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Academic year: 2021

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Gestão Financeira

ESTRUTURA DE CAPITAL

Joaquim António Martins Ferrão jaferrao@iscal.ipl.pt

(2)

3 - ESTRUTURA DE CAPITAL

3.1 Introdução

Este capítulo está relacionado com as decisões de estrutura de capital e por conseguinte com as escolhas e com as decisões que se prendem com a forma de financiamento e logicamente, com as opções relacionadas com as origens de fundos.

Um empresa genérica pode optar por muitas alternativas de financiamento, pode contrair grandes quantidades de passivo, ou ao contrário pequenas quantidades. Pode também fazer uso de inúmeras modalidades relativamente às fontes de capital alheio, desde obrigações comuns, obrigações convertíveis, warrants, contratos de mútuo envolvendo instituições financeiras, leasings, etc. Neste capítulo vamos apenas preocupar-nos com os aspectos que podem influenciar a decisão de contrair mais ou menos passivo e consequentemente com a escolha do rácio D/E (debt-to-equity ratio, rácio entre passivo e capital próprio).

Em primeiro lugar discutiremos a decisão de estrutura de capital num mundo sem impostos sobre lucros e sem imperfeições de mercado. Surpreendentemente, descobriremos que num contexto deste tipo a decisão sobre a combinação de capital próprio e capital alheio seria indiferente, para efeitos do valor da empresa.

Numa segunda fase veremos que na generalidade dos países, o facto de no cálculo dos impostos sobre os lucros se aceitar como dedução, os encargos financeiros, faz com que surja uma espécie de subsídio ou um incremento do valor, derivado do efeito fiscal, ao qual chamaremos economia fiscal ou tax shields.

Finalmente, veremos que um aumento do valor da empresa proveniente do financiamento através de passivo, leva a um aumento no valor dos capitais próprios da empresa.

3.2 A estrutura de capital e o valor da empresa

Figura 1 – Estrutura de Capital

Definiremos o valor da empresa V como a soma dos capitais próprios com os capitais alheios. A letra E de equity, significa o valor de mercado dos capitais próprios e D de debt, o valor de mercado do passivo financeiro.

Capital Alheio 60% Capital Próprio40%

Capital Próprio40% Capital Alheio 60%

(3)

A figura anterior mostra duas combinações possíveis entre capital próprio e capital alheio: a primeira apresenta 40% de acções e 60% de obrigações e a segunda, 60% de acções e 40% de obrigações.

O objectivo dos gestores de uma empresa é tornar a empresa o mais valiosa possível, por conseguinte procurarão a combinação mais adequada, tendo em conta esse desiderato. Isto porque, as alterações na estrutura de capital beneficiarão os accionistas, sempre que o valor da empresa no seu todo aumente.

3.3 O endividamento e o valor da empresa

A partir deste momento, a uma empresa totalmente financiada por capitais próprios chamaremos não endividada ou em inglês, unlevered e a uma empresa que combina passivo com capital próprios, chamaremos endividada1 ou levered, independentemente das percentagens serem maiores ou menores.

Exemplo:

A empresa A, de momento não tem passivo na sua estrutura de capital, por isso é uma empresa unlevered. Está a estudar a possibilidade de contrair dívida e com esse valor reembolsar parte do capital. De seguida apresenta-se a situação actual e a proposta de alteração da sua estrutura de capital.

Actual (U) Proposta (L)

Activos 8000 8000

Passivos 4000

Capital Próprio 8000 4000

Taxa de juro 10% 10%

Valor de mercado/por acção 20 20

Numero de acções emitidas 400 200

Como o futuro está cheio de incertezas, a empresa construiu três cenários, quanto à possível evolução do seu negócio. Um cenário mais optimista, de expansão, um cenário mais pessimista de recessão e um cenário intermédio que é o cenário mais provável. Para cada um deles, foram estimados um conjunto de indicadores conforme quadro abaixo:

COM ENDIVIDAMENTO Recessão Esperado Expansão

Rendibilidade dos activos (ROI) 5% 15% 25%

Resultados antes de juros e impostos (RAJI) 400 1200 2000

Juros -400 -400 -400

Resultados antes de impostos (RAI) 0 800 1600

Impostos (0%)

Rendibilidade dos capitais próprios (ROE)2 0% 20% 40%

Resultados por acção (EPS) 0 4 8

1

O termo endividada, não tem sentido pejorativo, apenas quer dizer que a empresa usa passivo financeiro.

2

(4)

SEM ENDIVIDAMENTO Recessão Esperado Expansão

Rendibilidade dos activos (ROI) 5% 15% 25%

Resultados antes de juros e impostos (RAJI) 400 1200 2000

Resultados antes de impostos (RAI) 400 1200 2000

Impostos (0%)

Rendibilidade dos capitais próprios (ROE) 5% 15% 25%

Resultados por acção (EPS) 1 3 5

Figura 2 - Representação gráfica de duas das variáveis os EPS e o RAI.

-3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 400 800 1200 1600 2000 2400 RAI E P S

Com endividamento Sem endividamento

A figura acima mostra que o efeito do endividamento depende do valor dos resultados antes de juros e impostos, ou seja, depende do valor dos resultados operacionais.

O ponto de intercepção ou break-even point, ocorre quando o RAJI é 800. Neste ponto o ROI é 10%, tornando-se equivalente ao custo do passivo financeiro. Resultados acima dos 800, originam um EPS superior para a empresa endividada e resultados abaixo dos 800, mostram um EPS superior para a empresa não endividada.

3.4 A escolha entre passivo e capital próprio

Até ao momento ainda não concluímos qual será a melhor estrutura de capital. Modigliani e Miller (MM) apresentaram no seu artigo de 19583 um argumento convincente de que a empresa não pode alterar o valor total dos seus activos, apenas com base em alterações, quanto ao peso do capital próprio e capital alheio. Por outras palavras os autores afirmam através da sua Proposição I que o valor da empresa é sempre o mesmo e é independente da estrutura de capital. O seu argumento aparece suportado através de duas simples estratégias, ou decisões que qualquer investidor pode por em prática: estratégia A ou B.

3

“The Cost of Capital Corporation Finance and The Theory of Investment” American Economic Review (June 1958)

(5)

Passamos a explicar cada uma destas estratégias, continuando a usar os números do mesmo exemplo.

Estratégia A: Compra de 100 acções de uma empresa endividada

Investimento: 100 x 20 = 2000

Recessão Esperado Expansão

EPS de uma empresa endividada 0 4 8

Resultados por cada 100 acções 0 400 800

Estratégia B: Homemade Leverage

Alguém que apenas tem recursos para comprar 100 acções mas que decide comprar 200 da empresa não endividada, pedindo emprestado o dinheiro que necessita.

Resultados por cada 200 acções: Recessão Esperado Expansão

EPS da empresa não endividada 1x200=200 3x200=600 5x200=1000

Juros a pagar 10% x 20004 -200 -200 -200

Cash-Flow Líquido 0 400 800

Aos payoffs da estratégia B chamamos the homemade leverage strategy.

O investidor pode ele próprio, em função dos seus objectivos e grau de aversão ao risco fazer a combinação que desejar entre activos e passivos e através dessa combinação obter uma carteira com o nível de endividamento desejado. Na estratégia B o investidor tem em seu poder uma carteira com o mesmo nível de endividamento que as acções da empresa levered da estratégia A. A diferença reside no facto de o investimento de sua conta ser maior e por isso ter de pedir emprestado algum dinheiro.

Comparando as duas estratégias, verificamos que ambos usam o mesmo investimento inicial e obtêm os mesmos resultados anuais: 0, 400 e 800, consoante os cenários.

Repare-se que os capitais próprios da empresa não endividada estão avaliados em 8000 enquanto que os capitais próprios da empresa endividada são apenas 4000 e o seu passivo é também 4000, levando a que o valor dos activos da empresa seja igualmente 8000.

Este exemplo ilustra o resultado da proposição I de Modigliani e Miller sem impostos

(O valor da empresa endividada é o mesmo da empresa não endividada).

Apesar dos pressupostos simplistas, este é considerado o ponto de partida da moderna gestão financeira. Antes de MM, o efeito do endividamento no valor da empresa era considerado complexo e difícil de explicar. Modigliani e Miller tiveram o mérito de conseguir apresentar uma explicação simples e intuitiva, na sequência dos seus estudos. Para reforçar o atrás referido argumentaram ainda que se as empresas endividadas estiverem avaliadas no mercado por um valor muito alto, os investidores racionais simplesmente pedirão emprestado de sua conta e comprarão acções de empresas não endividadas. Esta possibilidade permite também duplicar o efeito do endividamento da empresa, através do seu próprio endividamento pessoal.

4

2000 de empréstimo deriva de se comprarem 200 acções a 20 o que daria 4000. Como o investidor possui os mesmos 2000 do caso anterior, necessita anda de pedir emprestados os restantes 2000.

(6)

Claro está que esta proposição se baseia no pressuposto de ausência de impostos e na ideia de que os particulares e as empresas podem pedir emprestado, á mesma taxa de juro, o que nem sempre acontece.

3.5 Proposição II de Modigliani e Miller (sem impostos)

3.5.1 O aumento do endividamento e o risco para os accionistas

Conforme se pode ver nos exemplos anteriores, o rendimento esperado aumenta com o nível de endividamento, mas o risco também aumenta da mesma forma. Vejamos mais em detalhe os resultados dos quadros anteriores:

O RAJI varia entre 400 e 2000 e os EPS (resultados por acção) para os accionistas da empresa não endividada variam entre 1 e 5. Os EPS para os accionistas da empresa endividada variam entre 0 e 8. Este maior intervalo nos EPS da empresa endividada, implica um maior risco para os accionistas deste tipo de empresa. Por outras palavras, os accionistas da empresa endividada têm melhores resultados nos tempos bons, do que os accionistas da empresa não endividada, mas têm piores resultados nos tempos maus. Os mesmos quadros mostram igualmente, um maior intervalo para o ROE dos accionistas da empresa endividada. Os mesmos comentários poderiam ser feitos relativamente a este indicador. Idêntico ensinamento podemos retirar do gráfico, no qual observamos que o declive da linha que representa a empresa endividada é maior do que o declive da linha que representa a empresa não endividada. Isto quer dizer que os accionistas da empresa endividada, têm melhores resultados nos tempos bons do que os accionistas da empresa não endividada, mas têm piores resultados nos tempos maus, implicando assim maior risco na presença do endividamento. Em suma, a inclinação da linha mede o risco dos accionistas, a qual nos dá uma espécie de quantificação, em termos da resposta do ROE face às alterações na performance da empresa.

3.5.2 O rendimento esperado para os accionistas aumenta com o endividamento

Assim, se a empresa endividada tem maior risco, deverá recair sobre ela uma maior expectativa de rendibilidade, como forma de compensação. No nosso exemplo, o mercado requer 15% de rendimento esperado para a empresa não endividada, mas requer 20% em termos de rendibilidade para a empresa endividada. Assim surge a proposição II de Modigliani e Miller. MM argumentam que o rendimento esperado para os capitais próprios está positivamente relacionado com o nível de endividamento, na medida em que o risco para os accionistas, aumenta exactamente no mesmo sentido.

Para demonstrar esta proposição vamos recorrer ao conceito de custo médio ponderado do capital, em inglês WACC (Weighted Average Cost of Capital)

D E E r D E D r WACC D E + + + = (1)

(7)

Onde: rD = Taxa de juro ou custo do financiamento

rE = Rendibilidade esperada para os capitais próprios D = Passivo Financeiro (debt)

E = Capital Próprio (equity)

Na fórmula anterior está subjacente o pressuposto de ausência de impostos sobre lucros. Mais tarde veremos que ela tem outra expressão quando libertarmos este pressuposto. Vamos agora calcular o WACC para a empresa endividada e não endividada, usando o exemplo anterior, mas apenas com os valores da coluna “Esperado”.

Não endividada5: 15% 8000 8000 % 15 8000 0 % 10 + = = WACC Endividada6: 15% 8000 4000 % 20 8000 4000 % 10 + = = WACC

Como conclusão retiramos que a Proposição I de MM, na ausência de impostos, se confirma, na medida em que o WACC é constante para uma dada empresa, independentemente da estrutura de capital.

Para progredirmos na obtenção da relação entre rendibilidade esperada para o capital próprio e endividamento, necessitamos de introduzir o conceito de custo do capital para uma empresa não endividada.

Designaremos esse conceito por rO - Custo do capital próprio para uma empresa totalmente financiada com capitais próprios. Neste exemplo obteríamos um valor de 15%.

% 15 8000 1200 = = O r

O seu cálculo resulta do quociente ente o rendimento esperado para a empresa não endividada e os capitais próprios da empresa sem passivo.

Como podemos verificar pelos diversos cálculos apresentados, o rO =WACC e isto acontece sempre que não consideremos os impostos.

Demonstração: Usando a fórmula (1): D E E r D E D r WACC rO D E + + + = = D E E r D E D r rO D E + = + − D E E r Dr D E rO D E + = − + ) ( E D O E D Dr Er r ( + ) = 5

Na coluna do esperado: RAI/Capital Próprio = 1200/8000=15%

6

(8)

E D r D E E r r O D E = ( + )− E D r E D r r rE = O+ O D ) ( O D O E r r E D r r = + (2)

Obtivemos finalmente a relação entre a rendibilidade esperada para o capital próprio e o nível de endividamento, sem impostos.

A expressão acima representa matematicamente a Proposição II de MM (sem impostos)

) ( O D O E r r E D r r = + (2)

Como se pode verificar, a rendibilidade exigida pelos accionistas aumenta com o nível de endividamento. Isto é, há uma relação directa entre uma variável e outra.

Figura 3 - Representação Gráfica do Custo do Capital Próprio

Comentários ao gráfico:

1- O custo do capital próprio rE ,é crescente com o aumento do endividamento;

2- rO = rE na origem, quando o endividamento é nulo. Como se pode ver, o rO é um ponto e rE uma linha;

3- O custo médio do capital, na ausência de impostos, é constante e não varia com o endividamento, por outro lado é igual a rO;

4- A linha rE do gráfico, representa graficamente a equação (2) ilustrando o efeito do endividamento, através do risco financeiro que vai aumentando, provocando o crescimento no custo do capital próprio.

rO

rE

WACC rD

Rácio de endividamento D/E Custo de capital

(9)

Síntese das Proposições de Modigliani e Miller:

Pressupostos:

- Ausência de impostos

- Inexistência de custos de transacção

- Indivíduos e empresas podem pedir emprestado à mesma taxa Resultados:

Proposição I: VL = VU O valor da empresa endividada é igual ao valor da empresa não endividada.

Proposição II: A rendibilidade exigida para os capitais próprios

aumenta com o endividamento, na medida em que o risco dos capitais próprios aumenta com o nível de dívida, devido ao risco financeiro7.

Todavia os pressupostos subjacentes não levam em conta alguns aspectos importantes, podendo até ser considerados irrealistas. De todos, os mais relevantes são a ausência de impostos e a não consideração dos custos de falência e outros custos de agência. De seguida, introduziremos os impostos e mais tarde tomaremos em consideração os custos de falência e custos de agência.

3.6 A presença dos impostos e sua implicação no valor da

empresa

Tudo aquilo que vimos até ao momento desprezava a existência de impostos sobre lucros. Considerando a existência de impostos, o que corresponde a um cenário mais realista, veremos que o valor da empresa aparece directamente relacionado com o seu passivo.

Figura 3 – A empresa que paga impostos

Empresa Unlevered Empresa Levered

A empresa não endividada paga mais impostos do que a empresa endividada. Em consequência, a soma do Passivo mais o Capital Próprio na empresa endividada, vem maior do que o Capital Próprio na empresa não endividada. Esta situação deriva do facto dos encargos financeiros resultantes dos empréstimos, serem dedutíveis fiscalmente. Esta

7

Risco financeiro é o risco associado à presença de passivo financeiro. Uma empresa com empréstimos tem mais obrigações e compromissos financeiros, os quais derivam da obrigação de reembolso do capital e do pagamento dos juros. A tesouraria passa a ter compromissos adicionais, certos e inadiáveis,

independentemente dos negócios correrem bem ou mal e daí se reconhecer que existe mais risco financeiro. Ou seja a possibilidade de não poder vir a cumprir com as suas obrigações, é maior do que numa empresa sem empréstimos.

Capital

(10)

realidade leva a que haja um claro incentivo para que os gestores introduzam passivo financeiro, na sua estrutura de capital.

Exemplo:

A empresa X paga IRC a uma taxa de 25% e tem um RAJI esperado de 1 milhão de euros em cada ano. Os seus resultados líquidos são totalmente distribuídos a título de dividendos. A empresa considera neste momento duas alternativas, em termos de estrutura de capital. Na hipótese I, não terá qualquer passivo nas suas fontes de financiamento. Na hipótese II, a empresa terá 4 milhões de passivo. O custo do passivo é de 10% ao ano.

Quadro resumo da empresa X

Hipótese I Hipótese II

Resultados antes de juros e impostos 1.000.000 1.000.000

Juros do empréstimo 0 400.000

Resultados antes de impostos 1.000.000 600.000

Impostos8 250.000 150.000

Resultados líquidos 750.000 450.000

Cash-Flow total para accionistas e

Bancos ou Obrigacionistas 750.000 850.000

= RAJI.(1-t)+t.rD.D

Os números que nos interessa aqui observar, são os da última linha. Como podemos ver na hipótese II, o cash-flow que chega aos financiadores da empresa (accionistas e bancos) é superior. A diferença é 100.000 = 850.000-750.000. A origem desta diferença está no facto de o Estado receber menos impostos na hipótese II: 150.000 – 250.000= - 100.000. Este efeito resulta do facto dos impostos tratarem de forma diferente os juros, por comparação com os resultados.

3.6.1 Cálculo do valor actual das poupanças fiscais

O exemplo acima mostra uma vantagem do passivo, por comparação com os capitais próprios, na contribuição para o valor da empresa. Vamos agora tentar quantificar essa vantagem.

Montante dos juros é rD . D, sendo rD o custo dos empréstimos e D o seu montante. A redução anual nos impostos (t.rD.D) constitui uma poupança que acontece todos os anos. Enquanto a empresa gerar resultados operacionais que a obriguem a pagar impostos, poderemos assumir que o cash-flow na expressão (t.rD.D) tem o mesmo risco dos juros associados ao passivo financeiro. Assim sendo, o seu valor pode ser determinado, descontando (t.rD.D) à taxa rD.

Assumindo que o cash-flow é perpétuo, isto é que a empresa não tem fim à vista e que mantém constante o nível de passivo obtemos:

D t r D r t D D. . . = 8

(11)

3.6.2 O valor da empresa endividada

Acabámos de calcular o valor da poupança fiscal originada pelo passivo (tax shields). O nosso próximo passo é calcular o valor da empresa endividada. O valor do cash-flow anual de uma empresa não endividada é RAJI .(1-t). O valor de uma empresa não endividada (empresa sem passivo) é o valor actual de RAJI .(1-t)

O U r t RAJI V = .( −1 )

Onde como já vimos:

VU = Valor de uma empresa não endividada

RAJI.(1-t) = Cash-flow anual da empresa depois de impostos t= taxa de imposto

rO= O custo do capital de uma empresa sem passivo

Para obtermos o valor da empresa endividada bastará adicionar o valor das economias fiscais9 ao valor da empresa não endividada.

D t V D t r t RAJI V U O L . . ) 1 .( + = + − = (4)

A equação (4) representa a Proposição I de MM com impostos. Vejamos um exemplo de aplicação da Proposição I com impostos.

A empresa Y é neste momento uma empresa não endividada. A referida empresa espera gerar um RAJI anual de 133,33 em perpetuidade. A taxa de imposto sobre lucros é de 25%, originando um resultado depois de impostos de 100. Todos os resultados líquidos são distribuídos a título de dividendos. A empresa está neste momento a considerar uma reestruturação das suas fontes de financiamento, no sentido de incorporar 200 de passivo. O custo do passivo é de 10%. Outras empresas não endividadas no mesmo sector, tem um custo de capital de 20%. Qual será o novo valor da empresa Y?

D t r t RAJI V O L . ) 1 .( + − = 200 25 , 0 2 , 0 ) 25 , 0 1 ( 33 , 133 × + − = L V 550 50 2 , 0 100 = + = L V enquanto 500 2 , 0 ) 25 , 0 1 ( 33 , 133 = − = U V

O valor da empresa endividada atendendo a que V=E+D, é 550. Trata-se de um valor superior aos 500 da empresa não endividada.

Empresa endividada Empresa não endividada

VL=550 VU=500

EL=350 EU=500

D=200 D=0

9

(12)

3.6.3 Rendibilidade esperada e endividamento, com impostos

A proposição II de MM sem impostos estabelecia uma relação positiva entre a rendibilidade esperada para os capitais próprios e o nível de endividamento, devido ao aumento do risco financeiro. A mesma situação se observa, num mundo com impostos sobre lucros.

Proposição II de MM com impostos

) 1 )( (r r t E D r rE = O+ O D (5) Demonstração:

Vimos anteriormente que com impostos o valor da empresa aumenta, De tal forma que podemos olhar para o balanço da empresa da seguinte forma:

Balanço

VU = Valor da empresa não endividada D= Passivo Financeiro

t.D = Economias fiscais E= Capitais Próprios

1º passo

O cash-flow do lado esquerdo do balanço pode ser expresso da seguinte forma:

D O

U r tDr

V . + . . (i)

2º Passo

O rendimento esperado para bancos e ou obrigacionistas bem como accionistas em conjunto, pode ser representado por:

D E Dr r

E. + . (ii)

Assumindo que todos os resultados gerados são distribuídos a título de dividendos, que não há crescimento e se mantêm constantes quer os resultados, quer as taxas de juro, os cash-flows gerados pela empresa são equivalentes aos que os accionistas e financiadores receberão: (i) = (ii).

D O U D E Dr V r tDr r E. + . = . + . . (iii) 3º Passo

Dividindo ambos os membros por (E) obtemos:

D O U D E t r E D r E V r E D r E E × × + × = × + × D D O U E r E D r t E D r E V r = × + × × × ) 1 ( t r E D r E V r U O D E = × − × × − (iv) 4º Passo

Na equação (iv) podemos substituir VU por E+(1-t).D, bastará para tal ter em conta o balanço inicial, uma vez

(13)

5º Passo

A equação (iv) vem então:

) 1 ( ). 1 ( t r E D r E D t E rE = + − × O × D× ) 1 ( ) 1 ( r t E D r t E D r E E rE = × O+ × × O × D× E obtemos finalmente: ) 1 ( ) (r r t E D r rE = O+ × O D ×

Aplicando a fórmula ao exemplo anterior, empresa Y, obtemos:

2428 , 0 ) 1 , 0 2 , 0 ).( 25 , 0 1 ( 350 200 2 , 0 + = = E r

Sempre que rO>rD, rE aumenta com o endividamento, tal como já acontecia no cenário sem impostos. O custo do capital próprio sem endividamento rO, deve exceder rD. Isto é os capitais próprios, mesmo numa empresa não endividada, têm risco e deverão ter um rendimento esperado maior do que o passivo de menor risco.

Para confirmarmos os nossos cálculos podemos determinar o valor dos capitais próprios da empresa endividada de uma outra forma. A fórmula para o valor dos capitais próprios da empresa endividada é: E E D L r RL r t D r RAJI E = ( − ).(1− ) = 350 2428 , 0 ) 25 , 0 1 ).( 200 1 , 0 33 , 133 ( = − × − =

Figura 4 - Representação gráfica do efeito do endividamento no custo do capital próprio e no custo médio ponderado do capital

) ( ) 1 ( O D O E t r r E D r r = + × × 2428 , 0 350 200 ) 1 , 0 2 , 0 )( 75 , 0 ( 2 , 0 + = = rO rE WACC rD

Rácio de endividamento D/E 0,25

0,1 0,20

(14)

O endividamento traz risco à empresa. Como compensação, o custo dos capitais próprios aumenta com o acréscimo de risco da empresa, daí que rE para o rácio 200/350 seja 24,28%, em vez de 20% para o rácio 0/550 e será muito superior se por exemplo, calcularmos o rE para 350/550.

Note-se que rO é um ponto, neste caso 20% e rE e WACC são uma linha que em qualquer dos casos dependem do rácio de endividamento. O WACC é uma linha decrescente e o rE uma linha crescente.

3.6.4 O custo médio ponderado do capital (WACC) e os impostos sobre os lucros

WACC com impostos10 E

L D L r V E t r V D

WACC = × ×(1 )+ × o que é equivalente a:

E D r E D E t r E D D WACC × + + − × × + = (1 ) (6)

No caso em que não havia impostos, apresentado anteriormente, o WACC não era influenciado pelo nível de endividamento. A partir do momento em que considerámos os impostos e estes passam a gerar economias fiscais, podemos demonstrar que o WACC decresce com o nível de endividamento, conforme gráfico anterior. Em teoria, ele desceria até ao ponto em que a percentagem de capitais próprios fosse zero e a empresa fosse 100% financiada por capitais alheios. O WACC seria no limite rD×(1t).

No exemplo acima o WACC seria: 0,2428 0,1817

550 350 ) 25 , 0 1 ( 1 , 0 550 200 = × + − × × = WACC

Repare-se que a empresa em causa ao introduzir 200 de passivo reduziu o seu custo médio ponderado do capital (WACC) de 20% para 18,17%. Este resultado é simpático e interessante, porque quer dizer que se a empresa reduziu o seu custo de capital, aumentou o seu valor. 550 18178 , 0 75 , 0 33 , 183 ) 1 ( = × = − × = WACC t RAJI

VL Estes cálculos confirmam os resultados anteriores.

3.6.5 A alteração da estrutura de capital e seu efeito nos valores de mercado

Para vermos em detalhe a evolução dos preços de mercado dos capitais próprios, na sequência da alteração da estrutura de capital, vamos reconstruir o exemplo anterior, passo a passo e observar os efeitos no preço das acções, sempre na perspectiva de que os gestores ao pretenderem maximizar o valor da empresa, estão implicitamente a olhar pelos interesse dos accionistas. Outra coisa não seria de esperar, pois são os accionistas quem escolhe e nomeia os gestores.

10

(15)

O valor de mercado do balanço da empresa Y, o qual no momento inicial é totalmente financiado por capitais próprios, pode ser representado da seguinte forma:

Balanço (empresa 100% capitais próprios)

Activos Físicos Capital Próprio

(1 0,25) 500 2 , 0 33 , 133 = − × € 100 acções = 500€

Assumindo que a empresa emitiu 100 acções11, cada uma delas valerá 5€= 500/100. Vamos agora considerar que a empresa anuncia que num futuro próximo emitirá 200€ de passivo para reduzir o seu capital próprio em 200€.

Ora nos sabemos da discussão anterior, que o valor da empresa vai aumentar para reflectir as economias fiscais do passivo. Assumindo que os mercados de capitais valorizam de forma correcta os títulos da empresa, o aumento do valor ocorre imediatamente após o anúncio.

O valor de mercado para o balanço da empresa vem agora: Balanço (após o anúncio da emissão de passivo)

Activos Físicos: 500€ Capital Próprio

Valor actual das

Economias fiscais: 100 acções = 550€

50 200 25 ,

0 × = € Total dos activos = 550€

Os empréstimos ainda não se concretizaram, por isso nas origens de fundos ainda aparecem somente os capitais próprios.

Todavia, a partir do momento do anúncio da operação, cada acção vale 550€/100=5,5€, permitindo-nos concluir que os accionistas ganharam com esta operação 0,5€ por acção. Este prémio é a favor dos accionistas, pois são eles os donos da empresa que decidiu melhorar a sua posição financeira.

Claro está que o item que aparece no activo12 representando as economias fiscais não é palpável, é imaterial. Porém é um activo, porque no futuro a empresa pagará menos impostos do que na situação anterior, por isso financeiramente temos um activo na medida em que é algo que tem valor.

A dada altura e num momento posterior, acontece a troca de capital por passivo. O passivo surge por 200€ e este valor é usado para comprar (reembolsar) acções da empresa, ao seu preço de mercado que são 5,5€/cada. Vai então ser necessário comprar 200/5,5=36,36

11

Este exemplo não passa disso mesmo, um exemplo académico, daí a expressão monetária das rubricas ser tão reduzida.

12

(16)

acções13, ficando o capital da empresa repartido por 100-36,36=63,64 acções. O balanço da empresa a preços de mercado passa então a ser o seguinte:

Balanço (depois da troca de capital por passivo) Activos Físicos: 500€ Capital Próprio 350€

Valor actual das 63,64 x 5,5 = 350

Economias fiscais: Passivo 200€ 50 200 25 , 0 × =

Total dos activos = 550€ Total 550€

Cada acção continua a valer 5,5€ depois da troca (350/63,64 = 5,5). Refira-se que no momento da troca já não há nenhum motivo para o preço das acções se alterar. O seu valor altera-se, apenas no momento do anúncio, isto porque em situações normais, os mercados reagem imediatamente a toda a informação pública relevante para as empresas.

Verificamos assim que um aumento do valor da empresa, a partir da alteração da estrutura de financiamento, leva a um aumento no preço das acções. De facto são os accionistas que capturam inteiramente os 0,5€ por acção, resultantes das economias fiscais originadas pelo passivo.

3.7 Limites para o uso de passivo

3.7.1 Introdução

Na parte final introduzimos os impostos e ficámos com um modelo mais consentâneo com a realidade. Será que a teoria de MM nos permite agora calcular a estrutura de capital ideal?

Ao termos ficado com a expressão VL=VU+t.D para valorizar a empresa com dívida, concluímos que podemos aumentar o seu valor acrescentando passivo, até ao limite máximo que seria 100%. Ora este cenário e esta conclusão, não são consistentes com a realidade observada nas empresas. O que vemos, são diferentes níveis de endividamento de empresa para empresa, mas raramente 100% de passivo e 0% de capitais próprios. A teoria de MM ignora a falência e os seus custos. Esta pode ser uma das razões pelas quais as empresas colocam limites ao seu endividamento e preferem em alguns casos níveis moderados de endividamento, em vez de 100%.

Por outro lado, a teoria de MM ignora os impostos pessoais, os impostos sobre as pessoas singulares. Depende de país para país e da época ou período temporal, mas os impostos sobre os juros podem ser diferentes dos impostos sobre os dividendos e isso pode criar incentivo ou desincentivo aos obrigacionistas.

13

Para obtermos números rigorosos, vamos ignorar que não se podem comprar décimas de acções mas apenas acções inteiras.

(17)

3.7.2 Custos de financial distress

Como foi referido anteriormente, o passivo proporciona benefícios fiscais às empresas. Porém, o passivo coloca pressão na empresa, na medida em que os juros e o capital têm de ser pagos pela empresa em datas determinadas, constituindo obrigações às quais não se pode faltar. Quando a empresa deixa de cumprir as suas obrigações financeiras, nós consideramos que ela começa a sofrer os efeitos do chamado financial distress. A última etapa da situação de financial distress é a falência e a consequente perda de propriedade dos accionistas para os credores. Claro está que os accionistas de uma empresa sem passivo também esperam dividendos, mas se estes não aparecerem, não há nada que eles possam fazer. Como veremos, os custos de falência, ou mais genericamente, os custos de financial distress, tendem a ofuscar as vantagens do passivo, funcionando como um travão para o excessivo endividamento.

3.7.3 Descrição dos custos de financial distress

Os custos de falência podem diminuir o valor da empresa. O mesmo se passa numa fase anterior à falência, quando a empresa embora ainda não falida, começa a não cumprir com os seus compromissos. Ou seja, também os custos de financial distress podem reduzir o valor da empresa.

Custos directos de financial distress:

Quando a empresa não cumpre com os seus compromissos é natural que outras entidades suas fornecedoras lhe coloquem acções judiciais. É necessário pagar a advogados e suportar despesas judiciais. Podem ser penhorados activos importantes e a empresa nessa situação não os consegue substituir. Genericamente, os custos directos de falência estão fundamentalmente relacionados com custas judiciais e advogados.

Custos indirectos de financial distress:

Constrangimentos vários ocorrem no relacionamento com clientes e fornecedores. Muitas vendas se perdem devido às falhas no serviço e à perda de confiança que alguns clientes começam a ter. Isto acontece mais em empresas que vendem bens de equipamento, que continuam a necessitar de manutenção ou sobressalentes, mas pode acontecer noutros sectores com clientes a desconfiar da qualidade dos produtos e a formular juízos de valor sobre a idoneidade dos profissionais, na medida em que é de prever que os melhores funcionários sejam os primeiros a abandonar as empresas, quando surgem informações e elementos objectivos que indicam dificuldades financeiras.

É muito difícil quantificar estes custos, Altman porém, estima que em conjunto, custos directos e indirectos possam ultrapassar os 20% do valor da empresa.

Custos de agência:

Quando uma empresa tem passivo, aparecem os conflitos de interesse entre accionistas e obrigacionistas ou Bancos. Por via disso, os accionistas são tentados a prosseguir estratégias menos correctas, ou por outras palavras egoístas, na medida em que colocam em primeiro lugar a defesa dos seus próprios interesses, nem que para isso, outros fiquem

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prejudicados. Estes conflitos de interesse, os quais são amplificados, quando as empresas entram em situação de financial distress, impõem os chamados custos de agência na empresa14.

Passamos a descrever três tipos de estratégias egoístas ou comportamentos desviantes que podem ser empreendidas, por parte dos accionistas, contra os interesses dos obrigacionistas ou credores. Estas estratégias, embora não pareça, têm um custo, porque vão fazer baixar o valor da empresa no seu todo.

Estratégia 1 – Overinvestment ou incentivo para incorrer em riscos significativos

As empresas numa situação de insolvência (financial distress) pensam como se estivessem a jogar a dinheiro com outra pessoa, ou agem como jogadores num casino. Perante dois projectos mutuamente exclusivos, sentem incentivo a optar pelo mais arriscado, na esperança que sejam bafejados pela sorte e que repentinamente a situação da empresa se inverta. Para demonstrar o que acabamos de afirmar vejamos o seguinte exemplo:

Uma empresa com um nível elevado de endividamento e em situação de financial distress, tem à sua frente dois projectos alternativos. Qualquer um deles pode ter dois cenários de evolução possível: recessão e expansão.

Valor da empresa no seu todo, caso o projecto de baixo risco seja escolhido

Probabilidade Valor da empresa Capital Próprio Capital Alheio

Recessão 0,5 100 0 100

Expansão 0,5 200 100 100

O valor esperado da empresa, assumindo igual probabilidade para os dois cenários de evolução, vem: 0,5 x 100 + 0,5 x 200 = 150. Como a empresa deve 100 aos credores, os accionistas ficarão apenas com 50.

Suponhamos que a empresa pode por em prática um outro projecto alternativo, mais arriscado que o primeiro, em que nos tempos bons pode ter um retorno muito superior, mas em que nos tempos maus, pode ser pior do que no primeiro caso.

Valor da empresa caso o projecto de alto risco seja escolhido

Probabilidade Valor da empresa Capital Próprio Capital Alheio

Recessão 0,5 50 0 50

Expansão 0,5 240 140 100

O valor esperado da empresa passa a ser 145 = 0,5 x 50 + 0,5 x 240 o que traduz um valor inferior, por comparação com o anteriormente apresentado, caso o projecto de baixo risco fosse escolhido.

14

É possível falar de custos de agência entre accionistas e gestores, entre accionistas e credores, entre accionistas maioritários e accionistas minoritários. Cada uma destas situações de conflito, tem as suas características e particularidades.

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Dada a situação de financial distress em que a empresa se encontra, é de prever que os accionistas escolham levar a cabo o projecto mais arriscado, apesar de o valor esperado para a empresa ser inferior.

No cenário de expansão os accionistas ganham mais com o projecto arriscado (140 em vez de 100), sendo que os credores são pagos na íntegra.

No cenário de recessão, os obrigacionistas são pagos na totalidade com o projecto de baixo risco e ficam a perder 50% dos seus créditos caso os accionistas escolham o projecto de alto risco.

Repare-se finalmente que os accionistas nada recebem no cenário de recessão, nem com um projecto nem com o outro, daí o incentivo para optarem pelo projecto de alto risco, porque com sorte, é aquele que lhes proporciona um melhor cash-flow. Nesta estratégia não estamos a considerar a origem dos fundos, apenas o critério de selecção dos projectos e acabamos por concluir que esses critérios podem sofrer de alguma irracionalidade.

Estratégia 2 – Incentivo para o underinvestment

Na estratégia 2 vamos considerar a origem dos fundos necessários para concretizar o investimento, em que os accionistas de uma empresa com significativas probabilidades de falência, facilmente são levados a pensar que os novos investimentos ajudam apenas os credores em detrimento deles próprios. Num cenário deste género, as fontes de financiamento são escassas e qualquer investimento só acontece à custa de capitais próprios. Isto porque os credores, quando percebem a situação de financial distress, cortam ou limitam imediatamente o acesso a novos financiamentos.

Imaginemos uma empresa proprietária de um edifício em situação eminente de falência. Se os accionistas dessa empresa pegassem em 100.000€ do seu bolso e modernizassem o edifício, este poderia aumentar o seu valor de mercado em 150.000€. Desta forma, o referido investimento apresenta um VAL positivo, porém ele só será levado a cabo se evitasse a falência da empresa. Perante a incerteza, porquê realizar o investimento, usando fundos próprios dos accionistas, para melhorar um edifício que passará em breve para a posse dos credores.

Outro exemplo pode ser considerado, pensando numa empresa que tem um serviço de dívida de 4000 no final do ano, incluindo juros e capital a reembolsar. A empresa entrará em insolvência caso aconteça uma recessão, uma vez que os seus cash-flows serão apenas 2400 nesse estado.

A empresa pode evitar entrar em insolvência na situação de recessão, aumentando o capital próprio para investir num novo projecto. O projecto custa 1000 e origina 1700, daí resultando um VAL muito positivo. Claramente seria aceite numa empresa não endividada. Porém este projecto prejudica os accionistas da empresa endividada.

Expansão Recessão Expansão Recessão

Cash-Flows da Empresa 5.000 2.400 6.700 4.100

Direitos dos Credores 4.000 2.400 4.000 4.000

Direitos dos Accionistas 1.000 0 2.700 100

(20)

O valor esperado pelos accionistas, relativamente à sua posição na empresa, no caso de não se levar por diante o projecto é 500 (1000x0,5+0,5x0) admitindo igual probabilidade de ocorrência para os dois cenários.

O valor esperado com o projecto é 1400 (0,5 x 2700 + 0,5 x 100). Ou seja, a sua posição sofre um incremento com o projecto de apenas 900 (1400-500), tendo que para isso gastar 1000. Claramente, os accionistas não têm incentivo a investir, porque no cenário de expansão tiram partido na integra do investimento, mas no cenário de recessão perdem quase tudo, ao contrário, os credores recebem a sua parte por inteiro em ambos os cenários. Desta forma fica demonstrado que uma situação de excessivo endividamento, pode levar a uma distorção na política de investimento.

Estratégia Egoísta 3 – Milking the property

Trata-se de pagar dividendos extra aos accionistas, ou outro tipo de distribuições de capital, nos piores momentos, quando a empresa enfrenta ou se prepara para enfrentar um período difícil de financial distress. É claro que estas situações são muito pontuais e duram apenas, enquanto a assimetria de informação encobre a verdadeira realidade dos factos.

Síntese das estratégias egoístas:

As distorções acima, ocorrem apenas quando existe uma forte probabilidade de financial distress ou mesmo de falência. Dito de outra forma, trata-se de estratégias que não afectarão por certo empresas de boa saúde, empresas de serviços públicos, reguladas por outras instituições, etc.

São as firmas mais pequenas, laborando em sectores mais arriscados, tais como informática, internet, novas tecnologias, as potencialmente mais afectadas por estas distorções.

Poderá agora perguntar-se: Quem paga o custo associado às estratégias egoístas anteriormente descritas? Em última análise, diríamos que boa parte do custo, é suportado pelos próprios accionistas. Os credores racionais sabem que quando a situação de financial distress está eminente, tudo pode acontecer como vimos anteriormente, sendo que os accionistas, tudo farão para salvar o máximo dos seus direitos, por vezes em detrimento e com prejuízo para os credores.

Os credores sabem disso, procuram subir as taxas de juro como forma de penalização. Daí que os accionistas ao verem os juros encarecer, à medida que o endividamento aumenta, acabam por ter de enfrentar esta forma de compensação, para o excesso de risco e ao mesmo tempo sentem um incentivo para reduzir o endividamento e o risco financeiro. As empresas enfrentando estas distorções, quando atingem níveis perigosos, têm enormes dificuldades para aceder ao crédito, mesmo que procurem outros bancos, ou outras alternativas e se o conseguirem pagam um elevado preço. Portanto, os accionistas e os gestores têm um grande incentivo para manterem controlado e em montantes razoáveis, o nível de endividamento, evitando que a empresa resvale para níveis problemáticos e exagerados, onde os credores penalizam enormemente esse excesso de risco.

(21)

3.8 Forma de minimizar os custos do passivo

Os gestores nas situações descritas anteriormente, têm um grande incentivo para reduzir estes custos como foi mencionado. Vamos ver alguma formas de o fazer, as quais podem contribuir para essa redução, mas não eliminando esses custos por completo.

São designadas por covenants, as cláusulas contratuais dos empréstimos que visam dar ao credor algum tipo de protecção. Na prática é uma forma de os accionistas verem os spreads ou as taxas diminuídos. É como se fosse um seguro que eles pagam para se protegerem contra as suas próprias estratégias egoístas, conforme atrás descrito. Estas cláusulas contratuais podem ser classificadas em dois tipos: negative covenants e positive covenants. Uma negative covenant limita ou proíbe acções ou decisões que a empresa pode levar a cabo, tais como:

- Limitação ao montante que a empresa pode distribuir a título de dividendos; - Proibição de fazer hipotecas sobre qualquer activo a outro credor, como forma de garantia de créditos;

- Proibição de a empresa se vir a fundir com outra;

- Proibição de a empresa vender ou alugar os seus principais activos, sem aprovação do credor.

- Proibição de a empresa contrair mais empréstimos de longo prazo.

Uma covenant positiva identifica-se uma acção que a empresa concorda em levar a cabo, ou uma condição que a empresa concorda ou tolera, como seja:

- A empresa concorda em manter o Fundo de Maneio num determinado nível; - A empresa compromete-se a fornecer periodicamente determinada informação, como por exemplo, apresentar as suas Demonstrações Financeiras ao credor, para este poder acompanhar a sua posição financeira.

Isto, são apenas alguns exemplos, não uma lista exaustiva. Em Portugal ao nível das micro e pequenas e médias empresas (PME’s) é usual os bancos incluírem nos contratos de financiamento determinadas positive covenants muito severas, levando a que os estatuto de responsabilidade limitada seja perdido. É muito comum os bancos pedirem o aval pessoal dos sócios da empresa e até mesmo do cônjuge, para evitar manobras ao nível dos bens pessoais. São igualmente vulgares, as livranças em branco avalizadas pelos sócios, acompanhadas com uma carta que autoriza o banco ao seu preenchimento em caso de não cumprimento das cláusulas de reembolso ou pagamento dos juros dos empréstimos. Ora o que temos nestes casos, são cláusulas muito fortes impostas pelas entidades financiadoras às empresas, que limitam de forma eficaz quaisquer estratégias menos correctas por parte dos detentores do capital das empresas. Os donos das empresas sabem que os bancos em caso de falência das empresas, podem ir buscar os seus bens pessoais, criando desta forma uma forte barreira inibidora para o prosseguimento de estratégias menos correctas por parte dos donos das empresas e na maior parte dos casos gestores. Estas cláusulas têm o seu lado positivo, é que permitem a obtenção de linhas de crédito que de outra forma seriam impossíveis e com taxas de juro, bem mais baixas.

(22)

Smith e Warner15 examinaram emissões públicas de obrigações e concluíram que 91% das emissões incluíam covenants que restringiam a possibilidade de emitir passivo adicional, 23% restringiam os dividendos, 39% restringiam as fusões e 36% limitavam a venda de activos.

As cláusulas contratuais conseguem de alguma forma reduzir os custos de falência e em última análise, aumentam o valor da empresa. Daí que os accionistas estejam disponíveis para concordar com elas, em maior ou menor número, com carácter mais ou menos limitativo, tudo dependendo da situação da empresa, do seu poder negocial e do contexto económico e financeiro que se viva em determinada economia. Vejamos o dilema que enfrentam os accionistas de uma empresa perante a necessidade de obter fundos adicionais: 1- Não recorrer a empréstimos. Sabem das vantagens fiscais do passivo, mas perante as imposições ou exigências dos credores, declinam esta possibilidade acabando por ter de recorrer a fontes de financiamento mais caras e nem sempre disponíveis, com todos os inconvenientes que daí advêm, como sejam inclusive a perda de oportunidades de negócio.

2- Emissão de passivo sem quaisquer cláusulas contratuais. Neste caso, só à custa de taxas de juro elevadas, por forma a compensar o maior risco destes empréstimos para os seus credores.

3- Aceitar algumas cláusulas contratuais que protejam os credores nos contratos de financiamento. É claro que esta via, permite aos credores obter alguma protecção para os seus empréstimos, reduzindo significativamente o seu risco e por consequência permitindo-lhe oferecer uma taxa de juro significativamente mais baixa.

Em suma, as cláusulas contratuais no âmbito dos empréstimos, mesmo que retirem alguma flexibilidade às empresas, podem ser interessantes, na medida em que permitem a utilização de mais percentagem de passivo na estrutura de capitais, a preços mais razoáveis. Estes dois efeitos conjugados aumentam o valor da empresa. Dito de outra forma, podem constituir a solução de mais baixo custo, para o conflito de interesses típico, entre accionistas e credores.

3.9 A integração dos custos de falência com os efeitos fiscais

Numa fase posterior, Modigliani e Miller vêm argumentar que na presença dos impostos sobre lucros, o valor da empresa aumenta com o nível de endividamento. Outros autores sugerem que os custos de falência e outros similares, podem reduzir o valor às empresas endividadas.

A integração destes dois efeitos, economias fiscais e custos de falência pode ser representada graficamente na figura seguinte:

15

C.W. Smith e J.B. Warner, “On Financial Contracting: Na Analysis of Bond Covenants” Journal of Financial Economics.

(23)

Figura 5 – O valor da empresa com custos de falência e impostos

As economias fiscais aumentam o valor da empresa endividada. Os custos de falência diminuem o valor da empresa endividada, quando o nível de endividamento é muito significativo. A conjugação dos dois efeitos contrários produz um valor óptimo (D*) para o passivo. Quando o passivo é baixo, os custos de falência ou não existem ou são insignificantes. À medida que o endividamento aumenta, os custos de falência acompanham, até que a dado momento, ultrapassam as economias fiscais do passivo, as quais são sempre crescentes evoluindo de forma linear.

Em consequência, o custo médio do capital (WACC), em vez de ser decrescente com o aumento do passivo, passa a ter a forma de U.

Figura 6 – O WACC com impostos e custos de falência

O WACC decresce inicialmente, devido às vantagens do passivo. A partir do nível óptimo de passivo toma o sentido ascendente, devido aos custos de financial distress.

Esta análise tem como pensamento central a ideia de que as decisões sobre estrutura de capital envolvem um trade-off entre as economias fiscais do passivo e os custos de financial distress. De facto esta abordagem é frequentemente chamada como trade-off ou static trade-off theory of capital structure.

Porém dado que os custos de falência não conseguem ser obtidos, calculados ou expressos através de uma fórmula rigorosa, também não conseguimos obter ou determinar matematicamente o nível óptimo de passivo (D*).

D* Passivo Custo do capital % WACC rO D* Passivo Valor da empresa VL=VU+t.D

V = Valor efectivo da empresa

(24)

Referências:

Brealey R.A., Myers S. e Allen F. “Principles of Corporate Finance” 2008, 9th Edition, Mcgraw-Hill;

Modigliani e Miller, 1958, “The Cost of Capital Corporation Finance and The Theory of Investment” American Economic Review (June 1958)

Ross, Westerfield e Jaffe “Corporate Finance”, 2005, 7th Edition, Mcgraw-Hill

Smith C.W.e J.B. Warner, “On Financial Contracting: Na Analysis of Bond Covenants” Journal of Financial Economics.

(25)

Índice

3 - ESTRUTURA DE CAPITAL ... 2

3.1 Introdução... 2

3.2 A estrutura de capital e o valor da empresa... 2

3.3 O endividamento e o valor da empresa ... 3

3.4 A escolha entre passivo e capital próprio ... 4

3.5 Proposição II de Modigliani e Miller (sem impostos)... 6

3.5.1 O aumento do endividamento e o risco para os accionistas ... 6

3.5.2 O rendimento esperado para os accionistas aumenta com o endividamento... 6

3.6 A presença dos impostos e sua implicação no valor da empresa ... 9

3.6.1 Cálculo do valor actual das poupanças fiscais... 10

3.6.2 O valor da empresa endividada ... 11

3.6.3 Rendibilidade esperada e endividamento, com impostos... 12

3.6.4 O custo médio ponderado do capital (WACC) e os impostos sobre os lucros... 14

3.6.5 A alteração da estrutura de capital e seu efeito nos valores de mercado... 14

3.7 Limites para o uso de passivo... 16

3.7.1 Introdução... 16

3.7.2 Custos de financial distress ... 17

3.7.3 Descrição dos custos de financial distress ... 17

3.8 Forma de minimizar os custos do passivo ... 21

3.9 A integração dos custos de falência com os efeitos fiscais ... 22

Referências

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