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Equilíbrio energético Calorimetria animal

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Academic year: 2021

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Equilíbrio energético

Calorimetria animal

Índice

1 - Introdução ... 1

2 - A importância das reacções de oxidação dos nutrientes na produção de calor nos animais e a técnica da calorimetria directa ... 1

3 - Balanço energético e sua medida ... 7

3.1 - A despesa energética versus energia metabolizável dos alimentos ... 7

3.2 - Técnicas de medida da despesa energética e do balanço energético ... 8

3.3 - Os componentes da despesa energética ... 13

4 - Bibliografia ... 15

1 - Introdução

O homem ingere nurientes (glicídeos, lipídeos e proteínas) que são oxidados nos processos catabólicos. Tomadas no seu conjunto, as reacções de oxidação são exotérmicas porque a entalpia dos reagentes (nutrientes e O2) é maior que a dos produtos (CO2, água e também ureia no caso das proteínas). Estes processos oxidativos estão acoplados com a síntese de ATP, que é um processo endotérmico; a hidrólise do ATP é, simetricamente, uma reacção exotérmica que fornece directamente (ou indirectamente através de outros nucleosídeos trifosfatos) a energia utilizada no trabalho mecânico dos músculos, na manutenção de gradientes iónicos e na biosíntese. Quando aumenta a velocidade de conversão do ATP em ADP a velocidade de oxidação dos nutrientes aumenta e, porque implica a conversão de ADP em ATP, mantém-se a concentração de ATP estacionária.

Um estudante de calorimetria animal tem um ponto de vista tão simples que acaba por concluir que a melhor analogia para um ser vivo adulto é uma lareira que se mantém sempre acesa porque lhe estamos sempre a deitar lenha (alimentos), tem cinzas que são limpas (a ureia e outros compostos azotados da urina), consome O2 e só produz calor, CO2 e água. Uma criança, uma grávida ou um indivíduo que está a engordar é também uma lareira que recebe lenha a uma velocidade superior à da sua combustão e que, por isso, aumenta de tamanho. Pelo contrário, um indivíduo que emagrece é uma lareira em que a lenha arde mais depressa que a velocidade com que esta lhe é adicionada.

2 - A importância das reacções de oxidação dos nutrientes na produção de calor

nos animais e a técnica da calorimetria directa

A reacção de oxidação da glicose num animal é muito complexa e envolve a acção catalítica das enzimas da glicólise, da desidrogénase do piruvato, das enzimas do ciclo de Krebs e da fosforilação oxidativa. Essa complexidade poderá dificultar-nos a tarefa de reconhecer que os produtos e o calor libertado são idênticos aos da oxidação da glicose numa lareira. Contudo, se fizermos o somatório de todas as reacções envolvidas na oxidação da glicose (incluindo nestas as de oxidação do NADH e FADH2 pelo O2) concluiremos que a reacção de oxidação da glicose é igual nos seres vivos e numa lareira e que pode ser descrita pela equação (1)

C6H12O6 + 6 O2  6 CO2 + 6 H2O + 672 kcal (1)

Quando 1 mole de glicose se oxida, a diferença (H) entre a entalpia dos reagentes (glicose e 6 O2) e dos produtos (6 CO2 e 6 H2O) é de 672 kcal quer num ser vivo quer numa lareira. Sendo maior nos reagentes que nos produtos, a diferença é libertada durante o processo oxidativo na forma de calor ou trabalho. Porque 1 caloria corresponde à quantidade de calor necessária para aumentar

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de 1 ºC (mais rigorosamente entre 14,5-15,5ºC) 1 grama de água, 672 kcal podem aumentar em 1ºC a temperatura de 672 kg de água.

Para medir a energia libertada na oxidação da glicose pode usar-se um calorímetro, um instrumento que mede o calor libertado quando a glicose arde (ver Fig. 1). Para medir a energia libertada durante a oxidação dos nutrientes nos seres vivos também se pode usar um instrumento semelhante. O facto de a reacção de oxidação da glicose estar, nos seres vivos, acoplada com a de síntese de ATP, poderia levar-nos a pensar que as quantidades de energia libertada quando um mole de glicose arde e quando este mesmo mole se oxida num ser vivo poderiam ser diferentes. Afinal, parte da energia libertada na oxidação da glicose num ser vivo é consumida no processo de síntese de ATP. Contudo, essa ideia está errada porque os seres vivos não fazem reservas de ATP (a concentração de ATP é estacionária) e a formação de um ATP (a partir de ADP e Pi) só ocorre na exacta medida em que um ATP sofre hidrólise. O processo de síntese e hidrólise de ATP é um processo cíclico de somatório nulo e, por isso, no homem, a equação de oxidação da glicose pode (e deve no presente contexto) ser escrita da mesma maneira que no calorímetro (ver equação 1). Sendo idênticos os reagentes e os produtos também é idêntica a diferença entre as entalpias destes e, portanto, idêntica a energia que se liberta quando a reacção tem lugar.

Tal como no caso do ATP, também todos os outros intermediários do metabolismo (NAD+, NADH, NADP+, NADPH, ADP, AMP, intermediários da glicólise, ciclo de Krebs, etc.) têm concentrações que são estacionárias e, de um modo geral, formam-se à mesma velocidade com que se consomem. Embora possa haver variações transitórias nas concentrações destes intermediários (em que os casos mais flagrantes são o ácido láctico durante o exercício anaeróbio e os corpos cetónicos durante o jejum), é um boa aproximação à realidade admitir que são constantes e que a entalpia que lhes corresponde também o é. Pelo contrário, os glicídeos, os lipídeos e as proteínas sofrem continuamente oxidação dando lugar a produtos com uma entalpia mais baixa. Por este motivo, quando se estuda o regime de trocas energéticas entre o sistema ser vivo e o meio exterior, os intermediários não têm importância e as únicas reacções que interessam são as de oxidação dos glicídeos, lipídeos e proteínas.

Fig. 1: A energia libertada na oxidação de um mole de glicose é igual numa lareira e num ser vivo porque são idênticos os produtos e os reagentes.

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Independentemente da natureza endotérmica ou exotérmica das reacções que ocorrem no seu interior um calorímetro é um instrumento que mede o calor produzido ou consumido nessas reacções. Independentemente da natureza estacionária ou não estacionária dos intermediários um calorímetro mede o somatório dos H das reacções que ocorrem no seu interior. No caso dos animais, porque também se chama calorímetro a um instrumento que mede a produção de CO2 e o

consumo de O2 (ver

adiante), poderemos chamar “calorímetro directo” ao instrumento que mede o calor libertado no conjunto de todas as reacções que nele ocorrem e que corresponde ao somatório dos H de todas essas reacções. O H do conjunto dessas reacções corresponde à diferença entre as entalpias dos produtos efectivamente formados e as entalpias dos reagentes1 efectivamente consumidos sendo, portanto, os processos cíclicos irrelevantes.

Se encerrarmos um indivíduo num calorímetro durante um determinado período de tempo e antes e depois fizermos análises para determinar a sua composição corporal e a dos seus dejectos, assim como o O2 e o CO2 presente no sistema, poderemos concluir que, durante esse tempo, ele consumiu glicídeos, lipídeos, proteínas e O2 e formou CO2, água e produtos azotados urinários (principalmente ureia), produzindo simultaneamente calor (ver Fig. 2).

A existência de produtos azotados não completamente oxidados na urina mostra que a analogia entre o animal inteiro e a lareira fica desde logo manchada por uma diferença importante: o catabolismo das proteínas e aminoácidos no animal leva à produção de ureia (e outros produtos azotados) enquanto que na lareira o azoto das proteínas origina azoto gasoso. O H correspondente ao processo oxidativo das proteínas (e aminoácidos) não é igual no ser vivo e na lareira porque os produtos da reacção são diferentes nos dois casos. Por exemplo, no caso do aminoácido leucina a equação que descreve a oxidação desde aminoácido numa lareira (ou num calorímetro; equação 2) corresponde à soma da que descreve a oxidação da leucina num mamífero (equação 3) e da oxidação da ureia (formada nesse processo) numa lareira (ou num calorímetro; equação 4). De forma previsível o somatório das energias libertadas nas reacções 3 e 4 é igual à que se liberta na reacção 2.

C6H15NO2 + 8 ¼ O2  6 CO2 + 6 ½ H2O + ½ N2 + 856 kcal (2)

C6H15NO2 + 7 ½ O2  5 ½ CO2 + 5 ½ H2O + ½ CON2H4 + 780 kcal (3)

½ CON2H4 + ¾ O2  ½ CO2 + H2O + ½ N2 + 76 kcal (4)

1 A convenção de se subtrair a entalpia dos produtos à dos reagentes leva a que, nas reacções exotérmicas, o sinal de H

seja negativo e positivo nas endotérmicas. Esta convenção é apenas isso, uma convenção, e ao longo do texto não lhe demos importância.

Fig. 2: Se num dia, um indivíduo consumir 300 g de glicídeos, 100 g de lipídeos, 25 g de proteínas e 21 moles de O2 produzindo 18 moles de CO2 e

água e cerca de 8 g de produtos azotados urinários o calor produzido é o que corresponde à diferença entre a entalpia dos reagentes consumidos e a dos produtos.

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Podemos pensar que as reacções de oxidação não são as únicas em que estão envolvidos os glicídeos, os lipídeos e as proteínas, e que os animais podem sintetizar compostos orgânicos; que podem, por exemplo, formar

ácidos gordos a partir de glicose e que uma lareira não. Contudo, do ponto de vista do estudante de calorimetria, esse não é um argumento que o faça vacilar na ideia que o ser vivo é, basicamente, uma lareira. As

inter-conversões entre diferentes nutrientes (como,

por exemplo, a conversão de glicose em ácidos gordos) podem ser interpretadas como o somatório das oxidações completas do nutriente que se transforma e do processo “anti-oxidativo” do que é formado.

Admitamos, para simplificar, que um indivíduo oxidou apenas o nutriente glicose durante um determinado período de tempo e que o número de moles de glicose consumidas foi 6. Admitamos ainda que, a partir de glicose, formou durante o mesmo período de tempo 1 mole de estearato (Fig. 3). Para calcular o calor libertado (ou consumido) nesse período de tempo poderíamos tentar saber qual a quantidade de glicose que foi totalmente oxidada (H1) e a porção de glicose que se transformou nos intermediários da lipogénese

(H2) que deram origem ao estearato (H3). Esse caminho levar-nos-ia seguramente a um resultado correcto; a quantidade de calor libertada durante o período de tempo em análise seria H1+H2+H3. Contudo, podemos de forma muito mais simples pensar que o H correspondente à transformação dos intermediários da lipogénese em CO2 + H2O (Hx) é simétrico daquele que corresponde à transformação inversa (-Hx). Raciocinando desta forma podemos, para o cálculo da energia libertada durante o período de tempo em análise, imaginar que as 6 moles de glicose se oxidaram completamente a CO2 e H2O (H1+H2+Hx) e que foi a partir de CO2 e H2O que se formou o estearato (-Hx+H3). É obvio que este raciocínio nos levará a um resultado idêntico ao formulado atrás: H1+H2+Hx-Hx+H3 = H1+H2+H3. O H correspondente à oxidação de 6 moles de glicose é -4032 kcal (H1+H2+Hx) e ao de oxidação do estearato é -2700 kcal2. O H correspondente a uma reacção que transformasse CO2 e H2O em estearato e O2 (processo

2 Como já referido é costume (convenção) atribuir um valor negativo a H quando a entalpia dos produtos é menor do

que o dos reagentes e vice-versa.

Fig. 3: A diferença entre o somatório das entalpias dos intermediários da lipogénese necessários para formar um mole de estearato e do O2 para

oxidar estes intermediários e o somatório da entalpias da água e CO2 que

se formam na oxidação desses intermediários é o calor que se liberta na oxidação desses intermediários. Se o processo contrário pudesse ocorrer o calor consumido teria o mesmo valor: no processo cíclico representado pelas setas laranja e azul clara o calor envolvido é nulo. Quando 6 moles de glicose se consomem e, simultaneamente, se forma 1 mole de estearato o calor libertado nestas transformações pode, simplesmente, ser calculado subtraindo o calor libertado na oxidação da glicose (4032 kcal) ao que se liberta na oxidação de um mole de estearato (2700 kcal).

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oxidativo”) seria, obviamente, + 2700 kcal (-Hx+H3). Assim o H correspondente à oxidação de 6 moles de glicose e formação de 1 mole de estearato seria de –1332 kcal (-4032+2700=-1332).

De acordo com a 1ª lei da termodinâmica, a energia correspondente ao H das reacções pode repartir-se por calor e trabalho. Assim, poderíamos interrogar-nos se um calorímetro, sendo apenas capaz de medir calor, seria um bom instrumento para medir o somatório dos H dos processos reactivos nos animais. Tal só é admissível se o trabalho dos animais for nulo. Ao contrário do que se passa com a lareira que só produz calor, aparentemente o trabalho dos animais e, em particular, o trabalho do homem, não é nulo. Poderíamos também pensar que uma melhor analogia que a lareira seria, por exemplo, uma empilhadora que transforma a energia correspondente à oxidação do seu combustível na energia potencial gravítica dos objectos que vai colocando em estantes. Contudo, o nosso estudante de calorimetria não é sensível a este argumento e insiste na ideia que, sendo apenas uma analogia, a lareira continua a servir muito bem os seus objectivos e que um calorímetro é capaz de medir rigorosamente o somatório dos H dos processos reactivos nos animais, na esmagadora maioria das situações. Admitamos, por exemplo, que um indivíduo encerrado no calorímetro eleva a energia potencial gravítica de um peso de 40 kg colocando-o numa estante a 2 m do solo (Fig. 4). O trabalho correspondente a esse aumento da energia potencial gravítica do peso pode ser calculado como sendo igual a 0,19 kcal 3 e, neste caso, o calor libertado e que poderá ser medido no calorímetro será 0,19 kcal mais baixo que o H correspondente aos processos reactivos. De facto, dado que o H correspondente aos processos reactivos num homem adulto pode ser da ordem de -1 a -10 kcal/min, o valor de 0,19 kcal não será um grande factor de erro mas, admitindo outros valores de trabalho, poderia, pelo menos teoricamente, haver um erro apreciável ao medir o H dos processos reactivos no animal por calorimetria directa. Contudo, se o objecto cair da estante, a energia potencial gravítica transforma-se em energia cinética de igual valor e, ao chocar com o solo, em calor: transforma-se durante o tempo em que se mede o calor o objecto voltar à sua posição inicial não existirá qualquer erro se considerarmos o trabalho nulo. A esmagadora maioria da energia correspondente aos processos reactivos dos trabalhadores que fizeram as pirâmides do Egipto transformou-se em calor durante a construção e só uma parte ínfima (a que corresponde à energia potencial gravítica das pedras empilhadas) aguarda ainda o momento do seu derrube até ao nível do solo para também se poder contabilizar

3 Trabalho (Joules) = massa (kg) * aceleração (ms-2

) * altura (m); 40 kg * 9,8 ms-2 * 2 m = 784 J; 784 J / 4,284 cal/J = 187 cal  0,19 kcal

Fig. 4: Se dentro do calorímetro um indivíduo elevar a energia potencial gravítica de um objecto essa energia potencial gravítica só se transforma em calor (que pode ser medido pelo calorímetro) quando o objecto regressa à posição origina. De qualquer forma, o valor da energia envolvida no exemplo é muito pequeno em comparação com o que consome um homem de 70 kg de peso para se manter vivo durante um minuto (cerca de 1 kcal mn-1).

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como calor. Também quando o indivíduo empurra uma caixa ao nível do solo o seu trabalho é nulo porque toda a energia cinética correspondente ao movimento da caixa se acaba por transformar em calor através do atrito. Na ausência de atrito a caixa que está a ser empurrada teria um movimento acelerado mas não é isso que se observa normalmente. Para além do caso da elevação da energia potencial gravítica dos

objectos existem outras situações em que o H dos processos reactivos não coincide de modo perfeito com o calor libertado. Um exemplo é quando o indivíduo usa a sua força muscular para accionar um dínamo que carrega uma bateria; também neste caso o H dos processos reactivos pode ser fraccionado em duas parcelas: calor e energia eléctrica. No entanto, se a energia acumulada na bateria for utilizada, toda a energia acumulada na bateria acaba por se transformar em calor.

O caso do trabalho dos “órgãos internos” como o coração (trabalho mecânico), o cérebro (trabalho eléctrico), etc., é muito semelhante ao

que foi explicado acima (Fig. 5). Por exemplo, no caso do coração, a hidrólise do ATP fornece a energia usada na contracção do músculo cardíaco que se transforma na energia cinética do sangue em movimento. Mas o sangue não tem movimento uniformemente acelerado: o atrito entre as fibras musculares cardíacas, entre as várias camadas de sangue e entre o sangue e os vasos sanguíneos acaba por converter toda essa energia em calor. De facto todo o H correspondente à oxidação dos nutrientes no coração acaba por se transformar em calor sendo este calor o que corresponde ao somatório das diferenças entre a energia libertada e consumida em cada uma das diferentes etapas de transdução de energia. Nos nervos ocorre um fenómeno semelhante: a energia eléctrica potencial correspondente à diferença de carga entre as duas faces da membrana celular acaba por se transformar na energia cinética do movimento dos iões através dos canais iónicos e, no mesmo momento, em calor.

Em jeito de conclusão pode escrever-se que, ignorando o erro experimental, porque (1) o somatório dos H das reacções que ocorrem nos animais é a energia total disponibilizada (calor + trabalho) e que, (2), com a excepção dos casos em que o trabalho muscular serve para aumentar a energia potencial gravítica de objectos ou para carregar uma bateria, todo o trabalho se transforma, no mesmo momento em que se realiza, em calor, o calor medido num calorímetro é uma medida exacta do H das reacções que ocorrem nos animais. Porque a concentração de intermediários do metabolismo se mantém mais ou menos constante, o H correspondente aos processos reactivos que ocorrem num ser vivo corresponde praticamente ao dos processos oxidativos (e “anti-oxidativos”) dos glicídeos, lipídeos e proteínas. Corolário: a velocidade de oxidação dos nutrientes num ser vivo pode ser medida por calorimetria directa.

Fig. 5: Todos os tipo de energia envolvidos nos processos dos órgãos internos acabam por se transformar totalmente em calor.

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3 - Balanço energético e sua medida

3.1 - A despesa energética versus energia metabolizável dos alimentos

Que aconteceria se deixássemos um indivíduo dentro do calorímetro vários dias ou semanas sem alimentos? A formação contínua de ADP manteria activos os processos oxidativos e ele iria oxidando os seus próprios lipídeos, glicídeos e proteínas. Mas com o esgotar das reservas de energia a “lareira” acabaria por apagar-se por falta de combustível e, para a manter acesa e com tamanho constante, seria necessário adicionar-lhe os combustíveis que se vão queimando. A quantidade de calor libertado durante um determinado tempo é a despesa energética. O valor da despesa energética é o que corresponde à energia libertada durante os processos de oxidação dos glicídeos, lipídeos e proteínas (que pode ser medida por calorimetria directa), processos esses, em última análise, regulados pelo gasto de ATP. Em média a oxidação dos glicídeos endógenos (maioritariamente glicogénio) corresponde à libertação de cerca de 4,1 kcal/grama; no caso dos lipídeos endógenos esse valor é de cerca de 9,3 kcal/grama e no caso do etanol 7,1 kcal/grama. Porque os produtos e reagentes são os mesmos estes valores coincidem com os que seriam obtidos se os mesmos compostos fossem oxidados numa lareira. No caso das proteínas, porque se forma ureia, a oxidação nos mamíferos é menos extensa que a que ocorre numa lareira; devido à heterogeneidade destes compostos os valores correspondentes à oxidação das proteínas são diferentes em diferentes tabelas mas podemos apontar para um valor de cerca de 4,2 kcal/grama para a oxidação das proteínas endógenas nos mamíferos e cerca de 5,4 kcal/grama para a sua oxidação numa lareira (ou num calorímetro).

Um indivíduo em equilíbrio energético (que mantém constante a massa e composição corporal) toma do exterior energia metabolizável de valor idêntico à sua despesa energética. A esta condição está também associada a

expressão “balanço energético nulo” (Fig. 6). A

energia metabolizável dos alimentos é a quantidade de energia que pode ser obtida dos alimentos quando estes sofrem oxidação num ser vivo. Parte da energia de oxidação dos alimentos não é utilizada pelos animais e essa parte pode designar-se por energia não metabolizável dos alimentos. Já foi referido o motivo porque, no caso das proteínas, existe uma parte da energia que é não metabolizável. Uma outra parte da fracção não metabolizável da energia dos alimentos corresponde à energia dos alimentos que não são absorvidos quer porque não existem enzimas digestivas apropriadas (caso da celulose e outras fibras), quer porque, dependendo da sua preparação (forma de cozinhar), têm digestão e absorção incompleta. Além disso uma pequena parte dos nutrientes absorvidos perde-se para o meio exterior sem sofrer oxidação: é o caso do etanol que, em parte, se perde no ar expirado e na urina. O valor da energia não metabolizável dos nutrientes corresponde à energia que pode ser obtida por

Fig. 6: A despesa energética é o calor que o indivíduo liberta e que resulta dos seus processos oxidativos. Um indivíduo está em balanço energético nulo quando a despesa energética é igual à energia metabolizável dos alimentos. O valor da energia metabolizável dos alimentos é, em geral, uma parte substancial do valor da energia que poderia ser obtida se os alimentos ingeridos fossem queimados num calorímetro (energia total) mas, uma parte variável é energia não metabolizável.

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oxidação completa (num calorímetro) das fezes, da urina, do ar expirado, da pele que descama, e dos cabelos e das unhas que crescem. Porque parte dos nutrientes ingeridos não sofre oxidação nos animais o valor, em kcal/grama, da energia metabolizável dos nutrientes ingeridos (também designado de valor calórico fisiológico) é mais baixo que o dos nutrientes endógenos. Arredondando números é costume apontarem-se os valores médios de 9, 7, 4 e 4 kcal/grama4 para os lipídeos, o etanol, as proteínas e os glicídeos contidos nos alimentos ingeridos, respectivamente.

Quando o valor da energia metabolizável dos alimentos coincide com o da despesa energética diz-se que o indivíduo tem um balanço energético nulo e que está em equilíbrio energético. Quando um indivíduo mantêm a sua massa corporal e a sua composição corporal durante um determinado período de tempo podemos inferir que durante esse tempo se manteve em equilíbrio energético. De notar que equilíbrio energético não é sinónimo de alimentação saudável. As crianças, os adolescentes e as grávidas (ou a unidade feto-grávida) têm um balanço energético positivo fisiológico e a diferença entre a energia metabolizável dos alimentos e a despesa energética “acumula-se” na forma dos componentes da sua estrutura em formação; a energia de oxidação das novas estruturas formadas coincide com essa diferença. Também quando alguém, por motivos de saúde (real ou imaginada), se submete a uma terapêutica de emagrecimento o que faz é manter-se, até atingir o peso desejado, num regime de balanço energético negativo. Durante a cura de emagrecimento o indivíduo oxida a CO2 + água (+ureia) componentes endógenos de valor energético correspondente à diferença entre a despesa energética e a energia metabolizável dos alimentos.

3.2 - Técnicas de medida da despesa energética e do balanço energético

Já foi amplamente explicado que a despesa energética pode ser medida por calorimetria directa. Esta técnica visa a medida directa do calor que é libertado pelo indivíduo durante um determinado período de tempo. Para esse efeito encerra-se o indivíduo num compartimento termicamente isolado por onde passa um acumulador de calor (em geral, água): se o compartimento (e o próprio indivíduo) se mantiver a temperatura constante e o calor consumido na evaporação da água do suor puder ser considerado irrelevante, o aumento de temperatura da água permite o cálculo do calor correspondente aos processos oxidativos no indivíduo. Haverá um erro grosseiro se a temperatura do indivíduo for diferente no momento em que entra e sai do calorímetro; se, por exemplo, a temperatura do indivíduo aumentar durante esse tempo, uma parte da energia libertada durante a oxidação dos compostos orgânicos serviu não para aquecer a água que circula no calorímetro mas para aquecer o próprio indivíduo.

O calorímetro directo, quando adaptado ao tamanho dos humanos, é um instrumento pesado, caro e que limita o tipo de actividades que se podem realizar no seu interior.

Por isso se desenvolveram outras técnicas de avaliação da despesa energética. Uma delas baseia-se

4 A evolução da linguagem escrita e oral é inevitável e, frequentemente, essa evolução é inócua. Noutros casos essa

evolução é infeliz porque confunde conceitos. A grandeza caloria é muito pequena quando falamos de alimentos e alguém um dia resolveu passar a escrever Caloria com maiúscula para exprimir a ideia de kcal. Essa mudança, apesar de infeliz, impôs-se na literatura médica e assim quando a propósito de nutrição se escreve Caloria (ou por gralha caloria) está-se de facto a falar de kcal a quantidade de calor necessária para elevar de 1ºC (entre 14,5ºC e 15,5ºC) 1kg de água.

Fig. 7: A medição da despesa energética pela técnica da calorimetria indirecta exige que o indivíduo respire para uma máscara de modo a permitir dosear o O2

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na medida do O2 consumido e do CO2 produzido, ou seja, na medição dos gases do ar inspirado e expirado e designa-se por calorimetria indirecta (ver adiante). A instrumentação é mais leve que a usada na calorimetria directa mas mesmo assim exige que o indivíduo respire dentro de uma máscara que pode ter dimensões variáveis (ver Fig. 7). Uma outra técnica, de introdução mais recente, permite uma grande liberdade ao indivíduo em estudo: chama-se técnica da “água duplamente marcada” e baseia-se na estimativa do CO2 produzido pelo indivíduo. Implica que o indivíduo beba água em que o 16O foi substituído por 18O e o hidrogénio por deutério e que faça colheitas seriadas da urina ou de outro líquido biológico (ver adiante).

A despesa energética também poderia ser estimada avaliando a massa e a composição corporal (ver adiante) em dois momentos separados por um espaço de tempo suficientemente alargado, e o valor calórico dos alimentos da dieta durante esse intervalo de tempo. Como já referido a energia metabolizável dos alimentos ingeridos é igual à despesa energética se a massa e composição do organismo não variar. Se a energia total dos componentes do organismo aumentar quer dizer que a despesa foi inferior à energia dos alimentos no valor da energia (de oxidação) dos componentes do organismo acumulados; se a energia total dos componentes do organismo diminuir significa que a despesa foi maior no valor correspondente à diminuição da energia desses componentes. Porque o erro experimental na avaliação da energia metabolizável dos alimentos ingeridos é sempre muito grande este método não é adequado para medir a despesa energética. No entanto, o cálculo da energia de oxidação correspondente à diferença entre a massa e composição corporal em dois momentos temporais é o método mais rigoroso quando o que se quer avaliar é o balanço energético no intervalo de tempo considerado.

Quer a calorimetria indirecta quer a técnica da “água duplamente marcada” se baseiam na observação de que, na oxidação dos compostos orgânicos, existe uma relação estequiométrica entre a energia libertada e o consumo de O2 e a produção de CO2. No caso da glicose, a equação (1) mostra que se consomem 6 moles de O2 e se produzem 6 moles de CO2 por cada mole de glicose oxidada e que ao consumo (ou formação) de 6 moles de O2 (ou CO2) na oxidação da glicose corresponde a libertação de 672 kcal. Se se considerar que, de facto, a maior parte da glicose ingerida e a maior da glicose armazenada no organismo está na forma de polímeros de glicose (amido e glicogénio, respectivamente) e que a massa de cada resíduo de glicose é 162g podemos deduzir que, por cada grama de glicose oxidada, se libertam 4,15 kcal e 37 mmol de CO2 (e se consomem 37 mmol L de O25).

Normalmente, oxidamos simultaneamente glicídeos, lipídeos e proteínas mas a proporção varia quer com a proporção de cada um dos nutrientes na dieta, com o estado nutricional e também com a intensidade do exercício físico que, eventualmente, está a ser realizado. Estudando uma grande série de indivíduos usando simultaneamente calorimetria directa e indirecta foi possível estimar que em média e nas condições do estudo (jejum de 12-18 horas e repouso) ao consumo de 1 L de O2 correspondia a libertação de 4,83 kcal e que à produção de 1 L de CO2 a libertação de 5,89 kcal. Estes dados permitem estimar a despesa energética a partir do consumo de O2 ou da excreção de CO2.

Para além de ser mais barato, o método da calorimetria indirecta tem uma outra vantagem relativamente à calorimetria directa: combinado com o doseamento do azoto na urina permite estimar com algum rigor o tipo de combustível que está a ser oxidado pelo indivíduo. De facto para se calcular com um alto grau de precisão a despesa energética por calorimetria indirecta é necessário saber o tipo e a quantidade de cada composto orgânico que está a ser oxidado assim como conhecer a energia libertada na sua oxidação. A quantidade de proteínas oxidadas num

5 Calor libertado/g de resíduo de glicose oxidado = 672 kcal / 162 g = 4,15 kcal. Se a temperatura for 25ºC e a pressão 1

atm, 1 mol de um gás perfeito ocupa 24,4 L e 0,037 mol corresponderiam a 0,9 Litros. De facto o O2 e o CO2 do ar não

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determinado período de tempo pode ser estimada doseando o azoto eliminado na urina durante esse período de tempo. Porque o azoto corresponde a cerca de 16% da massa das proteína, se um indivíduo excretou num determinado período de tempo g gramas de azoto, a massa (em gramas) das proteínas oxidadas nesse período de tempo (Pro) pode ser calculada usando a equação (5).

Azoto da urina (g) = 0,16 Pro (5)

Múltiplos estudos permitiram a construção de tabelas que mostram que, no caso das proteínas, o consumo de O2 por grama de proteína oxidada (0,94 L de O2/g de proteínas) é ligeiramente superior ao caso dos glicídeos (0,81 L de O2/g de glicídeos) e que é muito superior no caso dos lipídeos (1,96 L de O2/g de lipídeos). A simples comparação da fórmula da glicose (C6H12O6) com a de um ácido gordo (por exemplo estearato C18H36O2) permite perceber que os lipídeos são, à partida, compostos com um menor grau de oxidação que os glicídeos e que consomem mais oxigénio no seu processo de oxidação a CO2. Os dados dos estudos realizados permitiram escrever a equação (6) em que Gli, Pro e Lip representam, respectivamente, a massa (em gramas) de glicídeos, proteínas e lipídeos oxidados no tempo em que decorre o estudo. Notar que o volume de O2 consumido pode ser determinado por calorimetria indirecta.

Vol O2 consumido (L) = 0,81 Gli + 0,94 Pro + 1,96 Lip (6)

No caso da produção de CO2 também é possível, a partir de dados tabelados, escrever uma equação, a equação (7), em que o volume de CO2 produzido pode ser determinado por calorimetria indirecta;

Vol CO2 produzido (L) = 0,81 Gli + 0,75 Pro + 1,39 Lip (7)

As equações (5), (6) e (7) constituem um sistema de 3 equações a 3 incógnitas (Gli; Pro e Lip). Se estivermos na posse de resultados obtidos por calorimetria indirecta (O2 consumido e CO2 produzido num determinado intervalo de tempo) e tivermos determinado o azoto urinário excretado no mesmo intervalo de tempo, podemos calcular a massa (em gramas) dos glicídeos, proteínas e lipídeos que foram oxidados. Sabendo-se que à oxidação de 1g de glicídeos, proteínas e lipídeos correspondem, respectivamente, 4,1, 4,2 e 9,3 kcal, é fácil calcular o calor libertado (despesa energética) nesse intervalo de tempo:

Calor libertado (kcal) = 4,1 Gli + 4,2 Pro + 9,3 Lip

Um parâmetro que costuma ser calculado quando se usa a técnica da calorimetria indirecta é o Quociente Respiratório, que consiste na razão (em moles ou em volume, é indiferente) entre o CO2 produzido e o O2 consumido (Fig. 8). Notar que o seu valor será 1 se estamos a oxidar exclusivamente glicídeos (0,81 Lg-1 CO2 / 0,81 Lg-1 O2) e que será de 0,7 quando oxidamos exclusivamente lipídeos (1,39 Lg-1 CO2 / 1,96 Lg-1 O2). Quando, como acontece após uma refeição rica em glicídeos, se oxidam predominantemente glicídeos, o Quociente Respiratório aproxima-se de 1 e desce à medida que os glicídeos são 0.7 0.8 0.9 1 0 1 2 3 4 5 6 horas de exercício Q u o c ie n te Resp ir at ó ri o

Fig. 8: Numa experiência realizada em 1934 (Edwards e col. Am J Physiol 108:203) foram sendo colhidos dados por calorimetria indirecta num indivíduo a correr a velocidade baixa (10 km/h; por períodos intermitentes de 25 min, intervalados de 5 min de descanso, durante 6 horas). A experiência iniciou-se após uma refeição rica em glicídeos e os resultados obtidos mostraram que a razão entre o volume de CO2 produzido e o de O2 consumido (Quociente Respiratório) baixou de quase 1, aproximando-se de 0,7, à medida que os glicídeos foram sendo

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substituídos por lipídeos durante o jejum. Poderíamos ser levados a pensar que não é possível o Quociente Respiratório ser de valor superior a 1 mas, embora o fenómeno seja de difícil observação experimental, tal é possível quando existe uma lipogénese aumentada e os glicídeos estão a converter-se em lipídeos. Nessas circunstâncias, uma parte apreciável da glicose está a ser oxidada na via das pentoses-P onde se produz CO2 mas não se consome O2: os equivalentes redutores são transferidos (via NADPH) para os intermediários da lipogénese e incorporados nos ácidos gordos formados.

Como já referido, a técnica da “água duplamente marcada” (Double Labeled Water - DLW) permite estimar a quantidade de CO2 produzida ao longo de vários dias, sendo a única limitação imposta ao indivíduo em estudo a necessidade de colher urina ou outro líquido biológico (onde se doseia o 18O e o deutério) regularmente após a ingestão de uma determinada quantidade de água marcada com 18O e deutério. De acordo com a teoria que lhe está subjacente, a velocidade de desaparecimento do 18O nos líquidos orgânicos é uma medida do somatório das velocidades de eliminação de água e de CO2 do organismo e a velocidade de desaparecimento do deutério uma medida da velocidade de desaparecimento da água. A diferença entre os dois valores permite estimar a excreção de CO2. Como também já referido, conhecido o valor da produção de CO2 pode estimar-se o calor libertado (despesa energética) durante o período a que o estudo diz respeito:

Calor libertado = 5,89 (kcal/L) * CO2 (L) (9)

Para a determinação da composição corporal e da massa dos seus diferentes compartimentos, podem usar-se (para além da balança) vários métodos (Fig. 9). Esses métodos permitem, no seu conjunto ou individualmente, estimar a proporção de massa gorda (a massa de

Fig. 9: A balança é o principal (mas não o único) instrumento para averiguar se um indivíduo está em balanço energético nulo, positivo ou negativo. Para a determinação da composição corporal e da massa dos diferentes compartimentos do organismo podem usar-se vários métodos.

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triacilgliceróis no tecido adiposo) e a sua complementar, a massa livre de gordura. Embora a massa gorda varie muito de indivíduo para indivíduo (em geral entre 10 e 25% do peso total) os

componentes da massa livre de gordura têm proporções que variam menos de indivíduo para indivíduo; para a massa livre de gordura contribuem a água (cerca de 74%), as proteínas (cerca de 19%) e os minerais (essencialmente os ossos: 7%). As técnicas correntes para avaliar a massa e composição corporal não permitem conhecer a massa de reservas glicídicas (glicogénio hepático e muscular) mas estas variam, dependendo do estado nutricional e do esforço físico desenvolvido, entre cerca de 0,5 e 1,5% da massa corporal. Entre os métodos de medida da composição corporal contam-se, por exemplo, a ressonância magnética nuclear, a análise da impedância bioeléctrica, a avaliação do 40K, o sistema de medição do azoto corporal por detecção de raios gama de emissão precoce após a irradiação com neutrões, a absormetria de Rx de energia dual e a densitometria. A análise da impedância bioeléctrica é um dos mais conhecidos e baseia-se na resistência diferencial que os diferentes tipos de tecidos oferecem à passagem da corrente eléctrica e na sua capacidade diferencial para retardar o fluxo de corrente após um estímulo eléctrico. Esta técnica permite avaliar a massa gorda (e a sua complementar, a massa livre de gordura) e pode também permitir avaliar a água intra e extracorporal.

Como já referido, a variação no tempo da massa dos compartimentos do organismo pode servir para saber se existe balanço energético

positivo, nulo ou negativo e para quantificar o seu valor. Uma experiência publicada em 1994 por Straut e col. (Clin Sci 87: 54) permite ilustrar esta ideia (Fig. 10). Numa expedição de 95 dias através da Antárctida foram avaliadas, num indivíduo, a despesa energética (6524 kcal/dia; estimada pela técnica da água duplamente marcada em dois períodos de 15 dias) assim como o valor calórico da dieta (5070 kcal/dia) e estes dados permitiram o cálculo do balanço energético que era negativo e igual a 1454 kcal/dia. De facto o indivíduo emagreceu 24,6 kg. A composição corporal foi também avaliada no início e no fim da expedição, tendo-se

observado que tinha havido uma perda de massa gorda de 14,5 kg e de massa livre de gordura de 10,1 kg. Admitindo que nos dois momentos do estudo as reservas glicídicas eram semelhantes (e irrelevantes no contexto) e que cerca de 20% da massa livre de gordura perdida era proteína, podemos (usando os valores de 9,3 kcal/g de lipídeos endógenos oxidados e de 4,2 kcal/g de proteínas endógenas oxidadas) concluir por um balanço energético negativo de 143400 kcal ao longo dos 95 dias ou, em média, de 1510 kcal/dia. Os valores 1510 kcal/dia e 1454 kcal/dia

Fig. 11: Quando um adulto aumenta de peso acumula gordura. A variação da massa não gorda é pequena e a maior parte do seu valor corresponde a água.

Fig. 10: A variação no tempo da massa dos diferentes compartimentos do organismo pode servir para saber se existe balanço energético positivo, nulo ou negativo e para quantificar o seu valor. A massa isenta de gordura contém cerca de 20% de proteínas. Sem grande erro, se compararmos dois momentos do ciclo nutricional idênticos (por exemplo, jejum de 8 horas) pode ignorar-se a variação dos glicídeos.

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deveriam, em teoria, ser iguais: a pequena diferença entre eles apenas reflecte o erro inerente aos métodos e pressupostos utilizados.

Os mecanismos homeostáticos (nomeadamente o apetite) tendem a manter o consumo de energia equivalente à despesa mas os hábitos dietéticos e a baixa actividade física na civilização ocidental moderna levam a um aumento de peso médio da população de cerca de 10 kg entre os 25 e os 40 anos de idade (Fig. 11). Este dado é, independente de outros estudos, um indicador seguro de que existe nesta faixa populacional um balanço energético positivo. O seu valor pode ser estimado admitindo determinados pressupostos razoáveis. É razoável admitir que cerca de 80 % do aumento da massa corporal corresponde a deposição de reservas de triacilgliceróis (8000g * 9,3 kcal/g = 74400 kcal) e que os restantes 20% são constituídos maioritariamente por água (16%) e proteínas (400g * 4,2 kcal/g =1680 kcal). De acordo com estes pressupostos o aumento de massa corresponde a um balanço calórico médio diário positivo de 13,8 kcal [(74400 + 1680) kcal / (365 dias/ano * 15 anos)]. Considerando uma despesa média de 2500 kcal/dia, para engordar 10 kg em 15 anos basta ter um balanço energético positivo de 0,55 %. Reforçando a ideia de que o único método de avaliação do balanço energético é a medida da massa corporal (eventualmente complementada com a avaliação da sua composição) refira-se que este excesso está muito abaixo de qualquer erro experimental quando se usam métodos de avaliação da despesa energética e do valor calórico da dieta para avaliar o balanço energético.

3.3 - Os componentes da despesa energética

Classicamente considera-se que a despesa energética tem 3 componentes: (1) taxa de metabolismo basal (Basal Metabolic Rate - BMR), (2) efeito termogénico dos nutrientes e (3) despesa associada à actividade física voluntária. Embora, no homem, seja em condições normais um factor com pouca relevância, também se pode considerar um quarto componente: a despesa energética associada à adaptação ao frio.

A taxa metabólica basal é medida num indivíduo em descanso físico (muitas horas após qualquer actividade física violenta) e descanso mental (relaxado mas acordado), 10 a 18 horas após a ingestão de alimentos, num ambiente confortável e temperatura agradável. Cerca de 30% da taxa de metabolismo basal corresponde à actividade das bombas de Na+/K+ e das bombas de Ca2+, cerca de 30% à actividade de síntese proteica e cerca de 5% à actividade muscular contráctil no diafragma e no coração: ou seja, cerca de 2/3 dos nutrientes oxidados em condições de medida da taxa metabólica basal servem para repor o ATP gasto nas actividades biológicas acima referidas. O 1/3 restante corresponde ao gasto de ATP na gliconeogénese, na síntese de ureia, na esterificação e nos chamados ciclos fúteis (ver à frente). O cérebro não interrompe nunca a sua actividade e a actividade cerebral é responsável por cerca de 20% da taxa de metabolismo basal. No seu conjunto o cérebro, fígado, rins e coração embora representem apenas 5-6% da massa do organismo adulto são responsáveis por mais de metade da taxa metabólica basal. O tecido adiposo, embora possa conter 10-30% da massa corporal, só é responsável por 2-5% da taxa de metabolismo basal.

O valor absoluto da taxa metabólica basal varia com múltiplos factores. Porque a quantidade de reservas adiposas influencia de forma marcada o peso dos indivíduos mas pouco a taxa de metabolismo basal, quando se expressa a taxa de metabolismo basal/kg de peso a variabilidade entre diferentes indivíduos é muito grande. A variabilidade diminui quando se exprime por massa isenta de gordura. Ou seja, um factor determinante na taxa de metabolismo basal é o valor da massa corporal (peso) subtraído da massa de gordura do organismo.

Alguns factores afectam de forma marcada a taxa de metabolismo basal. No hipertiroidismo (excesso de produção de hormona tiroideia) a taxa de metabolismo basal pode estar 50-100% acima do esperado. Crê-se que no aumento da despesa energética basal associada ao hipertiroidismo

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podem estar envolvidos diferentes mecanismos. Os indivíduos com hipertiroidismo têm um trémulo constante a que corresponde gasto de ATP nas fibras musculares. Um outro efeito das hormonas tiroideias que provoca aumento do gasto de ATP é a estimulação dos chamados ciclos fúteis metabólicos (substrate cycling). Com a activação dos ciclos fúteis tudo se passa como se, num período mais curto de tempo, ocorressem os mesmos processos anabólicos e catabólicos que ocorreriam normalmente num período de tempo mais longo e portanto também, nestas circunstâncias aumenta a despesa energética. Um outro factor que explica o aumento da despesa energética no hipertiroidismo é o afrouxamento da acoplagem entre oxidação e fosforilação nas mitocôndrias. Um dos tecidos onde isto acontece é o tecido adiposo castanho onde as hormonas tiroideias estimulam a termogenina diminuindo o grau de acoplamento entre fosforilação e oxidação. A ideia de que o homem adulto não tem tecido adiposo castanho foi recentemente contestada [Nedergard et al. (2007) Am J Physiol Endocrinol Metabol 293: E444]. Assim, para um determinada velocidade de hidrólise de ATP, a presença de hormonas tiroideias aumenta a quantidade de nutrientes e de O2 que é necessário consumir para repor o ATP hidrolisado.

Outra situação em que a taxa de metabolismo basal aumenta para valores anormalmente altos é a febre: crê-se que o aumento de temperatura corporal aumenta a despesa energética porque aumenta de forma inespecífica a actividade das enzimas e transportadores aumentando simultaneamente a velocidade das vias catabólicas e anabólicas.

A taxa metabólica basal deve ser medida entre 10 e 18 horas depois da ingestão de alimentos porque a ingestão de alimentos provoca, por si só, aumento da despesa energética. A este efeito dos alimentos designa-se hoje efeito termogénico dos nutrientes e esta terminologia está a substituir uma outra que entrou em desuso: acção dinâmica específica. O efeito termogénico dos alimentos é, pelo menos em parte, uma consequência do aumento da actividade metabólica associada à digestão, absorção, processamento e armazenamento dos nutrientes ingeridos que implicam gasto de ATP e formação de ADP. Para além disto, a ingestão de alimentos também provoca estimulação do sistema nervoso simpático que, tal como as hormonas tiroideias, também poderá induzir diminuição do acoplamento entre fosforilação e oxidação. O valor do efeito termogénico dos nutrientes varia com a sua natureza e corresponde a cerca de 3 % do valor calórico dos lipídeos da dieta, 5 % do dos glicídeos, 25 % do das proteínas e é cerca de 10 % do valor calórico das dietas mistas.

Fig. 12: A despesa energética total é marcadamente influenciada pela actividade física voluntária... mas não pela actividade intelectual. Considerando apenas esforço aeróbio o calor produzido pelos músculos podem aumentar mais de 20 vezes quando se realiza um trabalho duro. Pelo contrário o cérebro tem um consumo energético que é praticamente constante e não varia com o tipo de actividade.

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A despesa energética total é marcadamente influenciada pela actividade física, mas não pela actividade intelectual (Fig. 12). A actividade física aumenta a velocidade de hidrólise de ATP e a formação de ADP que estimula a cadeia respiratória e a oxidação dos nutrientes. Num indivíduo adulto em repouso os músculos esqueléticos do organismo são responsáveis por cerca de 20-25% da despesa energética, mas numa actividade física violenta o consumo de ATP aumenta marcadamente provocando um aumento da despesa energética. Numa situação de exercício físico violento a despesa energética pode aumentar 8 vezes e o gasto correspondente aos músculos passar a constituir 80 a 90% da despesa energética total. A razão entre a despesa energética total e a taxa metabólica basal (nível de actividade física) varia com a actividade profissional do indivíduo, com o exercício físico voluntário nos seus tempos de lazer e também com o seu grau de “irrequietude”. Esta razão é, geralmente, superior a 2 em agricultores ou em trabalhadores da construção civil mas pode ser da ordem de 1,5 em trabalhadores intelectuais sedentários.

O tipo de combustível usado pelo músculo também varia com a intensidade do exercício. Quando se está em jejum, quer em repouso quer em exercício pouco intenso o combustível preferencial dos músculos são os ácidos gordos (ou/e os corpos cetónicos). Mas, mesmo em jejum, quando se aumenta a intensidade do exercício os combustíveis preferenciais passam a ser os glicídeos (o glicogénio do músculo e a glicose do sangue). Isto significa que, em jejum, aumentar a intensidade do exercício provoca aumento do quociente respiratório que se aproxima de 1.

Ao contrário do que acontece no caso do exercício muscular, a actividade cerebral é contínua e o gasto do cérebro não aumenta com o esforço intelectual.

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O autor agradece antecipadamente todas as críticas que quiserem fazer a este texto (rui.fontes@mail.telepac.pt) e em particular agradece as críticas feitas pela professora Isabel Azevedo.

Março-Abril de 2003; revisto e ilustrado em Maio de 2004; emendas pontuais em Março de 2005 e em Março de 2009 e de 2010.

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