• Nenhum resultado encontrado

Democracia e instrução pública em Alexis e Tocqueville

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Democracia e instrução pública em Alexis e Tocqueville"

Copied!
60
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ

Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências

Curso de Mestrado

Democracia e Instrução Pública em Alexis de Tocqueville

Ricardo Corrêa

Ijuí

2010

(2)

Ricardo Corrêa

Democracia e Instrução Pública em Alexis de Tocqueville

Dissertação apresentada à banca de

qualificação como etapa preliminar

para a obtenção do título de Mestre

em Educação nas Ciências

Orientador: Prof. Dr. Claudio Boeira Garcia

Ijuí

2010

(3)
(4)
(5)

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -

UNIJUÍ

Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências

Curso de Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo-assinada, aprova a dissertação

Democracia e Instrução Pública em Alexis de Tocqueville

Elaborada por RICARDO CORRÊA

Como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências

Banca Examinadora

_______________________________ ______________________________

Dr. Claudio Boeira Garcia Dr. Dejalma Cremonese

(Orientador – UNIJUÍ) (UFPel)

_______________________________ _______________________________

Paulo Afonso Zarth Paulo Evaldo Fensterseifer

(6)

Dedico esta dissertação a

(7)

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao meu orientador e amigo Claudio Boeira Garcia, pelos conselhos e pela atenta orientação. Sem sua ajuda, esta dissertação não se concretizaria.

A Helena Esser dos Reis, pelas dicas, leitura do projeto de dissertação e pelo envio de livros e artigos imprescindíveis para o tema tratado nesta dissertação.

A Dejalma Cremonese, amigo e orientador de pesquisa na graduação. O primeiro a me alertar para a leitura da Democracia na América, de Tocqueville.

A Débora Auguste Botega, por compreender minha ausência, minha reclusão.

A Luciano de Almeida, que, desde 2005, me cobrava a inscrição em um curso de pós-graduação. Obrigado pelos conselhos e pela amizade.

A Paulo Afonso Zarth e Paulo Evaldo Fensterseifer, pela leitura e análise crítica desta dissertação.

À turma do churrasco, Américo Piovesan, Pedro Dilkin, Celso Eidt, Júlio Burdzinski e Carlos Silveira. Mesmo em momentos de descontração, conversamos assuntos ditos filosóficos. A Carlos Silveira agradeço também pela correção ortográfica e de redação.

A Marcelo Giovano da Silva, Giovane Corrêa, Eder Rodrigo Rodrigues, Ivonei Freitas e aos colegas de mestrado.

À CAPES, por financiar um ano de bolsa no mestrado, a qual tive que abandonar por motivos profissionais.

(8)

RESUMO

O objetivo desta dissertação é verificar o que Alexis de Tocqueville compreende por democracia, por que caracteriza o mundo moderno como democrático, o que significa um estado social democrático, por que a democracia deve ser caracterizada pela igualdade de condições, além dos perigos que o estado social democrático traz consigo, como o individualismo e o despotismo democrático. Para Tocqueville, um estado social democrático pode conciliar igualdade de condições com liberdade, desde que os cidadãos participem da esfera pública e aprendam que só haverá liberdade se interessarem-se pelos assuntos públicos. Nesse sentido, para o pensador francês, não basta apenas instruir um povo, a educação vai além da instrução, apesar desta se fazer necessária no mundo moderno.

(9)

ABSTRACT

The aim of this dissertation is to check what Alexis de Tocqueville understands for democracy, why he characterizes the modern world as democratic, what a democratic social state means, why democracy should be characterized by the equality of conditions, besides the dangers the democratic social state brings along, as individualism and democratic despotism. To Tocqueville a democratic social state may conciliate condition equality with liberty, as long as citizens participate in the public realm and learn that there will only be freedom if they are interested in public affairs. In this sense, for the French thinker, only instructing the people is not enough, education goes beyond instruction although this is necessary in the modern world. Keywords: Tocqueville, Democracy, Liberty, Instruction, Education.

(10)

“O que, em todos os tempos, tão fortemente agarrou os corações de certos homens à liberdade é a sua própria atração, seu encanto, independentemente de suas dádivas; é o prazer de poder falar, agir, respirar sem constrangimento sob o único governo de Deus e de suas leis. Quem procura na liberdade outra coisa que ela própria foi feito para servir”. (Tocqueville, 1982, p. 160)

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...12

1. DEMOCRACIA: OS PROBLEMAS DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES ...18

1.2OINDIVIDUALISMO... 25

1.3O DESPOTISMO DEMOCRÁTICO... 27

2. AS POSSIBILIDADES DA LIBERDADE EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO ...30

2.1ADOUTRINA DO INTERESSE BEM COMPREENDIDO... 35

2.2LIBERDADE E CRENÇAS RELIGIOSAS NAS ERAS DEMOCRÁTICAS... 38

3. O PAPEL DA EDUCAÇÃO NOS TEMPOS DEMOCRÁTICOS ...43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...52

(12)

INTRODUÇÃO

“Não há erro maior do que o de acreditar que a última palavra dita é sempre a mais correta, que algo escrito mais recentemente constitui um aprimoramento do que foi escrito antes, que toda mudança é um progresso. (...). A regra, em toda parte do mundo, é a corja de pessoas infames que estão sempre dispostas, com todo empenho, a piorar o que foi dito por alguém após o amadurecimento de uma reflexão, dando a essa piora um aspecto de melhora”. (Schopenhauer, 2009, p. 59)

Esta dissertação busca compreender o entendimento de Tocqueville sobre democracia, tão caro ao pensador francês, além de relacioná-la aos temas da educação e da instrução pública. Sabendo que Tocqueville é um filósofo político ou, como querem alguns, um dos pais da sociologia, por abordar assuntos como “estado social democrático” ou por sua compreensão de que era preciso uma nova ciência para compreender o mundo social, destaca-se que, mesmo não sendo um pedagogo, mesmo não tendo um texto específico sobre educação, Alexis de Tocqueville traz boas indagações, relacionadas à modernidade e à educação.

O método utilizado para atingir os objetivos desta dissertação, como não poderia deixar de ser, foi o da revisão bibliográfica. Além dos livros publicados por Tocqueville, que devem estar em primeiro plano, procurou-se estudar seus discursos públicos e suas correspondências. Textos de comentadores da obra de Tocqueville também foram de muita valia para a elaboração desta dissertação.

Talvez, um dos motivos de Alexis de Tocqueville ter-se dedicado tanto à compreensão do mundo moderno, suas revoluções e suas transformações, seja a

(13)

sua história e da sua família. Conhecendo um pouco esta história, compreende-se melhor seus escritos.

Pierre Manent (1990, p. 157), ao comentar a obra de Alexis de Tocqueville, afirma que o pensador francês não teve liberdade de escolher seu tema, pois, na França do século XIX, ainda se fazia necessário compreender a Revolução de 1789. Suas causas, suas conseqüências. Talvez a afirmação de Manent, tomada em sentido literal, soe demasiada. A priori, porém, é possível estudar qualquer assunto, desde que não se esteja num Estado totalitário, o que não era o caso da França de Tocqueville. Mas, recordando um pouco sua vida, a afirmação de Manent pode ser melhor compreendida.

Tocqueville provém de uma família de aristocratas, remontando a um período anterior à Revolução de 89. O pai de Tocqueville, no ano da revolução, contava com 16 anos. Segundo Jardin (1988, p. 12), Tocqueville pai até se emocionara com a nascente revolução, pois aspirava a um regime de maior liberdade, como a maioria dos jovens de sua época. Mas, com a execução de Luís XVI, vê-se obrigado a abandonar a capital francesa. Nesses tempos conturbados, onde por poucos motivos os defensores do rei podiam ser guilhotinados, Tocqueville pai se vê em situação difícil, não é guilhotinado mas tem seus bens embargados pelos revolucionários.

É nessa atmosfera revolucionária que nasce e cresce Alexis de Tocqueville. Certamente Tocqueville tivera liberdade para escrever (ou mesmo para não escrever), mas o tema da Revolução quase se impôs à sua geração. Compreender a Revolução ou, mais precisamente, as revoluções, era empresa comum entre os intelectuais franceses da geração de Tocqueville. Assim, o pensador francês tentou compreender as revoluções modernas como fenômenos associados à grande revolução democrática, que transformou o mundo ocidental cristão.

Esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro deles, investigam-se as considerações de Tocqueville acerca da democracia e quais os problemas que esse “estado social” apresenta. É pelo teor e pela originalidade das abordagens aos diferentes assuntos da democracia que Alexis de Tocqueville figura entre os autores referenciais que se ocuparam do tema. Para Gaspar (2005, p.1), a sua originalidade foi ter identificado o movimento democrático como a mudança

(14)

decisiva ocorrida no plano da vida política moderna. “Na sociologia política de Tocqueville1, a modernidade não se caracteriza essencialmente nem pela indústria,

como quer Comte, nem pelo capitalismo e pela luta de classes, como quer Marx, mas pela ‘igualdade social das condições’”.

Tocqueville, ao interpretar a realidade social, apresenta-a, muitas vezes, como um processo universal, consistindo num movimento quase irrefreável: para o pensador francês, os homens entram “na era da igualdade”. Isso pode levar a uma interpretação de Tocqueville como um fatalista ou um historiador generalista, obcecado em buscar ou estabelecer causas gerais para os acontecimentos históricos. Mas, se Tocqueville muitas vezes escreveu passagens que permitem aos intérpretes exacerbar a relação causa/efeito em sua obra, também manteve uma postura teórico-especulativa que prestava atenção a um conjunto amplo de elementos, os quais apenas em um sentido lato ele designa como causas. Tais são os casos da ação, das circunstâncias, das iniciativas, da liberdade e dos processos, etc. Esse foi um dos temas importantes tratados pelo pensador. Jasmin (2005, p. 29), por exemplo, distingue dois períodos nos quais Tocqueville se ocupa com a relação entre a ação humana e tudo aquilo que se vincula à liberdade e à responsabilidade ética das ações e causas gerais dos acontecimentos históricos.

No primeiro deles, que grosso modo se estende de 1828 a 1840, prevalece uma tensão não resolvida entre uma perspectiva da história como processo de longo curso que conforma a moderna democracia e que escapa à interferência humana, e uma necessidade existencial, ética e política, de afirmar a eficácia da ação individual e coletiva sobre os destinos da nação e da história. A partir do trabalho de leitura dos textos sobre a história da Inglaterra, sobre o pauperismo e sobre o desenvolvimento providencial da democracia na obra “americana”, evidencia-se a construção de três soluções distintas com as quais Tocqueville tentou resolver a tensão entre determinação e vontade. O segundo momento de sua produção intelectual relevante, que se inicia com a escrita das lembranças sobre os anos de 1848-1851 e se prolonga até a sua morte em 1859, constitui uma quarta solução historiográfica cuja melhor expressão se encontra em seu trabalho sobre o antigo Regime. Nos Souvenirs, que podem ser lidos como um marco da transição da vida parlamentar e ministerial de Tocqueville para a retomada de suas atividades intelectuais sistemáticas, a crônica dos eventos e a análise da conjuntura do período revolucionário de meados do século XIX acentuam a concepção da eficácia da ação e da responsabilidade ética dos indivíduos perante a história, deixando entrever o início de uma nova tentativa de resolução da tensão entre processo e ator. Em L’ancien Regime et la

Révolution, que é obra propriamente historiográfica, Tocqueville apresenta

1 Muitos comentadores consideram Tocqueville como um dos pais da sociologia. Mas, para Pierre

(15)

uma arquitetura de temporalidades que, combinando longa e curta durações com causas gerais e particulares, tenta garantir um lugar privilegiado à vontade política de grupos e indivíduos, sem abandonar a concepção “trágica” de uma história multissecular.

Nesta dissertação, procura-se dar mais ênfase à última tentativa de resposta de Tocqueville para o problema da história ou, nas palavras de Jasmin, do problema tocquevilleano entre processo e ator.

Para o pensador francês, a democracia configura-se num processo igualitário que pode levar tanto à servidão como à liberdade2. Mas isso não quer dizer que a ação humana (principalmente a ação política) não tenha papel importante nas “eras democráticas”. É através da ação dos indivíduos que se pode tornar possível a liberdade na igualdade. Para Tocqueville, “a história”, seu “movimento” traz à tona novas circunstâncias; assim, os homens devem estar preparados para estas, ou seja, devem ser educados para se adaptarem às mesmas. O grande problema da não preparação para a democracia é que, quando esta aparecer, crescerá abandonada, “feito criança de rua” e, quando tomar o poder, os seus vícios aparecerão. Então, os homens tentarão destruir a democracia, não compreendendo que neste novo estado social é possível corrigir os seus defeitos.

O segundo capítulo trata das possibilidades de liberdade em um estado social democrático. Um Estado democrático e livre, para Tocqueville, deve ser construído levando em conta a participação dos cidadãos na gestão dos negócios públicos. Para Tocqueville, as comunas são responsáveis por dar aos anglo-americanos o hábito da participação na república.

Os costumes são fundamentais para que um povo democrático permaneça livre: um dos objetivos de Tocqueville foi mostrar que as leis e, sobretudo, os costumes são imprescindíveis para um povo democrático permanecer livre (1987, p.242). Um dos temores do pensador francês é de que se estabeleçam instituições democráticas sem que os cidadãos estejam preparados para as mesmas. São certas idéias e sentimentos que preparam um povo para a liberdade. Da mesma forma, se os governos democráticos não permitirem que os cidadãos usem sua

2 Escreve Tocqueville: “(...) A igualdade produz, com efeito, duas tendências: uma conduz os homens

diretamente à independência e os pode impelir de repente para a anarquia; a outra os conduz por um caminho mais longo, mais secreto, mais seguro, para a servidão” (1987, p. 512).

(16)

liberdade política, não haverá independência para ninguém, independente de classe social ou status. Haverá, apenas, o poder ilimitado de um só (1987, p. 242).

O grande empreendimento dos americanos está em vincular a democracia, a igualdade social de condições, com a liberdade. Para isso se esforçam para manter a coisa pública e a ajuda mútua: os americanos compreendem, desde cedo, que é preciso ajudar o outro, sacrificar seus interesses pessoais imediatos, muitas vezes, em nome da coisa pública. O espírito público dos americanos é ressaltado.

É esse espírito cívico que fez dos Estados Unidos uma democracia a ser seguida. Certamente, para Tocqueville, há problemas na democracia anglo-americana. Um dos grandes problemas em relação a ela, constatado por Tocqueville, é a escravidão. Tocqueville não vê uma saída fácil para esse problema, chegando até mesmo a temer uma guerra civil. A escravidão configura-se no problema que a democracia norte-americana terá de resolver. Esse ponto é importante para ressaltar que não é a intenção de Tocqueville copiar, ipsis litteris, o exemplo americano. Há muitos bons exemplos na América, mas não é uma democracia perfeita.

Segundo Tocqueville, a América não cai no despotismo da maioria, grande perigo das eras democráticas, também por causa da religião. São os costumes, embasados em convicções e na ética, que fazem com que o anglo-americano não se deixe dominar por um déspota. O cristianismo, para o pensador francês, torna os homens iguais perante Deus, por que não haveriam de ser iguais na lei? Então, os conteúdos das crenças e dos costumes devem estar em acordo com a liberdade. É preciso crenças e costumes que facilitem um estado social livre.

O terceiro e último capítulo ocupa-se com considerações de Tocqueville relativas ao papel da educação e da instrução pública nos tempos democráticos. Para o pensador francês, a educação e a liberdade, nos Estados Unidos, conciliam-se bem com os valores morais e os preceitos religiosos. As religiões, conciliam-segundo Tocqueville, têm a função de preparar o povo para que aja com segurança nas suas tarefas diárias. E é a partir do fundamento religioso que o povo cria idéias e sentimentos que beneficiam a manutenção da liberdade (Tocqueville, 1987, p. 242). A experiência é um fator importante para a teoria de Tocqueville; o povo deve participar da esfera pública para aprender a governar-se. Só quando se une a

(17)

experiência dos negócios públicos aos conhecimentos literários e científicos é que se cria a possibilidade de formar cidadãos.

Tocqueville é cauteloso sobre a educação. “A educação, tanto quanto a caridade, tornou-se, na maior parte dos povos de hoje, um assunto nacional. O Estado recebe e muitas vezes toma a criança dos braços de sua mãe, para confiá-la a seus agentes; é ele que se encarrega de inspirar sentimentos a cada geração e de fornece-lhes idéias. A uniformidade reina nos estudos como em todo o resto; a diversidade, como a liberdade, desaparecem dele a cada dia” (1987, p. 522). Dessa forma, o poder central se apodera da educação, na medida em que aumentam suas atribuições. O número de funcionários públicos aumenta conforme aumenta o poder do Estado. Esses funcionários formam uma nação dentro de cada nação. “Em quase toda parte [...], o soberano domina de duas maneiras: conduz uma parte dos cidadãos pelo temor que experimentam pelos seus agentes, e outra pela esperança que concebem de se tornar seus agentes” (Tocqueville, 1987, nota 5, p. 523). Assim, ao mesmo tempo em que Tocqueville vê na associação dos indivíduos um poder educativo, capaz de impedir que os indivíduos “caminhem” para a servidão, é relutante em relação à instrução pública, pois vê no domínio do Estado sobre a educação a uniformidade de idéias e a crescente burocratização do ensino.

(18)

1. Democracia: os problemas da igualdade de condições

Se Tocqueville afirma-se como uma referência para pensar a democracia, por outro lado, esse termo, em suas obras, apresenta várias significações. Comentadores, como José Guilherme Merquior, Raymond Aron e Marcelo Gantus Jasmin, mesmo reconhecendo a polissemia3 que o termo democracia apresenta nas

obras de Tocqueville, reconhecem que prevaleceu em seu sistema conceitual a conotação associada a uma maneira de ser da sociedade4. Para Zúñiga (1984, p.

17 e 18), antes de falar em democracia na obra de Tocqueville, é preciso esclarecer alguns pontos:

La primera se refiere a la dificultad que plantea la multiplicidad de contextos em que Tocqueville habla de democracia y la variedad de situacionés a que aplica el término. Se ha podido decir así, que se bien aparece el concepto constantemente en su obra, nunca es definido con rigor. Y es que, en efecto, democracia es vista en algunos pasajes como forma de organización del poder político, pensada en otros como tipo de sociedad, aqui se esboça una

3 Sobre este assunto, também ver: Schleifer, James. Como Nació la democracia en América de

Tocqueville. México: Fondo de Cultura Económica, 1984. Há, também, outro artigo do autor: Un Modelo de Democracia: Lo que Tocqueville Aprendió em América (2005), onde o autor também trata do problema do conceito de democracia na obra de Tocqueville.

4 Uma análise aprofundada desse problema encontra-se em Jasmin (2005, p. 41): “Quando

Tocqueville tentou formalizar conceitualmente esta intuição, recorreu à palavra democracia, corrente na tradição política para referir-se a uma forma de governo e significar governo do povo. Mas a empregou com sentido não tão usual para referir-se a uma forma de sociedade. A rigor, o conceito permaneceu sem uma definição satisfatória e, apesar das inúmeras tentativas de Tocqueville, manteve uma inequívoca polissemia. Entretanto, é forçoso reconhecer que, em meio à pluralidade de significados, predominou no sistema conceitual a conotação associada ao que chamou certa vez ‘uma maneira de ser da sociedade’, por oposição à definição mais estreita que se referia à soberania do povo, ao direito político e à forma de governo”. “Analiticamente, o conceito foi utilizado em dois níveis distintos, nem sempre suficientemente diferenciados: um histórico-empírico e outro teórico” (p. 41) .

(19)

sociologia de la produción intelectual y estética en un contexto democrático, allí se aborda un retrato psicológico de la mujer y el hombre demócratas. Las leyes; la opinión pública y los partidos políticos; la distribuición del poder, de la riqueza y del prestigio; la vida cotidiana, bien abierta a la participacion de todos en actividades colectivas o bien practicada replegándose cada cual sobre si mismo; la envidia como sentimiento especialmente democratico, acompañada de la convicción de que todos los miembros de la comunidad deben ser iguales y de que todos los trabajos y ocupaciones (siempre que no violen la ley) son igualmente honrables y respetables; un alto nível médio de instrucción pública junto a una notable pobreza de grandes obras culturales, e incluso un escassísimo interés por producirlas; apetito inextinguible por mejorar el bienestar económico individual mezclandose con la desaparición progresiva de ambiciones profundas; se desea la paz, se aprecia bien poco al ejército y la vida militar, se detesta la guerra, pero cuando se abandona ese estado, cuando la sociedad democrática decide guerrear, se acomoda en su tonalidad a esa situación, concentra todas sus energias en la lucha y es dificilíssima de vencer; tales son algunos de los temas desde los que Tocqueville intenta precisar qué es democracia, cuáles son los componentes y direcciones del movimiento democrático (Zuñiga, 1984, p. 17-18).

Em uma célebre passagem, Raymond Aron (1986, p. 209) sintetiza muito bem o entendimento de Tocqueville sobre a democracia:

A seus olhos, a democracia consiste na igualização das condições. Democrática é uma sociedade onde não existem distinções de ordens e de classes; em que todos os indivíduos que compõem a coletividade são socialmente iguais, o que não significa que sejam intelectualmente iguais, o que é absurdo, ou economicamente iguais, o que, para Tocqueville, é impossível. A igualdade social significa a inexistência de diferenças hereditárias de condições; quer dizer que todas as ocupações, todas as profissões, dignidades e honrarias são acessíveis a todos. Estão, portanto, implicadas na idéia de democracia a igualdade social e, também, a tendência para a uniformidade dos modos e dos níveis de vida.

Para Célia Galvão Quirino (s/d, p. 12):

O olhar de Tocqueville, ao apresentar a democracia americana como uma sociedade de homens iguais, parece ter se fixado em três aspectos importantes e os ter eleitos como aqueles que são significativos para que se pudesse compreender o fenômeno da democracia. O primeiro foi definido e classificado como o de “igualdade de condições”. O segundo diz respeito à igualdade de oportunidades. O terceiro, não menos importante, é aquele que faz com que a sociedade americana não possua, ou pelo menos não aparente possuir, estratificação social rígida, nem permita haver qualquer impedimento social, legal ou político à ascensão social. Isto é, os americanos se encaram como iguais não apenas perante a lei, mas também ao exercer qualquer atividade social5

5 “Essa idéia de democracia como uma sociedade igualitária é muito bem definida por Tocqueville a

partir, tanto da existência real de uma situação de igualdade de costumes, quanto da perspectiva de que a sociedade, como um todo, possuía dela própria. Assim, embora Tocqueville considerasse, como um dado importante, as diferenças de classe social que a riqueza confere, certamente, não

(20)

Outro problema reconhecido entre comentadores e leitores de Tocqueville, quando se trata de democracia, é saber que o pensador francês se “move” em dois níveis distintos. Por vezes, suas análises são empírico-descritivas, e por outras são “modelos sociais” que não correspondem a nenhuma sociedade específica6.

Leer La Democracia en América o El Antiguo Régimen y la Revolución buscando solo un análisis de la sociedad americana de la época o de la monarquia absoluta y el proceso revolucionario, es retener una parte de lo que ambos textos ofrecen. Hay, sin duda, momentos, en que Tocqueville busca tal objectivo, pero hay otros, y además entremezclados con los anteriores, en los que la intención es otra (Zúñiga, 1984, p. 19).

Mas, se há um ponto concordante nas interpretações dos comentadores, é que Tocqueville reconhece na democracia um movimento arrebatador, onde lhe parece que a vontade dos homens não pode mais conter movimento tão forte. Os homens podem e devem dirigir a democracia, mas não há como contê-la.

Se a observação atenta e a meditação sincera levassem os homens de nosso tempo a reconhecer que o desenvolvimento gradual e progressivo da igualdade constitui, a um só tempo, o passado e o futuro da sua história, bastaria essa descoberta para dar àquele desenvolvimento o caráter sagrado da vontade de Deus soberano7. Neste caso, querer deter a democracia seria

como lutar contra o próprio Deus, e só restaria às nações acomodar-se ao estado social que lhes impõe a Providência.

Os povos cristãos parecem-me oferecer hoje em dia um espetáculo aterrador; o movimento que os impele é já demasiado rápido para que ainda o seria na igualdade econômica que a democracia buscaria seus alicerces. Portanto, mesmo que a riqueza pudesse ser vista como um fator gerador de desigualdade, outros fatores e valores mais significativos, para o povo americano, podem impedir que essa desigualdade venha a afetar, no seu âmago, as igualitárias e determinantes relações sociais da sociedade democrática. Também seria preciso considerar que, nessa democracia jacksoniana, a riqueza é vista como algo que pode ser adquirido e, nesse momento pelo menos, não é a única forma de se obter o poder. O exemplo do presidente do país, como um autêntico “self-made man” e de seus partidários é para ser observado e seguido. Tudo parece ser possível a qualquer um e a todos” (Galvão Quirino, s/d, p. 14).

6 “Mi premisa de trabajo es, por supuesto, que Tocqueville llegó al Nuevo Mundo con ciertas ideas y

preocupaciones ya en mente. Alcanzó las costas americanas llevando mucho del bagage histórico y cultural francés de principios del siglo XIX. Llegó con ideas preconcebidas sobre las características fundamentales y la orientación de la sociedad moderna. Ya estaba pensando en la revolución, en la centralización, en la marcha de la democracia, en conseguir la igualdad, en el republicanismo, en el tema de la soberania, en los posibiles abusos de um poder incontestado, y en el futuro de la liberdad. Pero el proprio lenguage de Tocqueville indica que América le dio lecciones que él no esperaba y que cambiaram su manera de pensar de forma importante” (Schleifer, 2005, p. 18). Talvez, possa-se pensar conforme a citação acima, que esses modelos “ideais” também mudaram conforme a experiência vivida por Tocqueville na América.

7 Sobre esse tema, ver Marcelo Gantus Jasmin: Tocqueville, a Providência e a História. Disponível

(21)

possamos conter; não é ainda bastante rápido para que percamos a esperança de dirigi-lo: a sua sorte acha-se em suas próprias mãos, mas pode escapar-lhes bem depressa (Tocqueville, 1987, p. 14).

Ao interpretar a crescente igualização de condições dos povos ocidentais, Tocqueville apresenta-a como um processo universal, consistindo num movimento quase irrefreável: os homens entram na era da igualdade. E mais, essa igualdade se torna o fato decisivo, é ela responsável por toda sorte de mudanças na sociedade, desde a opinião pública e os hábitos, às leis e aos governos.

E foi justamente esse novo estado social que destruiu tudo o que representava o Antigo Regime, as instituições aristocráticas. Desde o primeiro volume da Democracia até o Antigo Regime, Tocqueville permanece com essa idéia. Nem mesmo a Revolução de 1789, para o pensador francês, escapa desse pensamento.

Por mais radical que tenha sido a Revolução, inovou muito menos de que se supõe geralmente (...). A verdade é que destruiu inteiramente ou está destruindo (porque ela continua) tudo que, na antiga sociedade, deriva das instituições aristocráticas e feudais, tudo o que a elas se ligava de uma ou de outra maneira, tudo o que delas trazia, uma marca por menos que fosse. A Revolução não foi de maneira alguma um acontecimento fortuito. Realmente pegou o mundo de improviso embora nada mais fosse que o complemento do trabalho mais longo e do término repentino e violento de uma obra à qual dez gerações tenham trabalhado. Mesmo que não tivesse surgido a Revolução Francesa, o velho edifício social teria ruído por toda parte, aqui mais cedo, acolá mais tarde, mas teria caído peça por peça, em vez de desmoronar-se de uma só vez. A Revolução resolveu repentinamente, por um esforço convulsivo e doloroso, sem transição, sem precauções, sem deferências, o que ter-se-ia realizado sozinho, pouco a pouco, com o tempo. Esta foi, portanto, a obra da Revolução (Tocqueville, 1982, p. 67-68).

É claro, como comenta Barbu (1982, p.17), que, mesmo Tocqueville “tratando” a democracia como um fait total8, ela se manifesta de várias formas,

dependendo do contexto histórico. Assim, o movimento democrático na Inglaterra guarda diferenças com o movimento democrático na França e nos Estados Unidos, por exemplo. “Enquanto a democracia inglesa é a democracia da liberdade, a francesa é a democracia da igualdade”, comenta Barbu (idem, p. 18).

8 Fato total ou Fenômeno total é a expressão cunhada por Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo

francês, sobrinho de Émile Durkheim. São fenômenos complexos que abrangem vários níveis da realidade. Ver, sobre isso, Marcel Mauss, 1974, p. 41.

(22)

Cada tipo de sociedade possui suas qualidades e seus defeitos, conseqüentemente a transição da aristocracia para a democracia implica ao mesmo tempo ganho e perdas. A história é uma figura de Janos, e a mensagem final de L’Ancien Régime é a de se atentar para os bons e maus aspectos da democracia, e aceitá-la sem alegria exuberante e sem desespero – ou melhor, nem esperar muito de um futuro democrático, nem chorar demais por um passado aristocrático (Barbu, 1982, p. 24).

Nesse aspecto, é a ação humana, a ação de cada povo, com seus costumes, hábitos e crenças, que irá determinar o rumo da democracia. Tocqueville, em muitas passagens, expressa-se tragicamente, dando a entender um destino inexorável para o mundo ocidental9. Mas isso é apenas em aparência. Uma análise mais

aprofundada da obra do pensador francês reconhecerá a intenção deste de alterar os rumos da democracia; para melhor. Tocqueville está, em todos seus escritos, preocupado com a liberdade no mundo moderno. Assim, é preciso ultrapassar essas contradições superficiais para compreender sua obra. O próprio Tocqueville, no livro II da Democracia, reconhece e adverte para o seu tom trágico.

Causas diferentes, mas igualmente independentes do princípio da igualdade, poderiam ser encontradas na Europa e explicariam grande parte do que nela se passa.

Reconheço a existência de todas essas diferentes causas e o seu poder, mas meu assunto em nada me obriga a falar delas. Não me entreguei à tarefa de mostrar a razão de todos os nossos pendores e de todas as nossas idéias; desejei simplesmente fazer ver em que parte a igualdade modifica uns e outras. Talvez cause admiração o fato de, adotando firmemente a opinião de que a revolução democrática de que somos testemunhas é um fato irresistível contra a qual não seria nem desejável nem prudente lutar, muitas vezes me

9 Reproduz-se aqui um famoso escrito “profético” de Tocqueville, que se tornou muito famoso

durante a divisão do mundo entre os capitalistas e os comunistas, pelo menos nos paises capitalistas. “Existem hoje, sobre a terra, dois grandes povos que, tendo partido de pontos diferentes, parece adiantar-se para o mesmo fim: são os russos e os anglo-americanos. Ambos cresceram na obscuridade; e, enquanto os olhares dos homens estavam ocupados noutras partes, colocaram-se de improviso na primeira fila entre as nações e o mundo se deu conta, quase ao mesmo tempo, do seu nascimento e da sua grandeza. Todos os outros povos parecem ter chegado mais ou menos aos limites traçados pela natureza, nada mais lhes restando senão manter-se onde se acham; mas aqueles estão em crescimento; todos os outros se detiveram, ou só avançam a poder de mil esforços; apenas eles marcham a passo fácil e rápido, numa carreira cujos limites o olhar não poderia perceber ainda. O americano luta contra os obstáculos que a natureza lhe impõe; o russo está em luta com os homens. Um combate o deserto e a barbárie, o outro, a civilização com todas as suas armas; por isso, as conquistas do americano se firmam com o arado do lavrador, as do russo com a espada do soldado.

Para atingir a sua meta, o primeiro apóia-se no interesse pessoal e deixa agir, sem dirigi-las, a força e a razão dos indivíduos. O segundo concentra num homem, de certa forma, todo o poder da sociedade. Um tem por principal meio de ação a liberdade; o outro, a servidão. O seu ponto de partida é diferente, os seus caminhos são diversos; não obstante, cada um deles parece convocado, por um desígnio secreto da Providência, a deter nas mãos, um dia, os destinos da metade do mundo”. (1987, p. 315-316).

(23)

tenha ocorrido, neste livro, dirigir tão severas palavras às sociedades democráticas que essa revolução criou. Responderei simplesmente que é por não ser, de maneira alguma, adversário da democracia, que desejei ser sincero para com ela. Os homens nunca recebem a verdade de seus inimigos e seus amigos quase nunca a oferecem; foi por isso que a enunciei (1987, p. 319).

Por isso, é preciso reconhecer e distinguir os hábitos democráticos dos hábitos de cada povo. Por exemplo, a religião puritana é um hábito do povo norte-americano, não é, por sua vez, um hábito democrático. Já o hábito de não reconhecer nenhuma autoridade intelectual é um hábito democrático.

Por sua vez, a igualdade social de condições, característica imprescindível da democracia, ao contrário do estado social aristocrático, desenvolve em cada homem o desejo de julgar tudo por si mesmo (1987, p. 345). A igualdade faz surgir, no espírito humano, “[...] muitas idéias que não lhe teriam vindo sem ela, e modifica quase todas as que já possuía” (1987, p. 340).

O homem democrático, então, para Tocqueville, é um homem que não reconhece mais nenhuma autoridade no mundo terreno. A igualdade faz, cada vez mais, os homens tornarem-se parecidos. “A primeira e mais viva das paixões que a igualdade de condições faz nascer é, não é preciso que o diga, o amor a essa mesma igualdade” (1987, p. 383)10.

Mas os que experimentam a igualdade de condições não vêem perto de si senão semelhantes e, não reconhecendo em qualquer parte do corpo social os “sinais [permanentes] de uma grandeza e de uma superioridade incontestáveis”, não podem apoiar suas opiniões na inteligência alheia. Por isso, “são constantemente levados de volta à sua própria razão como a fonte mais visível e mais próxima da verdade [... de modo que] cada um se encerra estreitamente em si mesmo e dali pretende julgar o mundo. O indivíduo democrático é então juiz de si e de todas as coisas, repudiando as antigas tradições de classe, profissão e família que orientam seus antepassados através da autoridade do exemplo. Teoricamente, o método filosófico que preside a consciência individualista democrática é, segundo Tocqueville, cartesiano – cada um só apela para o esforço individual da sua própria razão – e, independentemente do conhecimento das obras de Descartes, os homens seguem suas máximas, pois o “estado social dispõe naturalmente seu espírito a adotá-las11” (Jasmin, 2005, p. 84).

10 “A igualdade de condições, característica dos tempos democráticos, invade todos os domínios da

vida humana dando origem a uma paixão a que os homens aderem irrefletidamente. Ou seja, a igualdade de condições aparece como o valor dominante da sociedade igualitária. Enquanto dominante, a igualdade de condições faz nascer entre os homens um ‘pensamento-mãe ou paixão principal’ pela igualdade, que pode preencher completamente o coração humano” (Reis, 2002, p. 65).

11 Para esclarecer melhor o sentido em que Tocqueville considera o povo norte-americano cartesiano,

(24)

E por repudiar as antigas tradições, principalmente as de classe, é que Tocqueville caracteriza a sociedade democrática, ao contrário da sociedade aristocrática12, como uma sociedade que se “move” de maneira rápida. Nada mais

prende o homem democrático. Tudo pode estar ao seu alcance. “A igualdade desenvolve em cada homem o desejo de julgar tudo por si mesmo; dá-lhe, em todas as coisas, o gosto pelo tangível e pelo real, o desdém pelas tradições e pelas formas” (Tocqueville, 1987, p. 345). O homem volta-se para si mesmo, para si próprio, não estima a erudição, não lhe interessa o passado, o que se passava em Roma ou Atenas, só o que exige é o quadro do presente (1987, p. 372).

[...] Tocqueville advertiu que a lógica igualitária da democracia universalizava uma inédita mescla de oportunidades e ameaças. Por um lado, a difusão da riqueza, da educação, do conforto e do bem-estar social superaria os velhos extremos de opulência e pobreza, de aristocracia e servidão e abriria caminho a uma numerosa classe média, titular de amplos direitos civis e políticos. Por outro, a dissolução dos tradicionais grupos intermediários fundados no civilizado, país onde menos se preste atenção à filosofia que os Estados Unidos. Os americanos não têm nenhuma escola filosófica própria e muito pouco se incomodam com todas aquelas que dividem a Europa; e mal sabem-lhes os nomes. No entanto, é fácil perceber que todos os habitantes dos Estado Unidos dirigem o espírito da mesma maneira e o conduzem segundo as mesmas regras; isto é, possuem sem que jamais tenham se dado ao trabalho de definir as suas regras, certo método filosófico que é comum a todos eles.

Fugir ao espírito de sistema, ao jugo dos hábitos, às máximas de família e, até certo ponto, aos preceitos da nação, só aceitar a tradição como uma informação e os fatos presentes como uma útil lição para fazer de outra e melhor forma; procurar sozinho em si mesmo a razão das coisas; tender para o resultado sem se deixar pretender aos meios e visar o fundo através da forma – tais são os principais traços característicos do que eu chamei o método filosófico dos americanos. [...] Por isso, é a América um dos países do mundo onde se estudam menos e onde melhor se seguem os preceitos de Descartes. Isso não é razão de surpresa. Os americanos de modo nenhum lêem as obras de Descartes, pois seu estado social os desvia de seus assuntos especulativos; mas seguem as suas máximas porque aquele mesmo estado social naturalmente dispõe o seu espírito a adotá-las”.

12 Segundo Zúñiga (1984, p. 21-22), há três pontos importantes no que Tocqueville compreende por

sociedade aristocrática:

a) Desigualdad entre las distintas clases y estados: el lugar de nacimiento (en la doble dimensión de território geográfico y familia concreta) diferenciaba rigurosa y definitivamente a unos de otros: cada grupo social tenia funciones e normas específicas que delimitaban desde el nacimiento de cada cual el abanico de sus posibles opciones. Se es noble, como se es villano, por razón de nacimiento: no es, pues, necesario componer a cada instante un escenario que permite evidenciar que se posee una u otra calidad porque el escenario y la trama están construidos desde que cada cual viene al mundo.

b) El poder ideológico, el político y el económico se concentran en unas manos, el resto se ven confinados al trabajo. Es decir, el poderoso puede olvidar lo cotidiano y concentrar un esforzo en lo extraordinario: la tensión y la energia social serán enderezadas por los grupos preeminentes más en esa dirección que hacia la moderación doméstica.

c) Cada grupo social se articula con los restantes grupos sociales a partir de un juego recíproco de derechos y obligaciones: el nobre se ve descargado de trabajar, pero viene obligado a la protección del vasallo.

(25)

respeito às hierarquias, a paixão incontrolável por sempre mais igualdade, a desconfiança instintiva das massas contra qualquer manifestação de superioridade intelectual, a “tirania da maioria”, a exclusiva concentração das pessoas em seus interesses privados e o conseqüente relaxamento das virtudes cívicas [...] (Kramer, 2000, p. 165).

E essas ameaças que a igualdade, o princípio unificador da democracia (cf. Jasmin, 2005, p.47), traz consigo, faz surgir dois novos problemas sociais: o individualismo e o despotismo democrático.

1.2 O Individualismo

O individualismo, segundo Tocqueville, é um fenômeno novo, decorrente do processo de igualdade de condições. Ao contrário do egoísmo13, que é intrínseco ao ser humano14, o individualismo só surge nos séculos democráticos. “O individualismo é um sentimento refletido e pacífico, que dispõe cada cidadão a isolar-se da massa de seus semelhantes e a retirar-se para um lado com sua família e seus amigos, de tal sorte que, após ter criado para si, desta forma, uma pequena sociedade para seu uso, abandona de bom grado a própria grande sociedade” (1987, p. 386).

Diferentemente das sociedades aristocráticas, onde existia uma cadeia de proteção entre os súditos, na democracia cada um depende única e exclusivamente de seus esforços pessoais. Não há mais laços entre os indivíduos de uma mesma classe. Nas sociedades aristocráticas, a riqueza é um privilégio hereditário, os ricos não precisam se preocupar em obtê-la, é como que natural a condição econômica das classes. Por isso, os aristocratas podem se preocupar com outros assuntos,

13 “O egoísmo esteriliza os germes de todas as virtudes, o individualismo, de início, só faz secar a

fonte das virtudes públicas; mas, depois de algum tempo, ataca e destrói todas as outras e vai, afinal, absorver-se no egoísmo.

O egoísmo é um vício tão antigo quanto o mundo. Praticamente, não pertence mais a uma que a outra forma de sociedade. O individualismo é de origem democrática e ameaça desenvolver-se à medida que se igualam as condições” (Tocqueville, 1987, p. 386).

14 Tocqueville acredita numa natureza humana. “Quando certa maneira de pensar ou de sentir é

produto de um estado social particular da humanidade, nada resta ao modificar-se esse estado. [...] Não se dá, porém, a mesma coisa, quanto aos sentimentos naturais à espécie humana. É raro que a lei, esforçando-se por fazer com que estes se dobrem de certa maneira, não os enfraqueça; que, desejando ajuntar, não lhes chegue a tirar alguma coisa, e que não sejam sempre muito fortes, quando entregues a si mesmos” (1987, p. 450). Nesse sentido, a democracia, como um estado social determinado, apenas altera de maneira superficial alguns sentimentos inerentes ao ser humano.

(26)

como, por exemplo, a vida pública. Com a “revolução” democrática, cai a barreira social que separava ricos e pobres15. E, por não haver mais laços, os homens se

esforçam, cada vez mais, por buscar, pelos seus próprios esforços individuais, um maior bem-estar. “Dessa forma, a democracia seria incentivadora desse isolamento pelo fato de, nela, o indivíduo só contar consigo mesmo e acreditar que é o seu trabalho, bem como os seus esforços e suas capacidades, que irá conceder-lhe tranqüilidade e bem-estar” (Quirino, 2001, p.75).

Os homens dos tempos democráticos só desejam tranqüilidade e bem-estar. Sobre o bem-estar, assim se refere Tocqueville (1987, p. 412):

Existe, na realidade, uma passagem muito perigosa na vida dos povos democráticos. Quando o gosto pelos prazeres materiais se desenvolve num desses povos mais rapidamente que as luzes e os hábitos da liberdade, chega um momento em que os homens se acham enleados e como que fora de si mesmos, em vista desses bens novos que estão prontos a colher. Preocupados apenas com o cuidado de fazer fortuna, não mais percebem o estreito laço que une a fortuna particular de cada um deles à prosperidade de todos. Não é necessário tirar de tais cidadãos os direitos que possuem; eles mesmos os deixam voluntariamente escapar. O exercício de seus deveres políticos parece-lhes um contratempo desagradável que os distrai da sua indústria.

Para o homem moderno, então, constitui perda de tempo o envolvimento com a coisa pública. Isso lhe tira o foco do “essencial” – ganhar dinheiro e viver seguramente. O homem democrático acha inútil a vida pública. “Como os cidadãos que trabalham não desejam pensar na coisa pública e não existe mais a classe que poderia encarregar-se desse cuidado para encher os seus vagares, o lugar do governo fica como que vazio” (Tocqueville, 1987, p. 413).

Mesmo vivendo em sociedade, o homem torna-se uma “ilha”. Seu círculo de relações familiares forma “toda a humanidade”. O restante dos homens, mesmo estando a seu lado, “[...] ele não os vê, toca-os e não os sente; existe apenas em si e para si mesmo, e, se ainda lhe resta uma família, pode-se ao menos dizer que não tem mais pátria” (1987, p. 531).

15 “Num povo aristocrático, cada casta tem as suas opiniões, os seus sentimentos, os seus direitos,

os seus costumes, a sua existência à parte. Assim, os homens que a compõem nunca se parecem a todos os outros; nunca têm a mesma maneira de pensar ou de sentir, e mal chegam a crer que fazem parte da mesma humanidade” (Tocqueville, 1987, p. 427).

(27)

Ao se preocupar apenas com sua vida privada, com os bens privados, o homem retira-se do “palco da vida política”. Então, mesmo todos tendo os mesmos direitos, podendo gozar das mesmas profissões, podem perder a liberdade política. E perderão de bom grado se lhes garantirem o bem-estar. Esse é o perigo do individualismo: uma sociedade em que só o conforto e a segurança são valorizados.

A igualdade pode estabelecer-se na sociedade civil e não reinar no mundo político. Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres, de entrar para as mesmas profissões, de encontrar-se nos mesmos lugares [...]. Pode-se estabelecer-Pode-se mesmo uma espécie de igualdade no mundo político, embora não haja a liberdade política. Somos iguais a todos os nossos semelhantes, menos um, que é, sem discussão, o senhor de todos, e que toma igualmente, entre todos, os agentes do seu poder (Tocqueville, 1987, p. 383-384).

Então, através da apatia social, decorrente do individualismo, pode surgir um governo despótico.

1.3 O despotismo democrático

Mas o que Tocqueville compreende por despotismo democrático não se encontra na história: é uma nova forma de poder. Para esse novo fenômeno, o pensador chama a atenção para o fato de que este poder não se fixará contra a vontade dos homens. Ao contrário, ocupará o lugar vago da política, deixado pelos indivíduos. Então, esse poder, absoluto e brando ao mesmo tempo, irá se impor com o apoio dos homens, desde que se garanta, é bom lembrar, o bem-estar e a segurança.

Sobre a base social individualista, um poder imenso, absoluto e brando, cuida de todos os detalhes da vida social dos súditos que se mantêm ocupados na busca dos “pequenos e vulgares prazeres”. Zeloso, age como pai, mas obriga seus “filhos” à eterna menoridade. “Animais tímidos e diligentes”, dependentes do “pastor para todas as coisas”, têm sua vontade inutilizada e o uso do seu livre-arbítrio é raro. O poder não é tirânico, é tutelar; a nova opressão é regulada e pacífica e, em sua forma mais avançada, combina a centralização administrativa com a soberania do povo pela incorporação das “formas exteriores da liberdade” que dão aos súditos a sensação de comandarem a si mesmos. Apesar de tutelados, elegem seus tutores (Jasmin, 2005, p. 66-67).

(28)

O estado social democrático gera, nos indivíduos, dois tipos de paixões, que se contradizem de certa forma: o desejo de independência e a necessidade de ser conduzido16. De um lado, o homem democrático não se submete a nenhuma

autoridade, quer conduzir sua vida particular, seus negócios, da maneira como lhe aprouver. De outro, na vida pública, deseja apenas que esta não tome seu tempo, que não atravanque sua vida privada. Se alguém se dedicar a esta atividade, o homem democrático “agradecerá”, pois ele só quer a paz pública. E, “[uma] nação que não pede a seu governo senão a manutenção da ordem já é escrava no fundo do coração; é escrava do seu bem-estar, e o homem que deve acorrentá-la pode aparecer” (Tocqueville, 1987 p. 413).

O homem democrático não percebe que, inclusive a sua vida privada, seu bem-estar, depende da coisa pública. Ele crê que comparecer às urnas basta para garantir sua liberdade política17. “A vida privada é tão ativa nos tempos democráticos, tão agitada, tão cheia de desejos, de trabalhos, que quase não resta mais energia nem vagar a cada homem para a vida política” (1987, p. 515).

O homem democrático é, ao mesmo tempo, independente e frágil. Não lhe ocorre se unir com seu semelhante. E como nenhum deve obediência a outro, a um senhor, como nos tempos aristocráticos, o poder de associação é quase nulo. Os séculos democráticos desenvolvem nos homens idéias simples e gerais. Vêem-se como iguais, crêem que as regras devem ser iguais a todos. Essas idéias também têm seu lado negativo, principalmente em política, pois “[...] a uniformidade legislativa parece-lhe ser a condição primeira de um bom governo” (1987, p. 513). E em qual governo reina uma uniformidade maior que no despótico?

À medida que as condições se tornam iguais num povo, os indivíduos parecem menores e a sociedade, maior; ou melhor, cada cidadão, tendo se tornado semelhante a todos os demais, perde-se na multidão, e não se parece mais senão a imagem vasta e magnífica do próprio povo. Isso dá naturalmente aos homens dos tempos democráticos uma opinião muito elevada dos privilégios da sociedade e uma idéia muito humilde dos direitos do indivíduo. Admitem eles facilmente que o interesse de um é tudo e o de outro é nada. Com grande boa vontade, concordam que o poder que representa a sociedade possui muito mais luzes e sabedoria que qualquer

16 Ver, sobre esse tema, Jasmin, 2005, p. 67.

17 “A imagem tocquevilleana do despotismo democrático, ao mesmo tempo que mantém os

pressupostos tradicionais de uma natureza servil, rompe com a tradição ao assumir a viabilidade de um despotismo ocidental (Vollrath), uma degeneração do político em não-político, considerada legal e legítima porque apoiada no consentimento” (Jasmin, 2005, p. 73).

(29)

dos homens que a compõem, e que o seu dever, tanto quanto o seu direito, é tomar cada cidadão pela mão e conduzi-lo” (Tocqueville, 1987, p. 513). Os homens admitem e se convencem de que, como o poder emana do povo, o Estado tem o poder de tudo fazer. Deve pôr a mão em tudo, como menciona Tocqueville. Assim, cria-se um poder central onipotente. “A unidade, a ubiqüidade, a onipotência do poder social, a uniformidade de suas regras, constituem o traço de realce que caracteriza todos os sistemas políticos nascidos hoje em dia” (Tocqueville, 1987, p. 514). Mesmo que haja eleições e que os homens as desejem, os programas políticos e as idéias dos governos não mudam. “Todos concebem o governo sob a imagem de um poder único, simples, providencial e criador” (idem, p. 514).

Os homens, nos tempos democráticos, não se importam em perder a liberdade política, desde que todos a percam. Preferem a igualdade acima de tudo e, mais, os bens que um estado social democrático pode proporcionar.

Esses são os maiores problemas das eras democráticas, segundo Tocqueville. Mas isso não quer dizer que todos os povos democráticos cairão sob o jugo de um Estado onipotente, devido às suas respectivas apatias políticas. E, nesses termos, o maior exemplo de que se pode combinar igualdade e liberdade está no povo dos Estados Unidos da América.

(30)

2. As possibilidades da liberdade em um Estado democrático

Tocqueville inscreve-se como um defensor irredutível da liberdade. Era um apaixonado pela liberdade. Mas o que, realmente, o pensador francês compreendia por liberdade?

Ao interpretar a crescente igualização de condições como um estado social que pode levar tanto à servidão quanto à liberdade, Tocqueville vê na ação humana (principalmente na ação política) as possibilidades da liberdade num estado democrático. É através da ação dos indivíduos que se pode tornar possível a liberdade na igualdade. Tocqueville, porém, não é um generalista. Admite que não é possível haver uma só causa para os fenômenos históricos. Por isso, o rumo incerto das eras democráticas.

Odeio, de minha parte, estes sistemas absolutos, que fazem depender todos os acontecimentos da história de grandes causas primeiras, ligando-se umas às outras por uma cadeia fatal, e que suprimem, por assim dizer, os homens da história do gênero humano. Eu os acho limitados em sua pretensa grandeza, e falsos sob seu ar de verdade matemática. Creio, ainda que isso desagrade aos escritores que inventaram estas teorias sublimes para alimentar sua vaidade e facilitar seu trabalho, que muitos fatos históricos só poderiam ser explicados por circunstâncias acidentais, e que muitos outros permanecem inexplicáveis; que enfim o acaso, ou antes este emaranhado de causas segundas que assim chamamos por não sabê-lo desembaraçar, interfere, e muito, em tudo que nós vemos sobre o teatro do mundo [...] (Tocqueville apud Jasmin, 2005, p. 185).

Para Tocqueville, essa busca por fatos gerais também ocorre por causa dos valores democráticos. É por isso que critica os historiadores dos séculos democráticos. Não que Tocqueville fosse invariavelmente contrário a esse tipo de

(31)

explicação, mas não podia deixar de notar a ação de indivíduos18. É por isso que

distingue os historiadores dos séculos aristocráticos dos historiadores dos séculos democráticos. Para ele, os historiadores dos séculos aristocráticos tentaram explicar os acontecimentos pela ação dos indivíduos, já que era fácil perceber um grupo reduzido de indivíduos que comandavam a sociedade. Nos séculos democráticos, os historiadores tentam explicar os acontecimentos pelas causas gerais, pois só enxergam a massa. Mas esse tipo de explicação de mundo tem um fato muito negativo para Tocqueville, pois, ao atribuírem só causas gerais a certos eventos e, ainda, criarem, a partir dessas causas gerais, um sistema, eliminam a liberdade dos indivíduos. Só vêem o movimento do povo por uma força superior.

Os historiadores que vivem nos tempos democráticos não recusam, pois, apenas atribuir a alguns cidadãos o poder de agir sobre o destino do povo; ainda tiram aos próprios povos a faculdade de modificar a sua própria sorte e os submetem ora a uma providência inflexível, ora a uma espécie de cega fatalidade. Segundo eles, cada nação é invencivelmente ligada, pela sua posição, sua origem, seus antecedentes, sua natureza, a certo destino, que nem todos os esforços poderiam modificar (1987, p. 377).

Tocqueville, até mesmo por sua ação política como parlamentar, aposta na liberdade humana, principalmente na liberdade política, para “sanar” os problemas da igualdade. Crê que uma democracia perfeita só é possível de acontecer onde ninguém exerça um poder tirânico e os homens sejam inteiramente livres porque iguais e iguais porque inteiramente livres19. Mas existem mil outras formas de democracia e o medo de Tocqueville é de que se estabeleça nas nações uma igualdade civil sem que seja mantida a liberdade política. A liberdade20, para o

18 “Quanto a mim, creio que não há época em que seja necessário atribuir uma parte dos

acontecimentos deste mundo a fatos muito gerais e outra a influências muito particulares. Essas duas causas se encontram sempre; só difere a sua relação” (Tocqueville, 1987, p. 376).

19 Ver Tocqueville, Segunda Parte, Cap. I, p. 383.

20 Segundo Helena Esser dos Reis (2002), a noção de liberdade, para Tocqueville, tem duas

características importantes: 1ª a independência individual; 2ª a participação política. “Veremos que, apesar das peculiaridades, sua concepção de liberdade reúne sempre a independência individual, entendida como não submissão ao arbítrio de outrem, e a participação, ou seja, o direito de todos os cidadãos tomarem parte nas decisões das questões relativas à sua comunidade. A liberdade, concebida como independência e participação, pode apresentar-se tanto em um estado aristocrático, quanto em um estado democrático, e realiza-se no espaço público de convívio dos cidadãos” (2002, p. 10). Conforme Jasmin (2001, p. 206), “para Tocqueville, a liberdade democrática moderna depende do fato político da existência pública dos indivíduos livres como cidadãos, da mobilização da vontade de cada um na formação da vontade soberana, o que introduz um elemento de atividade cívica como condição para a legitimidade do poder político igualitário livre”.

(32)

pensador francês, não é uma característica das épocas democráticas, aliás, não é característica de nenhum estado social21.

A liberdade manifestou-se aos homens em diferentes ocasiões e sob diferentes formas; nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontrá-la também fora das democracias. Por isso, não poderia formar o caráter distintivo dos séculos democráticos. O fato particular e dominante que singulariza estes séculos é a igualdade de condições; a paixão principal que agita os homens em tais ocasiões é o amor por essa igualdade (Tocqueville, 1987, p. 384).

Outro problema é que a liberdade pode, em seus excessos, acabar com a tranqüilidade social; além disso, seus benefícios não são fáceis de reconhecer. “Os bens que a liberdade proporciona só se mostram ao cabo de algum tempo, e é sempre fácil enganarmo-nos quanto à causa que os faz nascer22” (1987, p. 385).

Mas, diante dos males que a igualdade pode introduzir no seio da sociedade, como a apatia política, a tirania e o despotismo, só há um remédio: a liberdade política.

Muitas pessoas, na França, consideram a igualdade de condições como um mal, e a liberdade política como outro. Quando são obrigadas a sofrer uma, esforçam-se, ao menos, por escapar à outra. Eu, por mim, digo que, para combater os males que a igualdade pode produzir, só existe um remédio eficiente: é a liberdade política (Tocqueville, 1987, p. 391).

Para Tocqueville, a liberdade humana não é algo inerente ao homem. Existem homens, segundo ele, incapazes de sentir apreço a tal valor. “O que, em todos os tempos, tão fortemente agarrou os corações de certos homens à liberdade é sua própria atração, seu encanto, independentemente de suas dádivas; é o prazer de poder falar, agir, respirar sem constrangimento sob o único governo de Deus e de

21 Mas Tocqueville, no artigo “O estado social da França antes e depois de 1789”, admite que a

liberdade no estado social democrático é a forma mais justa. “Segundo a noção moderna de democracia – e eu me atreveria a dizer que é a noção justa da liberdade –, todo homem, pressupondo-se que recebeu da natureza as luzes necessárias para conduzir-se por si mesmo, tem de nascimento um direito natural e imprescritível de viver com independência de seus semelhantes em tudo o que se relaciona com sua pessoa, e a ordenar segundo lhe convém seu próprio destino” (1988, p. 94).

22 No Antigo Regime, escreve Tocqueville (1982, p. 160): “É verdade que com o tempo a liberdade

sempre traz, a quem sabe retê-la, uma vida remediada, o bem-estar muita vezes, a riqueza. Existem porém tempos onde ela perturba momentaneamente o uso de tais bens e outros onde só o despotismo permite seu gozo transitório. Os homens que nela só apreciam estes bens nunca a conservam por muito tempo”.

(33)

suas leis. Quem procura na liberdade outra coisa que ela própria foi feito para a servidão” (Tocqueville, 1982, p. 160).

Mas a democracia faz surgir condições que podem ser favoráveis à liberdade humana, pois, como já exposto, não existem mais hierarquias rígidas entre as classes. Dessa forma:

[uma] vez que a cadeia hierárquica é rompida tornando os homens iguais entre si, a liberdade estende-se a todos os membros do corpo social: a cada um é reconhecido o direito de pensar, julgar e agir por si mesmo. É preciso observar que, segundo Tocqueville, o igual direito à liberdade, não sendo inerente à natureza humana, advém historicamente. É o vir-a-ser da igualdade de condições que faculta a todos os homens o exercício da liberdade (Reis, 2002, p. 30)

E porque o “movimento da história” produz circunstâncias novas, é que os homens devem se preparar para estas, ou seja, devem ser educados para adaptarem-se às novas circunstâncias. Se os homens não se prepararem para a democracia, a fim de dirigi-la, esta crescerá abandonada, “feito criança de rua” e, quando tomar o poder, os seus vícios aparecerão. Então os homens tentarão destruir a democracia e, não, corrigir os seus defeitos.

Um Estado democrático livre só é possível de ser construído se houver a participação direta do conjunto dos cidadãos na gestão da coisa pública. “É incontestável, na realidade, que, nos Estados Unidos, o gosto e o costume do governo republicano nasceram nas comunas e no seio das assembléias provinciais [...]. Cada cidadão nos Estados Unidos transporta, por assim dizer, o interesse que lhe inspira sua pequena república ao amor da pátria comum” (Tocqueville, 1987, p. 127).

A arte de se associar, segundo Tocqueville, deve crescer na medida em que cresce a igualdade de condições. É o cálculo tocquevilleano para a liberdade. Sem associação, sem a participação dos homens nos negócios públicos, não haverá liberdade23.

23 “El espirito de associación es multiforme en Norteamérica, y Tocqueville se limita aqui a estudar su

intrusión en la vida política. Va de la simple petición colectiva a la elección de una asamblea cuyos delegados han sido escogidos para la defensa de um principio o un interés. En este caso, llega a una especie de rivalidad en las asambleas legales (...). El ejemplo de Norteamérica convence a Tocqueville de que el derecho de associación constytue una libertad esencial” (Jardin, 1988, p. 173).

(34)

Tocqueville teme que se estabeleçam instituições democráticas sem que os cidadãos tenham idéias e sentimentos que os preparem para a liberdade. Os costumes são fundamentais para que um povo democrático permaneça livre: “A minha finalidade foi mostrar, pelo exemplo da América, que as leis e, sobretudo os costumes, podiam permitir a um povo democrático permanecer livre” (1987, p. 242). Da mesma forma, se os governos democráticos não permitirem que os cidadãos usem sua liberdade política, não haverá independência para ninguém: “[...] nem para o burguês, nem para o nobre, nem para o rico, mas uma tirania igual para todos; [...] se não se chegar mesmo com o tempo a fundar entre nós o império pacífico da maioria, chegaremos [...] ao poder ilimitado de um só” (1987, p. 242).

Todo o empreendimento dos americanos está em manter a democracia através de uma cada vez maior igualdade e liberdade; por isso, se esforçam para manter a coisa pública e a ajuda mútua: “Devo dizer que muitas vezes vi americanos fazerem grandes e verdadeiros sacrifícios à coisa pública, e observei cem vezes que, quando necessário, quase nunca se furtam de prestar fiel apoio uns aos outros” (1987, p. 391). O espírito público dos americanos se sobressai. Em outra passagem, fica ainda mais explícito o caráter associativo da vida civil dos americanos:

Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão constantemente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais tomam parte, como ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis, muito gerais e muito pequenas. Os americanos associam-se para dar festas, fundar seminários, construir hotéis, edifícios, igrejas, distribuir livros, enviar missionários aos antípodas; assim também criam hospitais, prisões, escolas” (Tocqueville, 1987, p. 391-392).

É esse espírito cívico que fez dos Estados Unidos uma democracia a ser seguida24. “Os sentimentos e as idéias não se renovam, o coração não cresce e o

espírito não se desenvolve a não ser pela ação recíproca dos homens uns sobre os

24 É preciso mencionar aqui que Tocqueville jamais pensou que a França deveria seguir ou copiar os

passos da democracia norte-americana. O pensador francês cita o caso do México, que transportou para seu território a legislação americana e nem por isso se tornou uma nação próspera. Tocqueville não vai aos Estados Unidos para trazer ensinamentos à França, no sentido de copiar o povo americano, mas tenta comparar os Estados Unidos com os outros países a fim de que estes encontrem soluções para os males da democracia. Uma interpretação contrária a essa pode ser encontrada em Luis Werneck Vianna. Lições da América: o problema do americanismo em Tocqueville (1993).

Referências

Documentos relacionados

A integração da aquicultura com a hidroponia (aquaponia) pode se apresentar como uma solução para proporcionar o uso da água mais eficiente, incrementando a produção de peixes

Tendo em conta dois paradigmas que podem orientar a Educação Física escolar – ‘Educação Física pensada’ (do currículo, da racionalidade, da técnica/tática, alicerçada

We constructed yeast strains expressing eight different Brugia malayi drug targets (as well as seven of their human coun- terparts), and performed medium-throughput drug screens

No sentido de estabelecer que mecanismos de coesão são relevantes para a configuração de um texto dissertativo-argumentativo, procedemos, neste capítulo, a uma breve explicitação

Das breves notas coligidas em torno de dois manuais que conheceram várias reedições ao longo da primeira metade do século XX, época de mutações, mas também

Figura 2- Estudos clínicos com nanopartículas atualmente em andamento para o tratamento de diferentes tipos de

Entretanto, indivíduos com LGC podem possuir fatores de risco, como idade, gênero e histórico familiar, para o desenvolvimento de doenças venosas, principalmente a IVC, que é

Aos poucos percebemos que o que imaginávamos serem textos de divulgação envolvendo temas científicos tinham dimensões complexas. Da mesma forma, o entendimento do que era