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A IGUALDADE DE DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS AOS DEMAIS POVOS TRADICIONAIS

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Academic year: 2021

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ESCOLA DE DIREITO

Pontifícia Universidade Católica do Paraná Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGD

CARLA VLADIANE ALVES LEITE

A

IGUALDADE

DE

DIREITOS

DOS

POVOS

INDÍGENAS

AOS

DEMAIS

POVOS

TRADICIONAIS

CURITIBA 2019

(2)

A

IGUALDADE

DE

DIREITOS

DOS

POVOS

INDÍGENAS

AOS

DEMAIS

POVOS

TRADICIONAIS

CARLA VLADIANE ALVES LEITE

Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Doutora pelo Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Orientador: Carlos Frederico Marés de Souza Filho

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Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR

Biblioteca Central

Edilene de Oliveira dos CRB 9/1636

Leite, Carla Vladiane Alves

L533i A igualdade de direitos dos povos indígenas aos demais povos tradicionais/ 2019 Carla Vladiane Alves Leite ; orientador Carlos Frederico Marés de Souza Filho.

-- 2019

313 f. ; 30 cm

Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2019

Bibliografia: f. 283-313

1. Direito ambiental. 2. Quilombolas. 3. Racismo. 4. Gestão integrada de resíduos sólidos. 5. Política pública. I. Freitas, Cinthia Obladen de Almendra. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título

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CARLA VLADIANE ALVES LEITE

A IGUALDADE DE DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS AOS

DEMAIS POVOS TRADICIONAIS

Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Doutora pelo Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filhos –

Orientador - Presidente

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_______________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Alberto Blanchet

(Membro Interno – PUC/PR)

_______________________________________________________ Profª Dra. Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega

(Membro Externo – UFG/GO )

_______________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Faria Silva

(Membro Externo – UP/PR)

_______________________________________________________ Profª. Drª Clarissa Bueno Wandscheer

(Membro Externo –UP/PR )

Pontifícia Universidade Católica do Paraná Curitiba, 27 de fevereiro de 2019

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a Deus pela sabedoria, força, entendimento, discernimento, inteligência, sabedoria e cuidado para comigo. Sem Ele não teria conseguido.

Agradeço, em segundo lugar, à minha família e amigos pela compreensão das ausências, pela ajuda em momentos de desespero e pela paciência para compreender o turbilhão de sentimentos. Agradeço principalmente à minha mãe por todo o incentivo que me deu e por ter sempre acreditado em mim. Essa mulher é meu espelho de vida, em quem busco sempre o exemplo de força, garra e determinação.

Agradeço a meu orientador Carlos Frederico Marés de Souza Filho, por ter aceitado e apostado na proposta desta tese e ter me ajudado a concluir a pesquisa. Agradeço também pela paciência, cuidado e carinho comigo, sem esquecer as inúmeras conversas durante as orientações, que me fizeram analisar sempre os pontos de vista mais sensatos, além de serem prazerosas ante a quantidade de conhecimento que me transmitiu.

Agradeço ao meu orientador do Doutorado sanduíche no Canadá, Bruce Gilbert, por ter aceitado e me ensinado a filosofia jurídica, importantíssima para a minha pesquisa. Agradeço também pela recepção e cuidado comigo, que me fizeram sentir parte de um mundo totalmente novo para mim.

Agradeço também aos colegas do grupo de pesquisa, em especial ao Manuel, a quem jamais deixaria de agradecer por todo o apoio, amizade e carinho, me incentivando a tentar o doutoramento, e agora estou aqui.

Agradeço aos amigos que fiz durante todo o doutoramento, tanto no Brasil quanto no Canadá. Não poderia citar todos, pois são muitos, mas não poderia deixar de agradecer em especial ao Rafael Padilha por toda a ajuda que me deu desde o momento em que pus os pés em Curitiba para iniciar esta jornada.

Agradeço a todos da PUC/PR, em especial aos excelentes professores com quem tive a honra de aprender tanto, e aos funcionários, principalmente à Eva, Daiane e Glair: minha imensa gratidão e respeito.

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E, por fim, mas não menos importante, à FAPEM, que financiou esta pesquisa. Sou extremamente grata à agência pela confiança e por acreditar que a proposta da tese seria possível. E Foi. E É.

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Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades, lembrai-vos de que as grandes coisas do homem foram conquistadas do que parecia impossível.

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RESUMO

A presente tese trata dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, em especial a ausência constitucional dos direitos das comunidades tradicionais não indígenas e não quilombolas, analisando aspectos históricos coloniais desde a chegada dos colonizadores ao Brasil e a formação da diversidade de povos e comunidades existentes hoje no país. Foi necessário entender a lógica colonial de distribuição de terras e verificar a racionalização hierárquica de raça entendida pela Europa que gerou a exclusão e a invisibilização dos povos formados no decorrer da história em relação a direitos e garantias. Junto com a exclusão humana, houve a exclusão de terras e direitos. Os povos eram apenas a força braçal para atingir os objetivos da Europa colonial e isso se estendeu até a Constituição de 1988. Apesar de haver o reconhecimento dos direitos de povos indígenas no teor da constituição e dos direitos territoriais quilombolas, os direitos em relação aos demais povos e comunidades tradicionais ainda carecem de força normativa constitucional. A pesquisa teve como objetivo averiguar como ocorreu a colonização aos índios e como foram trazidos os negros para o Brasil, mostrando a exclusão que esses povos viveram, assim como a relação com a terra e o trabalho. Além disso, analisou quais legislações os protegem em diferentes aspectos e principalmente a diferença normativa constitucional. Também mostrará a necessidade de extensão constitucional dos direitos dos povos indígenas, amplamente garantidos em rol constitucional, aos demais povos tradicionais. Para tanto, foram realizadas pesquisas em fontes bibliográficas de forma interdisciplinar, buscando a análise não somente jurídica, como também histórica, antropológica e sociológica da expulsão dos povos indígenas e negros da terra e a apropriação colonial e seus mecanismos, que geram consequências de exclusões aos povos tradicionais formados até hoje. Os resultados obtidos apontam para um sistema perverso e brutal para a colonização e a usurpação de terras. Compreende-se a necessidade de reparação das exclusões sofridas pelos povos tradicionais por meios que tragam a extensão constitucional do rol de direitos dos povos indígenas a esses demais povos tradicionais em um cenário étnico de proteção territorial, cultural e modos tradicionais de vida de forma igualitária e isonômica para garantir seus valores intrínsecos e específicos, necessários às suas formas de vida e subsistência.

Palavras-chave: Povos Indígenas; Quilombolas; Populações Tradicionais;

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ABSTRACT

This thesis deals with the rights of traditional peoples and communities, especially the constitutional absence of the rights of traditional non-indigenous and non-Quilombola communities, analyzing colonial historical aspects from the arrival of the colonizers to Brazil and the formation of the diversity of peoples and communities existing today in the country. It was necessary to understand the colonial logic of land distribution and to verify the hierarchical rationalization of race understood by Europe that generated the exclusion and the invisibilization of the peoples formed in the course of history in relation to rights and guarantees. Along with the human exclusion, there was the exclusion of lands and rights. The peoples were only the military force to achieve the objectives of colonial Europe and this was extended until the Constitution of 1988. Despite the recognition of the rights of indigenous peoples in the content of the constitution and territorial rights quilombolas, the rights in relation to the rest peoples and communities still lack constitutional normative force. The research had as objective to investigate how the colonization occurred to the Indians and how the blacks were brought to Brazil, showing the exclusion that these people lived, as well as the relation with the land and the work. In addition, it analyzed which legislation protects them in different aspects and mainly the constitutional normative difference. It will also show the need for constitutional extension of the rights of indigenous peoples, broadly guaranteed in constitutional role, to other traditional peoples. In order to do so, research was carried out in bibliographical sources in an interdisciplinary way, seeking not only juridical, but also historical, anthropological and sociological analysis of the expulsion of indigenous and black peoples from the land and colonial appropriation and its mechanisms, which generate consequences of exclusion to traditional people formed to this day. The results obtained point to a perverse and brutal system for colonization and land encroachment. It is understood the need to repair the exclusions suffered by traditional peoples by means that bring the constitutional extension of the rights of indigenous peoples to these other traditional peoples in an ethnic setting of territorial, cultural protection and traditional ways of life in an egalitarian and isonomy to guarantee their intrinsic and specific values, necessary to their life forms and subsistence.

Keywords: Indigenous Peoples; Quilombolas; Traditional Populations;

Traditional Peoples and Communities; Socioenvironmentalism; Isonomic Equality.

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RESUMEN

La presente tesis trata de los derechos de los pueblos y comunidades tradicionales, en especial la ausencia constitucional de los derechos de las comunidades tradicionales no indígenas y no quilombolas, analizando aspectos históricos coloniales desde la llegada de los colonizadores a Brasil y la formación de la diversidad de pueblos y comunidades existentes hoy en el pais. Fue necesario entender la lógica colonial de distribución de tierras y verificar la racionalización jerárquica de raza entendida por Europa que generó la exclusión y la invisibilización de los pueblos formados en el transcurso de la historia en relación a derechos y garantías. Junto con la exclusión humana, hubo la exclusión de tierras y derechos. Los pueblos eran sólo la fuerza armada para alcanzar los objetivos de la Europa colonial y eso se extendió hasta la Constitución de 1988. A pesar de haber el reconocimiento de los derechos de pueblos indígenas en el tenor de la constitución y de los derechos territoriales quilombolas, los derechos en relación a los demás los pueblos y las comunidades tradicionales todavía carecen de fuerza normativa constitucional. La investigación tuvo como objetivo averiguar cómo ocurrió la colonización a los indios y cómo fueron traídos los negros hacia Brasil, mostrando la exclusión que esos pueblos vivieron, así como la relación con la tierra y el trabajo. Además, analizó qué legislaciones los protegen en diferentes aspectos y principalmente la diferencia normativa constitucional. También mostrará la necesidad de extensión constitucional de los derechos de los pueblos indígenas, ampliamente garantizados en rol constitucional, a los demás pueblos tradicionales. Para ello, se realizaron investigaciones en fuentes bibliográficas de forma interdisciplinaria, buscando el análisis no sólo jurídico, sino también histórico, antropológico y sociológico de la expulsión de los pueblos indígenas y negros de la tierra y la apropiación colonial y sus mecanismos, que generan consecuencias de exclusiones pueblos tradicionales formados hasta hoy. Los resultados obtenidos apuntan hacia un sistema perverso y brutal para la colonización y la usurpación de tierras. Se comprende la necesidad de reparación de las exclusiones sufridas por los pueblos tradicionales por medios que traigan la extensión constitucional del rol de derechos de los pueblos indígenas a esos demás pueblos tradicionales en un escenario étnico de protección territorial, cultural y modos tradicionales de vida de forma igualitaria y, para garantizar sus valores intrínsecos y específicos, necesarios para sus formas de vida y subsistencia.

Palabras-clave: Pueblos Indígenas; cimarrones; Poblaciones Tradicionales;

Pueblos y comunidades tradicionales; socioenvironmentalism; Igualdad Isonómica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...15

1. O PROCESSO DE COLONIZAÇÃO E OS POVOS INDÍGENAS....22

1.1 As sesmarias em Portugal...22

1.2 A chegada/invasão de Portugal no Brasil...30

1.3 Da invasão às sesmarias no Brasil...37

1.4 A colonização dos índios...51

1.5 A visibilidade dos índios...63

2. A COLONIZAÇÃO E OS DEMAIS POVOS TRADICIONAIS...78

2.1 Os quilombos...97

2.2 Os quilombolas...104

2.3 Os demais povos e comunidades tradicionais...127

2.3.1 Territórios tradicionais...137

2.3.2 Produção...139

2.3.3 Organização social...139

3. DIREITOS GARANTIDOS AOS DIFERENTES POVOS TRADICIONAIS...140

3.1 Constituição Federal de 1988...141

3.2 A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho no Ordenamento Jurídico Brasileiro...144

3.2.1 Histórico da Organização Internacional do Trabalho...149

3.2.2 Antecedentes normativos...154

3.2.3 A Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais...158

3.2.4 A incorporação da Convenção nº 169 ao sistema jurídico brasileiro...170

3.3 A Convenção da Diversidade Biológica...175

3.4 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais...177

3.5 Lei nº 10.678 – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial...177

(13)

3.6 Estatuto da Igualdade Racial...177

3.7 Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais...179

3.8 Direitos específicos dos povos indígenas...184

3.8.1 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas...191

3.9 Direitos específicos das comunidades quilombolas...193

3.9.1 A Legislação de Proteção dos Territórios Quilombolas Na América Latina...195

3.10 Órgãos para garantir os direitos dos povos tradicionais..204

3.10.1 Ministério Público...204

3.10.1.1 Ministério Público Federal – MPF...205

3.10.1.2 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF...205

3.10.2 Defensoria pública...206

3.10.3 Ouvidorias...207

3.10.4 Audiência pública...207

4. A NECESSIDADE DE EQUIPARAR OS DIREITOS DOS POVOS TRADICIONAIS AOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS...207

4.1 O rol de direitos dos índios...208

4.2 Os direitos dos quilombolas e das comunidades tradicionais.211 4.2.1 Dos quilombolas...211

4.2.2 Das populações tradicionais...214

4.2.2.1 Histórico do sistema nacional de unidades de conservação: a inclusão de populações tradicionais...222

4.2.2.2 Categorias e divisões das unidades de conservação pelo Sistema Nacional de Conservação no Brasil..236

4.2.2.3 Categorias e divisões das unidades de conservação pelo Sistema Nacional de Conservação no Brasil..243

4.2.2.3.1 Proteção integral...243

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4.2.2.4 Formas de instituição e análise das unidades de conservação de proteção integral pelo Sistema Nacional de Conservação no Brasil...255 4.2.2.5 Análise do conceito de ―sobreposição‖...258 4.3 Direitos iguais para povos indígenas e demais povos

tradicionais...262

CONCLUSÃO...288

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INTRODUÇÃO

O interesse para estudar o tema abordado nesta tese surgiu ainda no mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Direito ambiental, na Linha de Pesquisa Direitos da Sócio e Biodiversidade, na Universidade do Estado do Amazonas.

Naquela oportunidade, foi feita a investigação acerca da sobreposição da unidade de conservação ―Parque Nacional do Jaú‖, em território que habita a Comunidade Quilombola do Tambor.

Foi feita a pesquisa por meio de um estudo bibliográfico sobre a forma de implantação dessa sobreposição e suas consequências na comunidade Quilombola do Tambor. Ou seja, a pesquisa tratou da relação da implantação da política ambiental que criou o Parque Nacional do Jaú, ocasionando o deslocamento compulsório de parte da Comunidade Quilombola do Tambor, pois muitos ainda resistem ao deslocamento.

O estudo teve como marco inicial a obra de Emmanuel de Almeida Farias Junior (2013) sobre a situação atual dos Quilombolas do Tambor. Aprofundando o tema, foram abordados os debates sobre a ―judicialização‖ de conflitos entre os movimentos sociais e o acesso à terra e seus recursos naturais de Alfredo Wagner Berno de Almeida (2007) e de Boaventura de Souza Santos (2008). Estudaram-se, ainda, Pierre Bourdieu e Abdelmalek Sayde (2006, p. 41-60) e Almeida (1996, p. 30-35) para analisar as práticas governamentais de deslocamentos compulsórios. Com isso, considerou-se a incorporação de fatores étnicos e identitários, chamando a atenção para a usurpação das terras tradicionalmente ocupadas.

Foi considerado, naquela pesquisa, que o modo e a elaboração das políticas ambientais implantadas no Brasil durante e após o regime militar fizeram com que se consolidassem práticas autoritárias no controle de terras. Além disso, as políticas de preservação objetivaram disciplinar espaços da ―natureza intocada‖. Por conta disso, criaram as unidades de conservação de proteção integral, o que ocasionou inúmeros conflitos, já que a ―natureza intocada‖ já era habitada e utilizada por vários povos e comunidades tradicionais, como o Quilombo do Tambor.

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Mesmo após o Advento da Constituição Brasileira de 1988, o problema permaneceu, posto que, a respeito de proteção de território, o texto constitucional regulamentou somente o de povos indígenas.

No tocante aos quilombolas, a questão foi tratada no artigo 68 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias, porém com diferenças em relação aos povos originários. Apesar de gozarem de um regime jurídico privilegiado, não há uma concreta proteção dos direitos dos quilombolas quanto a seus territórios na Constituição Brasileira de 1988.

Entendeu-se que ela não se refere simplesmente a conflitos por terras ou conflitos agrários, e sim a territórios que levam em consideração agentes sociais com identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais e que se apoiam em critérios de autodefinição, assim como em ―territorialidades específicas‖ (Almeida, 2001), construídas por características específicas de cada povo ou comunidade.

Os povos e comunidades tradicionais não teriam garantidos os direitos subjetivamente às suas terras tradicionalmente ocupadas, tendo apenas direitos objetivos por meio de formas alternativas de ―indenização‖ ou ―compensação‖ por eventuais perdas ao sair de seus ―territórios‖ na criação de uma unidade de conservação de proteção integral, como paradigma socioambiental da Lei do SNUC (Lei 9.985/2000). Além disso, para serem resguardados, muitos dos direitos têm que passar pela afirmação judicial, já que estão expostos em normas esparsas.

Os Quilombolas do Tambor que foram deslocados até hoje aguardam por essas alternativas. Outro ponto importante é que, no caso das populações tradicionais, não se pode falar em território, apenas em terras que habitam, o que cria chances para arbitrariedades.

A implementação dessas unidades de conservação ainda ocorre de forma autoritária – uma característica de valores herdados da colonização do Brasil, que não inclui a participação dos povos envolvidos no contexto de preservação ambiental.

Essa forma de intervenção tem gerado inúmeros conflitos pela usurpação das terras e a ―desterritorialização‖ de povos e comunidades tradicionais que habitam essas áreas de proteção no mundo todo.

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O objeto desta tese de doutorado são os povos tradicionais, com foco na falta de devida igualdade de proteção a todos os povos tradicionais, constitucionalmente falando. Para tanto, é preciso identificar quem são esses povos tradicionais e a razão pela falta de igualdade de direitos devidos a eles.

O Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, em seu artigo 3º traz a seguinte definição de povos e comunidades tradicionais: ―grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição‖.

Fazendo uma análise jurídica constitucional, pode-se entender que povos tradicionais são os povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais. Contudo, nem todos esses povos tradicionais têm a visibilidade jurídica dos direitos coletivos. Eles deveriam ter voz e destaque para reconhecimento e garantia dos seus direitos face à existência de diferença normativa no ordenamento jurídico brasileiro, notadamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Há maior proteção aos direitos dos povos indígenas do que aos demais povos tradicionais.

É preciso garantir direitos a esses povos tradicionais. Com isso, busca-se na prebusca-sente tebusca-se estender, em um exercício de aplicação do princípio da igualdade isonômica, a proteção jurídica aos direitos tradicionais e territoriais dos povos indígenas aos demais povos tradicionais.

Para tanto, considerou-se a incorporação de fatores étnicos e identitários, ausentes na proteção de direitos de povos e comunidades tradicionais no decorrer de toda a história do Brasil, principalmente dos quilombolas e demais populações tradicionais. O que existe hoje é uma diferenciação de normas de proteção aos diferentes povos em diferentes escalas, como se fossem diferentes em relação à sua tradicionalidade ou hierarquicamente em escala de importância.

Dessa forma, olhando por outras visões e formas os povos tradicionais, resistir é uma luta, um valor. Essa resistência, contudo, acontece por outros modos além da mobilização em busca de direitos. Há conceitos próprios impostos e postos pelo Estado que deveriam trazer não apenas a proteção dos

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direitos dos povos indígenas, mas também das demais comunidades tradicionais.

A Constituição Federal de 1988 trouxe a proteção de seus modos de ser, fazer e viver e assegurou a proteção dos modos de vida dos diversos grupos formadores da sociedade brasileira. Além disso, o Brasil ratificou a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004), que incorporou ao sistema jurídico brasileiro garantias importantes dos direitos indígenas e dos demais povos tradicionais.

Essa convenção foi adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989, num contexto de movimento indígena que buscava superar a então vigente orientação integracionista da Convenção nº 107. A nova convenção veio assentada sobre a autodeterminação dos povos indígenas e tribais, sendo, então, um instrumento que norteou o envolvimento deles nos processos de decisão do Estado.

A Convenção nº 169 da OIT foi ratificada pelo Brasil e entrou em vigor 19 de abril de 2004. Em suas disposições, ela reconhece uma série de direitos fundamentais dos povos indígenas e tribais que são inafastáveis da própria concepção de existência desses povos. Um exemplo disso é o reconhecimento da íntima ligação que eles têm com a terra que ocupam tradicionalmente.

A convenção trouxe mecanismos de garantia desses direitos tradicionais por meio de obrigações impostas aos governos, como o dever de consulta livre, prévia e informada, provavelmente a mais importante das garantias que previu, pois é por meio dela que os bens, direitos, instituições e o modo de vida desses povos podem ser resguardados.

Temos em nosso ordenamento jurídico um documento de grande peso internacional que garante os mesmos direitos aos índios e tribais de forma igualitária e isonômica. Por esta razão, não se pode continuar ignorando a situação dos povos tradicionais ante as arbitrariedades que ocorrem em seus territórios. É preciso insistir em respostas adequadas para a situação deles e demandar a implementação da igualdade de seus direitos aos dos povos indígenas como uma estratégia de extensão de direitos e maior garantia de proteção. Esta foi a questão que motivou a escolha e a abordagem do assunto desta tese.

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A pesquisa se mostrou relevante socialmente, já que procurou contribuir com o desenvolvimento de uma relação de alteridade da sociedade nacional brasileira com os povos tradicionais, baseada na valorização das diferenças culturais e considerando seus direitos de proteção. Também propõe reconhecer direitos de todos os povos e a participação e consulta prévia com direito ao veto quando houver intervenção em seus territórios tradicionais.

A contextualização da situação atual dos povos tradicionais no Brasil se fez necessária. Buscou-se para isso, no primeiro capítulo, analisar historicamente o processo de colonização no Brasil e seus desmembramentos no decorrer dos anos e investigar quais os povos afetados e como se construíram os direitos aos povos indígenas.

Objetivou-se no segundo capítulo demonstrar como os negros africanos participaram desse processo de colonização, a racionalização da hierarquia de raças feita pela Europa e, como foram a busca dos negros por visibilidade e o processo de formação dos demais povos tradicionais.

O terceiro capítulo estudou o rol constitucional de direitos dos povos indígenas que lhes garantem proteção em todos os aspectos de natureza tradicional: seus territórios, culturas, tradições, línguas e costumes. Também analisa quais os direitos dos demais povos tradicionais, incluindo os quilombolas e demais comunidades tradicionais.

Por fim, no quarto capítulo, analisam-se as diferenças normativas entre os povos indígenas e demais povos tradicionais e de quais direitos estes são carentes de proteção normativas de garantias. É preciso demonstrar a necessidade de uma aplicação extensiva dos direitos tradicionais e territoriais dos povos indígenas aos demais povos tradicionais para que haja uma isonomia de direitos à luz do princípio da igualdade em seu aspecto constitucional.

Foram pesquisados os estudos mais atuais sobre o tema e outras formas para se garantir essa igualdade extensiva aos povos tradicionais.

Não é intenção limitar o objeto da pesquisa a uma análise factual, eliminando-se, como pretende o positivismo comteano, questionamentos indecifráveis pela certeza metódica. A análise crítica permite reflexão, que inclui posicionamentos na ordem das ideias. O tema foi estudado em seu contexto histórico e social, utilizando-se coleta de material de análise.

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Para tanto, foram utilizados os livros de história do Brasil, pois contextualizam o assunto em foco com o panorama geral. Essa correlação deixa evidente o uso do direito e da ciência como ferramenta para a legitimação de agressões aos povos tradicionais em nome do ―progresso‖.

Também foi analisado o Instituto Sesmarias, que através de Obras como Virgínia Rau, fazem um levantamento completo sobre a lei em Portugal. Elas não se resumem a apenas comentar artigos do texto, também os contextualiza no âmbito historiográfico econômico em que o reino português vivenciou seu projeto de ocupação sesmarial, abstraindo-se do aspecto jurídico. Além disso, o lapso temporal em análise vai desde o Estado português e a publicação e vigência das Ordenações Afonsinas até as legislações vigentes a este respeito. O estudo de ―O Renascer dos Povos Indígenas‖, de Carlos Frederico Marés de Souza Filho (2010), foi de suma importância, pois a obra narra a trajetória dos povos tradicionais do continente americano desde a atualidade até os primeiros relatos de Pero Vaz de Caminha e Frei Bartolomé de Las Casas. Suas epístolas retratam o prenúncio de um povo manso em uma terra de grandes riquezas, o ―Novo Mundo‖.

Propôs-se o estudo do fenômeno jurídico com base na construção do pensamento histórico e atento às tendências da historiografia. Segundo essa orientação, há de ser realizada a análise e revisão teórica dos institutos e instrumentos que constituem o suporte jurídico de proteções e garantias.

Tendo em vista as diretrizes da presente tese e com o intuito de demonstrar a viabilidade de sua execução nestes termos, apontam-se os métodos a serem utilizados.

Ao se ponderar que a finalidade da atividade científica se compromete com a obtenção da verdade, o processo deve ser precisamente definido, considerando as pretensões envolvidas, de modo que auxilie o cientista no caminho a ser seguido e na tomada de decisões.

Tem-se em conta, ainda, a finalidade da dogmática jurídica. Sobre o objeto da ciência dogmática do direito, acrescenta-se que o direito dado previamente é visto como um todo coerente na busca da solução de conflitos para uma ordem finalística e tem, por método, imprescindivelmente, o dedutivo, por meio do qual se pressupõe a razão como a única forma de alcançar o

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conhecimento verdadeiro. Utiliza-se uma cadeia de raciocínio descendente, da análise geral para a particular, para se obter uma conclusão.

Não se pode excluir a observação da experiência concreta do conjunto do método na formação do conhecimento, sob risco de se incorrer em concepções dogmáticas.

Por outro lado, as elaborações conceituais são necessárias. O conhecimento pressupõe a relação da pesquisa com seus produtos intelectuais e necessita de um aparato teórico que lhe embase. Pretendeu-se, entretanto, um estudo além das concepções puramente dogmáticas do direito. A análise foi inserida nos contextos histórico e socioambiental e teve fundamento em construções teóricas, cuja utilização justifica-se pela busca do conhecimento, pela necessidade imperiosa de conseguir explicações pontuais.

Para desenvolver a temática, utilizou-se dos métodos de procedimento monográfico e histórico. Igualmente, evidencia-se a necessidade de permear determinados ramos, não só o direito, como também a sociologia, antropologia e filosofia.

O desenvolvimento da tese deu-se por meio das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Deste modo, fundamentou-se na apreciação de textos, obras publicadas em relação a esta matéria e aplicação de dispositivos legais, especialmente tratados e convenções pertinentes.

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1. O PROCESSO DE COLONIZAÇÃO E OS POVOS ÍNDIGENAS

―... até onde temos podido representar aquelas formas de comércio, instituições e ideias de que somos herdeiros?‖ Sérgio Buarque de Holanda

A história de formação do Brasil está ligada diretamente a Portugal, visto que o processo de colonização e toda a história consequente é fruto da chegada desse reino em solo brasileiro e da ambição que aqui se instalou por terras e mão de obra para levar riquezas a Portugal.

Saber como aconteceram o contato com os índicos, o processo de sua colonização e a exploração deles e dos negros africanos pelo regime de sesmarias é fundamental para se entender as origens do regime de terras do Brasil e como ele impactou e ainda impacta os povos tradicionais. A maioria dos índios perdeu seus territórios tradicionais já habitados, e aos negros não foi permitido nem pensar em direitos à terra naquela época.

João Pacheco de Oliveira (2016) fala sobre esta situação na história do Brasil:

As populações indígenas, por sua origem autóctone e por serem antes inteiramente ignoradas pelos europeus, foram tomadas como casos extremos de tais diferenças, e transformadas em seus verdadeiros ícones. As diferenças raciais, tão destacadas no evolucionismo do século XIX, foram, ainda nos primórdios da história brasileira, reinscritas em outros moldes, incorporando-se às diferenças culturais e religiosas registradas entre europeus e autóctones. O tutor, católico e civilizado, supostamente europeizado, e o tutelado, índio, negro ou notoriamente mestiço, presumidamente primitivo e selvagem, foram os componentes essenciais da sociedade brasileira (OLIVEIRA, 2016, p. 312).

Por isso, faz-se necessário compreender que o regime de sesmarias implantado no Brasil para fazer a colonização ocorreu de forma distinta da que ocorria em Portugal. Apesar de o nome ser o mesmo, os objetivos neste país foram bem diferentes e mudaram, assim, a vida dos índios e negros africanos.

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Para se entender como a mudança do regime de sesmarias foi extrema ao ser implantado no Brasil, dados os contextos e objetivos diversos, é preciso saber como ele funcionava em Portugal.

A Europa estava em transição: o período era de construção de seu Estado Nacional, da contrarreforma religiosa diante do avanço do Islã, do protestantismo e de alteração de economia causada pelo mercantilismo.

A partir do século XI, começou a Guerra da Reconquista por Portugal para recuperar o território invadido e conquistado anteriormente pelos estrangeiros. O êxito dos portugueses se manteve até o século XV e quem mais se beneficiou dele foram os cristãos.

Portugal reconquistou seu território em 1297 com Dom Dinis e estava se reerguendo, pois tinha expulsado os mouros da região, mas precisava produzir nessas terras reconquistadas, principalmente no campo (LINI, 2015, p.19). Contudo, as batalhas para conquistar terras escassearam a mão de obra para trabalho no campo no país, seja pela demanda de soldados, seja pelas mortes ou porque houve o deslocamento populacional para fugir dos conflitos para a cidade.

Com isso, vastas extensões do território outrora explorado ficaram abandonadas. A essas áreas se agregaram aquelas que nunca tiveram explorador. Por isso, era hora de aproveitar as terras reconquistadas e as livres para exercer o domínio português sobre elas, assim como gerar lucros com seu cultivo.

A presúria era um instituto jurídico concedido por uma autorização do rei para ocupar as terras que houvessem sido conquistadas pela expulsão dos mouros. Ou seja, decorriam do reconhecimento do direito de conquista, possuindo a dupla finalidade de promover a ocupação do território – e assim assegurar o domínio sobre ele, inclusive sob o aspecto militar – e de garantir a produção agrícola (RAU, 1982).

Houve a possibilidade de que se buscasse uma organização oficial da ocupação do território por meio da divisão de terras e estipulação da necessidade de produção. Com isso, surgiram as presúrias, e com elas as pessoas puderam acessar essas terras, sobre as quais alcançavam o domínio pleno por meio do cultivo (RAU, 1982).

(24)

O objetivo principal desse instituto era o povoamento. Ou seja, firmar as pessoas na terra, além de promover a defesa do lugar para possíveis invasões que pudessem ocorrer novamente. Conforme ensina Rau:

(...) foram as necessidades de defesa e de povoamento, e consequente aproveitamento agrário que, durante a Reconquista, fizeram surgir a presúria. Donde é lícito pensar que qualquer instituição deste período contém sempre em si o duplo objectivo do povoamento e do arroteamento (RAU, 1982, p. 36).

As presúrias deixaram de existir no século XIII, uma vez que, “fixado o

limite territorial de um Estado, à medida que este se fortalece e se organiza, tal processo de obtenção de bens imóveis desaparece inelutavelmente” (RAU,

1982). Conforme se consolidava a ocupação nas terras, não existia mais a necessidade de aplicar as presúrias, mas permaneceria a necessidade do cultivo como meio de aquisição da terra, como se verificaria com as sesmarias, que estavam por surgir (RAU, 1982).

Com a organização do reino, foram delimitados os concelhos – pequenas áreas que buscam o ordenamento territorial de domínio. Verificou-se distribuição pouco equitativa das terras em decorrência do processo tumultuado que ensejou a apropriação pelas presúrias, sendo que também havia significativas áreas incultas (RAU, 1982).

Com o objetivo de criar condições para o estabelecimento das pessoas nos concelhos demarcados unidade, o seu ordenamento inicial, que necessitava dispor das terras de forma equânime, foi realizado por sesmeiros. Esse era um cargo exercido em situações eventuais de divisão e demarcação de terras.

Rau (1982) contextualiza:

os sesmeiros apareceram fruto da necessidade de dividir e distribuir terrenos aos povoadores nas regiões onde se reorganizava a propriedade rural – quer a terra pertencesse ao rei, quer aos grandes senhores, às ordens militares e monásticas. A sua aparição deu-se a partir do momento em que a divisão tumultuária pela presúria e a apropriação pelo cultivo não logravam garantir a colonização e as arroteias das províncias conquistadas e em que a ordem social já não tolerava tal sistema‖ (RAU, 1982, p. 57).

O nome advém de sesmo, que é a sexta parte de qualquer coisa, sendo que havia um sesmeiro para cada um dos seis dias de trabalho da semana, cabendo a cada um deles a sexta parte desse território distribuível do concelho.

(25)

Rau explica melhor qual a função do sesmo:

os sesmos eram os locais destinados a prover cada povoador de uma quota-parte de propriedade territorial. Esgotados, eles pela vinda de novos moradores ou pela multiplicação das famílias dos primeiros, só por compra, doação, ou outro qualquer título legítimo, ou cerceando os baldios comunais, se poderia prover aos problemas dos Joões-sem-terra (RAU, 1982, p. 55)

Esses sesmeiros eram dois ―homens-bons‖, funcionários nomeados pelo rei ou, por delegação, pelos concelhos. Em alguns casos, eram nomeados os próprios juízes das vilas, o que não era a prática (RAU, 1982).

Inicialmente os concelhos se insurgiram contra as terras da Igreja, que recebiam grande quantidade de pessoas que haviam morrido. E, devido à extensão de suas propriedades, a Igreja não tinha condições de aproveitá-las adequadamente, deixando-as abandonadas (RAU, 1982).

Diniz explica como se deu a presença da Igreja nessas terras:

A Ordem de Cristo foi herdeira da Ordem dos Templários, uma organização formada por pessoas que eram monges e guerreiros ao mesmo tempo. De caráter religioso e militar, criada na Idade Média, esse grupo tinha o objetivo de defender os cristãos dos ataques muçulmanos. Como monges, os templários faziam voto de pobreza, obediência e castidade; como guerreiros, defendiam a fé cristã. Essa ordem surgiu no ano de 1113 e foi extinta em 1312, mas como ela vivia de vultosas doações de terras e dinheiro concedidos pelos reis, acabou prosperando muito; de tal forma que, em Portugal, o rei D. Dinis não permitiu sua extinção. Assim, a Ordem assumiu outro nome – a Ordem de Cristo– e ajudou na consolidação da formação do território português com a expulsão dos mouros e também nas navegações. (DINIZ, 2005, p. 1)

Juntamente com a insuficiente exploração de terras, havia a escassez de trabalhadores rurais, em razão de outras oportunidades que estes encontravam como meio de vida. Assim, eram necessárias medidas que estimulassem o trabalho rural para o melhor aproveitamento das terras (RAU, 1982).

À época, Portugal, sobretudo o sul do país, passou a ter uma orientação econômica para o comércio centralizado na cidade. Apesar de não haver mais guerras que reduzissem a mão de obra disponível, outras oportunidades de trabalho e mesmo a vadiagem nas cidades se tornaram mais atraentes do que o labor rural. Com a diminuição da oferta de trabalhadores, o valor dos salários

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subiu e os proprietários preferiram transformar lavouras em pastos para reduzir despesas, o que também levou à concentração de terras (RAU, 1982).

Estava insustentável manter o trabalho no campo com tal falta de mão de obra e os altos custos que estavam sendo gerados para se produzir o suficiente.

A essa altura, a peste negra já havia caído sobre a Europa, ampliando a situação dramática que se via. Os preços dos produtos eram altos, o custo do trabalho, também, e a quantidade de trabalhadores era reduzida (RAU, 1982).

Conforme Fourquin, ela surgiu ainda em 1348 e trouxe uma série de prejuízos, inclusive a morte de muitos trabalhadores, agravando os problemas de mão de obra no campo:

Aparentemente proveniente das feitorias italianas da Crimeia, a Grande Peste atingiu, em condições aterradoras, quase todo o Ocidente, mais ou menos entre 1348 e 1350. Esta peste bubônica era em si uma doença mais grave do que a maior parte das ―pestes‖ já conhecidas, não só porque provocava problemas pulmonares, mas também devido à subalimentação dos pobres de muitas regiões. Os numerosos testemunhos contemporâneos denotam o pavor que se apoderou dos homens. (FOURQUIN, 2000, p. 333).

Com da diminuição da população, estabeleceu-se uma crise de mão de obra que agravou o desenvolvimento da produção europeia. A consciência da brevidade da vida levava os indivíduos a buscar os prazeres da existência humana, afastando-os da rotina do trabalho e comprometendo a evolução dos países, já que ―a ociosidade do trabalhador era um crime contra a sociedade, pois o sistema medieval baseava-se na sua obrigação de trabalhar‖ (TUCHMAN, 1999).

Sobre essa crise, entende Wolff:

Assim, um efeito lógico da peste foi a crise de mão de obra: de maneira incontestável, com a fuga completando a obra da morte, faltavam braços para o trabalho – e tanto mais que, com a ameaça da morte tornando vão o entesouramento, muitos compradores apressaram-se em gozar a curta vida que, pensavam eles, restava para viver. (WOLFF, 1988, p. 22).

Para superar a crise, buscou-se tornar obrigatório o trabalho rural para determinadas pessoas, além de se ter fixado o valor máximo do salário. Nesse caso, deve-se destacar que se distinguiu o homem trabalhando por conta própria do assalariado. E, mesmo, libertou-se da obrigatoriedade de trabalho

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aquele que tivesse propriedades e trabalhadores suficientes para exploração de sua gleba (RAU, 1982).

Wolff discorre sobre essa obrigação de trabalho, da qual não havia saída:

Por toda parte foram tomadas medidas de precaução. Mas em nenhum lugar, parece, foram concebidas e aplicadas de modo tão sistemático quanto na Inglaterra. Desde 18 de junho de 1349, enquanto a peste estava no auge em seu reino, Eduardo III enviou ao xerife dos condados uma ordem, observando que ―alguns, ao verificarem as necessidades dos senhores e a falta de criados, só querem servir sob a condição de receber salários excessivos, e outros preferem permanecer ociosos e mendigar do que ganhar a vida trabalhando‖. Em seguida, todos os homens e mulheres válidos, com idade abaixo de sessenta anos, deveriam aceitar o trabalho que poderiam ser requisitados a oferecer. (...). Essa obrigação do trabalho era completada pelo congelamento dos salários, a referência foi fornecida para o ano de 1346 e para os anos precedentes: ninguém podia exigir, ninguém podia oferecer ou pagar soldadas ou ordenados superiores aos que eram então costumeiros na localidade ou na região. (WOLFF, 1988. p. 23).

Outra medida adotada foi a restrição do pastoreio, determinando-se que a área destinada a tal atividade deveria se restringir àquela necessária para manutenção do gado utilizado no trabalho agrícola (RAU, 1982).

Por volta de 1375, Portugal já estava na mais absoluta miséria. A fome já havia se instalado por todos os sítios, quando o rei D. Fernando mandou contar todas as terras de semeadura do reino, chegando à conclusão de que, se as terras fossem lavradas, não faltaria o que comer para todos. Além disso, havia muita mão de obra, porém com fome e sem trabalho.

No contexto mais trágico possível, em que se incluem guerra, depreciação de moeda, baixo valor da produção agrícola, tributação elevada e estiagem prolongada, surgiu a Lei de Sesmarias. Ela se caracterizava pela obrigatoriedade de cultivo e pela possibilidade de expropriação da terra abandonada. Mas a lei também se referiu a uma série de outras situações com o nítido objetivo de resolver a complexa situação econômica e social de Portugal (RAU, 1982).

A Lei de Sesmarias foi a solução encontrada por D. Fernando I para o problema da falta de exploração da terra e de necessidade de lucro para o reino:

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Coube a D. Fernando I (1367-1383) encontrar uma saída para atenuar os efeitos da crise econômica vivida por Portugal. Sua principal medida, e a que nos interessa, foi a elaboração de uma legislação que visava o completo reaproveitamento das terras abandonadas, como forma de amenizar os efeitos da crise de abastecimento no país. A chamada Lei de Sesmarias de 1375 pretendia promover a reorganização da estrutura fundiária do Reino, na medida em que estabelecia a retomada das atividades agrícolas (PEREIRA, 2011, p. 81).

Por isso, a Lei de Sesmarias nasceu da necessidade do reino de adotar medidas que possibilitassem sua reestruturação após um longo período de conflitos e crise. Essa crise foi resultado da ausência de uma política voltada para o atendimento dos interesses e necessidades internas do país, somada às conjunturas externas que envolveram a Europa ao longo do século XIV. Foi um quadro de desestabilização e desestruturação das nações, que se viram obrigado a criar medidas que amenizassem o impacto das situações que modificaram suas estruturas (LE GOFF, 2007).

Ruy Cirne Lima (1990) traz que a inspiração para a criação da Lei de Sesmaria teve origem no costume medieval.

Entrelaça-se, em suas origens, o regime jurídico das sesmarias com o das terras comunais do município medievo, desfrutadas uti singuli pelos minícipes, ou seja, com regime jurídico dos assim chamados communalia. Antiquíssimo costume, nalgumas regiões da península, prescrevia fossem as terras de lavrar da comuna, divididas segundo número dos munícipes, e sorteadas entre estes para serem cultivadas desfrutadas, ad tempus, por aqueles aos quais tocassem. À área dividida ou a cada uma dessas partes, chamava-se sexmo.(...) (LIMA, 1990).

A Lei de Sesmarias foi além da mera distribuição de terras. Ela foi concebida como um instrumento para regular a vida social, inclusive no aspecto econômico, no modo de vida rural diante da crise na Europa causada também pela peste negra (PRIOSTE, 2018, p. 40).

Assim, pela Lei de Sesmarias, os concelhos iniciaram representações em áreas abandonadas, com a finalidade de distribuí-las a quem quisesse torná-las produtivas. O reino, ao concordar, autorizava a distribuição da terra livre e desembaraçada, com a condição de que os beneficiários nela morassem e produzissem (RAU, 1982).

Havia um procedimento para a retomada da terra: o proprietário era notificado para que a explorasse, sob pena de perdê-la. Porém, nem tudo ocorreu de forma adequada: houve excessos e desvios, além da utilização das

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sesmarias para benefícios dos próprios sesmeiros. Em alguns casos, os beneficiários recebiam as terras, mas não as exploravam, desejando cobrar de outras pessoas que pretendessem explorar aquele espaço (RAU, 1982).

Diante disso, sendo o objetivo de D. Fernando I incentivar um retorno às raízes agrícolas do país, tornava-se necessário criar mecanismos para driblar a dificuldade de aproveitamento de grandes propriedades por um único indivíduo. Nesse sentido, a obrigação de, em caso de proprietários com grandes domínios incapazes de serem cultivados por uma só pessoa, dividir esses domínios entre outros lavradores a fim de que nenhum pedaço de terra do Reino fique sem ser aproveitado, atribui um caráter emergencial à sua implantação e apresentava ao proprietário uma solução para possíveis problemas de cultivo de propriedades extensas (PEREIRA, 2011, p.11).

Um dos objetivos da lei era constranger os proprietários a cultivar suas terras. Caso isto não se observasse, a Coroa teria o direito de revogar a concessão e doar a terra em sesmaria a outra pessoa que se comprometesse a cultivá-la no tempo estipulado pela lei.

A obrigação do serviço na lavoura não durou até o fim da existência da Lei de 1375. Esse aspecto da lei foi abolido quando esta foi novamente publicada nas Ordenações Manuelinas no século XVI, junto com algumas outras modificações no texto original (LIMA, 1990).

Além da ocupação territorial e da produção agrícola, as sesmarias tinham a função de ampliar a receita fiscal, uma vez que eram cobrados tributos sobre a exploração da área (RAU, 1982).

Merece destaque, também, o fato de que a lei não teve aplicação geral e irrestrita. Houve locais em que, demonstrado o costume de não se dar terras em sesmarias, pediu-se ao rei que não as concedesse, o que foi acatado (RAU, 1982).

A Lei de Sesmarias teve a divisão de terras como meio, porém seu maior objetivo era regular a vida social em Portugal, assim como incentivar a produção e girar o mercado para desenvolver o local.

Com isso, esse instituto foi extremamente importante, pois tirou o povo da miséria e da fome, assim como transformou Portugal em uma grande potência da economia mundial, que conquistou novas terras e as cultivou no decorrer do século XVI.

Apesar de todo o esforço do Estado para resolver os problemas sociais e econômicos por meio da Lei de Sesmarias, a norma restou infrutífera no que

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tange ao seu objetivo final em virtude dos desvios que sofreu e da própria estrutura produtiva que se formava. Por fim, foram o comércio marítimo e a expansão do território os responsáveis pelo equilíbrio do país (RAU, 1982).

Sérgio discorre a este respeito:

Se as leis agrárias de D. Fernando não deram resultados apreciáveis, porque muitas causas as contrariavam (entre as quais o caráter da fidalguia [cuja triste situação econômica, e consequente dependência em relação aos monarcas, já encontramos documentada nas canções de escárnio dos cancioneiros]), as do comércio marítimo, pelo contrário, garantem a vitória do Transporte, que deu em resultado a descoberta do globo, a moderna sociedade capitalista, a realização progressiva do mercado mundial. (SÉRGIO, 1972, p. 30)

O instituto das sesmarias teve várias alterações durante sua vigência até o século XIX, quando deixou de existir completamente em Portugal, porém seu declínio ocorreu paulatinamente. Ele se deu até sua total inaplicabilidade porque o racionalismo iluminista começou a ver a propriedade da terra como garantia dos negócios e bem de mercado.

A Lei de Sesmarias teve grande importância histórica, pois foi determinada diante da necessidade de regulação das terras em Portugal, assim como a vida e a economia do campo.

É possível perceber que a mera distribuição de terras não foi suficiente para alterar a realidade social como se pretendia inicialmente. Desse modo, a Lei de Sesmarias não resolveu todos os problemas fundiários de Portugal, já que o país possuía uma nobreza ociosa e parasitária. Além disso, não havia total comprometimento dos portugueses com os objetivos propostos pela Coroa, situação que agravou o problema na agricultura do país, além da falta de mão de obra, e que contribui para o desenvolvimento das atividades mercantis em Portugal e, consequentemente, para o desenvolvimento da navegação no país, dando início, assim, ao processo que levaria ao ―descobrimento‖ do Brasil em 1500.

1.2. A chegada/invasão de Portugal no Brasil

Com o declínio das sesmarias e como o comércio com o Oriente agora havia sido tomado por Constantinopla, fez-se necessária a descoberta de rotas alternativas para as Índias (LINI, 2015, p. 19).

(31)

No período de equilíbrio e estabilidade em Portugal, vigorou o mercantilismo, já que as sesmarias não trouxeram resultados significativos para a economia do reino como se esperava. Esse mercantilismo era dado pelo avanço nas navegações em busca de produtos para acumular metais para o comércio, principalmente os metais preciosos ouro e prata.

Além disso, outra preocupação era manter o capital equilibrado, o que foi feito por meio das vendas de especiarias – produtos que não eram fáceis de achar na Europa. Eles vinham principalmente da Ásia por rotas comerciais por terra e pelo Mar Vermelho, em grandes caravanas, e os portugueses pagavam altos impostos.

Os países passaram a buscar rotas alternativas de navegação para buscar esses produtos na tentativa de diminuir os custos e seu valor de venda: com a mudança de modelo econômico e a expansão do comércio, muda o foco do sistema de riqueza, que passa a valorizar o metal precioso que o estado acumula, haja vista a necessidade de se cunhar moedas. Num contexto maior, podemos falar de mercantilismo1, pois o metal precioso e necessário para cunhar moedas implica na compra de mercadorias, que por sua vez acarreta o lucro gerado por essas vendas, provocando o acúmulo de moedas. Nesse sentido, havia também a prática do protecionismo e do monopólio, taxando produtos estrangeiros para estimular a manufatura nacional, e, estabelecendo exclusivismos comerciais como o pacto colonial2 (GOMES; ROCHA, 2016, p. 95).

Foi por esta razão que os portugueses exploraram o Mar Mediterrâneo e começaram a navegar em outros mares e a se aventurar em busca de terras e novas oportunidades. Chegaram à África por volta do século XIV e investiram nesse continente por meio de pequenas missões que se instalavam nos locais por meio de feitorias.

(...) A expansão veio alterar esta situação e permitiu que a nobreza mantivesse o seu modelo social e mental quase inalterado durante mais de século e meio; desfez-se, assim, o bloqueio que parecia que iria asfixiar este grupo social, o que foi possível porque milhares de nobres, desde escudeiros recém nobilitados a fidalgos proeminentes e de velha cepa, aceitaram o risco de navegar e combater no exterior,

1

FAUSTO (1975, p. 55) afirma que as concepções de mercantilismo variaram muito em cada região, e que não era exatamente uma teoria econômica, mas sim um conjunto de normas de política econômica, pressupondo uma grande intervenção do Estado. Isso ocorria seja de forma direta assumindo certas atividades econômicas, seja indiretamente criando condições favoráveis para outros grupos alcançassem esses objetivos.

2

As colônias eram obrigadas a estabelecerem comércio somente com a metrópole, garantindo à Coroa pagar preços mais baixos pelas mercadorias, podendo obter maiores lucros com as vendas desses produtos.

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passando muitas vezes longuíssimas temporadas fora do Reino (COSTA, 2001, p. 89).

A expansão marítima se deu principalmente para financiamento do comércio por meio do monopólio estatal. O objetivo da Coroa era de incremento comercial que estabeleceria um mercado mundial e uma divisão internacional da produção (GORENDER, 1980).

Com isso, Bartolomeu Dias, em 1488, alcançou o Cabo da Boa Esperança – uma espécie de marco e indício de que era possível fazer toda a rota contornando o continente africano. Esse fato possibilitou a Vasco da Gama chegar às Índias, o que livrou Portugal dos impostos de outros países e aumentou seus lucros.

Nesse período, as Antilhas já haviam sofrido o que viria a acontecer na América Latina, pois a destruição aconteceu naquela região de maneira cruel pelos colonizadores já na primeira década do século XVI. Além disso, muitas doenças foram disseminadas e causaram um caos total a ponto de extinguir de vez a vida dos povos da região. De acordo com Las Casas (2010, p. 505), era possível verificar as formas brutais com que os portugueses invadiram o local e atacaram a região para colonizar – cenas que incluem o terror e morte de milhões de pessoas.

Mesmo que seja impossível indicar a quantidade de mortes por doença e pela guerra, aponta-se que no final do século XVI houve uma redução de 90% no número de pessoas na região de Antilhas em relação ao início do século (GUERRA, 1988, p. 51).

As doenças chegavam antes das guerras, causadas pelos primeiros contatos dos colonizadores com os povos. Por isso, à epoca da colonização, esses povos já estavam debilitados e doentes.

Portugal foi se consolidando nesses locais, onde se iniciariam os focos das colonizações futuras. A ocupação pelo lado do Atlântico, no Brasil, se iniciou em São Vicente – hoje ainda como o mesmo nome, no Estado de São Paulo – e na ilha de Santa Catarina, apesar de já haver colonizadores hispânicos nessas regiões (CALEIRO, 2018, p. 30).

Portugal agia de duas formas com essas terras: uma era considerando extensão de seu território por aquisição originária as ilhas inabitadas que encontrava, que outorgava àqueles que quisessem ocupá-las e produzir; a

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outra, nas terras habitadas, era criando vínculos e atividade de comércio por monopólio, porém sem colonização.

Portugal, então, instalou um sistema de feitorias com a criação de fortes na região costeira das terras ―descobertas‖. Essa forma foi utilizada também por Portugal na costa atlântica da África (JOHNSON, 2012, p. 245).

Já a Espanha, ao observar o sucesso da colônia portuguesa, investiu em Cristóvão Colombo, um genovês que era um navegador que acreditava que a Terra era redonda. Ele queria ir no sentido contrário ao das missões de Portugal, ou seja, sem precisar contornar o continente africano, e assim chegaria mais rápido às Índias. Por isso, chegou ao arquipélago caribenho achando que eram as Índias e chamou os nativos de índios.

Hoje essa ilha é o Haiti, onde Cristóvão Colombo chegou em 12 de outubro de 1492 e iniciou o mapeamento das ilhas em Antilhas, onde se chamaria hoje de América Central. Esta expedição foi seguida de outras duas.

Em 1494, diante da certeza de que existiam terras no extremo oeste do Atlântico, Portugal assinou com a Espanha o Tratado de Tordesilhas para dividir as descobertas possíveis. Esse documento foi o primeiro instrumento jurídico internacional que dividiu as terras entre os dois reinos e possibilitou a exploração nas terras futuramente conquistadas.

Por isso, Portugal acabou ―descobrindo o Brasil‖ por meio da invasão, em 15003, de Pedro Álvares Cabral na segunda expedição portuguesa às Índias. Extraiu nesse período o pau-brasil, nome dado à madeira encontrada, que tinha a cor rosa.

3

Os portugueses enviaram pequenas frotas para explorar o litoral brasileiro logo após a descoberta de Cabral, mas foi apenas em 1513 que um capitão português navegou até o sul e encontrou um facão de prata, provavelmente inca, em um grande rio que ele se apressou em denominar rio de prata. No entanto, foram os espanhóis que deram sequência à sua descoberta e exploraram avidamente os tributários desse rio em busca das origens da prata indígena. Nesse momento, ano de 1513, Balboa atravessou o istmo do Panamá e descobriu o Oceano Pacífico. Em uma década Cortez conquistou o império Asteca no México e Pizarro desceu o litoral do Pacífico, na América do Sul, em direção aos incas no Peru. Então os espanhóis se deram conta de que havia uma grande massa continental que se interpunha entre eles e a Índia. Começaram a enviar expedições com o propósito de descobrir rotas marítimas que contornassem a extremidade meridional do continente. Em 1520, o português Fernão de Magalhães, que estava a serviço da Espanha, conseguiu cruzar o estreito que recebeu seu nome e sua frota prosseguiu, completando a primeira viagem de circum-navegação do mundo. Os espanhóis se estabeleceram em Buenos Aires e, a montante, no Paraguai. Os portugueses ficaram com a grande curva do litoral que se estendia ao norte até a foz do Amazonas, também descoberto pelos espanhóis alguns meses antes do desembarque de Cabral. Quase por acaso, os dois reinos ibéricos dividiram a costa leste da América do Sul, seguindo mais ou menos a Linha de Tordesilhas (HEMMING, 2007, p. 42).

(34)

Chandeigne explica o ―descobrimento‖:

A partir da expansão marítima portuguesa, o ―descobrimento‖ das terras brasileiras se dá pela esquadra de Pedro Álvares Cabral, por ocasião da segunda expedição portuguesa às Índias. Após o retorno de Vasco da Gama a Portugal, depois de ter alcançado as Índias contornando a África, o rei D. Manuel, entusiasmado com o sucesso de seu empreendimento marítimo, decide enviar uma nova frota às Índias, a fim de ―firmar aliança com o samorim de Calicute, organizar relações comerciais e, evidentemente, propagar a santa fé católica‖ (CHANDEIGNE, 1992, p. 143).

Contando com mil e duzentas pessoas, Pedro Álvares Cabral saiu com sua frota de Portugal em 9 de março de 1500 e alcançou a costa brasileira em 22 de abril do mesmo ano. Pero Vaz de Caminha, em carta enviada a D. Manuel, traz notícias da nova descoberta:

Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, mui alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs nome O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! Mandou lançar o prumo. Achavam vinte e cinco braças. E ao sol-posto, umas seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças – ancoragem limpa. Ali ficamos toda aquela noite. (CAMINHA, 1963).

Ao chegar ao Brasil, Cabral chamou o local em que desembarcou de Porto Seguro, porém só ficou três dias e entendeu que não havia ouro e prata com facilidade como na América central conquistada pela Espanha. Foi junto com 13 expedições rumo à Ásia para pegar especiarias a mando de Dom Manuel e, com isso, o Brasil foi pouco explorado durante 30 anos, período chamado de pré-colonial.

Gorender (1980) afirma que a atuação da invasão de Portugal no que seria o Brasil não se deu de imediato, pois o esforço inicial da Coroa estava na busca por ouro e prata. As ―plantations‖ só viriam a ser rentáveis como meio de exploração colonial no século XVII.

Nesse primeiro momento de contato, o território brasileiro não foi colonizado, porém havia o extrativismo do pau-brasil, sem que houvesse uma ocupação efetiva do território. Esta ocupação foi feita fundamentalmente com a mão de obra indígena por meio de escambo – trocas de materiais –, que tornou a extração a principal atividade no período.

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Qualquer terra descoberta deveria ser incorporada, pois seu controle abria a possibilidade para o conhecimento e exploração futuros. No caso das terras brasileiras, uma qualidade locacional deve ter se destacado para os estrategistas do império ultramarino lusitano: trata-se do longo litoral, todo ele estendido no hemisfério austral, cujo domínio articulado ao das praças portuguesas na África ocidental permitiria um bom controle do Atlântico sul e, logo, do grande eixo de circulação oceânica meridional. Nesse sentido, também emerge o papel importante que essas terras poderiam representar como pousada para as naus da rota do Cabo, função claramente apontada já por Pero Vaz de Caminha na Carta do Achamento do Brasil (2000, p. 291).

Somente em 1530, com Martin Afonso de Souza, Portugal voltou a olhar o Brasil com a intenção de obter alguma vantagem sobre o que o país poderia oferecer. Então começou o período colonial. Esse olhar foi decorrência da queda dos lucros com as especiarias das Índias e o aumento dos custos nas navegações, além de custos cada vez mais elevados para manter os territórios conquistados pelos portugueses. Havia também a ameaça de ocupação pelos franceses e ingleses, que não aceitavam o Tratado de Tordesilhas, que dividira o território ―americano‖ somente entre portugueses e espanhóis. Eles então fizeram algumas incursões à colônia portuguesa em busca de produtos.

De acordo com Lígia Osório (2008), as terras de colônias eram de jurisdição espiritual da Ordem de Cristo, porém pertenciam à Coroa, que teve seu domínio até 1822 com a independência do Brasil.

Martim Afonso de Souza saiu de Lisboa com quatro naus e 400 tripulantes, acompanhado de uma elite formada por nobres e fidalgos do Reino de Portugal em dezembro de 1530 (SOUSA, 1839).

Os habitantes nativos da região foram completamente ignorados por Portugal, que entendeu que as terras ―descobertas‖ faziam parte de seu domínio, considerando o novo domínio como o ―novo mundo‖.

A palavra ―descobrimento‖ é uma palavra eurocêntrica4

, de visão heroica, de quem chegou às terras brasileiras e as descobriu – visão não corresponde à verdade.

A palavra descobrimento, empregada com relação a continentes e países, é um equívoco e deve ser evitada. Só se descobre uma terra sem habitantes; se ela é ocupada por homens, não importa em que estágio cultural se encontrem, já existe e não é descoberta. Apenas se estabelece seu contato com outro povo. A expressão

4

O eurocentrismo se trata da ideia de colocar a Europa acima de outras culturas, considerando-as exóticas ou xenófobas.

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