• Nenhum resultado encontrado

Construção e estudos iniciais de validade de um sistema de classificação da violência familiar contra crianças e adolescentes

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Construção e estudos iniciais de validade de um sistema de classificação da violência familiar contra crianças e adolescentes"

Copied!
132
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

RENATO JESUS DA SILVA

CONSTRUÇÃO E ESTUDOS INICIAIS DE VALIDADE DE UM SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR

CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

FLORIANÓPOLIS, SC 2018

(2)
(3)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Renato Jesus da Silva

CONSTRUÇÃO E ESTUDOS INICIAIS DE VALIDADE DE UM SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR

CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção de grau de Mestre em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes.

FLORIANÓPOLIS, SC 2018

(4)

Silva, Renato Jesus da

Construção e estudos iniciais de validade de um sistema de classificação da violência familiar contra crianças e adolescentes / Renato Jesus da Silva ; orientador, Prof. Dr. Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes, 2018.

132 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. Psicologia. 2. Maus-tratos contra criança e adolescente. 3. Violência Familiar contra criança e adolescente; instrumento. 4. Sistema de

classificação. 5. Validade. I. Nunes, Prof. Dr. Carlos Henrique Sancineto da Silva . II.

Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.

(5)
(6)
(7)

AGRADECIMENTOS

Percorrer todo o caminho, desde a decisão por iniciar o mestrado, passar por todas as etapas do processo seletivo, tudo isso morando em outro Estado, depois passando por todas as disciplinas, cumprindo os créditos necessários, até finalmente a escrita da dissertação, e tudo isso trabalhando normalmente. Foi toda uma trajetória repleta de aprendizados, de intensidade e de significados. E é claro que não teria conseguido passar por tudo isso sozinho, tenho muito, muito a agradecer, a muitas e muitas pessoas que foram presentes durante essa etapa tão importante de minha vida.

Em primeiro lugar agradeço à minha mãe, Sirlei, exemplo de mulher e de mãe, que sempre foi base sólida para que eu pudesse caminhar por todo esse mundo de meu Deus. A pessoa que sempre está lá, esperando por mim e por meu irmão, zelando por nós e orando pela nossa proteção. Agradeço ao meu irmão, Davi, e agradeço a Deus por ter me dado um irmão que também é um amigo, em que temos total confiança um no outro. Sem o apoio dele não teria nem conseguido começar a pensar em fazer o mestrado em outro Estado.

Agradeço demais aos meus amigos Danilo, Roberto e Rogério, amigos de infância que, mesmo morando tão distantes uns dos outros, a amizade em nada diminuiu, e sempre “pegaram no meu pé” para que, nos momentos mais difíceis, eu desse continuidade e concluísse o mestrado.

Agradeço à Carol que, sempre, sempre esteve me apoiando, me “puxando a orelha” e incentivando para que eu realizasse meus sonhos, quaisquer que fossem. Compartilhar com ela os impasses, dificuldades e erros cometidos no caminho foram essenciais para o desenvolvimento de uma visão mais crítica não só da dissertação, mas também do trabalho que exerço como um todo.

Agradeço ao André Bêber, colega de trabalho e amigo, com quem pude dividir as dificuldades técnicas e teóricas, além dos impasses emocionais. Foi quem também deu grande contribuição para que a dissertação pudesse ser concluída, tanto metodologicamente como por meio de apoios no trabalho na delegacia.

Agradeço muito o apoio do Delegado Regional de Polícia Fabiano Locatelli. Sem dúvida, não é em todo lugar que se encontra um chefe que apoia cada membro de sua equipe, que tem visão humana para além da delegacia, que investe na diversidade e em métodos inovadores e criativos.

Agradeço aos colegas de trabalho Kléber dos Santos e Mellize Cardoso, bem como à Vanderléia Baptista, pois com suas críticas

(8)

construtivas deram contribuição essencial para que a escrita da dissertação se desse de forma refletida e rica em informações.

Agradeço aos colegas do núcleo, Karen, Jeferson, Gabriela e Cássia, por causa dos conselhos para o processo seletivo, pelas longas conversas nos intervalos, nos corredores e por whatsapp, e que muito me ajudaram a desenvolver as minhas ideias.

Agradeço ao professor Carlos Nunes pela orientação e pela confiança depositada para a consecução da dissertação. Foi muito bom poder trabalhar sob a orientação de alguém que apoia e dá suporte para novas ideias, mesmo que elas tratem de temas “espinhosos” como foi o caso deste. Nessa mesma linha, agradeço ao professor Roberto Cruz, que foi quem me deu uma das principais ideias para o desenvolvimento do instrumento, e à professora Andréa Pesca, que fez valiosas contribuições para a estruturação do trabalho.

A todos vocês que, direta e indiretamente, conscientes ou não do quão importantes foram para a finalização dessa etapa, o meu muito, muito obrigado.

(9)

RESUMO

Há décadas a Violência Familiar contra crianças e adolescentes foi apontada como um problema mundial e de saúde pública, que pode trazer consequências físicas, emocionais e psicológicas para as vítimas. Instrumentos para avaliação da Violência Familiar contra crianças e adolescentes têm sido criados nos últimos anos, mas sua grande maioria ainda no exterior. Alguns deles foram traduzidos para o contexto brasileiro, mas apresentam limitações como a avaliação direta da vítima, por se tratar de tema de abordagem delicada, e o público-alvo ser avaliado somente de maneira retrospectiva, ou seja, a partir de meados da adolescência. Por conta dessa lacuna no conhecimento, o objetivo deste estudo foi construir um instrumento para Classificar a Violência Familiar contra crianças e adolescentes, o qual apresenta como vantagens o fato de a avaliação das vítimas ser feita indiretamente a partir de registros prévios, não estar restrita ao período da adolescência, e a possibilidade de estudar as repercussões da Violência Familiar sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes vítimas. Para tanto, dois estudos foram realizados. O primeiro teve como objetivo a) construir o instrumento e b) buscar evidências de validade baseadas no conteúdo. O instrumento foi construído com base no Maltreatment Classification System (MCS), Modified Maltreatment Classification System (MMCS), National Incidence Study (NIS-4), em um instrumento recém-construído na Espanha, e no Sistema de Informações para Infância e Adolescência (SIPIA-CT). Os itens do instrumento passaram por um estudo piloto e por análise de juízes e, após os refinamentos necessários, resultou no Sistema de Classificação da Violência Familiar contra crianças e adolescentes, abrangendo 22 itens distribuídos dentro de 6 tipos de Violência Familiar, o que sugeriu evidência de validade de face e de conteúdo. O segundo estudo teve como objetivo realizar uma investigação inicial de propriedades psicométricas dos itens do sistema em uma amostra composta por 65 relatórios psicológicos confeccionados no âmbito de uma instituição policial com função de polícia judiciária. Variáveis sociodemográficas também foram coletadas nesse momento. Os resultados apontaram que houve uma maior proporção de agressores homens que violentaram crianças do sexo feminino. Os pais, padrastos e mães responderam por 66,25% das denúncias de violência. As crianças e adolescentes de faixas etárias intermediárias de 6 a 17 anos sofreram 84,61% das violências. As mães e os Conselhos Tutelares foram os principais agentes de denúncia de Violência Familiar. Contudo, por conta da grande quantidade de missing no sistema, a avaliação de propriedades

(10)

psicométricas ficou prejudicada. Assim, o instrumento demonstrou utilidade para utilização para propósitos de pesquisa. Sugere-se que mais estudos sejam realizados no futuro para avaliar propriedades psicométricas do sistema, bem como buscar evidências de validade baseadas em variáveis externas.

Palavras-chave: Maus-tratos contra criança e adolescente; Violência Familiar contra criança e adolescente; instrumento; sistema de classificação; validade.

(11)

ABSTRACT

Family Violence against children and teenagers has been pointed as a global and public health issue through decades, bringing physical, emotional and psychological consequences to the victims. Many instruments have been created over the past few years to assess Family Violence against children and teenagers. However, most of these creations come from other countries. Some of these instruments have been adapted to the Brazilian context, but with certain limitations such as the direct evaluation of the victim, in which the targeted group is only accessed in a retrospective manner, starting from teenage years. Due to this knowledge gap, the goal of this study was to generate an instrument to assess Family Violence against children and teenagers by an indirect approach based on previous records, not necessarily restricted to teenage years, and the possibility of studying the consequences of Family Violence to children and teenager development. In order to achieve these objectives, two studies were conducted. The first one was a) building the instrument and b) to look for evidences based on the content. The instrument was designed based on the Maltreatment Classification System (MCS), and on a recently built instrument in Spain, and on the “Sistema de Informações para a Infância e Adolescência (SIPIA – CT). The instrument items were submitted to a pilot study and analysed by judges and, after the final refinements, it resulted in the “Sistema de Classificação da Violência Familiar contra crianças e adolescentes”, covering 22 items distributed among 6 types of Family Violence, what suggested face validity and content validity. The second study investigated the psychometric properties of this system with a sample of 65 psychological reports produced in a police institution. Socio demographic variables were also collected during this period. The results showed a larger proportion of male aggressors against female children. Parents, stepfathers and stepmothers were responsible for 66.25% of the overall complaints. Children and teenagers ranging from 6 to 17 years corresponded to 84.61% of the victims. Mothers and the Guardianship council were the main agents for denouncing Family Violence. However, due to the large amount of missing in the system, the properties of the psychometric evaluations were compromised. Thus, the instrument proved efficient for the research purpose. Future studies shall evaluate the psychometric properties of the system and look for evidences based on external variables.

(12)
(13)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Rótulos das divisões dos tipos de violência no MCS, MMCS, NIS-4 e no instrumento de Calheiros et. al. ... 49 Tabela 2 - Versão preliminar dos tipos e itens do Sistema de classificação da Violência Familiar contra crianças e adolescentes. ... 58 Tabela 3 - Níveis de severidade com divergência (M≥0,5) entre os juízes ... 67 Tabela 4 - Quantidade de observações de Violência Familiar contra crianças e adolescentes por localidade. ... 83 Tabela 5 - Frequência do sexo dos perpetradores e sexo das crianças/adolescentes vítimas. ... 83 Tabela 6 - Frequência de parentesco dos perpetradores com relação às crianças e adolescentes vítimas. ... 84 Tabela 7 - Frequência da Violência Familiar por faixa etária de crianças e adolescentes. ... 85 Tabela 8 - Frequências de origem das denúncias. ... 86 Tabela 9 - Quantidade de observações, média, desvio-padrão, valores mínimos e máximos, e missings por variável avaliada no sistema de classificação. ... 88 Tabela 10 - Frequência da quantidade de perpetradores e de vítima simultâneas. ... 89 Tabela 11 - Frequência do acumulado de Violência Sexual (VS) por parentesco e Teste de igualdade de postos de Kruskal-Wallis. ... 90 Tabela 12 - Frequências de observações nos itens de Violência Sexual por Sexo das vítimas. ... 91 Tabela 13 - Frequências de observações nos itens de Violência Psicológica por Sexo das vítimas. ... 92 Tabela 14 - Frequência de Violência Psicológica (VP) cometidas por grau de parentesco. ... 93 Tabela 15 - Frequência dos itens de Violência Física por parentesco das vítimas. ... 94 Tabela 16 - Frequência dos itens de Violência Física por sexo das vítimas. ... 95

(14)
(15)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 17

2. REVISÃO DE LITERATURA... 23

2.1 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ... 23

2.2 MCS ... 28

2.3 MMCS ... 36

2.4 NATIONAL INCIDENCE STUDY (NIS) ... 36

2.5 SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO NO BRASIL ... 37

3. MÉTODO ... 41

3.1 NATUREZA, ALCANCE E FONTES DE DADOS ... 41

3.2 PROCEDIMENTOS ÉTICOS ... 41

4. ESTUDO 1 – CONSTRUÇÃO E BUSCA DE EVIDÊNCIAS DE VALIDADE BASEADAS NO CONTEÚDO DO SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ... 45

4.1 CONSTRUÇÃO DO SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ... 46 4.1.1 Método ... 46 4.1.1.1 Fontes de informação ... 46 4.1.1.2 Procedimentos de análise ... 47 4.1.2 Resultados e discussão ... 48 4.2 ESTUDO PILOTO ... 60 4.2.1 Método ... 60 4.2.1.1 Amostra ... 60 4.2.1.2 Procedimentos ... 60 4.2.2 Resultados e discussão ... 61 4.3 ANÁLISE DE JUÍZES ... 63 4.3.1 Método ... 63 4.3.1.1 Grupo de especialistas ... 63 4.3.1.2 Procedimentos ... 64 4.3.2 Resultados e Discussão ... 65

(16)

4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 70

4.5 REFERÊNCIAS ... 72

5. ESTUDO 2 – ESTUDO PRELIMINAR DE PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS DO SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ... 77 5.1 MÉTODO ... 78 5.1.1 Amostra ... 78 5.1.2 Procedimentos ... 78 5.1.3 Instrumentos ... 80 5.1.4 Análise de dados ... 80 5.2 RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 81 5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 95 5.4 REFERÊNCIAS ... 96 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 99 REFERÊNCIAS ... 101 APÊNDICE ... 107

APÊNDICE 1 – TERMO DE AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL . 108 APÊNDICE 2 - SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ... 109

(17)

1. INTRODUÇÃO

Os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar ocorrida no ano de 2015 foram amplamente divulgados, indicando que 14,5% das crianças entrevistadas relataram ter sofrido agressão física por parte de um adulto da família, 19,8% revelaram ter praticado bullying contra algum colega da escola nos últimos trinta dias e 4% declararam já terem sido forçados a manter relação sexual com alguém (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2016).

Esses dados vêm corroborar um problema ressaltado há mais de dezesseis anos no relatório mundial sobre Violência e Saúde, o qual identificou a violência nos seus mais diversos tipos, natureza e vítimas, como um problema mundial e de saúde pública (Krug et. al, 2002). Inúmeras são as consequências para as crianças e adolescentes vítimas, desde marcas observáveis no corpo como equimoses e queimaduras até repercussões psicológicas como comportamento agressivo, depressão, ansiedade, medo, desajuste social, timidez, alterações cognitivas, entre outros (Maciel, 2011). Sendo assim, desde os anos 80 o campo da saúde pública tem se dedicado à compreensão e redução da violência, porém a sua alta incidência sobre crianças e adolescentes ainda tem preocupado os pesquisadores.

Uma das grandes contribuições da área da saúde pública ao abordar o fenômeno da violência contra a criança e o adolescente encontra-se na interdisciplinaridade, buscando explica-lo na perspectiva de disciplinas como epidemiologia, sociologia, medicina, psicologia, entre outros. Sob a tutela da psicologia, o tema vem sendo amplamente investigado, contando com publicações que buscam identificar fatores de proteção e de risco que estão relacionadas às condutas violentas (Antoni, Barone & Koller, 2007; Habigzang, Azevedo & Koller, 2006), as repercussões psicológicas decorrentes de formas específicas de violência (Maciel, 2011; Aded, Dalcin, Moraes & Cavalcanti, 2006), a dinâmica da violência em determinados grupos sociais (Habigzang, Koller, Azevedo & Machado, 2005), construção e tradução transcultural de instrumentos para avaliação (Teicher & Parigger, 2015; Grassi-Oliveira, Stein & Pezzi, 2006; Bernstein et al., 1994), dentre outros.

Entretanto, o aumento do volume de pesquisas sobre o tema da violência trouxe alguns problemas subjacentes, como o desenvolvimento de uma ampla gama de definições do que seria a violência contra a criança e o adolescente. Inclusive o próprio rótulo do construto pode ser

(18)

encontrado como maus-tratos, abuso ou violência, mas quase sempre se referindo ao mesmo fenômeno1 (Azevedo & Guerra, 2011).

As confusões terminológicas também se estendem para o ambiente em que a violência ocorre, como no caso da violência doméstica, ou para o tipo de vínculo das pessoas envolvidas, como na violência familiar e intrafamiliar. Maciel (2011) apresenta uma comparação entre esses termos e evidencia que, na atualidade, a violência doméstica muito tem se relacionado com a violência de gênero, isto é, aquela que é perpetrada contra a mulher, além de enfatizar o domus (domicílio) como local principal de ocorrência dessa violência. Já as violências familiar e intrafamiliar dão ênfase ao maltrato cotidiano entre os membros do grupo familiar e de seus diversos subsistemas, englobando o local do domicílio, mas não se restringindo a ele.

O relatório Understanding Child Abuse & Neglect 2 (National Research Council [NRC], 1993), que figura como um dos estudos que impulsionou e direcionou as pesquisas há quase 25 anos, já havia identificado esse problema dos diversos rótulos e definições, o qual dificultaria em larga escala a comparabilidade dos resultados de pesquisas entre pessoas, grupos e comunidades.

Como forma de solucionar esse problema, esse órgão emitiu recomendações de pesquisa, dentre elas a busca por uma definição desenvolvida por pesquisadores em uma forma de trabalho multidisciplinar, com fins de evitar essas diferenças conceituais e reduzir a subjetividade oriunda de variações pessoais, institucionais e comunitárias. Para tanto, o órgão recomendou que instrumentos de medida fossem construídos para operacionalizar as definições desenvolvidas, de modo a testá-las empiricamente.

Assim, diversos recursos e instrumentos têm sido desenvolvidos e amplamente utilizados para avaliação da violência contra crianças e adolescentes (Herrenkol & Herrenkol, 2009), área que conta com instrumentos como inventários (Bérgamo et. al, 2009) e escalas padronizadas, com indicadores de precisão e validade, desenvolvidas em sua grande maioria no exterior, sendo que algumas delas passaram por tradução transcultural para o Brasil, como é o caso do Childhood Trauma

1 Serão respeitados os termos utilizados originalmente por cada autor nas citações feitas neste trabalho, de modo que as traduções serão as mais próximas o possível do termo original. Apesar disso, adianta-se que neste trabalho será adotado o termo “Violência Familiar contra crianças e adolescentes” para alinhamento com pesquisas realizadas no Laboratório de Fator Humano do PPGP-UFSC.

(19)

Questionnaire (CTQ), que permite uma avaliação retrospectiva de experiências traumáticas na infância por parte do adulto respondente a partir de 12 anos de idade (Bernstein et al., 1994; Grassi-Oliveira et al., 2006). Também há a Parent-child Conflict Tactics Scale (CTSPC) que avalia a exposição à violência doméstica sob a perspectiva dos cuidadores mais próximos (Reichenheim & Moraes, 2003), e o instrumento mais recente, Maltreatment and Abuse Chronology of Exposure (MACE), que é aplicado no próprio indivíduo e avalia retrospectivamente a exposição a diversos tipos de maus-tratos, inclusive bullying. O MACE trouxe, ainda, como diferenciais a disponibilização de um checkbox para rastrear com que idade ocorreram os eventos, levando em consideração o período desenvolvimental em que se encontrava o sujeito quando da exposição àqueles tipos de maus-tratos (Teicher & Parigger, 2015; Kluwe-Schiavon, Viola & Grassi-Oliveira, 2016).

Os três instrumentos supracitados foram intencionalmente escolhidos e descritos na ordem cronológica de sua criação. Em primeiro lugar porque são instrumentos bastante difundidos entre pesquisadores e profissionais que realizam avaliação da violência contra crianças e adolescentes. Em segundo lugar, porque se quer chamar atenção para a crescente de sofisticação que os instrumentos modernos vêm apresentando em diversos aspectos, como o fato de avaliarem o fenômeno a partir de fontes diversas -o próprio indivíduo no caso do CTQ e MACE, e do cuidador no caso do CTSPC- que são abordagens que reconhecem a combinação desses diversos informantes como produtora de informação mais adequada em uma avaliação (Duarte & Bordin, 2000). Outro aspecto que merece atenção é a utilização da Teoria de Resposta ao Item (TRI) no MACE, enquanto que o CTQ e CTSPC utilizam o padrão da Teoria Clássica dos Testes (TCT), uma forma de medida que apresenta algumas diferenças com relação à TRI.

No entanto, os três instrumentos apresentam algo em comum: o fato de realizarem avaliações retrospectivas, isto é, o fenômeno é avaliado por meio de respostas dadas pelo testando a tarefas estruturadas que versam sobre eventos específicos ocorridos no passado. Embora essa estratégia de avaliação apresente vantagens, ela acaba por possibilitar a avaliação somente de respondentes a partir de meados da adolescência, e nesse ponto é que se encontra uma de suas principais limitações. Assim, a avaliação da violência contra crianças e adolescentes fica limitada ao público adolescente e adulto, havendo uma lacuna no conhecimento no que diz respeito a instrumentos que possam ser usados não só na avaliação direta de adolescentes, mas também de crianças, como para medir os efeitos de uma determinada intervenção, ou as consequências a curto e

(20)

médio prazo da violência sofrida, ou até mesmo a caracterização desses grupos por tipo de violência.

Salienta-se também, ainda no sentido do crescente de sofisticação dos instrumentos citados anteriormente, que o MACE traz outra variável a mais: o checkbox para o respondente registrar a idade que ele tinha quando exposto à violência. Trata-se de uma dimensão componente dos maus-tratos conhecida como período desenvolvimental, a qual já havia sido reconhecida no relatório emitido pelo NRC (1993) juntamente com tipo, severidade, frequência, separações/colocações e relação com o perpetrador, trazendo à tona o status multidimensional da Violência Familiar contra a criança e o adolescente.

Uma maneira proposta para operacionalizar o construto de modo a superar as limitações anteriormente mencionadas foi o desenvolvimento de sistemas de classificação. Barnett, Manly e Cicchetti (1993) desenvolveram o primeiro sistema de classificação taxonômica dos maus-tratos contra a criança e o adolescente (Maltreatment Classification System [MCS]), o qual envolveu a descrição minuciosa de comportamentos componentes do construto e ainda levou em consideração as seguintes dimensões de estudo: tipo, severidade, frequência/cronicidade, período desenvolvimental, separações/colocações e perpetrador (Manly, 2005). Esse sistema chegou a receber algumas modificações ao ser implantado no Longitudinal Studies of Child Abuse and Neglect (LONGSCAN), um projeto para estudar aspectos diversos dos maus-tratos (English, Bangdiwala & Runyan, 2005).

Nessa mesma linha, também foi criado o National Incidence Study (NIS) para investigar a incidência do abuso e negligência nos Estados Unidos. Trata-se de um estudo que se encontra em sua quarta edição, sendo que em seu decorrer refinamentos foram realizados no que tange aos métodos utilizados, bem como das definições operacionalizadas (Sedlak, 2001).

Todos os sistemas acima descritos utilizam os registros realizados pelas Agências de Proteção Infantil como fontes de dados. Portanto, essa estratégia de avaliação se apresenta como mais uma fonte de informações para contribuir com a compreensão do fenômeno, além de apresentar como vantagens: 1) a avaliação da violência sofrida pela criança e o adolescente é feita indiretamente a partir dos registros realizados por trabalhadores das Agências de Proteção Infantil, evitando que esse público seja exaustivamente reinquirido, o que poderia trazer danos pela possibilidade de revitimização (Andreotti, 2012); 2) há a possibilidade de a violência ser abordada quando da sua ocorrência, e não apenas avaliar

(21)

retrospectivamente do ponto de vista do adolescente ou adulto; e 3) a possibilidade de estudar as repercussões das dimensões da violência contra crianças e adolescentes nos indivíduos.

No Brasil, sistemas de classificação da violência contra crianças e adolescentes existem apenas em nível de notificação compulsória, como a Ficha de Notificação/Investigação Individual de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências, do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), o Sistema de Informações para a Infância e a Adolescência (SIPIA) e o Aviso por Maus-tratos contra a Criança e o Adolescente (APOMT) do Estado de Santa Catarina. Tratam-se de ferramentas governamentais, sendo as duas primeiras de âmbito federal e a última estadual, criadas com o objetivo comum de registro e tratamento de informações a respeito da violência contra a criança e o adolescente (Ministério da Saúde [MS], 2011; Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente [SNPDCA], 2016; Ministério Público do Estado de Santa Catarina [MPSC], 2006). Portanto, nenhum desses sistemas foi criado para instrumentalizar pesquisadores, além de não abordarem os efeitos das dimensões nos indivíduos e não apresentarem estudos de validade e precisão.

Diante disso, identifica-se uma lacuna do conhecimento no que se refere a instrumentos disponíveis para avaliação do construto violência familiar contra crianças e adolescentes, manifesto não só por sua escassez no Brasil, mas também pelas dimensões avaliadas e as fontes de informação. Sendo assim, este estudo tem como objetivo geral buscar evidências de validade de um sistema para classificação da Violência Familiar contra crianças e adolescentes. Para tanto, serão apresentados dois estudos cujos objetivos específicos são:

- Construir um instrumento para classificação da Violência Familiar contra crianças e adolescentes;

- Buscar evidências de validade baseadas no conteúdo; e - Avaliar propriedades psicométricas dos tipos e dos itens do

instrumento desenvolvido.

Esta pesquisa se insere na linha 3, “Avaliação em Saúde e Desenvolvimento”, área 3, “Saúde e Desenvolvimento Psicológico”, do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) por contribuir com o desenvolvimento de um novo instrumento de medida, o que favorecerá na avaliação de crianças e adolescentes vítimas de Violência Familiar, podendo ser usado, caso sejam encontradas evidências favoráveis para tanto, na identificação

(22)

da ocorrência do fenômeno, no planejamento de intervenções e em estudos epidemiológicos.

(23)

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Na América pré-colonial do começo do século 17, representantes da igreja Protestante visitavam as famílias com objetivo de contribuir com o doutrinamento dos valores e da moral das crianças. Faziam parte desses valores a ideia de que a criança necessitava fortemente de orientação e disciplina, podendo os pais utilizarem-se de punições corporais severas como forma de educação. Assim sendo, naquele contexto atos severos de punição corporal não eram considerados maus-tratos contra a criança. Contrariamente a isso, a ausência desses comportamentos de orientação e disciplina rígida é que eram considerados maus-tratos (Barnett et al., 1993).

As primeiras leis norte-americanas, que foram influenciadas pelas “Leis dos pobres3” Britânica do início do século 17 (Wiehe, 1996), davam o direito às autoridades locais de retirar as crianças de pais que não apresentavam condições de manter seu sustento. Assim, incentivavam que crianças fossem separadas de suas famílias, pois entendiam que os exemplos de “fracasso” de seus pais promoviam a pobreza e dependência dessas crianças. Tanto foi assim que ainda no final do século 19 era despendida mais atenção à pobreza e aos costumes familiares do que com atos severos de punição corporal. Somente no começo deste século 21 que se passou a fazer diferenciação entre o que constituiria atos de negligência e pobreza (Giovannoni & Becerra, 1979).

Além disso, o reconhecimento de que os cuidados da criança deveriam ser de responsabilidade da sociedade, foi originado pela Lei do Pobre Inglês, de 1601, a qual se deu por meio de intervenções do Estado limitadas às famílias mais pobres. Somente em 1929 que o XIV Congresso de Medicina Forense foi marcado com a apresentação do trabalho “Sobre abuso infantil”, dos autores Parisot e Caussade, o qual contribuiu com o esclarecimento da sociedade sobre o abuso e negligência na infância. A utilização de exame radiológico para a identificação de padrões de danos físicos, em 1946, também ajudou a chamar a atenção da sociedade para a questão do abuso infantil, culminando no desenvolvimento de políticas de proteção à criança (National Research Council, 1993).

Contudo, o primeiro trabalho sobre a temática dos maus-tratos é atribuído a Henry Kempe, que em 1962 publicou “A síndrome da criança

(24)

maltratada”, em que essa condição clínica em que a criança teria sofrido sérios danos físicos, perpetrados por um parente próximo ou distante, corresponderiam aos maus-tratos (Kempe, Silvermann, Steele & Droegemueller, 1962), ou seja, os maus-tratos eram vistos a partir das consequências observáveis na criança, majoritariamente em termos de abuso físico (National Research Council, 1993).

Preocupado com as questões que envolvem a operacionalização da definição dos maus-tratos, o National Institute of Child Health and Human Development (NICHD) realizou uma conferência com diversos setores do campo, em 1989, resultando na publicação de um relatório que recomenda a definição de maus-tratos como toda ação ou omissão que se encontra fora das normas de conduta, dirigida a outra pessoa, trazendo um risco considerável de causar dano físico ou emocional, seja intencional ou não intencional ao outro. Dentro dessa conceituação, os maus-tratos foram subdivididos em 1) abuso físico, compreendendo ações violentas físicas e sexuais; 2) abuso emocional, referindo-se a ações de maus-tratos não-violentas; e 3) negligência, que constituem omissões que resultam em maus-tratos (Christoffel et al., 1992).

O National Research Council (NRC) apropriou-se dessa definição em um relatório publicado acerca do tema em 1993, porém reconhecendo que, naquele momento, as pesquisas sugeriam que os maus-tratos infantis estavam subdivididos em quatro categorias gerais, as quais, por sua vez, eram descritas por determinados tipos de comportamento: o 1) abuso físico, como queimar, bater com um objeto, punição física e o Munchausen por procuração, que consiste na indução de doença na criança para atrair atenção e suporte médicos; o 2) abuso sexual, composto por carícias nas áreas genitais, exposição a atos sexuais, envolvimento com pornografia infantil, entre outros; 3) negligência, definida como a deficiência de determinadas obrigações dos cuidadores, incluindo tipos como médico, educacional, físico, emocional, abandono, entre outros; e 4) maus-tratos emocionais, que incluem comportamentos de abuso verbal, depreciação etc. (National Research Council, 1993).

Todas essas questões demonstravam a necessidade da realização de estudos com objetivo de compreender melhor o fenômeno. Nesse sentido, Aber & Zigler (1981) identificaram que as definições de maus-tratos recebem influências dependendo do contexto em que foram produzidas, podendo ser: médico, sociológico, legal ou de pesquisa. Uma das principais diferenças de cada uma dessas definições encontra-se na teoria em que foi baseada, bem como nos aspectos que são enfatizados na definição (Barnett et al., 1993).

(25)

A definição no contexto médico objetiva identificar condições clínicas na criança que sofreu abuso físico, isto é, sintomas físicos manifestos indicativos da ocorrência desse tipo de abuso. No entanto, limitações importantes são identificadas nesse tipo de definição, pois ela leva em consideração apenas formas extremas de maus-tratos, em detrimento dos outros tipos existentes. É no trabalho original de Kempe et al. (1962) que essa definição encontra a sua expressão máxima (National Research Council, 1993).

A abordagem sociológica surgiu como uma reação à abordagem médica dos maus-tratos ao compreender o fenômeno como um julgamento social. Assim, ela é centrada nos atos de maus-tratos, entendendo-os como comportamentos dos pais que são considerados inapropriados ou inaceitáveis pelos padrões de determinada cultura, com objetivo de rotular e controlar o desvio social, levando também em consideração formas mais brandas de maus-tratos. Essa perspectiva a diferencia das abordagens médicas e legais por não resultarem, necessariamente, em traumas físicos que requerem tratamento médico ou intervenção do Estado. Para tanto, levam em consideração contextos como a densidade demográfica, pobreza, oferta deficiente de serviços e o grande tamanho da família (National Research Council, 1993; McGee et al., 1995; Barnett et al., 1993).

As definições de maus-tratos nos contextos legais dão suporte a tomadas de decisões judiciais que envolvem os maus-tratos. A ênfase é dada tanto aos próprios atos abusivos, como em suas consequências para as crianças vítimas. Porém, é necessário que haja a identificação de que a consequência desse ato gerou um dano físico ou emocional à criança, ou que esse comportamento a tenha colocado em situação de risco em que possa vir a ocorrer o dano (McGee et al., 1995. Barnett et al., 1993). Além disso, reconhece que os maus-tratos podem ser de ordem emocional, negligência, privação de serviços médicos e outros fatores danosos para o desenvolvimento moral infantil (Cicchetti & Barnett, 1991). Uma das principais limitações desse tipo de definição aponta para o sigilo necessário no contexto legal, o qual impede o acesso às informações necessárias para alcançar critérios de validade e precisão da medida.

As definições de pesquisa, por sua vez, preocupam-se com o desenvolvimento de medidas que possam ser utilizadas em estudos de taxas de incidência e prevalência, bem como em estudos longitudinais da etiologia e sequelas, além da comparação de tratamentos. Sendo assim, pesquisadores recomendaram a formulação de definições que fizessem a compartimentalização descritiva dos comportamentos abusivos em vez

(26)

das repercussões nas crianças (Zigler & Phillips, 1981; National Research Council, 1993; McGee et al., 1995).

Barnett et al. (1993) apresentam também um outro tipo de definição, a qual eles denominam como definição ecológica. Trata-se de uma abordagem com base na teoria ecológica de Bronfenbrenner e que distribui de forma igualitária a ênfase da ocorrência dos maus-tratos entre o ambiente e a família. Para tanto, a definição é bastante ampla e cobre todos os níveis do ecossistema: macrossistema, como a tolerância da sociedade a respeito de determinados comportamentos; mesossistema, referindo-se ao nível que impacta diretamente a família, como presenciar conflitos entre os pais; e microssistema, que se refere às relações entre pais e crianças, sendo que aí estão incluídos os maus-tratos em si.

Cumpre salientar que colocar ênfase em determinado aspecto não significa excluir o reconhecimento de outras variáveis envolvidas nos maus-tratos por parte da definição em questão. Por exemplo, embora a definição legal enfatize as consequências dos atos de maus-tratos, não significa que não reconheça esses atos como parte do fenômeno. Com efeito, todas elas levam em consideração o ambiente, os pais, comportamentos e repercussões na criança.

Nesse sentido, a busca empreendida pelos pesquisadores por uma definição única e consensual, embora desejável porque os pesquisadores “falariam a mesma língua”, o que permitiria a comparação de resultados entre diferentes laboratórios situados em diversos lugares do país (Barnett et al., 1993), ainda se apresenta como um desafio a ser superado. Isso porque a falta dessa uniformização é o que reflete as dificuldades de operacionalização e de medida do construto, uma vez que essa etapa as precede. Ademais, pouca atenção tem sido dispendida no que se refere à instrumentalização na área (English, Bangdiwala & Runyan, 2005; Manly, 2005).

O National Research Council (1993) listou alguns dos principais obstáculos que tem sido encontrados no que se refere ao encontro de uma definição operacional válida, precisa e clara: 1) a falta de consenso social sobre o que constitui formas de cuidados parentais de risco ou inaceitáveis; 2) a incerteza sobre se a definição de maus-tratos deve se basear em características dos adultos, comportamento do adulto, consequências para a criança, contexto ambiental ou uma combinação desses; 3) confusão sobre qual a área fim dentre os vários tipos de definição existentes: científica, legal e pesquisa; 4) o fato de que o significado de um ato para uma criança pode variar grandemente dependendo da idade da criança, gênero, relação com o autor, etnia e fatores ambientais; 5) variações na definição da idade para ser considerada

(27)

"criança", existindo um subgrupo chamado de "adolescentes", os quais são significativamente diferentes das crianças em termos físicos, sociais e desenvolvimentais; 6) a incerteza sobre se as definições devem refletir categorias distintas segundo os comportamentos de maus-tratos ou mostrar/obter as dimensões de maus-tratos dentro de um espectro mais amplo de comportamentos normais; e 7) dificuldades em desenvolver definições tanto significativas como capazes de serem operacionalizadas. Tais dificuldades sugeriam a consideração de que a natureza do construto maus-tratos contra a criança e adolescente fosse multidimensional, abrangendo a severidade, frequência, cronicidade, duração, tipo, idade de início e relação com o perpetrador. Assim, essa concepção foi emergindo como um consenso entre os pesquisadores, os quais salientaram a necessidade de investigações mais aprofundadas a respeito do funcionamento de cada uma delas, além de suas relações. Assim, esquemas de classificação que busquem a operacionalização do construto foram desenvolvidos, levando-se em consideração questões mencionadas acima, a possibilidade de melhor compreender as dimensões isolada e conjuntamente, além das inter-relações entre elas e com antecedentes e repercussões nos indivíduos.

Para propor uma solução, Barnett et al.(1993) desenvolveram o primeiro sistema de classificação taxonômica dos maus-tratos contra a criança e o adolescente, o qual envolveu a descrição minuciosa de comportamentos componentes do construto e ainda levou em consideração as seguintes dimensões de estudo: tipo, subtipo, severidade, frequência/cronicidade, período desenvolvimental, separações/colocações e perpetrador. O sistema foi criado para uso dos trabalhadores de agências de proteção infantil e tem servido como base para estudos epidemiológicos de médio e longo prazo (Manly, 2005).

Nessa mesma linha, também foram criados o National Incidence Study (NIS) para investigar a incidência do abuso e negligência em âmbito nacional nos Estados Unidos, e o MMCS para trabalhar com uma base de dados (LONGSCAN) em estudos longitudinais. Esses sistemas de classificação serão abordados nos tópicos a seguir, especialmente o MCS e suas dimensões que dão suporte teórico para esta pesquisa. Cumpre salientar, no entanto, que há na literatura científica (Edwards & Bagozzi, 2000) a diferenciação de fatores (ou dimensões) propostas pelo consenso de pesquisadores e especialistas (modelos somativos) e de fatores identificados a partir de evidências empíricas (modelos reflexivos), o que tipicamente é conseguido por uso de análises fatoriais. Os modelos descritos até o momento podem ser considerados somativos e tipicamente não podem ser replicados pelos métodos fatoriais.

(28)

2.2 MCS

O Maltreatment Classification System (MCS) baseou-se em uma ampla revisão que considerou as influências culturais, políticas e econômicas sobre as definições, bem como seus respectivos impactos. Ele foi proposto em um momento em que não havia nenhum outro sistema de classificação de maus-tratos disponível, sendo o primeiro sistema de classificação e quantificação do construto (Manly, 2005).

Os dados foram coletados a partir dos registros realizados por trabalhadores das Agências de Proteção Infantil, por meio de critérios claros de inclusão e exclusão, com o objetivo de classificar e quantificar as dimensões dos maus-tratos de modo que pudessem ser examinadas empiricamente nas relações com variáveis ligadas a etiologia, sequelas e métodos de tratamento. Ressalta-se que os registros realizados pelas Agências de Proteção não tinham propósitos de serem utilizados em pesquisas, mas após passarem pela análise de seus conteúdos e classificados de acordo com os critérios do sistema de classificação, os dados tornavam-se úteis para a condução de pesquisas.

Foram incluídos nesse sistema dimensões consideradas importantes pelos autores, assim como as que haviam poucos estudos empíricos disponíveis, quais sejam: tipo, severidade, frequência/cronicidade, período desenvolvimental, separações/colocações e tipo de perpetrador.

Tipo

O Tipo é a dimensão mais reconhecida e estudada no âmbito dos maus-tratos contra a criança e o adolescente. No MCS, as definições dos tipos enfatizam as ações dos pais/cuidadores que podem prejudicar o desenvolvimento psicológico infantil (Manly, 2005), sendo que foram considerados aqueles amplamente reconhecidos na literatura científica, adaptados principalmente do trabalho original de Giovannonni & Becerra (1979), quais sejam: abuso físico, abuso sexual, maus-tratos emocionais, maus-tratos morais/legais/educacionais e negligência física, sendo esta última subdividida em Falha no Fornecimento e Falta de Supervisão (Figura 1). Também são fornecidos critérios de inclusão e exclusão, além de exemplos para cada subtipo, de modo a evitar confusões por parte daqueles que realizam a classificação.

(29)

Figura 1 - Tipos e subtipos de maus-tratos no MCS.

Fonte: Barnett, D., Manly, J. T., & Cicchetti, D. (1993). Defining child maltreatment: The interface between policy and research. In D. Cicchetti & S. L. Toth (Eds.), Child abuse, child development, and social policy (pp. 7–74). Norwood, NJ: Ablex.

Originalmente, Barnett et al. (1993) chamaram a atenção para a dificuldade de se investigar cada tipo de maus-tratos isoladamente, sendo muito comum a sua ocorrência simultânea com os outros tipos. Assim, os autores sugerem que ao classificar os tipos de maus-tratos, a possibilidade de considerar múltiplos tipos concomitantemente deve ser levada em consideração, porquanto as amostras de vítimas têm mostrado que a ocorrência de um tipo “puro” é bem menos frequente que a ocorrência simultânea (Kim & Cicchetti, 2010; Herrenkol & Herrenkol, 2009; Bolger & Patterson, 2001). Para tanto, eles propõem abordagens como 1) categorizar o tipo predominante de maus-tratos, sobrepondo a existência de outros tipos adicionais na história familiar; 2) categorizar somente as famílias que tiveram somente um tipo “puro” de maus-tratos; 3) realizar um controle estatístico das múltiplas ocorrências, criando-se grupos de diversas combinações, como abuso físico “puro”, abuso físico com abuso sexual, abuso físico com negligência etc.

Nesse sentido, Lau et al. (2005) investigaram a validade preditiva de repercussões infanto-juvenis de duas definições que enfatizam a predominância de algum tipo de maus-tratos com relação aos outros, e de uma definição construída pelos pesquisadores que possibilita o agrupamento dos tipos de maus-tratos nos moldes da terceira abordagem citada acima. Para o primeiro esquema, Hierarquia dos Tipos (HT), foi assumido que formas de maus-tratos ativas, como abuso sexual e físico, são mais prejudiciais que formas passivas, como negligência e

(30)

maus-tratos emocionais. Assim, ainda que diante de um caso envolvendo a ocorrência de múltiplos tipos de maus-tratos, somente aquele de nível hierárquico superior foi classificado. O segundo esquema utilizado, Severidade/frequência do Tipo (SFT), enfatizou a severidade e frequência dos maus-tratos, decidindo –em caso de presença de múltiplos tipos de maus-tratos- pela classificação do tipo que apresenta maior severidade e frequência. O terceiro esquema, Hierarquia dos Tipos Expandida (HTE) possibilitou a diferenciação entre tipos “puros” e combinações de Abuso Sexual com os outros tipos e Abuso Físico com negligência.

Após análises de regressão, os pesquisadores concluíram que os esquemas HT e SFT foram bons preditores de repercussões como problemas comportamentais e sintomas de trauma, sendo ainda a HT melhor preditora que a SFT, identificando, ainda, que há incrementos na validade preditiva de ambas quando levados em consideração ocorrências simultâneas dos Tipos. Para o HTE, encontraram que os tipos Abuso Sexual combinado com os outros tipos, assim como Abuso Físico combinado com outros tipos, foram preditores de piores repercussões do que tipos “puros”. Além disso, o HTE apresentou maior valor discriminativo, pois foi associado a cinco repercussões desenvolvimentais, enquanto que HT foi associado a quatro e o SFT a três repercussões.

Nesse sentido, ainda que as teorias sustentem suas respectivas composições do construto maus-tratos, evidências empíricas têm as colocado em questão quando os resultados indicam importantes correlações entre os tipos. Em uma pesquisa conduzida por Bolger e Patterson (2001), foram encontradas correlações significativas entre Abuso Físico e Maus-tratos Emocionais, entre Falha no Fornecimento e Falta de Supervisão, e também entre Maus-tratos Emocionais e Falha no Fornecimento, Falta de Supervisão e Abuso Físico, o que fez com que os pesquisadores sugerissem uma reorganização de cinco para apenas três tipos de maus-tratos: cuidados parentais rígidos e abusivos, negligência parental e abuso sexual. O modelo foi testado por meio de Análise Fatorial com rotação Procrustes, resultando em uma solução fatorial indicando três fatores, quais sejam: Abuso físico/emocional, Negligência e Abuso Sexual.

Em um levantamento de estudos acerca do tema, Herrenkohl e Herrenkohl (2009) encontraram correlações mais fortes entre os tipos provenientes de medidas de auto-relato com relação às fontes de dados dos serviços de proteção infantil. É provável que isso se deva a forma como os registros são feitos pelos profissionais das agências de proteção, pois o registro se dá no momento de uma investigação em que há uma

(31)

tendência de que os profissionais classifiquem apenas um tipo predominante de maus-tratos, negligenciando de certa forma os outros tipos, como no esquema de classificação HT (Lau et al., 2005). Além disso, os pesquisadores agruparam as definições segundo suas fontes, e reportaram correlações significativas variando de r= 0,16 a r=0,33 para abuso físico e maus-tratos emocionais, de r=.16 a r=.19 para negligência (falha na supervisão) e maus-tratos emocionais.

Assim, embora seja reconhecida a ocorrência de múltiplos tipos de maus-tratos concomitantemente, poucos têm sido os estudos que investigam suas correlações e isso é particularmente problemático, uma vez que a validade do construto depende de quanta variância é compartilhada por cada par deles, sendo que em casos em que há muita variância compartilhada, de certa maneira os tipos em questão acabam por se confundir, não havendo razões para mantê-los separados. Outrossim, fatores que se confundem ainda no momento da medida podem implicar em resultados e interpretações equivocadas da etiologia e consequências desenvolvimentais dos maus-tratos. Portanto, ainda que haja certa concordância entre os pesquisadores com relação às definições constitutivas, ainda são necessárias mais investigações que reportem suas correlações e, consequentemente, seus fatores.

Severidade

A severidade foi determinada para cada tipo por meio de uma escala ordinal organizada em um continuum que varia de 1 a 5 pontos, sendo que para cada ponto da escala são fornecidos descritores comportamentais e exemplos desses descritores. Do primeiro ponto até o último da escala está organizado de maneira crescente de severidade, sendo a escala voltada principalmente para os comportamentos dos pais/cuidadores.

Litrownik et al. (2005) identificaram que os estudos conduzidos anteriormente estavam utilizando métodos diversos para definir operacionalmente a severidade dos maus-tratos, os quais eram provenientes de fontes como trabalhadores sociais, adolescentes, adultos que relataram retrospectivamente os maus-tratos, pesquisadores após uma revisão de registros do caso, entrevistas com crianças ou cuidadores, ou até mesmo uma combinação entre eles. Com efeito, essa falta de uniformização na abordagem da medida dificultou a comparabilidade entre os resultados das pesquisas e, por conseguinte, de qual seria a mais adequada para cada uso.

(32)

Assim, partindo do MCS (Barnett et al., 1993) e considerando as dimensões tipo e severidade, Litrownik et al. (2005) conduziram uma pesquisa utilizando dados da associação Longitudinal Studies on Child Abuse and Neglect (LONGSCAN) para examinar quais das definições operacionais utilizadas pelos pesquisadores e descritas a seguir apresentavam melhor validade preditiva com relação às repercussões no desenvolvimento infantil. A a) Severidade Máxima por tipo foi a marcação do nível de severidade em cada um dos tipos de maus-tratos, podendo então variar de “0” a “5”, sendo o “0” a classificação da ausência de determinado tipo de maus-tratos no registro em questão; a b) Severidade Máxima Geral considerou o maior nível de severidade registrado dentre todos os tipos como o escore único de severidade, assumindo, para tanto, a comparabilidade entre as métricas dos tipos; a c) Severidade Total se refere a um escore obtido por meio da soma dos níveis de severidade de cada tipo; e d) Média da severidade que levou em consideração apenas os tipos de maus-tratos alegados ou fundamentados, isto é, a média da severidade foi calculada a partir dos tipos que apresentavam níveis maiores ou iguais a “1”. Os resultados empíricos sugeriram que a definição que considera a Severidade Máxima por Tipo tem maior poder preditivo para uma ampla série de repercussões no desenvolvimento infantil, respondendo pela maior parte das variâncias nos resultados em relação às outras definições operacionais. Além disso, essa estratégia de medida traz mais informação do que as outras, que resultam em apenas um escore único, permitindo análises mais específicas com relação à severidade de cada tipo.

A utilização dessa estratégia de medida tem sido amplamente utilizada. Bruce et al. (2009) correlacionaram os níveis de cortisol do sistema hipotalâmico-pituitário-adrenocortical com a severidade dos maus-tratos sofridos por crianças em acolhimento institucional. Como resultado, descreveram que os níveis de cortisol das crianças em questão correlacionaram-se negativamente com a severidade da negligência física, e positivamente com a severidade dos maus-tratos emocionais. Para os níveis de severidade dos tipos abuso físico, abuso sexual e negligência de supervisão não encontraram correlação com os níveis de cortisol.

Delft et al. (2015) investigaram a relação entre o segredo e o desenvolvimento de psicopatologias em crianças sexualmente abusadas. Embora os achados indiquem que as percepções de segredos dos filhos que as mães de crianças sexualmente abusadas reportaram, bem como a ocorrência do abuso sexual em si tenham se relacionado a mais psicopatologias nas crianças, não foram encontradas relações entre a severidade do abuso sexual com o desenvolvimento de psicopatologias.

(33)

Segundo os autores, esse dado pode estar relacionado a um tamanho pequeno da amostra.

Perfect et al. (2001) conduziram uma pesquisa com objetivo de buscar associações entre a severidade dos tipos de maus-tratos e indicadores do teste projetivo de Rorschach e o Minnesota Multiphasic Personality Inventory-A (MMPI-A), resultando que tomados em conjunto os indicadores Ego, MOR e PER do Rorschach e a escala 7 do MMPI (incertezas, medos e preocupações) houve correlação com a severidade de abuso físico, enquanto que as variáveis MOR, PER, SumY, SumC’, PTI, Conteúdo Humano e Textura do Rorschach, tomados em conjunto com a escala 0 do MMPI (introversão social) também correlacionaram-se significativamente com a severidade de abuso físico.

A adoção da estratégia de medida pela Severidade Máxima Geral também tem sido bastante utilizada, como por meio da investigação do relacionamento entre o maior nível de severidade identificado em qualquer um dos tipos de maus-tratos com a avaliação de crianças que foram colocadas para cuidado em local diverso do lar (Dunn, Culhane & Taussig, 2010), ou com padrões de apego e representações internas de mãe e do relacionamento mãe-filho (Stronach et al. 2011), ou ainda como forma de avaliar o impacto de uma intervenção em crianças colocadas em instituições de acolhimento (Taussig et al., 2012). Além disso, essa estratégia também foi utilizada para investigar os efeitos da severidade do abuso sexual sobre o funcionamento mal adaptativo e o efeito moderador da memória entre ambos (Choi et al., 2009).

Como é possível observar, a severidade dos maus-tratos é uma das dimensões que mais tem sido investigada desde o reconhecimento da natureza multidimensional do construto. Litrownik et al. (2005) reconhecem que cada estratégia de medida traz as suas vantagens e limitações, as quais dependerão do delineamento adotado pelo pesquisador. No entanto -e nesse aspecto concordamos com os pesquisadores- certas características da mensuração da severidade são importantes, de modo que sua medida deve considerar a severidade dentre todos os tipos e, ainda, deve demonstrar sua validade preditiva. Por esse motivo, um esquema de classificação que possibilite isso trará consigo mais informação para instrumentalizar os pesquisadores em seus diversos desenhos de pesquisa, o que não impede que haja uma reorganização dos dados após a etapa da coleta, deixando a critério de cada pesquisador essa possibilidade que permitirá a condução de uma multiplicidade de análises.

(34)

Frequência/cronicidade

A dimensão da frequência/cronicidade diz respeito à quantidade de tempo que o indivíduo experienciou maus-tratos. Originalmente, a frequência é mensurada por meio do número de registros na Agência de Proteção Infantil, enquanto que a cronicidade se refere à quantidade de tempo que a família vem sendo monitorada por essa Agência. Esta última ainda pode ser subdividida em maus-tratos agudos e crônicos, sendo que o primeiro se refere à ocorrência de maus-tratos de forma isolada, e o segundo a um padrão que vem ocorrendo ao longo do tempo.

Ambas dimensões contribuem para o entendimento das repercussões psicológicas e comportamentais em crianças e adolescentes (National Research Council, 1993). Barnett et al. (1993) fundamentaram o uso dessas dimensões reportando que famílias que tiveram maior envolvimento com as agências de proteção apresentavam menor engajamento e organização, além de mais conflitos familiares que aquelas com pouco envolvimento. A consideração dessa dimensão é importante e está intimamente relacionada ao tipo de maus-tratos e a severidade, como por exemplo, quando um cuidador ocasionalmente deixa faltar alimento para a criança, o que seria considerado apenas como uma forma inadequada de cuidado –por ter ocorrido de forma isolada- em vez de maus-tratos. No entanto, caso essa inadequação ocorra com uma maior frequência, ela poderá ser considerada como maus-tratos (Manly, 2005).

Pesquisadores têm reportado resultados em que encontraram valor preditivo da cronicidade com relação à percepção de comportamentos agressivos e de rejeição feitas por pares (Manly, 2005; Bolger & Patterson, 2001). Por outro lado, estudos recentes não encontraram relação entre a cronicidade e frequência dos maus-tratos com o apego infantil e representações internas de mãe (Stronach et al., 2011), e nem da frequência com repercussões comportamentais de jovens em situação de acolhimento (Jackson, Gabrielli, Fleming, Tunno & Makanui, 2014) sugerindo que não necessariamente crianças ou adolescentes manifestarão sintomas negativos em seu desenvolvimento e que tais resultados também dependem da forma como os construtos foram medidos e analisados.

English et al. (2005) conduziram uma pesquisa com objetivo de comparar como diferentes formas de operacionalizar as dimensões da frequência e cronicidade contribuiriam na compreensão das repercussões nos indivíduos. Para a frequência, mantiveram a ideia original da quantidade de incidentes registrados para aquela criança ou adolescente. Para a cronicidade, criaram duas variáveis com base no período desenvolvimental da vítima, as quais chamaram de definição

(35)

desenvolvimental e definição de calendário. A primeira variou em quatro níveis de acordo com o período em que a criança ou adolescente encontrava-se no momento da violência: primeira infância (gestação a 1,49 anos), segunda infância (1,5 a 2,99 anos), pré-escolar (3 a 5,99 anos) e idade escolar para o primário (6 a 8,9 anos). Para a segunda definição, foi tomado o período desenvolvimental segundo os anos do calendário, correspondendo à quantidade de anos que aquela criança ou adolescente mantém registro aberto na Agência.

Além disso, para cada uma dessas definições também foram coletados quantos períodos ocorreram os maus-tratos (extensão) e se em algum momento foi identificada uma “quebra” no padrão desses maus-tratos (continuidade). Para a “extensão”, o padrão foi classificado como “limitado” quando havia registros em até dois períodos desenvolvimentais, e como “estendido” para três períodos ou mais. Para a “continuidade”, foi identificado se entre os períodos desenvolvimentais houve algum deles em que a vítima ficou livre de maus-tratos. Quando os maus-tratos eram registrados em apenas um período, foram classificados como “situacional”.

Os resultados indicaram que, apesar de as diferenças encontradas entre as definições de cronicidade serem leves, a definição de calendário foi melhor preditora de habilidades de socialização mal-adaptativas, estresse pós-traumático e depressão. A definição desenvolvimental, por sua vez, foi melhor preditora de problemas de comportamentos externos e sintomas de raiva, além de habilidades de socialização mal-adaptativas, depressão e estresse pós-traumático. Com relação à continuidade e a extensão dos maus-tratos, também foram encontradas diferenças sutis, mas apontando que a extensão foi mais sensível a efeitos comportamentais negativos, enquanto que a continuidade foi mais sensível a sintomas de raiva e ansiedade. Além disso, a frequência apresentou relação com problemas de comportamentos externalizados e sintomas de depressão e estresse pós-traumático.

Período desenvolvimental, Separações/colocações e Perpetrador A dimensão “Período desenvolvimental” se refere ao estágio de desenvolvimento que a criança se encontra. Foi avaliado nesse sistema por meio do registro da idade em que cada ato de maus-tratos ocorreu, para cada subtipo, em uma escala de nove opções que variam desde o nascimento até quatorze anos ou mais de idade, além de questões afetas ao relacionamento interpessoal, regulação emocional, sintomas psicopatológicos, organização cognitiva, entre outros.

(36)

“Separações/colocações” dizem respeito à história de separação que a criança vivenciou de seus cuidadores. Para tanto, são registrados o tipo de separação que a criança experienciou (como a colocação em instituição de acolhimento ou família substituta), a quantidade de separações da criança com seu cuidador e o número de meses de separação.

O “perpetrador” é uma dimensão referente à identidade do cuidador e sua relação com a criança. Nesse sistema de classificação, são identificados os perpetradores para cada relato, podendo ser classificados como “mãe/pai biológico”, “padrasto/madrasta/pais substitutos”, “babá/amigo”, “estanho/desconhecido” e “outro relacionado”.

2.3 MMCS

O Modified Maltreatment Classification Scheme (MMCS) é um sistema de classificação desenvolvido para pesquisas no LONGSCAN, que é um projeto iniciado no início da década de 90, com o objetivo de conduzir pesquisas acerca da etiologia e impacto dos maus-tratos. Trata-se de um sistema baTrata-seado originalmente no MCS, porém com importantes adaptações, principalmente em se tratando das dimensões, as quais foram aproveitadas o tipo (correspondente ao subtipo no MCS), severidade, frequência e perpetrador. As dimensões “período desenvolvimental” e “separações/colocações” foram obtidas de outras formas, enquanto que dados de “cronicidade” não foram mais classificados (English et. al, 2005).

A dimensão “tipo” manteve as mesmas divisões do MCS, mas sofreu modificação no que diz respeito a conter subtipos mais específicos de maus-tratos. Por exemplo, para a classificação de “abuso físico”, há a divisão nos subtipos “rosto/cabeça/pescoço”, “tronco”, “nádegas”, “membros”, “manipulação violenta”, “asfixiar”, “queimar”, “chacoalhar” e “sem descrição”. Especificações semelhantes também ocorreram nos outros tipos.

Para a dimensão “severidade” foram mantidas as pontuações que variavam de 1 a 5, mas agora medindo a severidade dentro de cada subtipo, isto é, cada ponto da escala foi acompanhado de descrições e exemplos de atos de maus-tratos que definem aquele nível de severidade. 2.4 NATIONAL INCIDENCE STUDY (NIS)

Com a crescente preocupação no início dos anos 70 com o abuso e negligência infantis na sociedade norte-americana, o National Incidence

(37)

Study (NIS) surgiu para atender à Lei da época que determinava a condução de estudos completos e aprofundados sobre a incidência nacional de abuso e negligência infantil, incluindo o impacto em número e severidade do fenômeno. Sendo assim, o projeto encontra-se, hoje, em sua quarta edição (NIS-4), sendo que no decorrer de cada versão modificações fizeram-se presentes, incluindo seu sistema de classificação. Além disso, as classificações diferenciam se os maus-tratos contra a criança geraram algum dano identificável (harm/injury) ou se foi um ato que colocou a criança em situação de risco ou vulnerabilidade (endangerment) (Sedlak, 2001).

O NIS-4 reconhece três tipos de abuso e outros três tipos de negligência: “abuso físico”, “abuso emocional”, “abuso sexual”, “negligência física”, “negligência emocional” e “negligência educacional”. São classificadas seis formas específicas para “abuso físico”, oito formas para “abuso emocional”, dez formas para “abuso sexual”, doze formas específicas para “negligência física”, onze formas de “negligência emocional” e quatro formas de “negligência educacional”. Cada forma específica traz definições que caracterizam os atos de modo a enquadrá-los dentro de cada tipo (Sedlak et. al, 2010).

As classificações são feitas pelos profissionais das agências de proteção infantil e também por sentinelas, que são profissionais que atuam em uma grande variedade de agências em comunidades representativas, tais como escolas primárias e secundárias, departamentos de saúde pública, departamentos de polícias, entre outros (Sedlak, 2001; Sedlak et. al, 2010).

2.5 SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, a preocupação com a violência contra a criança teve início na década de 70, com publicações da área de Pediatria, a qual passou a tratar o tema no âmbito da Saúde Pública por meio da descrição de casos de espancamento (Pires & Miyazaki, 2005). Nos anos 80, enquanto mais estudos eram publicados –ainda que poucos- a violência contra a criança foi contemplada com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual assegurou seus direitos básicos imputando a responsabilidade à família, à sociedade e ao Estado (Brasil, 1988; Rates et. al, 2011). Nessa mesma linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi sancionado e direcionou intervenções do Estado visando garantir proteção integral das crianças/adolescentes (Almeida & Lourenço, 2012), dentre elas a determinação ao responsável por estabelecimento de saúde ou ensino a notificar casos suspeitos ou

Referências

Documentos relacionados

Os autores relatam a primeira ocorrência de Lymnaea columella (Say, 1817) no Estado de Goiás, ressaltando a importância da espécie como hospedeiro intermediário de vários parasitos

A participação foi observada durante todas as fases do roadmap (Alinhamento, Prova de Conceito, Piloto e Expansão), promovendo a utilização do sistema implementado e a

Both the distribution of toxin concentrations and toxin quota were defined by epilimnetic temperature (T_Epi), surface temperature (T_Surf), buoyancy frequency (BuoyFreq) and

Atualmente os currículos em ensino de ciências sinalizam que os conteúdos difundidos em sala de aula devem proporcionar ao educando o desenvolvimento de competências e habilidades

São considerados custos e despesas ambientais, o valor dos insumos, mão- de-obra, amortização de equipamentos e instalações necessários ao processo de preservação, proteção

Os crimes de estupro, lesão corporal dolosa em contexto de vio- lência doméstica, maus-tratos e exploração sexual tiveram maior número de registros (dentre o período analisado)

Capítulo 7 – Novas contribuições para o conhecimento da composição química e atividade biológica de infusões, extratos e quassinóides obtidos de Picrolemma sprucei

Art. 1º - A área de lazer e recreação da ASIBAMA-DF, doravante denominada Área de Lazer - situada no SCEN, Trecho 02, Lote da Sede do IBAMA, em Brasília, DF - tem