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O MODERNISMO E O FANTÁSTICO EM LYGIA FAGUNDES TELLES

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Academic year: 2021

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O MODERNISMO E O FANTÁSTICO EM LYGIA FAGUNDES TELLES

MATIAS, Paulo Roberto de Andrade (UEPB / CAMPUS IV)

BARRETO, Herson Breno F. (UEPB / CAMPUS IV) RESUMO

Este artigo abordará características gerais do movimento modernista, tomando como referência a literatura de Lygia Fagundes Telles. Baseado nos traços das novas vanguardas, em contrapartida aos antigos traços do Cânone, e das novas características sociais, além dos aspectos da própria autora, busca-se fazer uma análise do conto “As formigas”, tentando destacar o aspecto fantástico presente no mesmo. A abordagem em torno dos traços surrealistas e impressionistas forma uma estrutura, em seu texto, particular, que irá se associar à critica de gêneros, práticas sociais (expressas por figuras distantes de um entendimento), e variadas vozes (da civilização) que se imprimem no corpus da sua literatura. Além da capacidade intuitiva do seu escrito, a autora busca meios para construir uma estrutura dualista, baseada em metáforas e conceitos implícitos que vão sendo construídos à medida que os objetos e os personagens vão se personificando (é o caso da velha pensão, do anão e das formigas), ou seja, tornam-se aquilo que, aparentemente, não se sabe se são apenas ilusão (transfigurada pelos seus medos) ou realidade.

Palavras Chave: modernismo, vanguardas, fantástico. 1 Introdução

O presente artigo destina-se à reflexão dos aspectos do modernismo brasileiro, buscando analisar o conto de Lygia F. Telles, “As formigas”, em seu teor fantástico e ao mesmo tempo crítico, comparando, para isso, sua literatura com as novas vanguardas européias que iriam influenciar sua geração e sua obra.

2 As vanguardas e o movimento modernista

O movimento modernista foi uma forma de estabelecer novos padrões estético-culturais para a sociedade, detendo-se para tanto em renovar os traços do passado, rejeitando tudo o que era tradicional. Abandona-se o cânone literário, e investe-se em algo mais liberto, direto, e sem o caráter estático; desconstruindo, assim, os modelos e regras que regiam as antigas literaturas, transformando-as em textos mais explosivos e

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inquietantes. “Os modernistas produziram discursos e construíram nexos originais entre os conceitos de civilização, cultura e nação, apresentando perspectivas que orientaram o olhar de seus contemporâneos” (SANTOS e MADEIRA, 1999).

Houve uma revolução, não só estética, mas também cultural, somando-se ao ritmo de uma civilização dinâmica e de produção. Cria-se com isso várias vertentes que surgem do mesmo ponto, mas são distintas em suas visões. As vanguardas representaram uma nova forma de sentir o mundo diante das dificuldades e dos problemas da sociedade. Essa nova visão proporcionou a revisão dos conceitos de arte (o próprio cânone), linguagem e sociedade, e a relação delas com a mente humana.

Aqui no Brasil o Modernismo caracterizou principalmente a construção de uma perspectiva própria, enfatizando num primeiro momento o nacionalismo, e num segundo o regionalismo. Os autores brasileiros tiveram grande influência das vanguardas européias, pois elas constituíram uma referência para nossas produções. Contudo, essas produções tiveram como base, não só essa influência, mas a relação entre a busca de nossas raízes históricas e culturais, e o modelo da nossa civilização então vigente. A literatura da segunda e terceira gerações vai encontrar no social, no individual e no universal, fontes para a produção das nossas obras. Lygia Fagundes Telles pode ser encaixada, digamos assim, nessa terceira fase do modernismo (1945- 1960).

Nesse período a literatura brasileira sofre várias transformações. Os contos e romances se voltam para uma dimensão intimista, onde se aborda muito o psicológico. Dentre os autores da época que usavam esta temática em seus contos podemos citar Clarice Lispector. Também nessa terceira fase, o regionalismo toma uma nova roupagem. Guimarães Rosa é exemplo disso, onde utiliza o psicológico para descrever o jagunço; em suas obras há a recriação dos costumes e a linguagem do sertanejo. É esse regionalismo, propriamente, que vai se apoderar do universalismo como forma de tematização dos dramas humanos (ABAURRE, FADEL e PONTARA, 2004), além de caracterizar a busca de “elementos não-realistas, como o absurdo, a magia das situações; ou de técnicas antinaturalistas, como o monólogo interior, a visão

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simultânea, o escorço, a elipse” (CANDIDO, 198-?), o que Candido irá chamar de “super-regionalismo”.

3 A literatura e as influências da autora

Então, abre-se o espaço, com todos esses elementos, para a literatura da autora, encontrando no expressionismo e no surrealismo fontes para suas produções. No expressionismo, o homem é impotente diante de um mundo sem alma (op. cit., 2004); no surrealismo, busca-se o sonho, o inconsciente, os instintos e sentimentos das pessoas abordados como forma de realçar a imaginação ante o “mundo real”. A partir dessas questões, a autora irá construir suas narrativas (a partir do conto), investindo no “fantástico” como o modus de um entendimento metaforizado do mundo.

Explicando melhor esse tipo de literatura, Santana (200-?) diz que, “como as demais artes, a literatura moderna, tratando o mundo exterior como uma resistência não assimilada pelo homem, reduzindo a realidade a pedaços, fundindo tempos e coisas díspares, é a expressão da discordância entre homem e mundo”.

Usam-se, então as narrativas curtas como uma tendência dos autores da nova geração, incluindo a própria Lygia Fagundes Telles, usando principalmente o conto como ferramenta dessa nova prosa. Segundo Abaurre, Fadel e Pontara (2004, p.149), “essa preferência pelo conto talvez seja motivada pela agitação e rapidez característicos da realidade em que vivem”. O mundo moderno torna-se a todo instante cada vez mais veloz, dinâmico, causando uma sensação de abandono e desilusão, pois aquele mundo que se conhece em um momento, não será mais o mesmo em outro; reflexo disso são os distúrbios e problemas dos novos tempos, pois, como diz Santana (200-?):

O tempo moderno é caracterizado como gerador: da falência das comunidades; do isolamento psíquico do individuo; do empobrecimento das massas; da polarização de classes; de uma criatividade cultural desencadeada pelo desespero moral e pela anarquia espiritual. (p.02)

Busca-se com isso sair desse mundo real, tão amargo e difícil, e transportar-se para o mundo fantástico, característico na literatura da autora. A ênfase no fantástico é

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tratada como uma forma de renovar a visão de mundo, ou seja, desmontando-o de suas características, para abrir a possibilidade de realizar-se os acontecimentos do conto. Segundo Todorov (apud LAMAS, 2004, p. 176), “o espaço do mundo sobrenaturalnão é o da vida cotidiana: ele se transforma”.

Por isso, constrói-se um mundo próprio onde realidade e imaginação se misturam, mas não existe a certeza nem do real nem do imaginário, pois não há definição, ou seja, não há o termino dos diversos acontecimentos, que se sobrepõem, formando uma mistura incerta. A autora expressa um ar „sinistro‟, como diz uma das personagens ao se deparar com a casa, dando ênfase, logo no começo e posteriormente ao longo do texto, ao tempo noturno onde ocorre a maioria dos acontecimentos, “como se as personagens não existissem durante o dia” (LAMAS, 2004).

4 Analisando o conto

Após descerem do táxi em frente à pensão onde elas vão morar, as garotas imediatamente ficam em choque com a imagem da pensão, uma casa abandonada e com certo ar sombrio. Uma imagem, por sua vez, não menos grotesca, comparada a um ser com janelas iguais a dois olhos tristes. “A casa como um todo, toma o aspecto escuro, abandonado, descuidado, sem o mínimo aconchego” (ibidem, 2004), ironizando uma sociedade com esses mesmos padrões. As meninas são recebidas por uma velha senhora, dona da pensão, que transmite um ar de abandono e indiferença. Segundo Lamas (op. cit., 2004) “ela parece encarnar o protótipo da feminidade terrível, da mulher nefasta e não acolhedora”. Esse é um contraponto na perspectiva feminina do texto, pois se de um lado temos duas jovens, inocentes, belas (por assim dizer, pois não se tem referência das suas características físicas), e com um futuro traçado (pois ambas fazem cursos conceituados), de outro temos uma velha mulher “que transmite uma imagem de decadência” (op. cit., 2004), sem nenhum aspecto de vaidade e bons

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modos perante as meninas. Ela não demonstra aparência maternal ao receber as meninas, tanto é que chega a dar baforada de charuto nelas.

As garotas não gostaram muito do lugar, mas era o único lugar que oferecia um bom preço para elas. A velha as chama para conhecer o aposento no qual elas irão permanecer durante o conto. Para chegar até ele, elas necessitam subir uma escada em formato de caracol, muito estreita. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (apud LAMAS, 2004, p. 176) “O simbolismo da escada se liga à passagem de um nível a outro, estabelecendo relações de ascensão e valorização”.

Para Silva (apud LAMAS, 2004, p. 176) “a escada representa a passagem de níveis psicológicos/existenciais a outros”. Ao atravessar a escada, as personagens irão presenciar uma transformação de nível material a espiritual, ou seja, uma inversão.

Ao entrar no pequeno quarto a velha informa a uma das meninas (pois sabia que esta estudava medicina) que existe um esqueleto debaixo da cama que foi deixado pelo morador anterior. Ela vasculha a caixa e fica encantada ao perceber que são ossos bem pequeninos, provavelmente ossos de anão, diz a garota. Então, ela ergue o crânio e mostra a prima como os ossos estão bem formados; o crânio apresenta uma grande brancura e possui todos os dentes. De acordo com Durand (apud LAMA, 2004, p. 177) “a cabeça é o centro e princípio da vida, de força física e psíquica, e também receptividade do espírito”. Enquanto símbolo a cabeça irá representar o esquema de verticalidade.

A caixa onde estão os ossos de anão lembra um local protetor, um espaço interior. Bachelard (apud LAMAS, 2004, p. 177) afirma que cofres e armários são locais onde se guardam a intimidade das pessoas, ou seja, não são todas as pessoas que podem ter acesso ao seu conteúdo. Comparando a caixa a um cofre, mesmo que esta caixa não apresente trancas ou tampa como um cofre o significado que ele traz é de algo realmente valioso, pois a estudante de medicina a vê como um tesouro. A caixa em si nem precisa de fechaduras, pois ela é um enigma a ser decifrado.

As estudantes procuram mudar a aparência do quarto para que ele se torne mais agradável. Uma delas decora o quarto com gravuras – nessa parte a autora faz uma

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referência a Grassman (artista paulista contemporâneo da escritora) fazendo uma dialética com a pintura. Uma das personagens troca a lâmpada fraca que havia por uma mais forte. Ao ligar a luz percebem que os lençóis não eram tão brancos quanto elas pensavam. O espaço do quarto/sótão é diurno, pois nele há um curioso e enigmático poder. Tanto a casa quanto o quarto tornam-se espaços fantásticos, pois não há um entendimento racional para os acontecimentos que se sucedem.

Nos sótãos existe uma vida sem umidade Para Lamas (2004) “Eles são caracterizados pela inconstância, simbolizam medos profundos e, principalmente, na hora noturna, tornam-se „um lugar de grandes terrores‟, corroborando assim os fatos narrados”. A casa passa longe de ser um lugar de acolhida, por ser considerada um lugar de cárcere, pois as meninas nunca estarão em condições de fixar um “lar” naquele lugar. Nesse lugar de muitos contrastes, há contradições entre as próprias meninas, pois uma tenta não acreditar que alguma coisa está errada como por exemplo, “quando em vez de enfrentar os fatos, busca as causas reais do cheiro, tenta disfarçá-lo, minimizando assim uma suposta origem sobrenatural (...) De modo oposto, a outra (...) respinga álcool e pisoteia as formigas, descobre a modificação nos ossos” (ibidem, 2004), caracterizando as dicotomias entre o suposto e o fato.

Além do caixote já citado, outros dois elementos estão inseridos: os ossos e o anão. Os ossos representam o inanimado, é tido como a parte menos perecível do corpo, é a última que se destrói. De acordo com Clarissa Estés (apud LAMAS, 2004) na simbologia arquetípica “os ossos representam a indestrutível força da vida, pois não se prestam a uma fácil redução”.

A abordagem em torno do anão se dá pelo fato da não-uniformidade, ou seja, ele se apresenta como diferente da figura masculina habitual, tendo, além disso, sua presença caracterizada pelos ossos e pelos sonhos que deixam a protagonista inquieta e assustada. Ele é a figura chave do conto, pois é nele que se encontram as dualidades vida-morte, que, no seu caso, inverte-se, partindo da morte para a vida, e sua habitação constante nos sonhos, misturando o que é real ao que é imaginário, trazendo os pensamentos da protagonista à tona.

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As formigas são o espectro do irreal em diálogo com o mundo, pois elas se constituem como ponte para a transformação do real em fantástico. Há apenas um caminho que elas trilham, o de ida (sem volta), em direção ao caixote; além disso, após amanhecer, não se encontra nenhum vestígio delas, como se o tempo da noite, a escuridão, tornar-se elemento primordial para o aparecimento da ilusão como sonho e, consequentemente, como realidade.

Esse conto fantástico que nos faz entrar no universo da autora e suas constantes viagens pelo universo feminino, talvez seja o mais sensível ou disponível para prestar atenção às questões da existência.

Bibliografia:

ABAURRE, Maria L., FADEL, Tatiana e PONTARA, Marcela N.. Português: língua, literatura, produção de texto. São Paulo: Moderna, 2004

CANDIDO, Antonio. A educação pela noite: e outros ensaios. [s.l.]: Ática, 198-?

LAMAS, Berenice Sica. As Formigas. IN: O Duplo em Lygia Fagundes Telles: um estudo em psicologia e literatura. Porto Alegre. EDIPUCRS, 2004.

SANTANA, Rosa Maria. Vanguardas Européias, Modernismo e a Poesia de Mario de Andrade. [s.l.]: [s.n.], 200-?

SANTOS, Mariza V. M. e MADEIRA, Maria A. Leituras brasileiras: itinerários no pensamento social e na literatura. São Paulo: Paz e Terra, 1999

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