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Valores que o esporte ensina : intervenções pedagógicas para a formação da personalidade moral

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação Física

LEOPOLDO KATSUKI HIRAMA

VALORES QUE O ESPORTE ENSINA: INTERVENÇÕES

PEDAGÓGICAS PARA A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

MORAL

Campinas 2018

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LEOPOLDO KATSUKI HIRAMA

VALORES QUE O ESPORTE ENSINA: INTERVENÇÕES

PEDAGÓGICAS PARA A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

MORAL

Tese apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em EDUCAÇÃO FÍSICA, na área de BIODINÂMICA DO MOVIMENTO E ESPORTE.

Orientador: PROF. DR. PAULO CESAR MONTAGNER

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE A VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO LEOPOLDO KATSUKI HIRAMA, E ORIENTADO

PELO PROFESSOR DR. PAULO CESAR

MONTAGNER

CAMPINAS 2018

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COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________ Prof. Dr. Paulo Cesar Montagner

Orientador

__________________________________ Prof. Dr. Larissa Rafaela Galatti

Membro Titular

__________________________________ Prof. Dr. Renato Francisco Rodrigues Marques

Membro Titular

__________________________________ Prof. Dr. Wilton Carlos Santana

Membro Titular

__________________________________ Profa. Dra. Carla Nascimento Luguetti

Membro Titular

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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DEDICATÓRIA

Costumo dizer aos futuros profissionais de Educação Física que ajudo a formar que parte do pagamento do professor está exatamente na constatação de que ensinar é possível e em presenciar este fato nas condutas diárias de seus alunos.

Portanto, dedico este estudo a todos os alunos que tive o privilégio de conviver, desde as primeiras atletas de voleibol, ainda no início dos anos 1990, até os queridos jovens da cidade de Amargosa. Eles e elas que, a cada desafio que me apresentavam retribuíam com respostas incríveis, me indicando que o esforço da docência tinha valor.

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AGRADECIMENTOS

Há algum tempo (aliás, muito, tinha 12 anos) eu vivia a primeira grande frustração no esporte. Fui substituído em um torneio por equipes de judô por um colega sabidamente mais limitado que eu. Havia perdido as duas primeiras lutas. Naquela competição não poderia mais lutar apesar do grupo ainda ter vários desafios pela frente. Meus colegas foram mais eficientes e nos classificaram para o torneio nacional.

Chateado, subi na arquibancada mais alta do Ibirapuera e chorei, jurando que não colocaria nunca mais um kimono. Mas minha mãe, com toda sua sabedoria, me encorajou dizendo, se me lembro bem, que filho dela não se acovardava e que ela me ajudaria a dar a volta por cima.

Eu quebrei meu juramento e voltei a treinar, mas minha mãe não, me treinava todo dia, do jeito que achava ideal. Com cerca de 1,50m de altura ficava empurrando seu filho recém-adolescente de uns 1,80m, afirmando, “fica firme!”, “força!”... Meu pai, também eterno incentivador, amarrou faixas antigas na grade da janela. “Se arrancar a grade eu coloco de volta, não tem problema, mas puxa isto com força!”

Não sei precisar quanto tempo depois fomos para o Campeonato Brasileiro Beneméritos por equipes. Fizemos cinco confrontos ao todo. Vencemos todos! Na final, perdíamos de 2X1 quando entrei no shiai-jo. Havia escutado dos colegas que já havíamos perdido visto que, de fato, os melhores judocas do grupo eram os três primeiros. Apesar do clima, entrei confiante, como nas outras quatro lutas e venci sem vacilar. A lembrança da frustração nas eliminatórias ainda mexia comigo. Me lembro da feição (ou assim interpretei) de medo do meu oponente, fui confiante para cima, derrubei-o e venci finalizando com uma imobilização. Meu grande amigo de infância e adolescência era o 5º. lutador, fez uma dura e ótima luta, vencendo.

Atribuo a esta primeira grande lição o gatilho que levou a me atentar ao poder do esporte durante toda minha trajetória até aqui. No entanto, ao finalizar esta tese percebo que este fenômeno, o esporte, tem claro sua importância, especialmente pela riqueza de situações que entendo, nenhuma outra atividade humana é capaz de oferecer. Mas ele não é o principal. Ele é só o caminho. O principal é o caminhante e todos aqueles que estão à beira do trajeto, incentivando os viajantes.

Portanto, meu agradecimento não poderia deixa de se iniciar pela minha mãe, sra. Kaora Nakamura Hirama e pelo meu pai, sr. Mikio Hirama, verdadeiros senseis que me

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forjaram por meio do exemplo, do incentivo, do apoio, do amor e carinho.

Mais tarde contei com outros apoiadores importantes, meus filhos Felipe, Gregório e Santiago, que, com suas personalidades diferentes mostram cotidianamente como é possível amar um pai, mesmo que muitas vezes bravo e exigente.

Aos amigos que não vou nomear aqui pela possibilidade de deixar nomes importantes de fora. Mas estes não precisam ser lembrados nominalmente, pois sabem o quanto grato sou pela força e presença de sempre.

Obrigado também aos alunos participantes desta pesquisa, crianças e jovens aprendizes do judô e aos graduandos do projeto, sem a dedicação de todos este estudo não seria possível.

Um agradecimento especial ao professor Josep Maria Puig Rovira, cujos estudos e publicações me serviram de referência, mas principalmente pela disponibilidade, apoio que me ofereceu à distância, mesmo sem me conhecer pessoalmente. Quem sabe ainda conseguirei aproveitar seu convite para visitá-lo em Barcelona e a sua universidade.

Aos caros professores e professoras da banca, que para além de aceitarem o convite por avaliarem meu estudo e me auxiliarem grandemente na qualificação, são exemplos de dedicação, me servindo de referência tanto científica como profissional e pessoal.

Mas um professor em especial não posso deixar de registrar: caro Cesinha, meu orientador, mas muito para além desta função, aquele que abriu as portas para meu retorno à Unicamp, que sempre acreditou em meu potencial, que deve ter (sabe-se lá quantas vezes) colocado a “mão no fogo” por mim, e que me guiou pelos caminhos da vida e da universidade. Caro amigo Paulo Cesar Montagner, muito obrigado!

No caminho da vida, em que o esporte sempre fez parte, encontrei também o apoio do amor, na pessoa de minha esposa Cássia. Devo ter muito crédito com o Alto para merecê-la como companheira, ou vou ter que trabalhar muito para pagar a dívida!

E falando em Alto, finalmente encerro meus agradecimentos ao PAI, que me proporciona, todos os dias, a oportunidade de aprender, de ajudar, de receber apoio e amor de pessoas incríveis como as citadas assim como cada aluno que eu tive o prazer de conviver. Obrigado também pelo caminho que me abriu, o trajeto do esporte, tão imprevisível, fascinante e formativo!

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VALORES QUE O ESPORTE ENSINA: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS PARA A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE MORAL

RESUMO

Vivemos em tempos de crise nas relações confirmados através dos conflitos, violências e desrespeitos cotidianos. Características como individualismo, consumismo, imediatismo, fuga das responsabilidades e busca por satisfação dos prazeres estão substituindo valores antes considerados concretos como esforço, superação, compromissos duradouros, cooperação. Neste cenário o esporte tem sido proclamado, no senso comum, como uma excelente “ferramenta” para desenvolver valores morais que contribuem para a boa convivência, e, portanto, chamado a se contrapor aos hábitos vividos na contemporaneidade. No entanto, o número reduzido de estudos sobre este tema, sobretudo quando se trata de propostas de intervenção, indicam que esta relação ainda está mais no campo da especulação que no da pedagogia baseada em fundamentos científicos. Neste sentido, esta pesquisa se desenvolveu por meio da intervenção no ambiente de ensino do esporte para contribuição na formação da personalidade moral de seus alunos, apresentando suas propostas, discutindo suas características e levantando os valores desenvolvidos a partir desta experiência, se caracterizando por um estudo de caso realizado longitudinalmente, orientado pela abordagem etnográfica e utilizando-se da observação participativa, entrevistas, filmagens, fotos e documentos do projeto esportivo acompanhado. Teve por objetivo geral analisar o processo de estimulação na construção da personalidade moral em um projeto de ensino do judô para crianças e adolescentes, e como objetivos específicos a identificação das características fundamentais para a criação de um ambiente adequado para o desenvolvimento de valores pelo esporte; a descrição das propostas de intervenção em valores aplicadas e a avaliação das respostas apresentadas pelos jovens; e, o relato dos valores desenvolvidos em resposta à vivência das propostas de intervenção. O ambiente de pesquisa tratou-se de um projeto de extensão universitário que ofereceu aulas de judô para uma comunidade rural no interior da Bahia entre os anos de 2010 a 2015, frequentados por crianças e adolescentes de 6 a 18 anos, totalizando 70 jovens. Para a discussão dos resultados levantados destacaram-se cinco categorias temáticas: 1- A comunidade e seus valores; 2- Heteronomia como passagem para a autonomia moral; 3- Princípios adotados no ambiente do ensino do esporte; 4- A profundidade no aprendizado como fundamento do desenvolvimento moral; 5- A conduta do professor: características para a mediação na moralidade. Nas considerações finais destaca-se a importância da construção do ambiente sociomoral que estimule valores que colaboram para uma boa convivência nas relações. Neste ambiente, a cultura moral é construída por meio do tratamento de diversos aspectos como a vivência inicial da heteronomia, sempre em busca da compreensão e autonomia; a formação dos professores e estímulo ao seu próprio desenvolvimento moral; o esporte como ambiente ótimo para a formação da personalidade moral, mas não necessariamente para todos; os valores estimulados no esporte e sua relação com a vida para além dos tatames; e, finalmente, o entendimento de que as experiências vivenciadas podem ser adaptadas e replicadas de forma semelhante em qualquer modalidade ensinada.

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VALUES THAT SPORTS TEACHES: PEDAGOGICAL INTERVENTIONS FOR THE FORMATION OF MORAL PERSONALITY

ABSTRACT

We live in times of crisis in relationships confirmed through conflicts, violence and daily disrespect. Characteristics such as individualism, consumerism, immediacy, denial of responsibilities and search for satisfaction of pleasures are replacing values previously considered concrete as effort, overcoming, lasting commitments, cooperation. In this scenario, sport has been proclaimed, in common sense, as an excellent "tool" to develop moral values that contribute to good coexistence, and therefore called to oppose the habits lived in the contemporary world. However, the small number of studies on this subject, especially when it comes to intervention proposals, indicate that this relationship is still more in the field of speculation than in pedagogy based on scientific foundations. In this sense, this research was developed through the intervention in the teaching environment of the sport to contribute to the formation of the moral personality of its students, presenting their proposals, discussing their characteristics and highlighting the values developed from this experience, being characterized by a study of a case carried out longitudinally, guided by the ethnographic approach and using participatory observation, interviews, filming and accompanying sports project documents. The general objective of this study was to analyze the process of stimulation in the construction of moral personality in a judo teaching project for children and adolescents, and as specific objectives: a- Identify the fundamental characteristics for the creation of an adequate environment for the development of values by sport; b- Describe the intervention proposals in applied values and evaluate the answers presented by the young people; c- Report the values developed in response to the experience of the intervention proposals. The research environment was a university extension project that offered judo classes for a rural community in the interior of Bahia between the years 2010 to 2015, frequented by children and adolescents of 6 to 18 years, totaling 70 young people. For the discussion of the results raised, five thematic categories were highlighted: 1- The community and its values; 2- Heteronomy as a passage for moral autonomy; 3 - Principles adopted in the environment of sports teaching; 4. The depth of learning as the foundation of moral development; 5- The conduct of the teacher: characteristics for mediation in morality. In the final considerations the importance of the construction of the sociomoral environment that stimulates values that collaborate for a good coexistence in the relations stands out. In this environment, moral culture is built through the treatment of several aspects such as the initial experience of heteronomy, always in search of understanding and autonomy, teacher training and encouragement for their own moral development, sport as an optimal environment for training of moral personality, but not necessarily for all, the values stimulated in sport and its relation to life beyond the tatami, and finally the understanding that lived experiences can be adapted and replicated in a similar way in any mode taught.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Construção da caixa de areia por voluntários da comunidade... 49

Figura 2 - Enchendo a caixa com areia por alunos, bolsistas e professores... 49

Figura 3 - Aulas iniciais... 50

Figura 4 - Salão da ONG Ascoba (Associação da Comunidade dos Barreiros e Adjacências)... 51

Figura 5 - Imagem da estrada ao longo da comunidade... 67

Figura 6 - retirado de www.facebook.com.br... 118

Figura 7 - retirado de www.facebook.com.br... 118

Figura 8 - Cartaz recebido em dezembro de 2013 da turma 2... 119

Figura 9 - Ritual de início e finalização adotado em todas as aulas... 123

Figura 10 - Rotina adotada desde as primeiras aulas- montagem do dojo... 124

Figura 11 - Montagem do dojo- chacoalhando a lona para tirar a areia... 124

Figura 12 - Montagem do dojo- finalizando montagem com a limpeza para a aula... 124

Figura 13 - Discente responsável pela turma recebendo seus alunos no início da aula... 127

Figura 14 - Dupla, criança com adolescente, em atividade de projeção... 133

Figura 15 - Manifestação de gratidão e carinho entre as gerações... 133

Figura 16 - Futuros alunos ajudando a encher a caixa de areia, primeiro local de aulas... 137

Figura 17 - Trabalho concluído... 137

Figura 18 - Gincana de chute ao alvo... 139

Figura 19 - Bazar... 139

Figura 20 - Grupo de costura... 140

Figura 21 - Primeiras peças... 140

Figura 22 - Atividade em duplas refletindo sobre possibilidades de desequilíbrio... 141

Figura 23 - Alguns dos desenhos reestilizados para votação... 151

Figura 24 - Alunos com camiseta com o mascote... 153

Figura 25 - retirado de www.facebook.com.br, depoimento do discente 3... 154

Figura 26 - retirado de www.facebook.com.br, depoimento do discente 4... 155

Figura 27 - retirado de www.facebook.com.br, depoimento do aluno 1... 155

Figura 28 - Aluno pintando a sequência das faixas, turma 3... 167

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Figura 30 - Alunos com as medalhas mesmo durante a refeição... 173

Figura 31 - Campanha de arrecadação-sessão de cinema na comunidade... 176

Figura 32 - Campanha de arrecadação-sessão de cinema na comunidade... 177

Figura 33 - Campanha de arrecadação- sessão de cinema na comunidade... 177

Figura 34 - Alunos indo para a aula da manhã com chuva... 181

Figura 35 - Alunos indo para a aula de tarde com chuva... 181

Figura 36 - Retirado de www.facebook.com.br, salientando proximidade professor-aluno... 193

Figura 37 - Aluna sendo levada por discentes bolsistas para casa após a aula... 194

Figura 38 - Retirada de www.facebook.com.br, aluno 1... 195

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ASCOBA Associação da Comunidade dos Barreiros e Adjacências

CFP Centro de Formação de Professores

FEBAJU Federação Baiana de Judô

ONG Organização Não- Governamental

PYD Positive Youth Development

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SUMÁRIO

1- Apresentação do estudo: o roteiro da escrita... 17

2- O esporte em tempos de liquidez: justificativa para o trabalho em moralidade... 19

3- Os estudos em Educação Moral... 27

3.1- A educação moral e a pedagogia do esporte... 33

3.1.1- Ambiente sociomoral e esportivo... 33

3.1.2- Dilemas morais vivenciados... 36

3.1.3- Perfil do professor... 38

3.1.4- Continuidade e profundidade no aprendizado... 41

3.1.5- O diálogo e a compreensão... 42

3.1.6- Intervenção como proposta intencional... 44

4- Metodologia e Ambiente da Pesquisa... 46

4.1- Ambiente de pesquisa e métodos adotados de investigação: justificativa e detalhamento da metodologia de pesquisa... 48 4.2- Intervenções em educação moral aplicadas no projeto esportivo... 59 5- Discussão dos dados - as categorias de análise... 62

Categoria 1- A comunidade e seus valores... 65

1.1- A cidade de Amargosa e a comunidade dos Barreiros... 66

1.2- Estranhar o familiar, familiarizar-se com o estranho... 69

1.2.1- O valor do negro... 70

1.2.2- O valor da mulher... 71

1.2.3- O valor da comunidade rural... 74

1.2.4- A ausência de bens considerados comuns ... 76

1.2.5- Costumes, consequências e intervenções... 77

Considerações da categoria... 80

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Categoria 2- Heteronomia como passagem para a autonomia moral... 83

2.1- Aulas diretivas... 87

2.2- Hoje você ficará de fora da aula! ... 91

2.3- A trajetória de R... 92

2.4- A trajetória de D... 101

2.5- Tabela de avaliação atitudinal... 108

Considerações sobre a categoria... 115

Implicações da categoria para a prática docente... 119

Categoria 3- Princípios adotados no ambiente do ensino do esporte... 122

3.1- Adoção de normas e rotinas ... 122

3.2- O desenvolvimento do respeito nas relações... 126

3.3- Incentivo para a cooperação... 136

3.4- Adoção e manutenção da proposta metodológica de ensino do judô... 145

3.5- Estimulação do sentimento de pertencimento... 148

3.6- Determinação de valores segundo as exigências locais... 156

3.7- Busca pelo diálogo e compreensão... 157

Considerações sobre a categoria... 162

Implicações da categoria para a prática docente... 163

Categoria 4- A profundidade no aprendizado como fundamento do desenvolvimento moral... 164

4.1- O desenvolvimento do interesse por meio de intervenções pontuais e a curto, médio e longo prazo... 165

4.2- A competição como meio de compreensão da evolução e determinação de metas futuras... 170

4.3- O engajamento e o desejo de aprofundamento manifestado... 179

4.4- O esporte deve ser sempre para todos? Os casos de evasão... 183

4.5- A descontinuidade: o encerramento das atividades do projeto... 185

Considerações sobre a categoria... 187

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Categoria 5- A conduta do professor: características para a mediação na

moralidade... 190

Considerações sobre a categoria... 202

Implicações da categoria para a prática docente... 203

Considerações finais... 206

Referências bibliográficas... 211

Anexos... 225

Anexo 1- Comprovação de projeto de pesquisa aprovado... 225

Anexo 2- TCLE... 226

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1 - APRESENTAÇÃO DO ESTUDO: O ROTEIRO DA ESCRITA

Somos confrontados cotidianamente com uma série de acontecimentos que indicam que vivemos tempos de incertezas morais, de crises nas relações entre as pessoas e consigo mesmas, de individualismo em detrimento do bem coletivo. Tais acontecimentos estão expressos nos mais variados ambientes sociais, incluindo os educacionais como os exemplos de bulling, gangues, agressões entre jovens, alunos e professores.

Estas características influenciam toda a sociedade e suas manifestações, incluindo o esporte, fenômeno que por sua vez também tem grande impacto na humanidade. Portanto, sendo o objeto deste estudo o esporte e suas possibilidades de contribuição na formação moral de educandos, iniciamos o texto, como justificativa da temática escolhida, apresentando algumas características enfrentadas na pós-modernidade e suas possíveis relações com o ambiente esportivo em geral, nos apoiando principalmente nas publicações de Bauman (2001; 2004).

Em seguida destacamos os estudos em educação moral que consideram o desenvolvimento como um processo de construção individual, mas sempre valorizando a importância do ambiente em que cada pessoa se relaciona. Neste ponto, as investigações de Piaget (1994; 1996) e Kolhberg (1975) e colaboradores são a referência teórica de base, que dão sustentação aos estudos de Puig (1998a, 1998b, 2003) e colaboradores, adotados como principal referência para essa pesquis na temática específica da moralidade, apoiado ainda por outros pesquisadores como La Taille (1998; 2001; 2003), Vinha (2000, no prelo), Araújo (1999, 2000).

Após revisão das bases teóricas em moralidade, buscamos aproximações entre as propostas de construção da personalidade moral com o ambiente esportivo, à luz de autores de ambas as áreas.

Em seguida, apresentamos a metodologia adotada e a descrição do ambiente de estudo salientando-se o cenário de pesquisa, a orientação etnográfica adotada, os detalhes da observação participante e as ferramentas empregadas de coleta e registro de dados. Finalizamos com a descrição da metodologia de análise de conteúdo, que norteou o tratamento dos dados levantados.

O capítulo seguinte apresenta a discussão dos dados organizados em cinco categorias de análise: 1- A comunidade e seus valores; 2- Heteronomia como passagem para a

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autonomia moral; 3- Princípios adotados no ambiente do ensino do esporte; 4- A profundidade no aprendizado como fundamento do desenvolvimento moral e 5- A conduta do professor: características para a mediação na moralidade

Finalizamos o texto com as considerações finais destacando os principais achados e reflexões acerca da temática investigada.

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2- O ESPORTE EM TEMPOS DE LIQUIDEZ: JUSTIFICATIVA PARA O TRABALHO EM MORALIDADE

O cenário de mudanças nos valores vividos na atualidade tem sido discutido por diversos estudiosos e identificados com denominações variadas, entre elas, a Modernidade Líquida, intitulada por Zigmunt Bauman (2001). O sociólogo defende a tese de que as relações sociais atuais possuem as características do estado líquido como a instantaneidade, transitoriedade, maleabilidade, inconstância, diferentemente do passado não tão distante de certezas, de ideais firmes e verdades então absolutas.

Um dos eixos fundamentais nas reflexões de Bauman (2001) é o consumo exacerbado, por onde outras características da pós-modernidade se expressam. O estudioso afirma que o ato de comprar passa a ser um ato de exorcismo: “O indivíduo expressa a si mesmo através de suas posses.” (BAUMAN, 2001, p. 89). A indústria do lazer aliada ao esporte pode ser exemplo e exerce grande poder de sedução ao consumo. O esporte espetáculo move multidões aos estádios, ginásios, arenas ou à frente dos televisores para assistirem seus ídolos e também os direcionam às lojas de artigos esportivos, físicas ou virtuais, em busca das camisas oficiais, da nova chuteira do craque, da raquete do melhor do mundo, do agasalho da marca famosa. Talvez o sucesso desse mercado esteja no fato de se aliar produto aos sentimentos, em que o consumidor vive situação de mimésis relativo ao seu esporte favorito, combinando excitação, medo, tristeza com prazer (ELIAS; DUNNING, 1992).

O contexto mimético pode explicar o fanatismo de muitos torcedores por seus times de futebol, fixando cartazes de sua equipe pelos cômodos, pintando suas casas nas cores do clube, chorando, sorrindo, sofrendo e vivendo pela campanha da equipe, e também consumindo muitos produtos relacionados ao esporte, desde uniformes e souvenires até a compra de canais pagos exclusivos que transmitem ao vivo os campeonatos de suas paixões. Desta forma, o “ter” se confunde com o “ser” ou pode-se dizer que para “ser” é necessário “ter” e ostentar suas posses.

Outro bom exemplo do consumo vinculado ao esporte e atividade física é o que se relaciona à saúde e à estética e seus benefícios para a vida. A lista de produtos deste fenômeno é enorme: materiais e vestuário para as práticas, equipamentos, inclusive para se instalar no próprio lar, suplementos alimentares, produtos estéticos atrelados à atividade física, livros, dvds, programas de TV, programas diversos nas academias.

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Líquida e também facilmente percebidas nas promessas divulgadas de tais produtos. Os equipamentos de ginástica prometem de forma rápida, segura e prazerosa o corpo perfeito, a saúde e alegria, como destacadas nos modelos que aparecem se exercitando nas máquinas, sempre sorrindo, corpos esculturais, reforçando a ideia de esforço mínimo e a satisfação máxima. Ainda fica clara a exploração do valor dado ao corpo padronizado como belo e consequentemente a desvalorização do corpo que não segue tais padrões, estimulando a vaidade e a discriminação.

Bauman (2001, P. 148) afirma que “A „escolha racional‟ na era da instantaneidade significa buscar a gratificação evitando as consequências, e particularmente as responsabilidades que essas consequências podem implicar.” Neste sentido, alerta que se vive combinações de valores ainda desconhecidos, onde hábitos aprendidos anteriormente para resolver situações corriqueiras já não tem utilidade ou sentido.

A diminuição da adesão dos jovens aos programas de aprendizagem, aperfeiçoamento e treinamento esportivos de médio e longo prazo pode estar relacionada à característica da negação do que é duradouro e suas responsabilidades. Vianna e Lovisolo (2005) destacam a evasão esportiva ao investigarem cerca de 6.000 jovens participantes de projetos socioesportivos no estado do Rio de Janeiro, detectando que 80% deles deixavam os projetos antes do primeiro ano de atividades. Fonseca (2004) também denuncia altos índices de abandono esportivo nos EUA e em diversos países da Europa, afirmando que os números totais de crianças e jovens que aderem ao esporte nestas nações é muito bom, chegando a 80% do total nos EUA, no entanto, um terço destes adolescentes, a partir dos 12 anos, abandonam a prática, aumentando esta porcentagem para 80% após os 17 anos. O pesquisador afirma que nos locais investigados o desafio está em manter os jovens na prática, visto que a oferta para o ingresso nas atividades está garantida.

Como podemos perceber, aqui no Brasil este desafio é ainda maior, pois nem mesmo o acesso de grande parte das crianças e jovens ao esporte ainda foi conquistado. De qualquer forma, o alerta também nos serve, visto que é pertinente a preocupação por procurar manter os poucos iniciantes esportivos que percentualmente existem no país, em uma prática significativa e educativa.

A superficialidade nas relações é destacada na Modernidade Líquida e intimamente relacionada à busca pela satisfação imediata. Segundo Bauman(2001, 2004) não há sentido em tolerar situações, objetos ou pessoas que não tenham relevância com este sentimento. Transferindo-nos para o ambiente esportivo, são eventos corriqueiros nas aulas e

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treinamentos a responsabilidade com materiais, horários, colegas, a cooperação, a superação, o respeito, a dedicação, o esforço e inclusive, a frustração. Parecem-nos condições bastante contrárias aos desejos de quem procura prazer instantâneo e superficial. Portanto, é de se esperar a diminuição do número de jovens que se entreguem a tais conquistas mais profundas, que exijam maior dedicação e compromissos relacionais com outras pessoas de forma real, preferindo, como Bauman (2004) afirma, a proximidade virtual, referindo-se às redes sociais, que oferecem a falsa sensação de segurança e de vida social intensa, mas que na verdade é bastante solitária.

Esta individualidade é mais uma das características da contemporaneidade e, como as demais, estão intimamente relacionadas. O exemplo do consumo pode demonstrar esta teia de relações: a satisfação momentânea obtida pela compra, via de regra, é individualizada. A instantaneidade dos desejos não estimula relacionamentos mais profundos e comprometidos, isolando gradativamente as pessoas. Mesmo quando se está fora do mundo virtual, a solidão e o individualismo acontecem. Bauman(2001) dá o exemplo do shopping, onde as pessoas estão reunidas, mas sem o imperativo de se relacionarem. Será este também o motivo do crescimento das modalidades esportivas individuais como as corridas de rua1? Algumas características dos dois exemplos podem ser semelhantes, pois se constata a reunião de muitas pessoas, grande parte em busca de alguma satisfação, no entanto, em geral, sem haver relações sociais significativas entre os participantes, a não ser entre os já conhecidos e/ou a relação de vencer ou comparar-se aos outros corredores. Uma imagem que pode simbolizar a individualidade praticada em eventos desta natureza é a do corredor cruzando a linha de chegada e parando seu cronômetro de pulso, verificando qual foi a sua marca pessoal, se conseguiu ou não superar seu próprio tempo ou se conseguiu realizar o percurso dentro de suas expectativas. Para reforçar esta colocação, Truccolo, Maduro, Feijó (2008), em estudo que buscou encontrar os motivos da adesão às corridas de rua, destacaram a melhoria do condicionamento físico, da saúde e da auto-estima e estar ao ar-livre, somando-se especificamente às mulheres a melhoria da estética e aos homens a diminuição do estresse e ansiedade. Como é possível perceber, todos os principais aspectos levantados dizem respeito ao próprio corredor ou corredora em detrimento do convívio social, reforçando a teoria de individualização mesmo estando em grandes agrupamentos.

Ainda relacionado à individualidade, a busca pela satisfação imediata parece se

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confundir com exercício dos direitos de cada pessoa levando ainda repetidamente à fuga de responsabilidades e consequências. Esta situação é bastante presente em detrimento das discussões e movimentos acerca dos deveres de cada indivíduo para com a sociedade. A tendência é verificada também em obras que versam sobre a educação de crianças e jovens, enfatizando a estimulação pela garantia por seus direitos:

Com isso, entramos no tema da cidadania, outra palavra que pode ser empregada em muitos sentidos. Desde sua origem na Roma antiga, a ideia de cidadania está vinculada ao princípio de que os habitantes têm o direito de participar da vida política da sociedade. Em seu sentido tradicional, a cidadania expressa um conjunto de direitos que permite aos cidadãos o direito de participar da vida política e da vida pública, podendo votar e ser votado, participar ativamente na elaboração das leis e de exercer funções públicas, por exemplo.

[...]Acredito que a cidadania pressupõe não apenas o atendimento das necessidades políticas e sociais, com o objetivo de garantir os recursos materiais que deem uma vida digna às pessoas, mas também o atendimento de suas necessidades psicológicas, reconhecendo a importância da vida afetiva, dentre outros aspectos mais, para as relações que estabelecem com o mundo. (ARAÚJO, 2000, p. 96) (Grifo nosso)

No próprio Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil (ECA) está explícito em seus artigos os direitos dos jovens e os deveres de toda a sociedade, governo, instituições para com eles. Não foi encontrado sequer um artigo que verse sobre as responsabilidades e deveres de crianças e principalmente, dos adolescentes. Diante desta notória desobrigação por parte dos jovens na sociedade, Damon (2009, p. 170) descreve como os jovens americanos se sentem com relação à ausência de deveres em suas vidas:

Os jovens já não sentem que fornecem contribuições necessárias ao lar, que outros membros da família dependem deles, e que, se eles falharem em cumprir suas responsabilidades, desapontarão alguém ou deixarão alguma tarefa necessária incompleta. Além das virtudes formadoras do caráter que tais responsabilidades engendram, há também o sentimento-chave de se “sentirem necessários” que não está sendo alimentado pela ausência dessas obrigações familiares.

Importante enfatizar que não discordamos da urgência por se garantir os direitos de uma vida plena aos cidadãos, em especial crianças e adolescentes. No entanto, apontamos para os perigos de uma leitura menos atenta que pode tender apenas à reivindicação, esquecendo-se de cultivar aspectos contidos no exercício da cidadania, na conquista e manutenção de direitos, ou seja, os deveres, como por exemplo: no direito de participar de assembleias estudantis, o dever de fazê-lo com compromisso e seriedade e assumir sua

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posição e consequências; no direito de ser respeitado, o dever de agir de forma respeitosa para com todos; no direito de ter acesso aos espaços de formação dignos, o dever de participar de sua manutenção e cuidados. Parece-nos que os exemplos dados são faces da cidadania que, em muitas situações, não estão sendo contemplados satisfatoriamente por ambos os lados.

Diante deste cenário, é possível considerar que o esporte possa representar oposição ao movimento individualista e descompromissado que os jovens estão enfrentando nos dias atuais, estimulando o sentimento de pertencimento de forma significativa. Segundo Gomes (2002) toda pessoa necessita se sentir pertencente para manter sua saúde mental, ser reconhecido, protegido, ao mesmo tempo em que é estimulado a minimizar seu egocentrismo, pois para fazer parte será necessário seguir as regras do grupo. Este sentimento de pertencimento pode ser gerado em uma equipe esportiva que busca se desenvolver em alguma modalidade, seja ela coletiva ou individual, pois em seu cotidiano são constantes as situações em que se exige cooperação entre todos, assunção de compromissos, deveres e tarefas, tornando este ambiente rico para minimizar os efeitos individualistas e descompromissados da vida contemporânea.

Baseados no entendimento que o modelo de vida pautado nas características da Modernidade Líquida, apontados por Bauman (2001), tem desencadeado hábitos e valores contrários a uma boa convivência com os outros e consigo mesmo, torna-se imperioso o fomento de práticas educativas que façam frente a este movimento. Para tanto, defendemos que o esporte, o mesmo fenômeno que sofre com a crise de valores vivida atualmente, pode também ser ambiente de experiências importantes para se contrapor ao cenário que está posto, desde que receba tratamento pedagógico adequado, refletido e pesquisado.

No entanto, ao se buscar publicações brasileiras nesta temática envolvendo esporte e moralidade verificamos um reduzido número de pesquisas, o que denuncia o papel secundário mesmo frente a uma problemática tão atual. No processo de revisão bibliográfica, utilizamos como palavras-chaves combinadas: “esporte” e “moralidade”; “sport” e “morality”; e “deporte” e “moralidad” foram consultadas as bases de dados Scielo, Scopus, Lilacs, Bireme, Web of Cience, Pubmed e os sistemas de bibliotecas das universidades públicas: USP, UNICAMP, UNESP, UFRJ, UFMG, UFPR, UNIFESP, UFRGS, UFSC.

Como resultado, foram encontradas apenas 13 publicações envolvendo a temática. Ao analisar o conteúdo dos estudos selecionados, foi possível dividir as produções em 4 categorias de objetivos, quais sejam:

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(KOBAYASHI, ZANE, 2010; EVANGELISTA, et al. 2010; GIANNOCORO, SILVA. 2014; LENZ, PINHEIRO, GENEROSI, 2010) e duas teses (PORTELA,1999; SOUZA, 2002) ;

b- Caracterizar as intervenções de treinadores esportivos para o desenvolvimento moral: uma dissertação de mestrado (SANTANA, 2003); c- Aspectos filosóficos do esporte enquanto meio promotor da moralidade: três

artigos (RUBIO, CARVALHO, 2005; SANTOS, 2005, NOGUEIRA, 2016) e um livro (BERESFORD,1994);

d- Reflexão teórica acerca das possibilidades de desenvolvimento moral pelo esporte: dois artigos (ASSAD et al. 2013; TRUSZ, DELL‟AGLIO, 2010).

Discutindo o conteúdo dos estudos, verifica-se a ênfase no juízo moral, abordado, de forma geral, por meio de questionários apresentados a partir de um dilema ficcional, se afastando das propostas defendidas por estudiosos da educação moral que preveem a vivência real de conflitos morais como estratégia significativa para o desenvolvimento dos valores de convivência, característica encontrada apenas no estudo de Santana (2003), que observa os técnicos em ocorrências reais.

No cenário internacional encontrou-se maior quantidade de estudos na temática. Destacamos dois grupos de estudos levantados na pesquisa bibliográfica:

Nas publicações na língua espanhola destacam-se as investigações de Melchor Gutiérrez Sanmartín e seus colaboradores, sendo adotados por outros autores como referencial, pautados especialmente no juízo moral e na intervenção a partir de dilemas morais aplicados em grupos de escolares na educação física e esportes. (GUTIÉRREZ, MONTAIBAN, 1994; GUTIÉRREZ, 1995; 2003; 2005; MUSITU, ROMAN, GUTIÉRREZ, 1996; GUTIÉRREZ, VIVÓ, 2005; ESCARTÍ, PASCUAL, GUTIÉRREZ, 2005)

O segundo grupo que destacamos, este mais amplo e com estudos abrangendo diferentes países do mundo, é o relacionado à proposta de desenvolvimento positivo de jovens por meio do esporte - Positive Youth Developmente through Sport (PYD). Originalmente o PYD foi uma visão de desenvolvimento formulada por pesquisadores das áreas da educação e psicologia nos EUA e transportada para o ambiente esportivo por professores e estudiosos da pedagogia do esporte (HOLT, 2008; CÔTÉ, GILBERT, 2009; CÔTÉ, et al, 2010; VEIRIMAA, et al, 2012; LIGHT, 2013; CAMIRÉ, TRUDEL, BERNARD, 2013;

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al, 2016; CÔTÉ, entre outros) . O cerne desta proposta é enxergar o jovem como detentor de potencial a ser desenvolvido para enfrentar os desafios desta fase tão repleta de mudanças, abandonando a ideia de que ele próprio é o problema. Desta forma, o princípio do PYD é estimular os jovens a aderirem a comportamentos que promovam atitudes pró-sociais e evitem aqueles que possam provocar prejuízos ou danos (HOLT, 2008). Defende-se anular os feedbacks negativos, pautados na correção dos erros, comuns na forma tradicional de ensino, e se basear no reforço positivo desenvolvendo habilidades como a resolução de problemas, prazer no aprendizado, imaginação, curiosidade, estimulando, desta forma, a autodescoberta, autoconfiança e autoestima (LIGHT, 2013).

No entanto, as propostas se diversificam no interior desta perspectiva, algumas tratando o esporte como ferramenta para o objetivo específico do desenvolvimento moral, e desta forma, se afastando do objetivo de performance esportiva em qualquer nível. Em rota diferenciada, Light (2013)2 destaca algumas proposições metodológicas relacionando-as com o desenvolvimento positivo de jovens, mas tratando-o como um dos objetivos a serem alcançados no ambiente de aprendizado esportivo e não mais como alvo central.

Uma proposta do PYD no esporte é a conhecida como 4Cs, especialmente investigada por Côté e colaboradores (Côté; GILBERT, 2009; CÔTÉ, et al, 2010; CÔTÉ; ERICKSON; DUFFY, 2013). Os 4 Cs se referem aos domínios alvos a serem estimulados no ambiente esportivo: Competência (habilidades motoras, técnicas e táticas), confiança (sentido interno de auto-estima positiva geral), conexão (ligações positivas e relações sociais com pessoas dentro e fora do esporte) e caráter (respeito pelo esporte e outros, moralidade, integridade, empatia e responsabilidade) (CÔTÉ, GILBERT, 2009, p. 314), o primeiro se refere ao domínio do desempenho e os demais ao psicossocial. Para tanto, os autores dão destacada importância à formação do treinador, caracterizando sua atuação conforme os diferentes grupos e objetivos com que trabalha (VEIRIMAA, et al, 2012).

No entanto, apesar do maior volume de publicações acerca da temática, Camiré, Trudel e Bernard (2013) destacaram a escassez de estudos aplicados ao realizarem levantamento bibliográfico sobre pesquisas que relacionavam o desenvolvimento de valores e habilidades para a vida no ensino do esporte. Vierimaa, et al (2012) reforçam o cenário,

2 Light (2013, p. 116, 117) descreve como propostas de ensino do esporte com objetivo centrado no

desenvolvimento positivo: Sport for Peace (Ennis, 1999), Teaching Personal and Social Responsibility through Phisical Activity (Hellison, 2010), Sport Education (Siedentop, 1994) e Positive Youth Development through Sport (Holt, 2008). E como propostas de ensino do esporte que incluem o desenvolvimento positivo em conjunto ao desenvolvimento esportivo: Teaching Games for Undestand (Bunker, Thorpe, 1982), Game Sense (Den Duyn, 1997), Tactical Games (Griffin, Mitchel, Oslin, 1997), Games Concept Approach (cneil, Fry, Wright, Tan, Schempp, 2004), Tactical-Decision Learning Model (Gréhaigne, Richard, Griffin, 2005).

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indicando que as investigações até aquele momento se baseavam em ensaios teóricos e de natureza transversal, com ações voltadas para aquisição de habilidades para a vida e valores3 oferecidas especialmente em momentos periféricos da vida esportiva, como eventos sociais e atividades solidárias sem maiores relações com o esporte.

Portanto, confirma-se a carência de investigações na temática e reforça-se a justificativa para a pesquisa baseada nas intervenções, suas características, seu ambiente e suas decorrências.

Desta forma, define-se como objetivo geral desta pesquisa:

Analisar o processo de estimulação da construção da personalidade moral em um projeto de ensino do judô para crianças e adolescentes.

E como objetivos específicos listaram-se as tarefas:

-Identificar as características fundamentais para a criação de um ambiente adequado para o desenvolvimento de valores pelo esporte;

-Descrever as propostas de intervenção em valores aplicadas e avaliar as respostas apresentadas pelos jovens;

-Relatar e discutir os valores desenvolvidos em resposta à vivência das propostas de intervenção.

Assim sendo, discute-se a seguir as proposições de estudiosos da educação em valores, também denominada educação moral, e posteriormente da pedagogia do esporte referentes às possibilidades de contribuição na formação da personalidade moral dos jovens esportistas.

3 As publicações sobre o PYD defendem a aquisição de habilidades e valores como meta da abordagem,

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3- OS ESTUDOS EM EDUCAÇÃO MORAL

As indagações acerca da moral acompanham o desenvolvimento da humanidade desde a antiguidade, a exemplo dos estudos de filósofos gregos como Aristóteles e Platão, sendo atualmente discutida por diferentes dimensões do conhecimento além da própria filosofia, como a psicologia, a sociologia e a pedagogia.

Diversos estudiosos relacionados à educação defendem que é necessário considerar os valores de relacionamento voltados para uma boa convivência como conteúdo a ser desenvolvido em espaços educacionais. Encontramos em Zabala (1998) a definição de aspectos sócio-afetivos, como sendo a área das relações sociais e individuais a serem estimuladas. Coll (2000) propõe a aprendizagem e o ensino das atitudes. Na mesma relação, Morin (2003) afirma ser necessário desenvolver a ética do gênero humano, a ética indivíduo/espécie que convoca a cidadania terrestre em um de seus sete saberes da educação.

O referencial teórico formulado pela UNESCO4, conhecido como os quatro pilares da educação, através de um grupo de personalidades mundiais da educação, coordenado por Jacques Delors5 é referência em projetos socioeducativos e buscam oferecer orientação aos educadores sobre o que se deve estimular no processo educacional de crianças e jovens. Em uma visão ampla de formação, a proposta da UNESCO envolve em cada pilar:

• Aprender a conhecer: ênfase nas competências cognitivas. • Aprender a fazer: competências produtivas.

• Aprender a conviver: competências sociais. • Aprender a ser: competências pessoais.

Para além de tais referências que tratam dos conteúdos a serem objetivados em ações educacionais, outros pesquisadores vêm abordando a moralidade de forma mais específica e aprofundada. Se estudos relacionando especificamente a educação física e a moralidade são escassos, as pesquisas na área da educação têm grande volume de produção, sendo abordada há séculos.

Diante da diversidade de teorias acerca do tema, adotamos como referencial teórico pesquisas que entendem a moral como um processo de construção individual, denominados cognitivo-evolutivo, afastando-se de teorias que defendem a moralidade como constituída unicamente pela pressão externa, oriunda do ambiente como a obediência às

4 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 5

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regras ou submissão às determinações religiosas ou da sociedade6, sem desmerecer a importância de tais obras para o fomento das reflexões e formulações de outras investigações posteriores. Tanto que Piaget e Kolhberg, pesquisadores referências na teoria adotada para este estudo, foram influenciados por Kant e Durkheim, especialmente na formulação dos princípios universais da moral e na importância da influência da sociedade (BAGGIO, 2006). Puig (1998a, p. 73) contribui com o conceito de construção da moral afirmando:

A moral não é dada de antemão, tampouco é descoberta ou escolhida casualmente; a moral exige um trabalho de elaboração pessoal, social e cultural. Por isso, não se trata de uma construção solitária nem desprovida de passado e à margem do contexto histórico. Ao contrário, é uma tarefa de cunho social, que conta também com precedentes e elementos culturais de valor que contribuem, sem dúvida para configurar seus resultados. Mas em todo caso é uma construção que depende de cada sujeito.

O psicólogo e pesquisador Jean Piaget é referência básica dos estudos da construção da moralidade. Dois temas foram abordados em suas pesquisas na temática e que proporcionaram grandes desdobramentos posteriores: o desenvolvimento da inteligência e a moralidade. Segundo Castro (1996), eles se relacionam e tem o mesmo princípio baseado na não imposição ao aluno daquilo que ele próprio pode descobrir por si mesmo.

Mesmo partindo da base filosófica sobre a moralidade humana, incluindo as críticas sobre os postulados da época (décadas de 1920 e 1930), como proposições alinhadas politicamente às ideologias vigentes, a crença de uma natureza humana única e da harmonia da consciência moral, o psicólogo se afasta da filosofia e adota a abordagem científica, sendo o pioneiro na temática e cujas publicações são referências até hoje (LA TAILLE, 1994).

Piaget publica em 1932 sua obra clássica “O julgamento moral da criança” (PIAGET, 1994), na qual defende três diferentes níveis, denominados pré-moral, heterônomo e autônomo. O primeiro não se observa obrigação diante da regra, conhecida também por anomia. O segundo se define pela obediência às regras relacionada à submissão à figura de autoridade e às consequências em se obedecer ou não às normas. O último nível se baseia nas relações de reciprocidade, refletindo-se sobre o papel e as consequências das regras.

Para além de investigar e publicar a teoria sobre as fases de desenvolvimento moral, Piaget, na década de 1930 publica o artigo “Os procedimentos da Educação Moral”, incluído na obra de Macedo, et al (1996), que discute problemas e sugestões acerca da pedagogia da moralidade, procurando alternativas para a metodologia em vigor baseada no

6 Para maior aprofundamento de tais teorias da moralidade baseadas nas regras, leis ou determinação da

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cumprimento de regras e normas, na prática de propostas puramente verbais e pautadas no juízo moral.

Porém, Piaget não prosseguiu seus estudos nesta temática a partir de então (MACEDO et al, 1996), mas serviu de base para outros pesquisadores, como o psicólogo americano Lawrence Kohlberg7 que investigou a moralidade por toda sua vida profissional. Norteou seus estudos no detalhamento dos estágios de desenvolvimento moral, que se fundaram nas maneiras de raciocinar os dilemas e não em conteúdos morais, destacando-se a importância da justificativa alegada pela pessoa entrevistada para a decisão escolhida. Para tanto, o estudioso alegava que a avaliação das entrevistas era uma atividade interpretativa, na busca por compreender as razões das respostas apresentadas pelas pessoas que participavam da pesquisa.

Kohlberg também ampliou a faixa etária pesquisada. Piaget (1994) limitou-se a investigar crianças até os 12 anos e Kohlberg lançou sua teoria baseada em entrevistas com jovens de 10 a 16 anos e posteriormente, ampliando seus estudos para adultos e em diversos ambientes, como por exemplo, detentas em presídio feminino. Avançando no detalhamento dos níveis de desenvolvimento moral, Kohlberg formula, em sua tese de doutorado defendida em 1958 (BIAGGIO, 2006), assim como Piaget (1994), três níveis: pré-convencional, convencional e pós-convencional, mas dividindo cada um em dois estágios.

No estágio 1, em geral, presente em crianças entre cinco e oito anos, as condutas são heterônomas, tendo a figura de autoridade como central e determinante nas ações que são realizadas por medo do castigo. No estágio 2, em jovens de oito até catorze anos, o justo e o correto é agir para satisfazer as próprias necessidades com certa concordância com a satisfação das necessidades dos demais, mas evidenciando-se ainda o individualismo.

O estágio 3, manifestada em pré-adolescentes e adolescentes, podendo se prolongar para o restante da vida, se caracteriza por atitudes que busquem a aprovação do grupo em que se convive. Surgem as ideias de reciprocidade (quero para mim o mesmo que para alguém do meu convívio) e de equidade no sentido da ação guiada pela justiça, mas somente entre os membros do grupo.

No estágio 4 (quando alcançada), em geral iniciado a partir da metade da

7 Apesar de Lawrence Kohlberg ser adotado como referencial em diversos estudos de pesquisadores brasileiros

como BATAGLIA, 2014; ARAÚJO, 1999, LUKJANENKO, 2001; VIVALDI, 2013, entre outros, suas publicações no Brasil são praticamente inexistentes, com pouquíssimo acesso aos seus livros, tese e artigos (estes últimos, somente mediante pagamento), mesmo no banco de dados das universidades paulistas como USP, UNESP e UNICAMP. Por este motivo, adotou-se a citação indireta na maioria das ocasiões.

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adolescência, a ideia de justiça se amplia para toda a comunidade. A lei tem maior valor e as atitudes são no sentido de garantir a ordem social dominante.

O estagio 5 é o da moral do contrato e dos direitos humanos e pode surgir a partir dos últimos anos da adolescência. O contrato social diz respeito ao consenso e ao diálogo como procedimentos de organização social. Puig (1998a, p. 59) explica: “Os sujeitos que estão no quinto estágio se sentem na obrigação de obedecer à lei porque a instituíram mediante contrato social e porque esta responde a valores universalmente desejáveis.”

A moral de princípios éticos universais é a que caracteriza o sexto estágio e é atingida por poucas pessoas. É necessário aqui reconhecer como universais a igualdade entre os homens, o respeito à dignidade, liberdade e autonomia, consideradas a partir do ponto de vista de cada ser, em determinada situação, buscando o equilíbrio destas perspectivas (KOHLBERG; BOYLD; LEVINE; 1990).

Ainda sobre o desenvolvimento cognitivo-evolutivo defendido por Kohlberg (1975, p. 670), o pesquisador defende características empíricas definidas: 1- os estágios são "conjuntos estruturados", ou sistemas organizados de pensamento, ou seja, todo indivíduo no mesmo estágio apresenta características semelhantes; 2- os estágios são invariantes, o sentido é sempre evolutivo e obrigatório, portanto, para avançar é necessário passar por cada etapa; 3- os estágios são integrações hierárquicas, a tendência é sempre a busca por níveis mais altos, mas o indivíduo compreende ou inclui os estágios anteriores.

A partir dos conceitos dos níveis de desenvolvimento moral, Puig (1998a) se aprofunda detalhando os processos do que denomina Construção da Personalidade Moral, ressaltando a importância determinante da consciência autônoma definida como a percepção da própria atividade física e mental. Partindo desta consciência, cada indivíduo adquire a capacidade de regular e avaliar suas ações, componentes essenciais para a construção moral. O juízo moral, a compreensão e a autorregulação são elementos constitutivos desta consciência sendo o primeiro aquele que define o que deve ser feito conforme os valores internalizados de cada pessoa. A compreensão é entendida como “o reconhecimento de particularidades nas situações concretas e a busca por respostas contextuais.” (VIVALDI 2003, p. 53) Desta forma, ela se desenvolve no sentido de se alcançar o sentimento de equidade, que aparece ao se considerar os valores internos (juízo de valores pessoais) e o contexto do dilema moral vivido. Finalmente, o último elemento defendido por Puig (1998a) como constituinte da consciência, a autorregulação é a ferramenta pela qual o indivíduo busca equilíbrio entre os próprios juízos de valores e os juízos desejados socialmente, ou seja,

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permite alcançar certa coerência entre seus valores e suas ações morais de forma consciente e desejada.

Avançando nas investigações, Puig (2003) alerta sobre algumas críticas realizadas ao modelo cognitivo-evolutivo, especialmente às propostas de Kohlberg. Apesar de reforçar a importância dos estudos pioneiros deste modelo, algumas fragilidades são apontadas e incluídas novas perspectivas.

Segundo Puig (2003), os estudos pautados no juízo moral tiveram por objetivo se afastar do relativismo que ditava que tudo dependia da situação social para que condutas morais adequadas fossem observadas. No entanto, ao se buscar características internas do indivíduo, se distanciou da grande influência do ambiente, denominando-os de “eu de laboratório” (PUIG, 2003), deixando em segundo plano aspectos relevantes como a própria biografia da pessoa, sua memória cultural e suas relações sociais.

Apesar dos estudos pautados no juízo moral contribuírem para se compreender o processo de desenvolvimento dos diferentes estágios internos que uma pessoa pode percorrer, a coerência entre o juízo e a conduta sempre foram difíceis de comprovar. Puig (2003, p. 30) afirma que o próprio Kohlberg declara tal fragilidade alegando que o juízo moral é uma das condições para que a ação moral aconteça, mas não a única e nem suficiente.

Considerar o desenvolvimento pautado basicamente nos aspectos internos depositou na individualidade a capacidade praticamente total da formação da própria personalidade moral, o que Puig (2003, p. 46, 47) chama de “hipertrofia do eu”, como sendo um sujeito onisciente e onipotente. Com estas características, as propostas de desenvolvimento moral se basearam na plasticidade e maleabilidade do ser, facilitando a intervenção, visto a necessidade de investir esforços apenas nos sujeitos “ilhados”.

Estudos partindo das proposições de Kohlberg surgiram também no sentido de ampliarem os aspectos internos, que foram denominados capacidades morais que todos podiam e deveriam dominar, como autoestima, sensibilidade moral, empatia, autorregulação. Tais capacidades passaram a ser estimuladas a partir do desenvolvimento ou treinamento por meio de métodos ou técnicas. No entanto, Puig (2003) alerta que o desenvolvimento destes aspectos não foram adiante sem que se percebesse a necessidade da sua relação com os problemas vividos cotidianamente. Desta constatação originou-se outra tendência nas propostas em educação moral, pautada na formulação de temas gerais que abordavam as situações de relacionamento no ambiente.

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Apesar do avanço nas propostas que consideram os aspectos internos do indivíduo e sua capacidade de desenvolvimento relacionadas com as influências do ambiente em que vive, suas intervenções ainda eram pautadas na reflexão de situações hipotéticas (mesmo que sendo levantadas a partir da realidade cotidiana) e no diálogo, causando outra crítica baseada no verbalismo excessivo e pouca implicação ou experiência pessoal. O mesmo autor reforça que programas desta natureza chegaram a ser conhecidos como aqueles que produzem “alunos que falam de forma moralmente correta e atuam de modo imprevisível” (tradução do autor) (PUIG, 2003, p. 42)8.

A partir desta constatação, as propostas em educação moral começaram a inserir as experiências morais nas intervenções, como as assembleias, as reuniões para resolução de conflitos, a elaboração de projetos de ação social, que vão colaborando para formar um clima adequado no ambiente, que Puig (2003) chama de comunidades de alta densidade moral.

A compreensão da teia de relações que envolve o desenvolvimento da personalidade moral (seus aspectos internos e percurso nos diferentes níveis), estimuladas intimamente pelo trato com os outros e com o ambiente e o enfrentamento dos conflitos morais que envolvem qualquer experiência de convivência, é considerada em publicações mais recentes, o que Puig (2012, p. 8)9 apresenta como Cultura Moral:

Uma espécie de atmosfera que envolve e influencia seus membros, que invade os rincões do centro e que se percebe no mesmo instante em que se passa pela entrada. Uma atmosfera que resulta da complexidade do que ocorre no dia a dia da vida escolar e que, à medida que os escolares participam das atividades cotidianas, vai permeando sua personalidade e dando forma ao seu modo de ser. A cultura moral é uma qualidade que caracteriza as instituições escolares e as converte em espaços fundamentais de educação em valores. (Tradução nossa)

Puig (2012) defende que cada instituição educacional possui sua própria cultura moral, com diferentes características, umas mais ricas que outras para o desenvolvimento de valores. Esta qualidade do ambiente é diretamente relacionada às ações dos profissionais envolvidos, e, portanto, a cultura moral de um espaço educacional pode ser modificada por

8

Tradução do autor para a frase literal: “alunos que hablan de forma moralmente correcta y actúan de modo imprevisible.”

9

Una espécie de atmosfera que envuelve e influye a sus membros, que invade todos los rincones del centro y que se nota desde el mismo instante em que se cruza su vestíbulo. Uma atmosfera que resulta de la complejidad de lo que ocorre em el día a día de la vida escolar y que, a medida que los escolares participan em las atividades cotidianas, va calando em su personalidade y dando forma a su modo de ser. La cultura moral es uma cualidad que caracteriza a las instituciones escolares y las convierte em espacios fundamentales de educación em valores.

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meio da ação conjunta de seus profissionais, com intencionalidade nas propostas e envolvendo todas as ações da instituição.

Procuramos discorrer sobre a trajetória dos estudos em educação moral bem como suas propostas de desenvolvimento. Em seguida buscaremos a aproximação de tais conceitos com a dimensão da pedagogia do esporte.

3.1- A educação moral e a pedagogia do esporte

Realizada explanação sobre os conceitos das teorias que entendem a moralidade como construção da personalidade, passamos a descrever algumas características fundamentais destes estudos e relacioná-los, sempre que possível, ao próprio cenário em que se desenvolve o esporte, principalmente no que se refere ao seu ensino para crianças e jovens. Esta relação tem por objetivo procurar aproximações das proposições da educação moral ao recorte deste estudo, a pedagogia do esporte, adotando o conceito apresentado por Paes, Montagner e Ferreira (2009, p.2):

A pedagogia do esporte é o campo de conhecimento que investiga a prática educativa, especificamente pelo esporte. Seu objetivo é a reflexão, a sistematização, a avaliação, a organização e a crítica do processo educativo, por meio do esporte.

3.1.1- Ambiente sociomoral e esportivo

Iniciamos a discussão das características elencadas da educação moral pela importância do ambiente na construção da moralidade. Como defendido por Puig (1998a), a construção da personalidade é pessoal, mas realizada a partir das relações com outras pessoas, com a cultura e o contexto histórico do meio em que se vive. Piaget (1996) reforça esta questão enfatizando o papel das relações e, consequentemente, as normas que se desenvolvem a partir do ambiente: “[...] são as relações que se constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e os seus semelhantes que a levarão a tomar consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa realidade normativa na qual a moral consiste.” (PIAGET, 1996, p. 3).

Ao discutir propostas educacionais para a formação da moralidade, Puig (1998a) afirma que ao se pensar em educação moral, é necessário lembrar que a qualidade do espaço social em que cada indivíduo se desenvolve tem relação direta com sua formação, visto que as práticas e a cultura moral cultivadas no espaço social expressam valores que irão influenciar

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cada participante. Outros estudiosos denominam este espaço social de ambiente sociomoral, que segundo Devries e Zan, citados por Liccinardi (2010, p. 15), referindo-se especificamente ao ambiente da escola, é definido como “toda a rede de relações interpessoais que forma a experiência escolar da criança. Essa experiência inclui o relacionamento da criança com o professor, com as outras crianças, com os estudos e com as regras.” Vinha (2000, p. 135) corrobora com a questão da importância do ambiente sociomoral, chamando de “atmosfera moral” o conjunto de relações que cada indivíduo vive.

Ao se discutir a qualidade do ambiente sociomoral em espaços educacionais, duas características básicas podem ser refletidas: o ambiente cooperativo, democrático ou coercitivo, autocrático.

O ambiente cooperativo é defendido como o ideal para que as relações interpessoais possam contribuir para uma formação moral aprofundada, visto que estimulará os alunos a passarem do nível heterônomo para o autônomo. Segundo Licciardi (2010), o ambiente sociomoral cooperativo segue algumas características como o favorecimento de relações de respeito mútuo, a atribuição aos alunos para tomadas de decisão e escolhas, o estímulo ao debate sobre os conflitos e a minimização da autoridade na busca por trocas recíprocas.

Por outro lado, o ambiente coercitivo ou autocrático tem por características a imposição de regras, a ênfase na intervenção da figura da autoridade, muitas vezes de forma autoritária, a baixa disposição para dar voz aos alunos, a busca por sanar os conflitos sem que haja reflexão sobre a situação e muito menos entendê-los como possibilidades educacionais ricas para a formação da personalidade moral.

No entanto é importante frisar que a intervenção do professor deve adequar sua conduta ao nível de desenvolvimento moral de seus alunos. Evitar um ambiente coercitivo ou autocrático não significa dar aos alunos poderes decisórios com os quais ainda não são capazes de assumir. Desta forma, La Taille (2001, p. 92) alerta que:

A moral surge através de sua forma heterônoma; portanto, o nascimento do sentimento de obrigatoriedade, o respeito, nasce de uma relação assimétrica na qual alguém exerce a função de autoridade. [...] Se a criança não encontrar pessoas que exerçam sobre ela alguma forma de autoridade, não desenvolverá esse sentimento necessário à moralidade.

Mas o processo de construção da personalidade moral deve ultrapassar a heteronomia. La Taille (2001, p. 92) completa:

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E a moral autônoma? Ora, ela representa uma superação possível da moral heterônoma. Superação significa ir além de alguma coisa que já existe. O erro é pensar que a moral autônoma seria, desde a mais tenra idade, alternativa à moral heterônoma. Para que ela tome lugar na vida da criança, o sentimento de obrigatoriedade já deve ter brotado e, como vimos, ele nasce através do respeito unilateral.

É possível afirmar que tradicionalmente o ambiente do ensino esportivo tem se caracterizado por atitudes autoritárias provenientes dos professores10. Montagner (1993, p.119), em estudo sobre o esporte competitivo como possibilidade educacional, apresenta um discurso de um ex-atleta entrevistado o qual afirma que seu técnico estimulava a agressão aos seus adversários, salientando ter sido “domesticado” pelo professor. Neste mesmo sentido, Santana (2003), investigando a intervenção de professores de futsal, percebeu atitudes predominantemente heterônomas e coercitivas, minimizando o desenvolvimento da autonomia moral, mesmo detectando diversas situações propícias, oriundas da própria dinâmica do ensino da modalidade esportiva.

No entanto, se ainda existem ambientes coercitivos no esporte, possibilidades opostas também podem ser conquistadas, como afirma Constantino (2007), defendendo que o cenário esportivo é capaz de oferecer a transmissão de normas e valores sociais e garantir direitos de cidadania, sendo necessário, no entanto, abandonar a ideia de que a prática do esporte é integradora por essência e adotar o sentido de que é necessário investimento educativo para que este objetivo se cumpra.

Outra controvérsia a respeito do ambiente esportivo é relativa ao entendimento e aproveitamento, pelos professores e treinadores, das situações próprias do ensino das diferentes modalidades como momentos férteis para a estimulação da personalidade de cada participante e da cultura moral do grupo. Stigger (2013, p. 11), investigando projetos socioeducativos, indica que apesar dos profissionais atribuírem “[...] virtudes naturais do esporte, os próprios agentes não reconhecem as atividades práticas como um momento no qual, espontaneamente, haveria a elevação dos valores ou a ênfase nas mensagens que desejam transmitir às crianças.” O mesmo autor salienta que não são, portanto, nos momentos da prática esportiva que ocorrem os estímulos para o desenvolvimento de valores morais, e sim, nas ações em seu entorno, como atividades formais e informais e em outros compromissos/tarefas/rotinas que os alunos assumem no cotidiano do projeto.

O estudo de Camiré, Trudel e Bernard (2013) reforçam a constatação de Stigger

10 Neste estudo o termo professor ou docente é mantido também ao se referir ao profissional que atua com o

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