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Reflexão sobre o espírito do público na arquitetura contemporânea.

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Academic year: 2021

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XX Congresso Brasileiro de Arquitetos Fortaleza, 22 04 14

Reflexão sobre o espírito do público na arquitetura contemporânea.

Arquiteto Sérgio Magalhães

Muito boa noite. Minha saudação cordial a todos.

Gostaria de agradecer à Comissão Científica do XX CBA por tão honroso convite para fazer esta Conferência, o qual aceitei com dupla satisfação:

- primeiro, pela oportunidade de conversar com colegas de todo o nosso país em torno de nossa paixão em comum, a arquitetura;

-segundo, pela oportunidade de encontro com nossos futuros colegas – estudantes de arquitetura que prestigiam este Congresso e que, com isso, demonstram o seu

interesse por, desde logo, ajudarem a pensar a arquitetura brasileira – na verdade, o Congresso é uma oportunidade de troca de experiências;

O tema que preparei – o espírito do público na arquitetura contemporânea - me parece pertinente ao momento em que vivemos, quando 85% de nossa população, mais de 175 milhões de brasileiros, já vivem em cidades.

Eu não terei a pretensão de falar sobre a arquitetura brasileira, em geral, por sua óbvia complexidade e grande diversificação. Falarei mais simplesmente, tendo como base a minha própria experiência profissional.

Dividi essa apresentação em três partes: vou falar um pouquinho sobre A cidade do

século XX e seu espaço; depois, sobre A revisão doutrinária e a cidade do século XXI. Ao fim, apresentarei algumas imagens de ilustração.

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A cidade do século XX e seu espaço

Começarei trazendo uma crônica do princípio do século XX, do escritor brasileiro João do Rio, publicada no livro intitulado “A Alma Encantadora das Ruas”.

Diz João do Rio: “Eu amo a rua”. E continua:

“Esse sentimento de natureza toda íntima eu não o revelaria a vocês se não o julgasse como um amor

compartilhado por todos.” Amor que é o “único que resiste a todas as idades e épocas.”

Para o cronista, “A rua das fachadas alinhadas é um fator de vida nas cidades” – “a rua é a mais niveladora das obras humanas”, diz. “A rua faz as celebridades e as revoluções.” Assim João do Rio escreveu, em 1908.

E assim se punha, também, durante os séculos anteriores, construindo-se a cidade em um fenômeno no qual ao

espaço público correspondia o papel de lugar do encontro. Diferentemente do que muitos afirmavam, hoje sabemos que a cidade tem como característica fundadora justamente ser o lugar onde se dá o encontro, a troca entre os

diferentes, a interação social, o lugar do conflito.

Essa característica é a qualidade essencial da cidade. E o espaço público é o seu suporte material.

Mas é certo que pouco depois que João do Rio fez sua declaração de amor à rua, aquela das fachadas alinhadas, deu-se a condenação da “rua corredor”, sob a orientação de Le Corbusier, e que se transmitiu mundialmente como se fosse uma febre avassaladora.

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A explosão demográfica, a industrialização, as novas relações econômicas, o automóvel, associados às novas doutrinas arquitetônicas e urbanísticas, entre outros

fatores, fizeram do século XX um outro tempo para as cidades.

Era o tempo da cidade funcional.

Nela, tudo seria autônomo: morar, trabalhar, recrear,

circular; cada função em seu lugar. E o lugar da circulação não seria “povoado”, mas cheio de velocidade – de

automóveis, sobretudo.

Nessa cidade não há lugar para o espaço público. Para a área vazia, sim, há; para o espaço não há.

Os edifícios adquiriram autonomia em relação à circulação e tornaram-se células livres, soltas, isoladas. Foram

dispensados de manter relação de escala com o espaço público – posto que a rua estava condenada.

Independentes do lugar e da paisagem, os edifícios foram também dispensados de manter relação de escala entre eles.

Esse modelo não foi capaz de acabar com as ruas, mas as transformou em lugares inóspitos para o convívio, de pouco interesse, barulhentos.

Continuam fruto do modelo funcionalista os bairros homogêneos, os condomínios fechados, os “shoppings centers”, e, logo, as autopistas, os elevados e a ausência de calçadas. Também os centros das cidades sem

habitação, vazios à noite e nos fins de semana.

Especialmente, o isolamento entre funções urbanas exige o uso crescente de veículos para os deslocamentos rotineiros

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– ademais de levar ao aumento de tempo de viagem casa-trabalho, chegando ao impasse que hoje assombra nossas cidades.

Paradoxalmente, quando viaja ao exterior, o brasileiro procura cidades com espaços públicos muito bem estruturados, onde se caminhe por ruas-corredores de calçadas muito bem mantidas e de usos diversificados. A cidade da segregação, do isolamento, da ausência de serviços públicos e da circulação sem vida – esta cidade não corresponde mais ao sonho contemporâneo.

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A revisão doutrinária e a cidade do século XXI

Dito isso como pano de fundo, falarei um pouco de minha experiência e de muitos de minha geração.

Ao final da década de 1960, quando concluí o curso de arquitetura, estávamos imersos plenamente no urbanismo funcionalista – isto é, não gostávamos da cidade herdada. Como epígrafe do trabalho de final de curso escolhemos, minha equipe e eu, um poema de Anibal Machado, que dizia:

Faça o que lhe digo. Solte primeiro uma borboleta.

Se não amanhecer depressa, solte outras de cores diferentes. De vez em quando, faça partir um barco. Veja onde ele vai. Se for difícil, suprima o mar e lance uma planície.(...)

Sirva-se do vento, se achar difícil.

Eles estão perdidos, mas nem tudo o que fizeram está perdido. (...)

Mande uma manhã de sol, na íntegra.

Com urgência, o projeto de uma nova cidade! Para nós, o que poderia ser uma síntese melhor dos princípios do urbanismo moderno? Para um arquiteto, confiante nas gigantescas possibilidades do futuro, o que poderia ser difícil? Mandar uma manhã de sol, na íntegra? Talvez, apenas, algo que fosse maior do que suprimir o mar.

Por que a arquitetura desejou, por 150 anos, uma nova cidade? Uma cidade perfeita, uma cidade sem história? O ponto de partida que eu sugiro para chegar a alguma resposta se localiza no entendimento das noções de

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formavam as bases da arquitetura moderna – quando, ao início do século XIX, o crescimento da cidade industrial a todos surpreendia.

Nesse momento de partida, o tempo é o de Newton e é absoluto: o futuro é o lugar da felicidade, construída pela razão.

Aos arquitetos caberia a tarefa de concepção do modelo urbanístico da perfeição. Uma vez alcançado, a cidade se manteria perfeita, pronta, definitiva, e ofereceria as

condições para o desenvolvimento de uma nova sociedade igualitária.

É possível encontrar nessa tarefa todos os nossos mais queridos doutrinadores –nossos profetas, que nos

ensinavam a soltar primeiro uma borboleta, e outras tantas, seguidas, de cores diferentes, que encantavam os

desenhos de nossas pranchetas.

Eles estavam aí, inclusive aquele que nos impunha a

necessidade da tabula rasa para construirmos a cidade – o arquiteto da máquina de viver.

Vimos, porém, que quando esses modelos urbanísticos começam sua brilhante carreira de proselitismo, justamente aí, as bases newtonianas são atingidas pela relatividade de Einstein e pelos quânticos de Heisenberg.

É introduzido um elemento de imprevisibilidade ou de casualidade na ciência, que irá alcançar a doutrina da arquitetura e do urbanismo algumas décadas mais tarde: justamente quando o moderno se torna hegemônico entre nós, justamente naquela década em que nós, os de minha geração, chegávamos à vida profissional e desejávamos, com urgência, o projeto de uma nova cidade.

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A confiança inabalável em um futuro de felicidade eterna já se perdia.

Faça partir um barco. Veja onde ele vai. (dizia o poeta)

Depois desses anos revisores da doutrina, o arquiteto poderá projetar um novo barco, poderá fazê-lo partir. Mas já não estará em condições de escolher o caminho. No máximo, poderá ver para onde vai.

A geração de arquitetos que pensava projetar a arquitetura da nova cidade da perfeição se encontrou com a beleza da cidade imperfeita, da cidade diversa.

Agora, os elementos de trabalho em tempos de incerteza é a cidade existente, aquela que foi contestada mais que secularmente. É a cidade existente, não a nova cidade. Mas nela também encontrou a cidade segmentada, a

cidade fragmentada, segregada, a cidade partida, a cidade dispersa.

Eles estão perdidos. Mas nem tudo o que fizeram está perdido.

É para esse novo contraste que a arquitetura se pergunta: como trabalhar? O que fazer?

A cidade chegou ao cenário contemporâneo sem

possibilidade de reducionismo; seu estatuto não é o da simplicidade. Nenhuma resposta única poderá satisfazer sua complexidade conquistada.

Todavia, é indispensável que se busquem as respostas, tendo por base o reconhecimento dessa múltipla realidade de contrastes.

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Penso que uma contribuição possível é a compreensão de que a incerteza é parteira de uma nova ética, a qual exige um olhar desprovido de enquadramentos modelares em relação à multiplicidade de cidades.

Ao mesmo tempo, a nova ética também exige um olhar cheio de interesse radical para superação das realidades iniquas que existem na cidade contemporânea.

De algum modo, recomeçamos o debate sobre a necessidade da construção da cidade democrática.

É verdade que, ao longo desse tempo, a cidade, mesmo permanentemente contestada, se consolidou como lugar da

democracia.

E a democracia é a equidade e a diferença.

No entanto, se nossas cidades se consolidam como lugar da democracia, ainda se apresentam como lugar da

desigualdade.

Assim, ?quiçá o desafio central de nosso trabalho de arquitetos poderá ser o de redesenhar o espaço da vida urbana enfrentando a expansão desmedida das cidades, que se apresenta como insustentável? Que fazer com as estruturas ambientais segregadas? Com os centros vazios? Como levar a todo o cidadão a disponibilidade de

equipamentos e de serviços públicos indispensáveis à vida contemporânea? Como estruturar espaços cheios de vida, em áreas vazias de cidade?

Tempo, presente e futuro, continuidade, contiguidade, ruptura, interação, participação, diversidade, incerteza – por certo são categorias indissociáveis de nossa

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A cidade segmentada, a cidade sem identidade, irregular – essa é nossa cidade existente, que também é heroica, generosa, que foi capaz de suportar dois séculos de tábula rasa e, assim mesmo, é a construtora da civilização do século XXI, o tempo da vida urbana.

Na ingenuidade de nossos vinte anos, nós não sabíamos que suprimir o mar poderia ser mais fácil do que suprimir a cidade.

Felizmente, fomos vencidos.

Referências

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