...15

1.2 A paisagem e o lugar como conceitos geográficos ...18

1.3 A paisagem da cidade na construção do conhecimento geográfico...24

2 EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA...27

2.1 O direito à cidade e a Geografia escolar...27

2.2 A cidade de Panambi como campo de pesquisa...30

2.2.1 Formação sócio espacial de Panambi...30

3 OLHARES SOBRE A CIDADE ...42

3.1. Aonde estudam e quem são os alunos-pesquisadores-fotógrafos? ...43

3.2. O olhar a partir das lentes fotográficas: experienciando a fotografia na cidade...46

3.3 Um olhar sobre as aprendizagens geográficas...51

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...83

REFERÊNCIAS ...86

APÊNDICES...89

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INTRODUÇÃO

A escolha do tema para a realização deste estudo partiu, inicialmente, de minhas memórias do período do ensino fundamental na escola pública em que estudei. A Geografia Escolar ensinada era descritiva, não havia espaço para questionamentos, não permitia estabelecer relações e muito menos expor opiniões. Os raros momentos que despertavam minha curiosidade e vontade de aprender eram aqueles em que a professora levava slides para projetar na parede verde água da sala de aula. Os “slides” antigos nada mais eram que lâminas que projetavam fotografias na parede. Mas pessoalmente funcionavam como uma magia encantadora e que permitia fazer relações e conhecer um pouco da realidade de lugares que eu nem imaginava que existiam.

Com o passar dos anos, ocorreram profundas modificações no mundo, mas a fotografia continua sendo algo que me encanta, bem como a milhares de pessoas de qualquer faixa etária, etnia ou classe social, ou seja, ela continua sendo um dos principais suportes de comunicação da humanidade. Sendo assim, desde o início das disciplinas do mestrado, senti a necessidade de realizar inúmeras leituras, provocada, também, pela possibilidade de ler o mundo da vida através de diferentes formas de linguagem, portanto, de não ficarmos presos à linguagem verbal. Refiro-me à arte, à cultura visual, na qual estamos inseridos, à vida em que estamos vigiados por câmeras de segurança, controlados por semáforos, impactados pela televisão, relativamente presos em redes sociais e, mais particularmente, ao encantamento que a fotografia pode nos proporcionar.

Caputo (2001, p.2) faz uma comparação entre o fotógrafo e o professor em sua condição de pesquisador, dizendo que “ambos, ao olharem o real investigado, o fazem de algum lugar, definem um método de intervenção nesse real observado e propõem um recorte neste real”. Nesse sentido, a importância do olhar e a necessidade de um recorte são inquestionáveis, então, em meio a minhas inquietações de pesquisa indaguei-me sobre como tornar a fotografia uma aliada no ensino de Geografia.

O conhecimento geográfico é essencial na formação para a cidadania, para o protagonismo, provocando-nos a refletir e sermos agentes transformadores da sociedade da qual fazemos parte. Nesse sentido, é fundamental que o aluno investigue o espaço no qual está inserido e seja capaz de entender as relações entre Geografia e o seu cotidiano. Esse olhar atento

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pode partir de uma escala de análise com a utilização do olhar espacial da lente fotográfica, em busca da compreensão de uma realidade próxima do aluno, que vai do local ao global simultaneamente. Ou pode, num exercício diferente deste, “começar no lugar e ir ampliando”, pois podem também ser trazidas, através da fotografia, imagens que mesmo distantes, na dimensão do espaço absoluto, tornam-se próximas do cotidiano das nossas vidas.

Vivemos em um tempo em que as tecnologias da comunicação e informação têm sido utilizadas a qualquer momento, em qualquer lugar e têm influenciado a conduta do cidadão, porém, somente o acesso não basta, mesmo porque este é seletivo. Dessa forma, é pertinente oportunizar ao aluno o acesso à tecnologia nas aulas de Geografia, de forma a propiciar o seu empoderamento através de um olhar crítico e reflexivo sobre a realidade a partir dos conceitos da Geografia.

A Geografia como área do conhecimento procura compreender o mundo a partir de determinados conceitos balizadores do saber geográfico. Nesta pesquisa, voltada para o estudo da cidade e para a possibilidade da Geografia Escolar contribuir na formação de um cidadão, são considerados os conceitos geográficos espaço, paisagem e lugar. A opção por esses conceitos, que embora pareçam ser equivalentes são diferentes, por vezes se complementam e se opõem, possuindo cada um seu grau de abstração, deu-se em função de que a partir deles propomos a construção de um referencial teórico que sirva de aporte para o estudo da cidade.

Este estudo considera o local onde vivemos e suas implicações nos processos de ensino e de aprendizagem como possibilidade de compreender o mundo globalizado, ou seja, para podermos estudar a cidade como um local singular, cheio de particularidades, mas sempre situado no global. A cidade de Panambi, estudada nesta pesquisa, é conhecida como “Cidade das máquinas”, organizada de forma a privilegiar, portanto, a hierarquia industrial. Sua história é marcada pelas questões relacionadas ao trabalho, à memória, à religião, aspectos centrais na construção da sua identidade.

A cidade é interpretada como movimento, em que a dinâmica da urbanização revela-se pela técnica, produzindo um cotidiano permeado por essas diferenças. Como na cidade moram tanto as pessoas que são assalariadas quanto as proprietárias das indústrias, Panambi/RS é um espaço de conflitos; sua organização, na Geografia, é, pois, reflexo das condições estruturais, econômicas, políticas e sociais do território.

A intencionalidade da pesquisa é vincular a fotografia à compreensão da paisagem, como ferramenta pedagógica e forma de linguagem, de maneira a assegurar uma educação cidadã, de modo que o aluno seja protagonista, produzindo e refletindo sobre a realidade do lugar onde vive. Construída por meio de uma teia empírica e teórica, a pesquisa implica-se na

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significação dos conteúdos da Geografia e no processo de construção dos conceitos geográficos na vida dos alunos.

A pesquisa considera o aluno como protagonista das aprendizagens, portanto, considera a leitura de mundo como central, ou seja, a forma como o aluno lê a cidade em que mora, seu olhar sobre as diversas paisagens que a compõem. Essa leitura de mundo, realizada em uma escala geográfica de análise, situa o estudante nas múltiplas dimensões do espaço e do tempo, o que permite ler outras escalas de análise, seja regional, nacional ou global.

Pensando conceitos que estão entrelaçados ao espaço e tempo, serão possíveis questionamentos como: que objetos estão inscritos no lugar em que vivemos? Quem utiliza estes objetos? Para quem é destinado o espaço? Quais os tempos e espaços que cada pessoa que mora ou circula na cidade ocupa? Como foram construídas as paisagens da cidade de Panambi? Os cidadãos panambienses possuem identidade com sua cidade? Como ocorrem as relações de poder neste território?

A opção metodológica da pesquisa insiste na busca constante do diálogo entre os referenciais bibliográficos e a produção empírica. O movimento empírico busca numa turma de 9º ano da fase final do ensino fundamental a possibilidade de estudar a cidade de Panambi/RS a partir do olhar fotográfico dos alunos. O encaminhamento do procedimento metodológico foi desenvolvido no horário regular das aulas de Geografia na Escola Municipal de Ensino Fundamental Conrado Doeth, no período de março a dezembro de 2015, bem como fora do espaço da sala de aula, em momentos definidos pelo próprio aluno.

Inicialmente a intenção era verificar o conhecimento prévio dos alunos acerca de cidade, paisagem e lugar. Por outro lado, considerando que um percurso metodológico é uma caminhada, esse foi sendo construído ao longo da pesquisa. Por isso, optamos partir de uma abordagem que não influenciasse as escolhas dos alunos participantes, ou seja, o procedimento se deu de modo direto e sem questionamento prévio. Em um primeiro momento da pesquisa, então, foi proposta a observação das paisagens da cidade, a partir das lentes fotográficas dos alunos, como forma de leitura de mundo pela observação da estética paisagística, para posterior lapidação do olhar a fim de ver o que está além do visível.

A orientação aos alunos partiu do seguinte questionamento: se você fosse apresentar a cidade em que você mora para uma pessoa que nunca esteve nela, quais seriam os lugares que você mostraria? Os alunos munidos de uma máquina fotográfica e/ou celulares desenvolveram a tarefa de fotografar 5 (cinco) paisagens que caracterizassem a cidade de Panambi-RS. Reunidas as fotografias, elas foram quantificadas e agrupadas em relação a frequência e conteúdo da paisagem fotografada, desta forma, foram definidas as categorias de análise:

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trabalho, história/memória e urbano. Também destacou-se a categoria de análise religião, que será tratada de forma transversal em todo o processo de investigação, devido à grande influência que ela exerce no desenvolvimento da cidade.

Nesse contexto da investigação, a metodologia empregada permitiu identificar indícios nas fotografias que permitam a realização de interpretação. O método está amparado no “paradigma indiciário” proposto e difundido por Carlo Ginszburg (1995),que estabelece uma forma de pensar baseada na interpretação de indícios. Também é proposto por Góes (2000), sendo que para a autora “decifrar e ler pistas é estabelecer elos coerentes entre eventos e, por isso, o componente narrativo faz parte das interpretações indiciárias. Apesar de privilegiar o singular, não se abandona a ideia de totalidade [...]”.

Prosseguindo na construção do método, o próximo passo consistiu em cada aluno escrever um fragmento textual, explicitando porque escolheu fotografar determinados lugares e não outros, expondo o significado pessoal. Os textos foram lidos e selecionados; alguns foram analisados a partir do método de análise textual discursiva, proposto pelos autores Moraes & Galiazzi (2011) não sendo realizado o método total em si, mas construído uma forma singular de análise qualitativa específica; posteriormente, foram reunidos 8 (oito) alunos, com seus textos e o conjunto de fotos para a realização de entrevista. Os procedimentos de interpretação foram realizados a partir das fotografias feitas pelos alunos, articulando com os conceitos estabelecidos como básicos no ensino da Geografia.

Levando em conta a opção metodológica, o tema “Aprender a Geografia para ler o mundo: o olhar dos alunos sobre acidade” foi desenvolvido a partir de um grupo de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública e resultou na sistematização das propostas que seguem.

O primeiro capítulo, intitulado “A Geografia e a leitura de mundo”, foi pensado à luz dos conceitos balizadores da Geografia, paisagem e lugar, tendo como recorte de análise a paisagem da cidade de Panambi/RS. Apoiados no pensamento freiriano e entrelaçados nas posturas epistemológicas a partir da teoria crítica de Santos, Callai, Cavalcanti, Castellar, Fu Tuan e Bertrand, objetivamos compreender como os conceitos de espaço, paisagem e lugar contribuem na construção do conhecimento geográfico e na significação desse conhecimento na vida dos alunos.

O segundo capítulo, “Educação para a cidadania”, problematiza a cidade que não é somente espaço da lógica capitalista, mas também de cidadania. A cidade é olhada como direito coletivo, no sentido de que refletindo acerca de nossas ações individuais podemos mudá-la coletivamente, pensando, refletindo e transformando-a. A discussão é sustentada no direito à

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cidade (e na formação socioespacial de Panambi/RS), dialogando com Harvey, Callai, Castellar e Cavalcanti; na indagação da cidade educadora, ou da cidade como princípio educativo; e nas práticas espaciais cotidianas dos discentes. Nesse sentido, permite pensar a relação dos educandos com a cidade e as suas vivências cidadãs.

No capítulo terceiro, denominado “Olhar fotográfico dos alunos sobre a cidade”, contempla-se a produção do acervo produzido a partir do olhar fotográfico espacial dos alunos. A finalidade da seção é, com base nas contribuições de Callai e Freire, analisar as fotografias articuladas aos conceitos chaves da Geografia, paisagem e lugar atribuindo um olhar geográfico. Enfatizamos, ainda, que é destacada a importância da escola como instituição que torna possível usar a pesquisa como princípio pedagógico de investigação e produção de conhecimento, de modo que este tenha significado para o aluno, tornando-o um cidadão ativo na cidade e na sociedade em que vive.

Toda a reflexão é realizada no sentido de um buscar, de uma tentativa de construir o conhecimento que é sempre provisório, sendo que esta dissertação é apenas uma possibilidade de olhar a cidade; e esperamos que contribua com outros olhares sobre as aprendizagens geográficas que o estudo da cidade poderá permitir. Talvez possamos, a partir da pesquisa, contribuir para o entendimento de como os alunos “olham” a cidade e, desta forma, anunciar que ela pode ser um campo de estudo. Assim, nós professores, a partir do conhecimento geográfico, participaremos da formação de um cidadão capaz de compreender o espaço e de atuar nele, exercendo poder de intervenção e decisão.

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1 A GEOGRAFIA E A LEITURA DE MUNDO

Este capítulo é dedicado a pensarmos os desafios que a Geografia enfrenta na escola, considerando as transformações que a sociedade atual tem passado. A reflexão é realizada à luz dos conceitos balizadores da Geografia, espaço, paisagem e lugar, tendo como recorte de análise a paisagem da cidade de Panambi/RS. Apoiados no pensamento freiriano e entrelaçados nas posturas epistemológicas da teoria crítica de Santos, Callai, Cavalcanti, Castellar, Fu Tuan e Bertrand, investigamos como os conceitos de paisagem e lugar contribuem na construção do conhecimento geográfico e como esses são significados na vida dos alunos.

1.1 Os desafios da Geografia na escola

“Convém que o ensino acompanhe as transformações do globo [...] a geografia é uma interrogação permanente do mundo” (MONBEIG, 1957, p. 20).

Falar, debater, opinar, criticar a educação escolar tem sido uma constante e ousamos dizer que é feito de forma simplista e banal, na maioria das vezes. Mas se formos realmente pensar a educação, e aqui referimo-nos à educação escolar, especialmente de Geografia, sabemos efetivamente do que se trata? Sabemos o que implica? O que podemos fazer para torná-la melhor? Basta o acesso, não precisa ter qualidade? São muitos os questionamentos e as respostas são convincentes ou são meras frases sem sentido que continuam perpassando gerações e/ou paradigmas diferentes? Essas inquietações sempre angustiaram, em menor ou maior intensidade, de acordo com os níveis de ensino que fomos percorrendo; primeiro na graduação, depois nas especializações e agora no mestrado.

Referimo-nos à educação escolar incluindo todos os componentes curriculares, por acreditar que essas inquietações não se reduzem apenas à Geografia. Esta, tradicionalmente, e por muito tempo, foi uma disciplina meramente descritiva, preocupada com a descrição dos objetos e a localização dos lugares. Mesmo com o advento da Geografia Crítica, a partir dos anos 70, em que passou a ter maior compromisso com as questões sociais, permaneceu arraigado o caráter descritivo alicerçado no exercício puro da memorização; e os resquícios desta herança ainda estão fortes na Geografia Escolar.

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Indaguemos, então, sobre o que a epígrafe deste texto nos faz pensar. Se a Geografia é uma interrogação permanente do mundo, como é possível que a Geografia Escolar1 não tenha acompanhado as transformações planetárias? A escola em si mais tem se distanciado dos alunos do que se aproximado, ou seja, ela e consequentemente a Geografia parecem mais uma “gaveta” de tantas outras do armário do mundo e do conhecimento que o aluno precisa decorar para terminar a Educação Básica. Entretanto, a centralidade da educação escolar é a construção do conhecimento e das aprendizagens formais, portanto, para que isso ocorra precisamos valorizar o aluno como sujeito capaz de produzir conhecimento e provocá-lo a isso.

“Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação?” (SANTOS, 2010, p. 10). A colocação de Santos (2010) faz pensar que o mundo tem passado por inúmeras transformações que são intensificadas pela velocidade da técnica e da informação. Nesse contexto, o processo de globalização, que ora nos é apresentado como sonho ora como pesadelo, tem trazido à tona a importância da Geografia na escola. Esse mundo globalizado que anuncia telefones celulares ultramodernos, máquinas fotográficas com capacidade de tirar inúmeras fotos por segundo, a popularização da informação, o consumismo exacerbado, por outro lado nos apresenta de forma crescente povos refugiados e índices de pobreza alarmantes, aspectos esses que precisam ser discutidos e debatidos na instituição escolar.

A escola é o espaço apropriado para a construção do conhecimento, e na Geografia o aluno poderá encontrar as possibilidades de compreensão da sociedade, pois esta disciplina pode ajudar na formação para a cidadania. O grande desafio da Geografia contemporânea, por conseguinte, é educar para a cidadania tentando compreender as demandas da atualidade, o que se faz com acesso ao conhecimento sistemático.

Para que o aluno seja valorizado, faz-se mister considerá-lo como sujeito repleto de experiências, detentor de um conhecimento prévio que é fonte de riqueza para o professor. O desafio é que os discentes leiam o mundo, interajam e ultrapassem o senso comum, nesse sentido, os lugares com os quais se identificam são significativos para a sua vida e quando se sentem parte integrante da paisagem, do lugar, são capazes de pensar, refletir sobre suas ações e realizar transformações, assim estarão exercendo sua cidadania.

Ensinar Geografia na atualidade desafia os docentes, na medida em que há uma grande preocupação no que se refere à seleção de conteúdos a serem trabalhados, à metodologia de ensino a ser realizada e sobre quais os conceitos que precisam ser compreendidos. Quanto às

1 Geografia Escolar no contexto deste texto refere-se a Geografia como disciplina, matéria pertencente ao currículo da escola e não a Geografia como ciência aplicada nas universidades.

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metodologias e encaminhamentos didáticos, convém que utilizemos linguagens mais modernas para que nossas aulas de Geografia acompanhem as transformações do mundo. No entanto, precisamos ter cuidado com as tecnologias. Elas devem ser usadas como recursos didáticos e não como equipamentos de reprodução, ou seja, de nada adianta substituirmos o quadro negro por slides, por exemplo. É preciso que o professor saiba, além de operar o equipamento, tornar a tecnologia uma aliada na construção do conhecimento.

Uma forma de ultrapassar os limites de uma metodologia tradicional e favorecer a aprendizagem com significado é promover a leitura de mundo para construir conhecimento geográfico. Sobre isso, trazemos a colaboração de Freire:

Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros - o do sanhaçu, o do olha-pro-caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos (FREIRE, 1989, p. 10).

Lendo os escritos de Paulo Freire percebemos o quanto ele possuía sensibilidade para ler a realidade, o lugar, a paisagem, o mundo. Esta educação do olhar, entendemos, é que o professor precisa ter e construir com o aluno. A leitura de mundo ou mesmo a leitura da realidade tem sido difundida em várias ciências e tem sido uma estratégia pedagógica na Geografia, sobretudo escolar. O conceito de leitura de mundo faz parte da metodologia de ensino introduzida por Paulo Freire (HAGAT; SILVA, 2015), que neste texto será mencionada como estratégia pedagógica que oportuniza uma educação libertadora e transformadora do lugar em que se vive. Segundo Freire (1989), a leitura de mundo antecede à palavra, ou seja, a criança antes mesmo de aprender a ler a palavra, lê o mundo, a partir do olhar e dos sentidos e vai decifrando, decodificando o espaço. Com esse pensamento coaduna Callai:

Desde que a criança nasce, os seus contatos com o mundo, seja por intermédio da mãe, seja pelo esforço da própria criança, buscam a conquista de um espaço. Um espaço que não é mais o ventre materno onde ela está protegida, mas um espaço amplo, cheio de desafios e variados obstáculos, e que, para ser conquistado, precisa ser conhecido e compreendido. E isso a criança vai fazendo, superando os desafios e ampliando cada vez mais a sua visão linear do mundo. Quer dizer, em termos absolutos, ela consegue ir avançando a sua capacidade de reconhecimento e de percepção. Ao caminhar, correr, brincar, ela está interagindo com um espaço que é social, está ampliando o seu mundo e reconhecendo a complexidade dele (CALLAI, 2005, p. 232-233). Essa decodificação não deve ser apenas da leitura da palavra, mas do significado desta, ser compreensão do próprio mundo. Assim, a criança vai lendo o espaço, e vai compreendendo e agindo sobre este a cada ano/série de sua vida escolar. Esta leitura de mundo, no decorrer do

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percurso, está imbricada no conceito de paisagem, então, as relações envolvidas entre paisagem e leitura de mundo possibilitam esculpir, moldar, apurar o olhar.

A proposição de leitura de mundo, que é a leitura da realidade, a leitura do lugar, sendo feita pelas lentes fotográficas é reforçada pela possibilidade de leitura também daqueles que não aprenderam a ler as palavras, pois a partir da imagem podem, de certa forma, ler a fotografia e ver a fotografia. É preciso entender que “ver” uma fotografia é diferente de “ler” uma fotografia. Para isso, parte-se da indagação do que é leitura de mundo. E mais: como ler a paisagem? Como significar o espaço? O que eu quero ler desta realidade? O que consigo ver para além da aparência? Nesse sentido, os conceitos de espaço, paisagem e lugar são categorias essenciais para a leitura de mundo, da realidade.

Diante deste cenário, um dos maiores desafios da Geografia na escola é deixar de ser uma disciplina enfadonha para ser uma disciplina atrativa, cheia de significados para a vida, que provoque para a busca, atraindo para obtenção de uma aprendizagem com significado. Sendo assim, fazer uma Geografia a partir da inserção da fotografia nos estudos geográficos torna possível uma leitura de mundo carregada de elementos impactantes para a educação geográfica, pois oportuniza ao aluno ler, decifrar e interpretar paisagens para compreender o lugar em que vive, em diversas escalas de análise.

1.2 A paisagem e o lugar como conceitos geográficos

Qualquer que seja a tentativa de conceituar algo deve sempre considerar que um conceito muda ao longo do tempo. Nesse sentido, tentar delimitar um conceito nos remete a pensar no tempo e no espaço, pois estes conferem significados diferentes de acordo com a época e a sociedade que o vivencia. Evidencia-se, assim, a importância da discussão dos conceitos para compreendermos a organização do espaço atual em um mundo globalizado e sua importância para a educação. Segundo Marques:

O conceito é representação instituída idealmente que, no entanto, constrói-se mediante experiência histórica, em que, por força reguladora da analogia, dá-se a passagem do saber já situado para as possibilidades de novos conhecimentos (MARQUES, 1990, p.41).

Nesse sentido, o conceito sempre é provisório, podendo ser negociado e renegociado, sendo uma reflexão que contribui com esta pesquisa na medida em que considera o local para entender onde vivemos e suas implicações nos processos de ensino aprendizagem,

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considerando o mundo globalizado. Ou seja, podemos estudar a cidade como um local singular, cheio de particularidades, mas sempre contextualizado em suas relações com o social e o global. Por outro lado, considerando que o conceito é uma construção histórica, existem diferentes concepções de espaço, de paisagem e de lugar, o que se explicita nas tendências teóricas que fundamentaram e fundamentam a construção dos referidos conceitos ao longo da história da humanidade.

O espaço é objeto de estudo da Geografia, mas é abordado também em outras áreas, por exemplo, na sociologia, na antropologia, na história, na arquitetura, no urbanismo etc. Por ser objeto de estudo “compartilhado”, são diversos os sentidos remetidos a espaço, sendo que dentro do próprio campo de atuação da Geografia há várias concepções para o termo. Tomaremos como referência o sentido dado a espaço por Milton Santos (1988, p. 26): “o espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, naturais e objetos sociais e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento”. Esse espaço é um campo de forças, espaço de conflitos e lutas, palco da sociedade que não é idêntica em todos os lugares, possuindo carga histórica diferente.

Sobre o conceito de espaço podemos dimensionar brevemente três abordagens, de espaço absoluto, espaço relativo e espaço relacional. Considerando a proposição de Harvey (2014) em “Ideias Kantianas”, o espaço absoluto é receptáculo, é o lugar onde acontecem os fenômenos geográficos, que possui forma e, por isso, pode ser delimitado. Interessa nesse espaço o conteúdo que há dentro de suas fronteiras, ou seja, as edificações, as pessoas, as formas como estas se relacionam e produzem o espaço em que vivem.

O espaço relativo é a dimensão que se estabelece entre o que existe no lugar em relação aos outros lugares com os quais tem relação. E, além disso, e talvez o mais importante, as relações que as pessoas exercem com as pessoas dos outros lugares mais distantes. Um limite produz a fronteira que pode ser um corte entre um espaço e outro, mas pode também ser uma forma de união, da relação entre eles. Este é o espaço relativo.

A outra dimensão do espaço é definida como o espaço relacional, onde o que vale são os movimentos, as relações. A relação que vigora a partir de movimentos que podem ser materiais ou intangíveis.

Essa tríade, em sua relação dialética, produz o espaço construído. Esses conceitos devem ser a base para a formulação do estudo da cidade, com o aprofundamento dessas referências, tendo a escala de análise como ferramenta intelectual. Então, o desafio é fazer com que o aluno tenha a capacidade de aprender como sujeito que pode ter a condução de sua vida.

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Nesse contexto, cabe à Geografia levá-lo a perceber que a cidade em que ele vive é construída por ele também, uma vez que o espaço é construído pelos homens em suas relações e nas relações com o meio.

Qualquer que seja a tentativa de conceituar espaço, devemos compreendê-lo como um espaço construído, resultado da sociedade em movimento, carregada de pertença. Conforme Callai:

O espaço é construído ao longo do tempo de vida das pessoas, considerando a forma como vivem, o tipo de relação que existe entre elas e que estabelecem com a natureza. Dessa forma, o lugar mostra, através da paisagem, a história da população que ali vive, os recursos naturais que dispõe e a forma como utiliza tais recursos (CALLAI, 2009, p. 95).

A partir da leitura atenta da ideia de Callai (2009), percebemos o quanto o espaço está atravessado por outras categorias de análise da Geografia, como paisagem e lugar. São conceitos distintos, mas que estão articulados, por isso é necessário um tratamento individual para seu entendimento, embora necessitem ser compreendidos dialeticamente. O espaço geográfico é o objeto de estudo da Geografia e a categoria de análise escolhida para estudar este espaço no presente trabalho é a paisagem.

O termo “paisagem” vem de ‘noff’ em hebreu, provavelmente relacionado com ‘yafe’, beleza (POLETTE, 1999, p. 84). Por ser uma palavra muito antiga, são inúmeros os pensadores que tentam dimensioná-la, entretanto, não é objetivo deste trabalho realizar uma busca teórica histórica e cronológica dos conceitos. Apenas para questões de orientação no tempo e no espaço, apresentamos o Quadro 1 sobre o conceito de paisagem.

Quadro 1- Formação conceitual de paisagem

Ideia Significado Categorias do

procedimento metodológico

Corologia (distribuição geográfica dos seres vivos)

Lugar e seu entorno Elementos da paisagem

Campo de visão Contemplação, experiência

paisagística, representação, imagem, beleza

Posição do observador (de frente, do alto)

Fisionomia Materialidade Forma, cor, tamanho,

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Sistema Sistema espacial Inter-relação de elementos, funções, processos

Conjunto O todo não é uma simples

adição de partes

Conjunto dos elementos paisagísticos

Percepção Experiências e sentimentos Espaço vivido, práticas

sociais Fonte adaptada: PANIZZA (2014, p. 37).

Inicialmente a paisagem era ligada a uma concepção meramente visual e objetiva, sendo que apenas recentemente o geógrafo Milton Santos (1988) nos trouxe uma nova maneira de compreender a categoria, de forma objetiva, mas também subjetiva: “paisagem é o domínio do visível e não se forma apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc. É o conjunto de objetos que nosso corpo alcança e identifica” (SANTOS, 1988, p. 61). Para o autor, a dimensão da paisagem é a mesma da percepção, segundo a atuação do aparelho cognitivo, assim, pessoas diferentes apresentam distintas versões do mesmo fato. Como o homem está profundamente ligado à paisagem em que vive, o meio ambiente é uma parte integrante da cultura, onde as pessoas trabalham, vivem em harmonia ou conflito com ela. Na opinião de Bertrand:

A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É em uma determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. (BERTRAND, 2014, p. 141).

Da mesma forma, Santos (1988, p.66) defende que “paisagem não se cria de uma só vez [...] é uma escrita sobre outra é um conjunto de objetos que têm identidades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos”. Considerando que a paisagem pode ser uma herança, pensemos por um momento em nossa infância. Desde crianças temos contato com a paisagem, ela nos é apresentada inicialmente como essencialmente bela, como campo de visão de contemplação. Embora seja uma forma de “olhar” mais ingênua, é possível que desde a infância tenhamos tido experiências com a paisagem que tornaram mais fácil contemplá-la do que conceituá-la (FU TUAN, 1983).

Esse olhar ingênuo pode ser exemplificado com parte das memórias desta pesquisadora. Como da primeira vez que vi um riacho com água cristalina (isso já faz tanto tempo) e joguei àquela água gelada no rosto; quando andei a cavalo nos verdes campos com meus primos. Também houve a primeira vez que minha mãe cortou uma cana da plantação de

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minha tia e disse que dentro dela havia um suco docinho, e realmente havia. Porém, o tempo traz à memória uma paisagem de dor, lembro-me do quanto fiquei confusa quando aos 5 anos de idade vi pessoas que amava chorando por causa de uma enchente em minha cidade, que havia levado tudo que tinham. Perguntei aos meus pais por que o rio estava tão ‘grande’, e disseram algo semelhante a: “Deus está furioso porque as pessoas não cuidam da natureza e por isso manda muita chuva para que aprendam através do castigo. ”

Foi com esse primeiro ensinamento, ingênuo e ao mesmo tempo cruel, que começamos a dar os primeiros passos para cuidar do meio ambiente, porque não queríamos Deus furioso e nem as pessoas sofrendo. Essas memórias ainda contribuem com a lembrança do quão surpreendente foi atender à porta e encontrar duas crianças pedindo alimentos. Foi o momento de entender que nem todas as pessoas tinham comida; e mais, de saber que elas moravam num bairro chamado Esperança, em que muitas pessoas não tinham alimento, e que haviam colocado esse nome porque a “esperança é a última que morre”.

Ainda segundo o autor, “O sentimento e o pensamento são maneiras de conhecer” (FU TUAN, 1983, p. 11). Então, quais são as primeiras paisagens que observamos, sentimos? Apenas olhamos ou conseguimos ver além da aparência? A maneira como vamos compreendendo e agindo sobre as paisagens vai se aprimorando no tempo e no espaço, vai se construindo através das marcas e dos caminhos que vamos trilhando. A paisagem passa a ser, além de algo objetivo, de pura descrição e materialidade, algo subjetivo, que toca nossos sentidos e emoções. A paisagem além da sua aparência conta-nos uma história. Entendemos que a paisagem objetiva não deve ser desprezada, que é preciso um diálogo que permita que a mesma realidade possa ser compreendida por diversos olhares.

Nesse contexto, a paisagem se sobrepõe ao lugar e esse conceito faz-nos reflexionar sobre nossa relação com o mundo. O lugar está relacionado mais ao sentir o mundo vivido, então, tentar conceituá-lo pode nos levar a simplificação. O lugar é carregado de identidade, laços de afetividade e pertencimento. Em relação a esta categoria geográfica, devemos estabelecer um método criterioso de análise, ou seja, a escolha da escala de análise, para que não façamos uma interpretação errônea, ou de forma linear. Como anuncia o autor:

Cada lugar geográfico se diferencia dos demais, é ter sempre em conta que o nosso planeta não é uma realidade homogênea, mas sim a combinação de todos os tipos, que se expressam em todas as escalas. Estudar a Geografia de uma pequena localidade é, repetirmos, entende-la em suas particularidades, inserindo-a na realidade do mundo como um todo (KAERCHER, 2010 p. 15).

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Dessa forma, há sempre uma necessidade de seleção, de recorte do que será analisado. No presente trabalho a opção realizada é o estudo da cidade. Não se trata de estudá-la isolada, investigando somente o que nela acontece, mas de compreender que a cidade é formada por paisagens do lugar e do espaço inseridos numa escala regional, nacional e global. Sendo assim, a leitura compreensiva do mundo e da realidade circundante requer um estudo mais aprofundado sobre a paisagem para torná-la significativa para a vida. Nas aulas de Geografia, o estudo do conceito geográfico é vital, pois ao realizarmos a leitura da paisagem próxima ao aluno, mostrando o que acontece no entorno do mesmo, relacionando com sua vida cotidiana, ocorre aprendizagem com significado.

Quando criamos laços com o lugar, nos identificamos com o espaço, esse espaço se familiariza e torna-se lugar, um lugar de vivência. Como bem explicita Santos (2010, p. 114), “o lugar não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de experiência renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliação das heranças e indagação sobre o presente e o futuro”. O lugar pode ser, por exemplo, nossa cidade natal, pois mesmo que nela não encontremos grandiosidades arquitetônicas, ou um parque industrial imponente para empregar a população, é onde nascemos e crescemos, ainda que em determinada época da vida tenhamos saído dela. O lugar tem sentido e significado. No entanto, o que é necessário para construir uma identidade com e no lugar? E quanto tempo é necessário para que esta identidade seja construída ou destruída? Santo Agostinho pode ajudar neste possível questionamento, sobre sua terra natal, Tagasca, na transformação do lugar:

Meu coração estava agora dilacerado pela dor e para todos os lados que eu olhasse só via a morte. Meus lugares familiares tornaram-se cenários de tortura para mim, e meu próprio lar tornou-se sofrimento. Sem ele, tudo o que fizemos juntos tornou-se uma experiência insuportavelmente dolorosa. Meus olhos continuam procurando-o sem achá-lo. Odeio todos os lugares onde costumávamos nos encontrar, porque eles não podem mais me dizer: ‘Olhe, aí vem vindo ele’, como faziam antes (Santo Agostinho, apud Fu Tuan, 1983, p. 155).

Para o teólogo, o valor do lugar dependia também das relações humanas. Lugar pode ser íntimo, mas deve ser visto como uma janela aberta para análise de outros lugares e em outras escalas de análise. Podemos explicitar a compreensão de que o conteúdo, os elementos de um lugar são os mesmos conteúdos do “mundo”. No entanto, para que possamos entender este lugar que é local e é também global, é necessário que possamos vê-lo de fora, ou seja, que possamos sair do lugar para poder olhar com outros óculos, pois quando estamos permanentemente em um lugar ele se torna íntimo e próximo demais, podendo fazer com que não vejamos com nitidez e, por isso, não consigamos compreender o que realmente acontece no lugar-mundo.

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1.3 A paisagem da cidade na construção do conhecimento geográfico

“A cidade se apresenta centro das ambições para mendigos ou ricos e outras armações. Coletivos, automóveis, motos e metrôs, trabalhadores, patrões, policiais, camelôs. A cidade não para, a cidade só cresce. O de cima sobe e o de baixo desce”( NAÇÃO ZUMBI, música “A cidade, 1994)”.

É comum lermos nos dicionários, enciclopédias ou até mesmo em livros didáticos, referências em relação à cidade que a esclarecem como sendo um aglomerado de pessoas que habitam um espaço. Será que este conceito é o mesmo para todas as pessoas? É assim que cada um de nós define a cidade em que mora? É possível que a mesma cidade tenha significados diferentes para pessoas que moram nela, o que vai depender de diversos fatores. Para Kaercher (2010, p. 20) “classes sociais diferentes vivem, mesmo dentro de uma mesma cidade, em geografias diferentes. Moram, compram, se divertem, usam transportes e trabalham em lugares diferentes”. Ou seja, a cidade é uma composição de diferentes paisagens construídas ao longo do tempo, e as pessoas circulam por ela em tempos e espaços diferentes, o que interfere nos sentidos atribuídos pelos sujeitos à cidade.

Esse lugar, essa cidade, que é também expressão do mudo globalizado, possui uma força que se sustenta na experiência histórica, nas vivências de cada morador, nas experiências daqueles que moram ou circulam nela. Dito de outra forma, o sentido de cidade constrói-se no cotidiano de vida das pessoas, e os sentidos construídos perpassam as questões de identidade, de território e de cotidiano, produção feita em espaços e tempos coletivos, de grupo.

Ao estudá-la devemos considerar o local sem descontextualizar do global, pois estudar a cidade em Geografia é reiterar que cada uma tem suas particularidades, características e funções próprias. Assim, possui problemas de diversas ordens, sejam sociais, políticos, naturais etc., que são expressão de problemas gerais das cidades brasileiras ou mesmo mundiais. Estes diferentes problemas locais e globais são abordados por Callai; Castellar; Cavalcanti (2011), quando utilizam os termos “cidades latino-americanas” para referir-se às cidades, buscando elementos das mais diversas, sejam elas pequenas, médias ou metrópoles da América Latina.

Callai; Castellar; Cavalcanti (2011) propõem uma análise das relações dos cidadãos com a cidade, a cada momento histórico, e não simplesmente a relação entre urbanização acelerada e globalização, considerando a cidade fordista e pós-fordista. A partir das cidades industriais, partindo da organização dos bairros operários, definiram-se as formas de organização dos lugares que acentuaram a “homogeneização dos espaços e da sociedade [...] ampliando a exclusão social, a violência, a fragmentação territorial, o desemprego, a

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contaminação ambiental, exclusão geográfica [...]” (CALLAI; CASTELLAR; CAVALCANTI, 2011, p. 25). E assim, pelo aparato que uma cidade industrial possui, a demanda por mão de obra acelera-se, agravando cada vez mais as relações do cidadão com a cidade, no sentido de necessidades básicas e espaço público. Inicia-se, então, um projeto concomitante de tornar o operário, além de massa de trabalho, um cidadão consumidor, para que se sinta parte da cidade, mesmo que em situação desigual.

Por outro lado, na cidade pós-fordista as relações entre cidadão e cidade passam a ser mais contraditórias, pois esta se torna cada vez mais espaço de conflito. A reestruturação do capitalismo em escala mundial enfatiza um modelo dual de organização “a dos empregáveis/empregados, consumidores, e a dos não-empregáveis/desempregados, alijados do consumo e, portanto da cidadania” (Callai; Castellar; Cavalcanti 2011, p. 26). Dessa forma, se estabelece uma fragmentação do território, a cidade se torna puramente mercadoria e desequilibra-se.

Como a cidade latino-americana se relaciona no mundo contemporâneo? E como está a relação do cidadão com a cidade no atual momento histórico? Quais são os aspectos comuns que podem ser considerados na interdependência de escalas? A desigualdade social, a urbanização recente, a metropolização, expansão e dispersão urbana, a separação socioespacial/periferização são alguns dos aspectos que estão profundamente inter-relacionados ao local, regional e global.

As desigualdades sociais nas cidades latino-americanas, nas cidades regionais e mesmo na cidade em que moramos devem ser contextualizadas em uma escala mundial. Nesse sentido, o capitalismo neoliberal tem grande impacto nessas relações, pois instaura uma nova forma de gerir a política e a economia, dificultando o retorno da democracia política a partir dos anos 80.

Esse quadro contraditório agudizou a pobreza e a desigualdade social, tornando a cidade valor de uso e de troca ou então a cidade mercadorização. Em contrapartida, considerando a posição de Callai (2009, p. 127), “a cidade representa antes de mais nada os laços que ligam as várias pessoas que compartilham um mesmo território para morar, para trabalhar, para satisfazer suas necessidades de sobrevivência.” Essas cidades são espaços de convivência, de conflito e de luta pela sobrevivência, e abrigam as pessoas em diferentes espaços e lugares com geografias diferentes segundo a lógica capitalista que reproduz as diferenças.

Além do próprio crescimento descontrolado do processo de urbanização, evidente nos índices de violência e falta de segurança, é preciso considerar a dinâmica de expansão urbana

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de fragmentação do território vista em muitas cidades sejam mundiais, latinas ou locais. Segundo Santos (2010), o território tanto quanto o lugar são esquizofrênicos, pois acolhem de um lado a instalação da globalização e de outro produzem acelerada pobreza e exclusão. As periferias continuam sendo a área de segregação espacial onde se concentram aqueles que estão fora da especulação imobiliária, à margem da lógica da globalização, vistos como mão de obra das indústrias e onde a oferta de recursos públicos é nula ou reduzida.

Embora os centros urbanos continuem sendo o local onde se concentra o setor de serviços, tem crescido cada vez mais a escolha de “fatias” do território por aqueles que podem comprar, um exemplo são os setores residenciais para a classe média alta em lugares distantes do centro da cidade e da periferia, tornando a especulação imobiliária cada vez mais forte e a exclusão social cada vez mais nítida. Um verdadeiro abismo entre as classes sociais é produzido na medida em que são criados assentamentos ou como popularmente conhecidos, os loteamentos urbanos, pois separam ainda mais os pobres da classe média alta e dos ricos no quesito precariedade e falta de planejamento.

Dessa forma, a cidade pode ser educadora, pois apresenta todas as categorias de análise dos conhecimentos geográficos. A vivência nesse território constitui-se espaço cultural de aprendizagem permanente e espontâneo, então, a paisagem da cidade deve exercer a função de formação para e pela cidadania. Esta paisagem pode ser olhada de modos diversos e pode ser capturada por um olhar fotográfico, uma vez que a fotografia está popularizada em todas as classes sociais.

A cidade de Panambi/RS possui espaços desiguais, não apenas pelo viés da natureza, mas também desigualdades sociais, então, é importante sua abordagem com os alunos, para que façam leituras críticas do mundo, de forma que questionem, participem mais desta sociedade, numa tentativa de transformá-la. A partir do estudo da cidade, anuncia-se a possibilidade de uma postura crítica reflexiva sobre mudanças que podem ser produzidas na sociedade, como bem destaca Shäffer:

A cidade e o urbano estão presentes como instrumento de promoção de uma educação que se volta a formação de uma cidadania consciente, atuante, capaz de levar o aluno a refletir sobre seu papel como agente de construção do espaço través da análise crítica da realidade que o cerca (SCHÄFFER, 2010 p.116).

Essa prática reflexiva cidadã pode ser realizada a partir dos conceitos/conteúdos da Geografia que possibilitam a leitura do mundo da vida dos alunos, permitindo que este aprenda a pensar e estabelecer relações em várias escalas de análise.

(28)

2 EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA

Falar em educação para a cidadania tem se tornado uma frase de efeito, de modismos disfarçados de debate que tem acontecido no meio acadêmico e também escolar. A educação para a cidadania não deve ser apenas um item transversal no currículo para constar no PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola, muitas vezes empoeirado e esquecido em uma gaveta no espaço do arquivo de uma secretaria. Também não é uma temática para servir aos professores como brecha para expor suas posições políticas pelo viés partidário.

Qual é a ideia de educação para a cidadania que proponho percorrer na construção desta pesquisa? Que importância a cidadania tem no mundo contemporâneo? Como se aprende cidadania? O ensino de Geografia pode contribuir nesta construção de um cidadão consciente, preocupado com o coletivo, crítico, capaz de agir sobre a sociedade e transformá-la? Uma educação para a cidadania se insere num movimento em escala global de luta pelos direitos humanos ao longo de um processo histórico que tem alcançado muitas conquistas.

As intenções deste capítulo visam pensar o direito à cidade e a Geografia Escolar como possibilidade de exercício de cidadania. Para a compreensão desta relação é relevante um diálogo com a cidade de Panambi como espaço de pesquisa a partir de sua formação sócio espacial.

2.1 O direito à cidade e a Geografia Escolar

Quando fui aluna no ensino médio, na época cursava ensino técnico em Administração e Comércio nos finais da década de 1990, foi o período em que pela primeira vez ouvi falar sobre Globalização. Lembro-me muito bem que a Globalização me foi apresentada como algo fantástico, que mudaria o mundo de forma positiva e que então as nações se unificariam em prol de um mundo mais igualitário, solidário e cheio de oportunidades de emprego. Que poderíamos nos relacionar com qualquer pessoa no mundo e que a tecnologia advinda com ela seria a entrada a um grande desenvolvimento local, regional, nacional e global.

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Milton Santos (2010) pensa isso como um mundo tridimensional2 onde o objetivo é doutrinar as pessoas para que aceitem a globalização como algo magnífico capaz de transformar os conceitos de tempo e espaço, encurtando as distâncias, possibilitando o aumento da produção em um curto espaço de tempo e passando a falsa impressão de que todas as nações estão unidas cultural, política, social e economicamente. “É como se o mundo houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas” (SANTOS, 2010 p. 9).

No entanto, o que temos evidenciado é uma globalização cada vez mais perversa. Segundo Santos (2010), o território tanto quanto os lugares são esquizofrênicos, pois acolhem, de um lado a instalação da globalização e de outro produz acelerada pobreza e exclusão. Os problemas sociais têm se intensificado, o meio ambiente está cada vez mais destruído. A lógica capitalista tem padronizado os gostos, pressionando um consumismo fanático. Também se globaliza o crime, o tráfico de drogas se expande, a violência e a pobreza parecem se naturalizar. Todas estas características também se sobrepõem na cidade. A cidade é cheia de diferenças e também de homogeneidades, um território de luta.

O território da cidade traz em si os conceitos de paisagem, espaço e lugar que é carregado de identidade. Não é simplesmente o espaço coisificado de objetos naturais e artificiais. O território nos faz pertencer e criar uma identidade de grupo, noção para uma unicidade nacional que vem sendo destruída com o processo de globalização, pelos movimentos separatistas, pela uniformização e idolatria ao consumo, pela competitividade que está longe de colaborar tanto para a construção de um cidadão local quanto para a construção de um cidadão do mundo.

Diante deste movimento, é preciso pensar uma globalização humana, uma globalização solidária. É urgente que este espaço seja pensado de forma a ser integrador e não incentivar a destruição da solidariedade nacional e a fragmentação do território, onde àqueles que se consideram mais poderosos, ou com cultura superior possam, por exemplo eleger os territórios. Todos temos direito à cidade. A cidade é espaço de disputa, de diferenças. A este pensamento refere-se Harvey (2014, p. 15)

2Tridimensional no sentido que Santos apresenta três mundos em um só: o mundo como fábula (ou o mundo como nos fazem vê-lo), o mundo perverso (ou o mundo tal como ele é) e o mundo como ele pode ser (uma nova forma de globalização que seja solidária). SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. 19ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.p. 9 a 11.

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A ideia do direito à cidade não surge fundamentalmente de diferentes caprichos e modismos intelectuais (...). Surge basicamente das ruas, dos bairros, como um grito de socorro e amparo de pessoas oprimidas em tempos de desespero.

A globalização como tem sido realizada, até hoje baseada no capitalismo descontrolado tornaram a cidade ao longo dos tempos, o espaço crucial da circulação do dinheiro, como motor central deste plano global perverso que impulsionou o crescimento desordenado urbano com uma expansão desprovida de condições mínimas de infra-estrutura para todos. Para Harvey (2014, p. 30) “o capitalismo precisa da urbanização para absorver o excedente de produção que nunca deixa de produzir. Dessa maneira surge uma ligação íntima entre o desenvolvimento do capitalismo e a urbanização. Essa tríade “globalização-capitalismo-urbanização”, uma trindade que doutrina a vida na cidade tem intensificado os problemas nas cidades e, portanto, as próprias relações entre as pessoas que moram nesta cidade. Pois a cidade não é apenas espaço de forma coisificada, é conteúdo, relações do cidadão com a cidade e entre a cidade e o cidadão. Estas relações permitem inferir como definir esse direito à cidade,

(...) a questão do tipo de cidade que queremos não pode estar separada da questão do tipo de pessoas que queremos ser. (...) além disso é um direito mais coletivo do que individual, uma vez que reinventar a cidade depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo sobre o processo de urbanização. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e as nossas cidades (...) é um dos nossos direitos humanos mais preciosos, ainda que um dos mais menosprezados. (HARVEY, 2014 p. 28).

Ter direito à cidade é ter direito a reconfigurá-la, de propor transformações, para além daquelas impostas pelo capitalismo desenfreado e pelo processo de globalização que privilegia uma minoria detentora do dinheiro e exclui aqueles que não conseguem consumir conforme a lógica capitalista. Ou seja, a falsa ideia de que para ser cidadão é preciso consumir. Ter direito à cidade, é querer mudar essa lógica.

Esta compreensão do direito à cidade, da necessidade de luta pelo direito à cidade pode ser alcançada no espaço escolar, de forma interdisciplinar e o ensino de Geografia pode contribuir com esta formação cidadã. Para a compreensão da espacialidade é importante o conceito de cidade, não um conceito pronto e acabado, mas a possibilidade de fazer com que o aluno construa seu conceito de cidade partindo de suas vivências e buscando entender como funciona a vida na cidade como expressão global.

“A cidade é um lugar (...) de produção social, no qual a identidade é vivida em fronteiras difusas, (...), de resistências e de exclusão, em que há manifestação de diferentes percepções, culturas de distintos grupos, em espaços públicos e privados” (CAVALCANTI, 2008, p. 56). O estudo da cidade pode desenvolver no aluno a compreensão dos diferentes

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modos de viver na sociedade contemporânea, como a cidade circula e as relações que ele possui com sua cidade. Neste sentido, a escola pode contribuir na formação para a cidadania essencialmente pela via do conhecimento, a cidadania como um espaço de convivência e, por conseguinte, a cidadania como forma de transformação social.

2.2 A cidade de Panambi como campo de pesquisa

Compreendendo que a cidade passou a ter a função de movimentar o excedente de produção da zona rural que está na origem do crescimento do modo de produção capitalista, precisamos contemplar o estudo da formação socioespacial para entender as possíveis relações envolvidas na construção da cidade, no caso da cidade em estudo, Panambi. Esta construção se sustenta a partir do conceito de formação socioespacial proposto pelo PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais):

O conceito de formação socioespacial é uma categoria analítica que amplia a compreensão do fato de que o espaço, como território e lugar, guarda uma historicidade intrínseca em todas as suas transformações. Com essa categoria é possível compreender e ensinar aos alunos que qualquer paisagem urbana ou rural guarda em si, na forma como está representada, heranças de um passado mais próximo ou distante (BRASIL, 1998 p. 65).

Partindo da formação socioespacial da cidade de Panambi construiremos o tecido histórico que a envolve, seus impactos e influências na configuração atual.

2.2.1 Formação socioespacial de Elsenau à Panambi ou de Salina à Panambi?

“Boas escolas, Deus e cultura, Guiam o assíduo povo daqui, Para o trabalho e a fartura, Que desenvolveram Panambi.”3

Localizada na região noroeste do estado do Rio Grande do Sul Panambi possui 490,857 km² e possui uma população de 38.0584 habitantes. Limita-se ao norte com os municípios de Condor e Ajuricaba; ao sul com Santa Bárbara do Sul e Pejuçara; ao leste com Santa Bárbaro

3 Estribilho do hino à Panambi que exalta os valores educacionais, materiais e religiosos do município.

4 Segundo o censo do IBGE está é a população relativa ao ano de 2010. Segundo levantamentos posteriores, a população estimada para 2015 pelo IBGE era de 41.148 habitantes e já foi superada.

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do Sul e ao oeste com Dr. Bozano e Pejuçara. Possui vias de acesso com a BR 285 e com a BR 158, sendo que por rodovia Panambi localiza-se a 380 km de distância da capital do estado Porto Alegre. 5

Figura 1 – Localização de Panambi revelando sua posição geográfica no noroeste do estado do Rio Grande do Sul e sua área urbana e rural.

Fonte: Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), 20096

A vida contemporânea que cerca a cidade de Panambi está relacionada com a tecnologia, ao grande parque industrial e ao progresso. Por esses fatores é conhecida como a “Cidade das Máquinas”7, a cidade ordeira onde não existe carnaval, pois a população está

ocupada exercendo seu trabalho. No entanto, a cidade8 de Panambi sempre foi um lugar carregado de força, um território marcado por muitos conflitos culturais e religiosos que, muitas vezes, não são visíveis aos que olham a cidade de Panambi de fora.

Conforme a figura 2, é notório a diferença do PIB (Produto Interno Bruto) entre os setores de agropecuária e serviços, sendo que o PIB gerado pelo setor de indústria é superior.

5 Para mais dados geográficos e históricos é possível consultar a página do município. Disponível em

http://www.panambi.rs.gov.br/site/ver.php?codigo=5587. Acesso em: 26 de janeiro de 2016.

6 Disponível em http://www.panambi.rs.gov.br/site/arquivos4u/anexos/PlanoSaneamento%20Basico.pdf>. Acesso em: 26 de janeiro de 2016.

7 Esta expressão surgiu durante uma reunião que tratava dos festejos do cinquentenário do início da colonização do distrito pelo padre Pedro Luiz. O cognome foi usado para promover a emancipação política e administrativa da futura Panambi. BEUTER, Ivo. De Elsenau a Panambi. Panambi: Ed. Emgrapan, 2013 p. 17.

8 O termo cidade no contexto da formação sócio espacial deve ser entendido como um todo, e não somente como a parte urbana de Panambi.

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Percebe-se também que este dado é divergente em escala estadual e nacional, onde o PIB do setor de serviços é superior. Esta circunstância econômica colabora para que Panambi seja vista com solidez no desenvolvimento econômico, marcando-a como a “Cidade das Máquinas”.

Figura 2 – Produto Interno Bruto (PIB) por setores

Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA.9

A maneira como Panambi é anunciada dentro e fora de seus limites é fortemente marcada por quatro características que Michels (2007, p. 39) categorizou em quatro cidades10: cidade alemã, cidade evangélica, cidade em que se trabalha e cidade em que se progride. A memória construída da cidade foi produzida a partir de representações simbólicas de imagens fotográficas, monumentos, livros e da história perpetuada, principalmente, nas escolas e nas igrejas. Pouco ou quase nada desta memória construída se refere aos indígenas e caboclos que estavam estabelecidos em Panambi. Brevemente os portugueses que moravam nesta cidade são referidos nos livros que contam a história do local. É como se Panambi só tivesse passado a existir a partir da colonização alemã, a partir do empreendimento realizado por Hermann Meyer.

9 NOTA: Os dados do Produto Interno Bruto dos Municípios para o período de 2010 a 2013 (série Revisada) têm como referência o ano de 2010, seguindo, portanto, a nova referência das Contas Nacionais. Disponível em http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/economia.Acesso em: 26 de janeiro de 2016.

10 Categorização baseada em pesquisa de dissertação de mestrado A história ensinada na colônia particular

Neu-Wüerttemberg sob a ótica do protestantismo, da germanidade e da educação, 2001, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí – RS.

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