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Gadamer: interpretação, educação e ensino da arte

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

-

MESTRADO

VANESSA STEIGLEDER NEUBAUER

G

ADAMER

:

INTERPRETAÇÃO

,

EDUCAÇÃO E ENSINO DA ARTE

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VANESSA STEIGLEDER NEUBAUER

GADAMER: INTERPRETAÇÃO, EDUCAÇÃO E ENSINO DA ARTE

Dissertação apresentada ao Curso de Pós Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências, Departamento de Pedagogia, da Universidade Regional do Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do titulo de mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: Prof. Dr. Claudio Boeira Garcia

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

- MESTRADO

A banca examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação:

GADAMER: INTERPRETAÇÃO, EDUCAÇÃO E ENSINO DA ARTE

elaborada por

VANESSASTEIGLEDERNEUBAUER

como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Claúdio Boeira Garcia (orientador) Prof. Dra. Anna Rosa Fontella Santiago (UNIJUI) Prof. Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer, (UNIJUI)

Prof. Dr. Paulo Rudi Schneider (UNIJUI)

Prof. Dr. Luiz Rohden (UNISINOS)

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DEDICATÓRIA

A você, pequena Sofia, amada filha. Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos, Sem amor, eu nada seria... É só o amor, é só o amor Que conhece o que é verdade O amor é bom, não quer o mal Não sente inveja Ou se envaidece... O amor é o fogo Que arde sem se ver É ferida que dói E não se sente É um contentamento Descontente É dor que desatina sem doer... Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos, Sem amor, eu nada seria... É um não querer Mais que bem querer É solitário andar Por entre a gente É um não contentar-se De contente É cuidar que se ganha Em se perder... É um estar-se preso Por vontade É servir a quem vence O vencedor É um ter com quem nos mata A lealdade Tão contrário a si É o mesmo amor...

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5 Estou acordado

E todos dormem, todos dormem Todos dormem Agora vejo em parte Mas então veremos face a face É só o amor, é só o amor Que conhece o que é verdade... Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos, Sem amor, eu nada seria.

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AGRADECIMENTOS

Somente pode possuir algum saber aquele que tem perguntas, mas as perguntas compreendem sempre a oposição do sim e do não, do assim e do diverso. (...) A dialética da interpretação sempre precedeu a dialética da pergunta e da resposta. É esta que determina a compreensão como um acontecer.

Hans-Georg Gadamer

Com muito carinho, ao meu orientador, Cláudio, fundamental nessa trajetória, à sua esposa Ercília que me acolheu e ao Carlos que dividiu o tempo de seu pai comigo. Às pessoas que acreditaram em mim e de uma forma ou outra sempre estiveram me apoiando: meu marido Éricson, meus pais, amigos e educadores, em especial aos professores Anna Rosa Fontella Santiago, Paulo Evaldo Fensterseifer e Paulo Rudi Schneider, que participaram com contribuições no decorrer desse estudo. Aos colegas, à secretaria municipal de Educação - à Stela, à Carmem e à Cleonice, que me disponibilizaram tempo para eu realizar esse projeto de vida.

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RESUMO

Este estudo percorre assuntos relacionados ao ensino da arte na perspectiva da hermenêutica filosófica de Gadamer; entre outros, os seguintes: linguagem; conversação autêntica; experiência; jogo hermenêutico; tradição; historicidade; pré-compreensão e julgamento. Em seus textos, Gadamer destaca que não podemos reduzir a linguagem, como foi comum no pensamento da tradição, a um veículo do pensamento, pois isso implica, entre outras consequências, supor que a cognição é superior à linguagem que a expressa. Para o autor, a linguagem é o que confere o caráter comum de um mundo, ainda que seja somente um mundo jogado. A linguagem se constitui por uma unidade especulativa que contém a distinção entre ser em si e representar-se. Em suas considerações sobre questões de método, de análise crítica de uma interpretação cientificista e da consciência estética, Gadamer problematiza as concepções de linguagem e de interpretação. Ao retomar tais temas, apresenta questões fundamentais para pensarmos sobre a experiência da obra de arte e sua interpretação, seja no que diz respeito a um texto literário, a uma partitura musical ou a uma peça de teatro.

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ABSTRACT

This study covers issues related to art education in the perspective of philosophical hermeneutics of Gadamer; among others, the following: language; authentic conversation; experience; hermeneutic game; tradition; historicity; pre-understanding and judgment. In his texts, Gadamer emphasizes that we can not reduce the language to a vehicle of thought, as it was common in the thought of tradition, since this implies, among other consequences, believing that cognition is superior to the language that it expresses. For the author, the language is what gives the common character of a world, yet it is only a played world. The language is constituted by a speculative unit that contains the distinction between being itself and representing itself. In his remarks about methodological issues, of critical analysis of a scientific interpretation and of the aesthetic consciousness, Gadamer discusses the concepts of language and of interpretation. By taking up these themes, he presents fundamental issues to think about the experience of the artwork and its interpretation, whether in respect of a literary text, a musical score or a play.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 10

INTRODUÇÃO... 16

1. GADAMER: LINGUAGEM E INTERPRETAÇÃO ... 21

1.1 LINGUAGEM... 22

1.2 COMPREENSÃO/INTERPRETAÇÃO... 27

1.3. TRADIÇÃO, HISTORICIDADE ... 34

1.4. JOGO HERMENÊUTICO E EXPERIÊNCIA... 37

1.5. DIÁLOGO... 44

2. GADAMER: BUSCA PELA VERDADE DA ARTE EDUCAÇÃO ... 52

2.1. MÉTODO, CONSCIÊNCIA ESTÉTICA... 53

2.2. BUSCA PELA VERDADE DA ARTE... 57

2.3. EDUCAÇÃO E O ENSINO DA ARTE ... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 68

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O que está em questão não é o que fazemos, ou o que deveríamos fazer, mas o que nos acontece além do querer fazer (GADAMER, 2007, p.14)

A filosofia de Gadamer constituiu um esforço contínuo para estabelecer pontes, não só entre as pessoas, mas também entre as diferentes tradições culturais e de pensamento, o clássico e as reflexões sobre a modernidade.

Rodhen,2002,p.76

Os escritos de Gadamer1 lançaram-me ao “jogo da interpretação”. No decorrer desse, fui provocada a entender o significado de “sentir a obra” do autor; de jogar com ela o jogo no qual está envolvida. Nisso, meus projetos prévios se refizeram pela atividade de interpretá-la. Ou seja, com o texto Verdade e Método, fui conduzida para considerações distintas daquelas com as quais havia me ocupado em minha formação acadêmica no curso de Artes, Licenciatura Plena em Dança.

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Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão, nasceu Marburg, em 11 de fevereiro de 1900, e faleceu em Heidelberg,em 13 de março de 2002 (LAWN, 2007, P.8)

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11 Em minha formação, a ênfase recaía sobre os “métodos” da “construção” da obra. O que dizia respeito à criação, “apreciação e leitura da obra” pouco era discutido. O importante para a formação em Dança era a valorização da forma, do “belo, do virtuoso” e, principalmente, dos elementos que compunham a técnica. Aqui me lembro de um apontamento de Gadamer sobre a execução de uma partitura musical: não basta conhecer os acordes e notas musicais e executá-los com precisão, é necessário sentir/experimentar o que a obra passa em sua totalidade.

Exerço a docência desde os 15 anos de idade. Ela me possibilitou conviver com a diversidade de linguagens corporais singulares, contudo, eu primava pelas questões estéticas do ensino da arte e pouco valorizava a experiência de jogar com o movimento das coisas, das possibilidades, das vivências das pessoas.

No encontro com as considerações de Gadamer sobre a experiência da obra de arte, marcou-me uma de suas frases: as obras de arte possuem um elevado aspecto ontológico, pois na experiência da obra de arte, algo vem à luz (2007a, p.30). O fato é que Gadamer me instigou como aluna e professora de artes a considerar as idéias metodológicas presentes no ensino acadêmico da arte: os manuais, as traduções indutivas de prospectos de espetáculos de dança, teatro ou música.

Gadamer destaca que qualquer interpretação, tradução e codificação prévia, cuja tentativa é a de facilitar a compreensão de uma obra, pode distorcer e empobrecer a própria execução da obra, pois é necessário deixar-se interpelar, entrar em contato íntimo com a mesma.

Para o autor, a arte e a filosofia são atividades que podem nos aproximar da verdade. Essa afirmação fez com que eu me perguntasse o que seria a verdade para Gadamer e em que se fundamentaria o autor ao afirmar um “ir além do método”. Vale lembrar que Gadamer não desmereceu o método científico, que teve intenção de questionar a importância do método, mas, sim pensar para além dele.

Entre os importantes temas que Gadamer considera para abordar os assuntos da interpretação da obra de arte e educação estão os fatos da historicidade e da

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12 tradição os quais nos organizam como ‘seres no mundo’. Liga-se a sua abordagem desses temas a afirmação de que a neutralidade não é possível para os humanos, pois em todas as nossas ações, tenhamos ou não consciência disso, há uma intencionalidade. Para o autor, somos movidos por escolhas; estamos sempre em movimento, num velar e desvelar os significados de nossas experiências no mundo. A “ação”, para ele, é a aplicação do pensar imbricada às vivências que norteiam nossas dinâmicas de organização no contexto do compreender e interpretar o mundo que nos circunda.

Em entrevista2 sobre a escrita de sua obra, Gadamer foi indagado nos seguintes termos: “Você poderia falar para nós sobre as origens da obra Verdade e Método, onde e quando você a escreveu?” e, ainda, “como você relaciona as idéias nela existentes com sua experiência acadêmica e intelectual?” (Gadamer, 1992, p.63- 65). Ao que Gadamer respondeu: Eu digo a você que minha obra nasceu da experiência de meu ensino. Eu sempre fui um professor muito dedicado e lembro que meus estudantes queixavam-se que precisavam de um texto complementar de minha disciplina. Muitas vezes, os estudantes de Heidelberg perguntavam a meus alunos quem os ensinava, quando eles diziam meu nome, eles perguntavam ‘mas quem é esse’? Assim decidi tentar escrever um livro que relatasse minha prática docente sobre a interpretação de textos e temáticas variadas. Minhas primeiras anotações iniciaram em 1933. Depois se tornou claro para mim que o espírito otimista de civilizações liberais desaparecia. Foi por isso que escrevi o livro Arte e o público, no qual destaco que a arte pode levar à pretensa verdade e, portanto, formar uma opinião pública, e que a arte vai além de somente dar satisfação ou prazer estético. Essa obra era o início de Verdade e Método. Mas depois tinha outra razão para continuar escrevendo. As aulas eram gravadas e reproduzidas; para mim, isso me pareceu uma distorção das minhas aulas, sendo que os gravadores gravavam a voz, porém perdiam os gestos e as expressões que são importantes ao desempenho de quem fala. Para se ter uma compreensão ampla seria preciso vivenciar a ação. A escrita transforma a fala assim como uma lenda quando o

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Gadamer, em entrevista publicada em sua obra: On Education, Poetry, And History Applied Hermeneutics, realizada em dois momentos diferentes: o primeiro, em Hamilton, Canadá, na Universidade de McMaster em novembro de 1985; o segundo, em sua casa, no jardim em Heidelberg, Alemanha, em julho de 1986 (Gadamer, 1992, p.63, 65).

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13 príncipe vira sapo.

Essas considerações evidenciam a relação que o autor tinha com sua “performance” pedagógica e se afinam com sua defesa de uma conversação sem fim; de um diálogo que não está sob o controle do indivíduo ou do grupo, mas no jogo incessante das palavras na busca de um entendimento das coisas.

Como professora de dança, vivencio uma linguagem muito particular: a linguagem corporal. Hoje consigo entender melhor o que Gadamer observa a respeito do fio condutor das ações e noções que nos regem, pois ele considera importante não valorizar só o que está posto como significado dos signos da palavra, mas toda a expressão como “performance da coisa”. Na entrevista recém referida, ele esclarece essa questão, mediante o pensar na tonicidade, na energia apresentada e no detalhe gestual presentes na expressividade do falar. Ele reforça os aspectos que envolvem a docência, como “a formação” e “a aplicação”, como elementos fortalecedores do caráter da experiência. Gadamer enfatiza que suas obras surgem de sua prática; que era um professor apaixonado pelo que fazia. Sua intenção não era buscar verdades, nem criar um método, mas estimular e problematizar sua prática pedagógica. Com essa motivação, escreve Verdade e Método, cuja preocupação era a de orientar os alunos que com ele se ocupavam com o problema da compreensão e da interpretação.

Em outra entrevista, ao ser indagado sobre a origem do titulo de seu livro respondeu: eu nunca anunciei as aulas ou os seminários com esses títulos. Na verdade, eu nunca pensei muito nisso. Assim, a primeira vez que eu pensei nisso foi quando meu editor perguntou sobre o título para meu livro. Eu sugeri “hermenêuticas filosóficas”. E os outros perguntaram: o que é isso? Minha esposa e eu pensamos um pouco, como um cozinheiro que deixa sua imaginação correr enquanto ele desenha seu cardápio, dando nomes diferentes para pratos iguais. Do mesmo jeito, apareceu Verdade e Método. O duplo sentido é o segredo para um bom titulo e, por isso, vários críticos fizeram comentários sobre meu livro. “Alguns afirmaram que eu considerava que método era o caminho para buscar a verdade; outros, que eu afirmei que não havia nenhum método para achar a verdade”

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14 Sobre isso, Gadamer insiste que sua preocupação centrava-se na condição finita do ser, a qual organiza a tradição, enfatizando a consciência histórica que nos possibilita certa intencionalidade no tocante ao compreender e interpretar as coisas. Afastava-se, assim, da busca por uma verdade absoluta ou até mesmo da construção de um método que abrangesse a complexidade das coisas em sua totalidade. Por isso, Gadamer observava que a razão está diretamente ligada a uma tradição na qual estamos inseridos. A intenção de Gadamer, conforme já apontamos, não era a busca pela verdade nem a criação de um método, mas apenas dividir sua experiência de jogar com a obra.

Gadamer alerta sobre a interpretação da obra de arte fundamentada na idéia de que ele possa possuir um código oculto do qual precisamos decifrar “mensagens” para que ele passe a ter sentido. Ao contrário disso, o intérprete se depara com a realidade daquilo que se revela e se esconde: e isso é sempre maior do que o observador pode perceber ou reconhecer.

Formada em Artes, Licenciatura Plena em Dança, minha prática era orientada por sistemáticas que auxiliassem os alunos na compreensão do movimento, com o intuito de facilitar a aprendizagem, ou seja, atuava como uma ‘tradutora’ dos movimentos corporais. Não valorizava o “jogo de linguagem”, um jogo sem elementos prioritários, sem saber o que esperar do mesmo, um jogo alicerçado na valorização da experiência de um viver e sentir os movimentos.

No que respeita à obra de arte, Gadamer me fez pensar no significado de afirmações tais como: toda tradução produz uma nova iluminação sobre algo que está dado na obra e provoca o intérprete; quem traduz tanto revela quanto vela o ser da obra; mesmo a tradução técnica de uma obra de arte sempre está carregada pelas concepções prévias do tradutor; toda tradução deve esforçar-se para reconhecer e preservar a riqueza do mundo e dos significados que constituem uma grande obra.

O tradutor (professor de Artes) há de ter consciência da distância que o separa do original, mas também da possibilidade de uma experiência viva do mundo que a obra carrega. Nisso a noção de diálogo de Gadamer se faz decisiva. O autor

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15 observa que, na conversação, nos colocamos no lugar do outro com o objetivo de compreender seu ponto de vista e, assim, também o tradutor procura pôr-se no lugar do autor. Mas o que permite o diálogo, não é a subjetividade do autor nem do intérprete, mas sim o fato que a obra carrega um mundo que está entre ambos.

O ensino da arte enfatiza Gadamer, não deve subestimar nem a obra nem o espectador, não se trata apenas de “traduzir” uma obra, mas de não esquecer o fato de que ela sempre nos interpela com sua estranheza. Por estas e outras considerações resolvi orientar meus estudos para aqueles temas de Gadamer diretamente vinculados as questões da interpretação da obra de arte e do ensino da arte.

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INTRODUÇÃO

A filosofia de Gadamer constituiu um esforço contínuo para estabelecer pontes, não só entre as pessoas, mas também entre as diferentes tradições culturais e de pensamento, o clássico e as reflexões sobre a modernidade. Rodhen,2002,p.76

Gadamer, em Verdade e Método, não tinha a pretensão de desenvolver um novo método, de estabelecer uma nova relação dogmática com a linguagem, mas sim de elucidar temas que permitissem repensar o que a tradição nos apresenta em relação ao fenômeno hermenêutico. A linguagem, a compreensão e a interpretação são atividades humanas a partir das quais Gadamer apresenta suas considerações sobre os assuntos do diálogo, da linguagem, da historicidade, da experiência, do julgamento, do jogo hermenêutico e da tradição. Esses, entre outros temas, são circularmente discutidos nesta dissertação, bem como os aspectos relacionados ao ensino da arte na perspectiva da hermenêutica filosófica do autor.

A hipótese que norteia a pesquisa é a de que Gadamer, no conjunto de suas obras e principalmente em Verdade e Método, discorre sobre questões fundamentais para pensarmos a linguagem e a interpretação, para além do método científico. O autor esclarece questões sobre a tarefa hermenêutica, questiona a idéia de razão neutra assim como destaca a tradição e a historicidade como fios condutores da razão. A experiência3 e a pré-compreensão constituem duas temáticas

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Segundo Gadamer, o conceito de experiência não pode ser guiado por modelos, para ele a experiência não é a própria ciência, mas um pressuposto necessário para ela. Assim, não se pode considerar a experiência na perspectiva de seu resultado, por ela, nesse sentido, estar-se-ia passando por cima do verdadeiro processo de experiência. A experiência, para Gadamer, está vinculada à presença, ou seja, ao “Dasein” de Martin Heidegger (o ser-aí ou o ser-no-mundo), entrar em contato

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17 imprescindíveis da conversação autêntica e do movimento circular da linguagem - “círculo hermenêutico”, metáfora usada pelo autor para descrever o movimento circular do compreender e do interpretar.

Na análise da tarefa hermenêutica, Gadamer aborda os temas das estruturas da “compreensão e da interpretação”. Considera o caráter especulativo da linguagem e as questões que norteiam o diálogo e a busca pelo entendimento, bem como o julgamento que estabelecemos frente às coisas e a valorização da experiência. O mundo precisa ser vivido e o ente deve reconhecer-se nele.

A linguagem, para o autor, não é apenas um veículo do pensamento, o que implica supor que a cognição é superior à linguagem que a expressa. Nesse caso, o pensamento ofusca a linguagem, por considerá-la apenas um “meio de transporte” dos pensamentos. A linguagem é o caráter comum de um mundo ainda que seja somente um mundo jogado, ou ainda a busca por um entendimento no mundo. A linguagem não “está aí” como um simples aparato de que lançamos mão ou que construímos para com ela nos comunicar e fazer distinções.

A linguagem possui uma estrutura especulativa, que não consiste em ser cópia de algo, mas num “vir-a-fala”, o que não representa uma segunda existência, mas sim o aspecto sobre o qual algo se apresenta e faz parte do próprio ser. A linguagem é um movimento de constituição ontológica do compreendido e determina sua própria referência ao ente como interpretação. Assim, a linguagem é uma unidade especulativa, uma distinção entre ser em si e representar-se (Gadamer, 2006, p. 535).

Para o autor, as interpretações das palavras partem de sua existência, do fato de estar à mão, deixando as coisas existirem por si, já sendo conhecidas de antemão. Esta questão é significativa, pois remete para o fato da pré-compreensão, condição da atividade da interpretação.

com as “coisas” obras. Assim, na experiência ontológica aprendemos a fundamentar o ser, com a experiência podendo ser expressa num significado múltiplo (Rohden, 2002, p.79).

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18 A atividade de compreender e de interpretar se vinculam e se viabilizam pelo pertencimento das obras à linguagem e à tradição. O que é válido para a compreensão é, igualmente, válido para a linguagem, pois nenhuma delas deve ser tomada apenas como um fato que se oferece para ser investigado empiricamente, porque elas jamais podem ser simples objetos.

A palavra faz ressoar o conjunto da língua a que pertence e deixa aparecer o conjunto da concepção de mundo que lhe subjaz. As palavras deixam que se torne presente também o não dito, ao qual se refere respondendo e indicando. O não dito apresenta-se na escolha, no momento em que se mostra o dito, ou seja, em um recorte do todo ele vela a outra parte. Todo falar humano é finito, no sentido de que abriga em si uma infinidade de sentidos. Por isso, também o fenômeno hermenêutico deve ser esclarecido a partir dessa constituição fundamentalmente finita do ser da linguagem(Gadamer, 2006, p. 535).

O esforço para compreender e interpretar sempre tem sentido. A experiência hermenêutica é o corretivo pelo qual a razão pensante se subtrai ao encanto do elemento de linguagem, sendo ela mesma constituída dentro da linguagem.

As considerações de Gadamer sobre a interpretação da obra de arte lançam luzes para pensarmos acerca do “ensino/experiência” da obra de arte. Sobre isso é destacável sua observação: o fundamento da objetividade da obra de arte, não está na subjetividade daquele que a interpreta, mas sim na realidade do mundo e da linguagem que a obra carrega e partilha.

A interpretação da obra opera uma fusão entre aquilo que advém da obra inscrita na linguagem e na tradição e aquilo que advém da finitude, e da localização histórica do intérprete. Por isso, o ensino da arte precisa ser pensado como uma tarefa hermenêutica. Não basta só a experiência de estar ali; é preciso compreender o peso da tradição, da finitude da condição humana, da pré-consciência, bem como sua valia para interpelar o intérprete e convidá-lo a se entregar ao jogo da experiência e da interpretação.

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19 sentido, caberia pensar sobre o que são as verdades do espírito e, depois, ultrapassar o saber cientificista metodológico, ampliando a reflexão sobre o que nos liga à experiência de mundo. Tanto a filosofia quanto a arte apresentam excelentes possibilidades para problematizar os limites das ciências, não as desmerecendo, mas pensando, para além delas, sobre o que nos constitui como “atores/intérpretes” no mundo.

A compreensão, para Gadamer, constitui o ponto central da interpretação, que consiste num jogo possibilitado pela linguagem, o qual nunca é acabado. O “círculo hermenêutico” da interpretação não é algo fechado, mas sim aberto como um espiral. Ele envolve tudo o que pode ser compreendido; nele se fundem os horizontes da obra e do intérprete num jogo que obriga à revisão incessante dos pressupostos iniciais e, ainda, aprofunda o diálogo com a coisa a ser compreendida, sempre efetivando um entendimento e uma experiência da coisa, sem, contudo, dominá-la.

Porque a obra de arte constitui uma expressão totalizante do humano, seu ensino não pode estar desatento a esse aspecto. Por isso, na investigação/reflexão deste texto, nos centramos não tanto em definir a especificidade da arte e suas estruturas de criação e variação, mas na busca de entender o jogo de questionamentos que emergem de uma experiência com a obra de arte, na qual consciência histórica norteia a compreensão dessa experiência concreta com a obra. Tratamos, pois, de discutir o ensino da arte a partir do lugar que a arte e a sua interpretação ocupam na constituição do mundo humano.

Para realizar seus propósitos, esta dissertação está organizada em dois capítulos. No primeiro, intitulado - Gadamer: Linguagem e Interpretação – tratamos dos seguintes temas: Linguagem, Compreensão/Interpretação, Tradição, Historicidade, Jogo Hermenêutico, Experiência e Conversação Autêntica. Destacamos o argumento do autor, segundo o qual, a linguagem é constitutiva da condição humana e não um instrumento do qual lançamos mão para nomear as coisas. No segundo capítulo, Gadamer, interpretação da obra de arte, pontuamos as temáticas Método, Consciência Estética, discorrendo sobre a Verdade da Arte, e as relações entre Arte e Educação. Neste sentido, o entrelaçamento da relação da

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20 hermenêutica filosófica de Gadamer com as questões que elucidam a interpretação da obra de arte e sua relação com o seu respectivo ensino.

Gadamer observa que a importância da arte repousa também no fato de que as obras de arte nos interpelam e nos colocam diante de nós mesmos e de nossas existências. Elas proporcionam o encontro do homem consigo mesmo em um contexto intencional para que encontre a si mesmo na arte, e não para a confirmação procedente de algo diferente de si (Gadamer, 2007a, p.93 e 94).

Na finitude histórica da nossa existência está o fato de que sejamos conscientes de que, depois de nós, outros compreenderão cada vez de maneira diferente. Do mesmo modo, para a nossa experiência hermenêutica, inquestionável é que a mesma obra – cuja plenitude de sentido se manifesta na transformação da compreensão – permanece como a mesma historia, cujo significado continua determinando-se incessantemente. A redução hermenêutica à opinião do autor é tão inadequada como, nos acontecimentos históricos, a redução à intenção dos que atuam neles.

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1. GADAMER: LINGUAGEM E INTERPRETAÇÃO

Neste capítulo elucidamos considerações de Gadamer sobre as estruturas da interpretação e compreensão, movidas pelos projetos-prévios e pela pré-compreensão. Considerações fundamentais para entendermos o jogo de linguagem. Destacamos que, para o autor, a tradição, a historicidade e a finitude são dados essenciais para pensar na possibilidade de uma conversação autêntica, consolidada pela experiência.

O capítulo está dividido em cinco itens. No primeiro – Linguagem -, destacamos o argumento do autor segundo o qual a linguagem é o médium universal em que se realiza a própria compreensão. No segundo - Compreensão e Interpretação -, esclarecemos porque, a atividade de compreender/interpretar é algo mais que uma mera reprodução da opinião alheia. No terceiro - Tradição e Historicidade -, exploramos os temas da alteridade, dos próprios projetos prévios e da historicidade agindo sobre o tempo presente. No quarto - Jogo Hermenêutico e Experiência -, abordamos os temas: fusão dos horizontes intérprete/obra, experiência, tradição e historicidade. No quinto - Diálogo -, examinamos a relação da experiência com o entendimento mútuo e a objetivação (resultantes da fusão dos horizontes).

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1.1 LINGUAGEM

Para Gadamer, “ ser que pode compreender é a linguagem” (2007b, p.21). O caráter próprio da linguagem é uma forma de realização do compreender. Segundo o autor, o caráter da linguagem é o de ser “médium”, ou seja, mediação do acordo entre as partes, sendo a linguagem um meio entre eu e o mundo, mas ambos em sua forma originária, tendo esse “meio” como um acontecimento finito, frente à mediação dialética do conceito (2006, p.612).

Gadamer considera o aspecto universal da linguagem, mencionando que o significado de um evento ou o sentido de um texto não constitui um objeto em si, fixo, que deva simplesmente ser constatado, mas engloba também a consciência histórica, responsável pela mediação entre o passado e o presente. Portanto, o caráter universal da linguagem como mediação ultrapassa a crítica, como também a consciência estética e histórica, e passa a focar a problemática dos questionamentos especulativos da universalidade da linguagem (2006, p.613).

Gadamer destaca que a linguagem de uma fala, de uma leitura ou de uma escrita sempre será realizada numa mediação do passado no presente, assim não sendo uma reprodução, mas um entendimento entre esse dois tempos (Gadamer, 2006, p. 523).

A linguagem vive no falar (compartilhar, contemplar), que abarca a compreensão, inclusive a do intérprete, envolvida na realização do pensar e do interpelar; assim, nos restaria muito pouco se desconsiderássemos o conteúdo que essa relação nos transmite, se percebêssemos a “coisa” unicamente como forma, com perspectiva somente analítica. Estabelecer uma relação com a linguagem hermenêutica analítica é possível e pode ter suas raízes frutíferas em seus objetivos.

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23 No entanto, Gadamer, em sua Verdade e Método, questiona “a pretensão de verdade e o que se organiza como método”, reforçando a nossa condição constitutiva de ser-no-mundo valorizando a tradição.

A linguagem apresenta o rastro da finitude. Ela é a condição a partir da qual se desenvolve toda a nossa experiência de mundo e, em particular, a experiência hermenêutica (Gadamer, 2006, p. 590).

O intérprete não sabe que carrega para dentro de sua interpretação tanto a si mesmo quanto aos seus próprios conceitos. A formulação, na linguagem, é tão inerente à opinião do intérprete, que em nenhum caso se torna objetiva para ele. Sobretudo, percebe-se que esse estado de coisas acabou sendo desvirtuado por teorias de linguagem inadequadas. Uma teoria instrumentalista dos signos, que compreende as palavras e os conceitos como instrumentos disponíveis ou que se devem pôr à disposição, fica aquém do fenômeno hermenêutico. Sob esse aspecto, o que ocorre na palavra e na fala e, sobretudo, em qualquer conversação com a tradição, assim reconhecemos que tudo isso se produz numa continuada formação de conceitos (2006, p. 521).

O intérprete não se serve das palavras e dos conceitos como o artesão que apanha e deixa de lado suas ferramentas. A questão está em que precisamos, antes, reconhecer que toda compreensão está intimamente entretecida por conceitos e refutar qualquer teoria que se negue a aceitar a unidade interna de palavra e coisa (2006, p. 521-522).

A linguagem também não deve ser tomada apenas como um fato que possamos investigar empiricamente. Ela jamais pode ser um simples objeto, pois abrange o que se antecede a poder chegar a ser objeto (2006, p.523). Deste modo,

A linguagem é conhecimento, o fato de a palavra, que nomeia um objeto, nomeá-lo, é porque ela própria possui o significado que permite nomear o que se tem em mente, não implica necessariamente uma relação de cópia. Enquanto a palavra for palavra, precisa ser “correta”. Se ela não for correta, se não tiver significado, não é mais que o bronze que ressoa. Nesse

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caso, não tem o menor sentido se falar de falsidade (GADAMER, 2006, p.523).

O “termo” significa uma palavra, cujo significado está delimitado univocamente, na medida em que se refere a um conceito definido. Um termo sempre é algo artificial, seja porque a própria palavra é formada artificialmente, seja, o que é mais frequente, porque uma palavra que já está em uso é recortada da plenitude e largueza de suas relações de significado e fixada em um determinado sentido conceitual (2006, p.523).

Frente à vida do significado das palavras da linguagem falada, é essencial certo espaço de jogo, o termo é uma palavra rígida, e o uso terminológico de uma palavra é um ato de violência contra a linguagem. Todavia, diferentemente da linguagem puramente simbólica do cálculo lógico, o uso de uma terminologia permanece fundido no falar uma língua (ainda que frequentemente sob a forma de um estrangeirismo). Não existe uma fala puramente terminológica e mesmo as expressões forjadas artificialmente em oposição à língua (um bom exemplo disso são todas as expressões artificiais do universo da publicidade moderna) acabam sempre voltando à vida da linguagem. Uma confirmação indireta disso é o fato de que às vezes uma determinada distinção terminológica não consegue impor-se e se vê constantemente desautorizada pelo uso normal da linguagem. Evidentemente, isso significa que precisa se submeter às exigências da linguagem (GADAMER, 2006, p.523).

Se pensarmos somente nas relações regulares e formais das leis combinatórias que nomeiam as coisas, a questão estaria posta precisamente sobre o caráter artificial do simbolismo. Através desses símbolos, o conhecimento não se torna claro nem distinto, pois o símbolo não significa nada que seja dado pela intuição. Esse conhecimento é “cego”, pois, na medida em que o símbolo toma o

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25 lugar de um verdadeiro conhecimento, mostra tão somente a possibilidade de que este chegue a se produzir.

Para Gadamer, a linguagem é algo diferente de um mero sistema de signos para designar o conjunto dos objetos. A palavra não é apenas signo. Basta ponderar a possibilidade extrema e contrária de uma linguagem puramente artificial para reconhecer, nessa teoria arcaica da linguagem, certa porção de razão. A palavra mostra certa vinculação com aquilo que é “reproduzido”, uma pertença ao ser do que é reproduzido (2006, p.538).

A linguagem (da palavra) não é um signo de que se lança mão, tampouco é um signo de que alguém faça uso para somente fazer distinções entre as coisas, mas sim passa a ser a possibilidade de entendimento das coisas e do mundo; não é uma coisa existente que se recebe e se carrega com a idealidade do significado, para com isso tornar visível outro ente. Para o autor, a palavra já é sempre significado. Isso significa que a palavra precede toda experiência dos entes. A experiência não é inicialmente desprovida de palavras e nem vai se tornando posteriormente objeto de reflexão em virtude da designação. Pertence à própria experiência o fato de ela buscar e encontrar as palavras que a expressem, na proximidade da palavra certa. A palavra pertence de tal modo à própria coisa que não é atribuída posteriormente à coisa como signo (Gadamer, 2006, p. 539).

Conforme Gadamer, o modo de ser especulativo da linguagem mostra seu significado ontológico universal. O que vem à fala é, naturalmente, algo diferente da própria palavra falada. Mas a palavra só é palavra em virtude do que nela vem à fala. Só se faz presente em seu próprio ser sensível para subsumir-se no que é dito. Inversamente, também o que vem à fala não é algo dado de antemão e desprovido de fala, mas recebe, na palavra, sua própria determinação (2006, p.613).

Segundo o autor, a relação humana com o mundo tem o caráter de linguagem de modo absoluto, sendo compreensível, igualmente, de modo absoluto (2006, p.613).

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26 Gadamer destaca que a linguagem permite objetivar o conhecimento da natureza e o conceito do ser em si, que corresponde à intenção de todo conhecimento. Ela é extraída pela reflexão da relação original com o mundo, que se dá na constituição linguística de nossa experiência de mundo, mas essa abstração procura assegurar o ente, organizando metodologicamente seu conhecimento. A experiência hermenêutica fundamental não se articula somente na tensão entre estranheza e familiaridade, compreensão e mal-entendido (2006, p.613-614).

A linguagem que as coisas exercem alcança a sua plena realização na linguagem que nossa condição histórica e finita assume quando aprendemos a falar. Isso serve também para a linguagem dos textos da tradição, para a experiência tanto da arte quanto da história. Podemos dizer que os próprios conceitos de “arte” e “história” são formas de concepção que só se desdobram como formas das experiências hermenêuticas a partir do modo de ser universal do ser hermenêutico (2006, p.614).

A afirmação do autor segundo a qual a linguagem é o médium universal em que se realiza a própria compreensão. A forma de realização da compreensão é a interpretação será examinada a seguir.

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2. COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

“Do acordar ao adormecer (inclusive dormindo), do nascer ao morrer estamos a interpretar e a compreender o mundo em que nos encontramos e nos constituímos.

Marco Antonio Casanova

Gadamer (2006) estabelece os fenômenos da compreensão e da interpretação no centro de suas reflexões. A compreensão e a interpretação vinculam-se e possuem estruturas próprias, que organizam nosso modo de pensar e agir. Toda compreensão já é uma interpretação que se dá por médium da linguagem.

A interpretação precisa da pré-compreensão para agarrar-se à obra e ser agarrada por ela. A estrutura dinâmica da compreensão demanda reconhecer a tradição como fio condutor do projeto-prévio decisivo ao projetar-se da coisa em si (2007a, p.36). O modo como experimentamos o mundo, a forma como compreendemos as tradições históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e de nosso mundo, envolvem um universo hermenêutico que nos abre para o mundo (2006, p.32).

Os costumes de linguagem e de pensamento que se formam para o indivíduo, na comunicação com a tradição histórica, exercem função primordial para a hermenêutica. Por isso, é a consciência crítica que deve acompanhar o filosofar responsável, colocando os costumes de linguagem e de pensamento que se formam para o indivíduo na comunicação com seu mundo circundante diante do fórum da tradição histórica, da qual todos fazem parte (2007a, p.33).

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28 A importância da “coisa/obra” repousa, também, no fato de que ela nos interpela e expõe o homem diante de si mesmo em sua existência determinada moralmente. As “obras” nos interpelam. O fato de experimentarmos a verdade numa obra de arte fortalece a necessidade de advertência à consciência científica de reconhecer seus limites.

Os estudos sobre hermenêutica que partem da experiência da arte e da tradição histórica procuram analisar o fenômeno hermenêutico em toda a sua envergadura. Importa reconhecer nele uma experiência de verdade, que não deve só ser justificada filosoficamente, mas que seja ela própria uma forma de filosofar. A hermenêutica não é uma doutrina de métodos das ciências do espírito, mas a tentativa de entender o que são na verdade as ciências do espírito, para além de sua autoconsciência metodológica e, ainda, o que as liga ao conjunto de nossa experiência de mundo (2007a, p. 31).

O conceito do todo só pode ser compreendido relativamente pela parte, que pressupõe um primeiro movimento circular, os projetos-prévios, que, na experiência, se re-avaliam no confronto e na intencionalidade dos projetos iniciais.

Neste contexto, a totalidade do sentido que deve ser compreendido na tradição jamais se refere ao todo da história, mas sim a um objeto de compreensão histórica ou de concepção filosófica.

A universalidade do aspecto hermenêutico está centrada na compreensão, que não se funda em um ato de transferência, mas na ordem da experiência. Por isso, entende-se que a função universal do caráter da linguagem no fenômeno hermenêutico possui, por si mesmo, um significado universal absoluto. Compreender e interpretar se subordinam de uma maneira específica à tradição da linguagem. Mas, ao mesmo tempo, ultrapassam essa subordinação, não somente porque todas as criações culturais da humanidade, mesmo as que não pertencem ao âmbito da linguagem, querem ser entendidas desse modo, mas pela razão fundamental de que tudo o que é compreensível precisa tornar-se acessível à compreensão e à interpretação (Gadamer, 2006, p.43).

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29 A experiência de mundo histórico-social não se eleva ao nível de Ciência pelo processo indutivo das ciências da natureza (Gadamer, 2007a, p. 38).

As ciências do espírito estão muito longe de se sentirem simplesmente inferiores às ciências da natureza. Na herança espiritual do classicismo alemão elas desenvolveram, antes, a consciência de orgulho de serem o verdadeiro suporte do humanismo (GADAMER,2007a, p. 43).

O modo como experimentamos uns aos outros, as tradições históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e de nosso mundo forma um universo, e nele, antes que encerrados em barreiras, estamos abertos ao mundo (2007a, p.32). Compreender é uma “realização da vida”; “ser no mundo”; “estar no mundo” (2007a, p. 498). Assim, o problema hermenêutico não é um problema de domínio da língua ou do método, mas de um acordo conjunto sobre um assunto que se organiza por médium da linguagem (2007a, p.499).

A compreensão, sobretudo se refere à consciência histórica de ver o passado em seu próprio ser. A tarefa de compreensão histórica inclui a exigência de conhecer o horizonte histórico, a fim de que o mesmo mostre nas suas medidas o que queremos compreender (2007a, p. 400).

Para Gadamer, quando a consciência histórica se transporta para horizontes históricos, isto não quer dizer que se translade a mundos estranhos que nada tenham a ver com o nosso mundo. Ao contrário, todos eles juntos formam um horizonte que se move a partir de dentro, que acolhe a profundidade histórica de nossa autoconsciência para além das fronteiras do presente. Trata-se de um único horizonte que engloba tudo o que a consciência histórica contém em si (2007a, p. 402).

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30 O próprio passado, nosso e dos outros, ao qual se volta à consciência histórica, faz parte do horizonte móvel a partir do qual vive a vida humana e que determina como origem a tradição (Gadamer, 2007a, p. 402):

Compreender uma tradição requer, sem dúvida, um horizonte histórico. Mas não é verdade que alcançamos esse horizonte deslocando-nos a uma situação histórica. Ao contrário, para podermos nos deslocar a uma situação, precisamos já sempre possuir um horizonte (GADAMER, 2007a, p.403).

Ganhar um horizonte significa aprender a ver para além do que está muito próximo, deslocar-se, fazer a abstração de si mesmo, representar-nos numa situação diferente, pois é no sentir esse deslocar-se que nos tornamos conscientes da alteridade e passamos a compreender (Gadamer, 2007a, p. 403):

...a mobilidade fundamental da “pre-sença” e ao “Dasein” “ser-aí” de Heidegger [...], argumentando que se deixar interpelar pela própria coisa não é tarefa fácil, devido aos desvios que possam surgir ao intérprete em virtude de seu projeto-prévio. Portanto, o compreender é sempre um projetar-se [...] (GADAMER, 2006, p. 555 e 556).

No pro-jetar-se (Heidegger), os projetos-prévios são postos em jogo, iniciando um movimento dialético na busca do entendimento, confirmando-se ou não a compreensão-prévia. Ganhar um horizonte significa “ouvir a voz da coisa”, deixar interpelar-se por ela, aprender a ver para além do que está muito próximo, deslocar-se, fazer a abstração de si mesmo, representar-nos numa situação diferente; é no sentir desse deslocar, desse projetar-se, que nos tornamos conscientes da alteridade e passamos a compreender (2007a, p. 403). Na experiência do projetar-se está a possibilidade da autoconsciência, seja pelo confronto, seja pela concordância dos projetos-prévios, num movimento de entregarmo-nos ao jogo e dele sairmos modificados (2007a, p. 403).

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31 O círculo hermenêutico é descrito por Gadamer como uma estrutura circular. Para compreender o que está posto na obra, é preciso a elaboração do projeto prévio, o qual deve, sempre, ser constantemente revisado. A interpretação começa com conceitos prévios que são substituídos por outros mais adequados. As antecipações somente podem ser confirmadas nas coisas (pp. 355-357).

No círculo hermenêutico, o todo só pode ser compreendido relativamente. A totalidade de sentido compreendida na história e na tradição jamais se refere ao sentido todo da história. A finitude do compreender é o modo pelo qual a realidade, a resistência, o absurdo e o incompreensível alcançam validez. Quem leva a sério a finitude, deve levar também a sério a realidade da história (Gadamer, 2006, p.22).

O fenômeno da linguagem e da compreensão se manifesta como um modelo universal do “ser” e do “conhecimento”, o que permite determinar de uma maneira mais aproximada o sentido da verdade que está em jogo na compreensão. Já reconhecemos que as palavras pelas quais uma coisa chega à linguagem são, elas mesmas, uma acontecer especulativo. O que nelas se diz é aquilo que consiste sua verdade, não uma opinião qualquer encerrada na impotência do particularismo subjetivo (Gadamer, 2006, p.629). Por isso, para o autor, compreender o que alguém diz não é produto de empatia, que adivinha a vida psíquica do falante, mas é a compreensão do contexto, que completam o falar até alcançar uma totalidade de sentido; essa relação está conferida não àquele que fala, mas ao que foi expresso (Gadamer, 2006, p.630).

A compreensão, em Gadamer, é um jogo, no qual aquele que compreende já está sempre incluído num acontecimento, em virtude do qual aquilo que possui sentido acaba se impondo. A compreensão nunca está livre de preconceitos, adverte o autor, embora a vontade do nosso conhecimento deva sempre buscar escapar de todos os nossos preconceitos. Os estudos de Gadamer mostram que a certeza proporcionada pelo uso dos métodos científicos não é suficiente para garantir a verdade. O fato de que o ser próprio daquele que conhece também entra em jogo no ato de conhecer marca certamente o limite do “método”, mas não o da ciência (2006, p. 631).

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32 A compreensão acontece sem a necessidade imediata de assumir uma interpretação manifesta, pois também nesses casos de compreensão deve ser possível a interpretação. Mas isso significa apenas que a interpretação está potencialmente contida na compreensão. Ela leva a compreensão simplesmente à sua demonstração expressa. A interpretação, por esse motivo, não é um meio para produzir a compreensão, mas adentrou no conteúdo do que ali se compreende.

A compressão jamais é subjetiva frente a um objeto dado, ou seja, pertence ao ser daquilo que é compreendido. A reprodução de uma obra de arte musical, por exemplo, não é uma interpretação, no sentido diferente da leitura de uma poesia ou da observação de um quadro. Isso porque “toda reprodução já é interpretação desde o início e quer ser correta enquanto tal; nesse sentido, também ela é compreensão” (Gadamer, 2007a, p. 18).

A implicação necessária de toda interpretação na compreensão está em relação com o fato de que o conceito de interpretação não se aplica somente à interpretação científica, mas também à reprodução artística, por exemplo, na execução musical ou cênica. Essa reprodução não é uma criação independente superposta à primeira, mas é a única que permite à obra de arte manifestar-se autenticamente. A escrita, cifrada, na qual se encontra um texto musical ou um drama só é solucionada na interpretação (2006, p.516).

A interpretação está tomada de uma acidentalidade fundamental. Isso vale para a palavra interpretadora, como também para a interpretação reprodutiva. Na perspectiva do autor, a palavra interpretadora tem sempre algo de acidental, na medida em que se encontra motivada pela pergunta hermenêutica. A compreensão é sempre um verdadeiro acontecer (Gadamer, 2006, p. 517-518).

A unidade interna entre compreensão e interpretação se confirma precisamente no fato que, frente ao texto dado, a interpretação, que desenvolve as implicações de sentido de um texto e as torna expressas pela linguagem, parece uma nova criação, mas não afirma uma existência própria ao lado da compreensão (Gadamer, 2006, p.611).

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33 O fato de a essência da tradição se caracterizar por seu caráter de linguagem adquire seu pleno significado hermenêutico quando a tradição torna-se objetivação do pensar. A consciência que compreende ao ser liberada de sua dependência da transmissão oral, segundo Gadamer, traz ao presente as notícias do passado. Entretanto, como ela está imediatamente voltada para a tradição constituída nas experiências, ganha uma possibilidade autêntica de avançar os limites e ampliar seu horizonte, enriquecendo assim seu próprio mundo com uma dimensão de profundidade (2007a, p.504).

Falar de tradição no horizonte que Gadamer é retomar conceitos alicerçados no passado, no entanto, é também pensar na esfera de sentido que esses conceitos enunciam, no presente. Todo elemento de linguagem está acima da determinação finita e efêmera, própria das existências passadas. A tradição se converte numa parte do próprio mundo e, assim, o que ela nos comunica pode chegar imediatamente à linguagem. Portanto, quando uma tradição chega a nós, não só conhecemos algo individual, como reconhecemos nela uma humanidade passada em sua relação universal. Por isso, nossa compreensão fica tão insegura e fragmentada naquelas culturas das quais não possuímos nenhuma tradição de linguagem (2007a, p.505).

A compreensão, afirma Gadamer, está norteada pelas estruturas da tradição que nos forma e nos organiza. Aprofundaremos esse assunto no próximo item.

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3. TRADIÇÃO E HISTORICIDADE

O espaço do entrelaçamento entre o intérprete e aquilo que deve ser interpretado tem uma historicidade própria que não se confunde com a constatação de que certas obras ou textos fazem parte da tradição e pertencem ao passado.

Marco Antonio Casanova

Gadamer (2006) enfatiza que o conceito de hermenêutica refere-se à mobilidade fundamental da presença, a qual perfaz sua finitude e historicidade, abrangendo o todo de sua experiência de mundo. O movimento da compreensão é abrangente, universal e reside na natureza da própria coisa (Gadamer, 2006, p. 16). A experiência da obra de arte ultrapassa o âmbito da mera experiência estética, pois ela acolhe em si a plenitude dessa experiência e todo o mundo que ela carrega. Por isso o movimento do ato de compreender uma obra não pode ser restrito ao desfrute reflexivo, estabelecido pela diferenciação estética:

Deveremos admitir, por exemplo, que uma antiga figura divina, exposta em um templo não como obra de arte para um desfrute estético da reflexão - hoje podemos encontrá-la em um museu moderno - leva consigo o universo da experiência religiosa da qual procede, tal como ela se nos apresenta hoje. Isso significa que esse seu mundo pertence também ao nosso mundo. É o universo hermenêutico que abarca a ambos (GADAMER, 2006, p. 17).

A experiência da obra de arte ultrapassa, pois, o horizonte subjetivo de interpretação, tanto para quem a faz como para quem a contempla e, desta forma,

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35 atinge mesmo o discurso de uma obra em si desvinculada de “sua realidade de ser” sempre de novo experimentada (Gadamer, 2007a, p. 17). Por isso, a interpretação “correta” significa necessariamente que a compreensão faz a mediação entre a história e a atualidade. Portanto, desde o princípio da construção da obra, organiza-se um processo no qual sua criação está interligada à tradição, que estrutura suas possibilidades de interpretação (Gadamer, 2007a, p. 19).

O fenômeno da compreensão abrange todas as referências humanas no mundo. E não se trata de assegurar-se frente à tradição que se faz ouvir a partir da obra, mas, ao contrário, trata-se de manter afastado tudo o que possa impedir alguém de compreendê-la a partir da própria coisa em questão (Gadamer, 2006. p. 359).

O horizonte, no âmbito da compreensão histórica, sobretudo, refere-se à consciência histórica de ver o passado em seu próprio ser, não a partir de nossos padrões e preconceitos contemporâneos, mas a partir de seu próprio horizonte histórico. A tarefa de compreensão histórica inclui a exigência de conhecer o horizonte histórico a fim de que este mostre, nas suas medidas, o que queremos compreender (Gadamer, 2007a, p. 400).

Isso não significa que possamos nos transladar para mundos estranhos que nada tenham a ver com o nosso mundo. Ao contrário, todos os horizontes juntos formam esse grande horizonte, que se move a partir de dentro e acolhe a profundidade histórica de nossa autoconsciência para além das fronteiras do presente. Trata-se de um único horizonte que engloba tudo o que a consciência histórica contém em si (Gadamer, 2006, p. 402).

O próprio passado, nosso e dos outros, para o qual se volta a consciência histórica, faz parte do horizonte móvel a partir do qual vive a existência humana e determina como origem a tradição (Gadamer, 2007a, p. 402). Compreender uma tradição requer, sem dúvida, um horizonte histórico. Mas não é verdade que alcançamos esse horizonte deslocando-nos a uma situação histórica. Ao contrário,

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36 para podermos nos deslocar a uma situação, precisamos já sempre possuir um horizonte (Gadamer, 2007a, p.403).

A consciência da história efectual, em que se cumpre a experiência hermenêutica, tem presente o caráter interminavelmente aberto do acontecimento de sentido de que participa. A compreensão tem um padrão de medida no qual se mede. Assim, ela é o conteúdo da própria tradição, o único a oferecer um padrão, que se manifesta na fala. Ademais, toda apropriação da tradição é historicamente distinta das outras. Isso não significa dizer que cada uma não passe de uma concepção distorcida da mesma: cada uma representa, antes, a experiência de uma “visão” da própria coisa (2006, p.609).

Gadamer aponta que a tradição de linguagem é tradição no sentido autêntico da palavra, ou seja, aqui não nos defrontamos simplesmente com um resíduo que se deve investigar e interpretar enquanto vestígio do passado. Nem o que chegou a nós pelo caminho da tradição de linguagem não é o que restou, mas o que nos é transmitido na forma de tradição oral imediata, em que abriga o mito, a lenda, os usos e costumes, assim como na forma da tradição escrita, cujos signos, de certo modo, destinam-se diretamente a todo e qualquer leitor que esteja em condições de lê-los (2006, p. 504). O processo da compreensão se move na esfera de sentido, mediado pela tradição da linguagem (Op. cit., p.506). A consciência leitora é necessariamente histórica, contudo, compreender a tradição não significa reconstruir uma vida passada, mas participação atual no que foi dito. Quando compreendemos o sentido do que foi dito é uma compreensão a partir da tradição (Op. cit., p.507). Assim, a pretensão de universalidade da linguagem está diretamente ligada à tradição. Esta se constrói pela nossa condição finita de uma consciência histórica que nos conduz nas escolhas de entendimento das coisas. Toda essa relação se estrutura em um jogo de linguagem que pode ser chamado de tarefa hermenêutica. Por isso, os aspectos que organizam o jogo hermenêutico são fundamentais para elucidar as questões que Gadamer apresenta no decorrer de sua obra. É disso que trataremos a seguir.

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4. JOGO HERMENÊUTICO E EXPERIÊNCIA

Quebra-Cabeça. Em sua concepção hermenêutica, Gadamer tentou recuperar o legado socrático de uma sabedoria humana voltada para o que significam o pensar e o conhecer na vida prática).

Marco Antonio Casanova

O conceito de jogo é central para Gadamer. A estrutura do jogo lhe sugere o movimento circular da compreensão e da interpretação. O jogo, para ele, não é algo fechado e organizado por regras que poderiam controlá-lo, mas um movimento incessante de vai e vem no qual se prioriza o “interpelar-se/entrar no mesmo”, ou seja, colocar nossos projetos e pré-compreensões em “xeque”.

Para Gadamer, são os jogos de linguagem que nos permitem chegar à compreensão do mundo na qualidade de aprendizes. O comportamento do jogador não deve ser entendido como um comportamento centrado na subjetividade, uma vez que é o próprio jogo que joga, na medida em que inclui em si os jogadores e se converte no verdadeiro subjectum do movimento lúdico. Falamos aqui de um jogar com a linguagem ou com os conteúdos da experiência do mundo ou da tradição, que nos interpelam. Esse movimento é um jogo da própria linguagem, que nos interpela, propõe e se recolhe (2006, p.630).

Quando consideramos o jogo no contexto da experiência da obra, não destacamos o comportamento ou estado de ânimo daquele que cria ou desfruta do jogo, muito menos a liberdade e a subjetividade que atua no jogo, mas no modo de ser da própria arte (2007a, p.154). A análise do jogo ou da linguagem é pensada de

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38 forma puramente fenomenológica (p.23), pois o jogo não surge da consciência daquele que fala, enquanto tal, é mais que um comportamento subjetivo.

O jogo é um movimento implícito de vaivém que não se fixa em algo que o termine. A isso corresponde, também, o significado originário da palavra jogo: movimento de múltiplas formas, mas que se renova em constante repetição (Gadamer, 2007a, p.156). Para a linguagem, é óbvio que o verdadeiro sujeito do jogo não é o da subjetividade daquele que, entre outras atividades, também joga, mas o próprio jogo (p.157).

Através do jogo, o jogador é interpelado e passa a ser integrante do objeto, apesar de todos os possíveis distanciamentos (Gadamer, 2007a, p.172). O mundo que aparece no jogo da representação não é uma cópia ao lado do mundo real, mas é este mesmo na excelência de seu ser (p. 197). Assim, para pensarmos na complexidade do jogo hermenêutico é fundamental apontar questões pertinentes à experiência. Por isso, pelos apontamentos do autor, o jogo se dá na experiência.

É na experiência com a “coisa” que acontece o evento hermenêutico, o qual é intransferível e precisa ser vivenciado para poder abrir o universo do jogo da compreensão e da interpretação. A experiência de mundo constituída na linguagem realmente é uma relação transcendental que envolve o conhecimento como um momento do próprio ser e não primeiramente como um comportamento do sujeito.

O fenômeno hermenêutico tem como fato determinante a finitude de nossa experiência histórica. Na linguagem, se reproduz a estruturação do ser, mas, no seu curso, ela forma, em constante mudança, a ordenação e a estruturação de nossa própria experiência (2006, p.590).

Em Gadamer (2006), a estrutura da experiência hermenêutica, que contradiz tão profundamente a idéia de método da ciência, tem seu próprio fundamento no caráter de acontecer na linguagem. Para ele, não se trata somente de que o uso da linguagem e a contínua formação de seus recursos representam um processo a que nenhuma consciência individual pode fazer frente pelo saber ou pela escolha (2006,

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39 p.598). Para o autor, a princípio, a experiência hermenêutica tem sua própria coerência, a saber, a de um ouvir imperturbável: quem procura compreender um texto, precisa também manter algumas coisas a distância, ou seja, tudo o que se impõe como expectativa de sentido a partir dos próprios preconceitos, na medida em que isso seja negado pelo próprio sentido do texto (2006, p.600).

O desenvolvimento do conjunto de sentido a que está orientada a compreensão nos força necessariamente a interpretar e de novo retirar-nos. É só a auto-suspensão da interpretação que leva a termo o fato de que a própria coisa, o sentido do texto, se imponha por si mesmo. O movimento da interpretação não é dialético porque a parcialidade de cada enunciado pode ser completada por outro aspecto (...), mas, sobretudo, porque a palavra que alcança o sentido do texto na interpretação não faz senão trazer à linguagem o conjunto desse sentido (GADAMER, 2006, p.600).

Gadamer (2006) afirma que a objetividade da linguagem surge de sua relação com o mundo. Uma coisa pode se comportar de um modo ou de outro. Isso constitui o reconhecimento de sua alteridade autônoma, que pressupõe, por parte do falante, uma distância própria em relação à coisa. Essa distância serve de base para que algo possa destacar-se como um estado de coisas próprio e converter-se em conteúdo de um enunciado, passível de ser compreendido também pelos outros (2006, p.574).

Os fundamentos da experiência estão na relação da percepção das coisas, elucida Gadamer. A “coisa em si” consiste na mera continuidade, com a qual as perspectivas da percepção das coisas vão se alternando umas às outras, como cada movimento da presença interfere na tarefa de compreender e interpretar (2006, p.578).

No entanto, continua existindo uma diferença característica, a saber, cada “nuance” da percepção das coisas é diferente das

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demais, excluindo-as, e contribui para construir a “coisa em si” como a continuação dessas nuances, enquanto que cada uma das nuances que se dão nas visões de mundo próprias da linguagem contém potencialmente todas as demais, isto é, cada uma delas pode ampliar a si mesma nas outras. A partir de si mesma, está em condições de compreender e abarcar também a “visão” de mundo que se oferece noutra língua (GADAMER, 2006, p.578).

Gadamer (2006) reitera, portanto, que a vinculação de nossa experiência de mundo com a linguagem não significa que uma única perspectiva exclua todas as outras. Igual aos viajantes sempre voltamos para casa com novas experiências e jamais mergulharemos num total esquecimento. Em particular, a pretensão de essa admissão ser absoluta e incondicionada não refuta a admissão desse condicionamento fundamental que, portanto, não pode ser aplicada a si mesma sem entrar em contradição. E não se trata de relações de juízos que devem ser mantidos livres de contradição, mas de relações de vida. A constituição da nossa experiência de mundo estruturada na linguagem está em condições de abarcar as mais diversas relações de vida (2006, p.579).

Assim a experiência do ente no mundo inevitavelmente envolve a linguagem, o comunicar-se e o entender-se com os outros e com o mundo (2006, p. 487). No acontecimento da linguagem, há certa mobilidade na ordem da experiência. O entendimento das coisas e do mundo, porém, organiza-se no persistir como tal, bem como influencia na mudança das coisas também. Na transformação das palavras, podemos ler a mudança dos costumes e dos valores, apontando que a linguagem é capaz de tudo isso porque não é uma criação do pensamento reflexivo, mas contribui ela mesma para estabelecer atitude frente ao mundo, no qual vivemos (Gadamer, 2006, p.580).

Na experiência de mundo feita na linguagem precede a tudo quanto pode ser reconhecido e interpelado como ente. O mundo não deve tornar-se objeto da linguagem porque o objeto do conhecimento e do enunciado se encontra sempre contido no horizonte global da linguagem (2006, p.581).

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