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Democracia cultural e municipalização da cultura: O caso do Conselho Municipal de Cultura de Aracati

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Aline Gomes Holanda

Democracia cultural e municipalização da cultura:

O caso do Conselho Municipal de Cultura de Aracati

FORTALEZA

2010

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Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

(3)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Aline Gomes Holanda

Democracia cultural e municipalização da cultura:

O caso do Conselho Municipal de Cultura de Aracati

Dissertação submetida ao Mestrado Acadêmico

em

Políticas

Públicas

e

Sociedade

da

Universidade Estadual do Ceará, como requisito

parcial para obtenção do grau de Mestre em

Políticas Públicas e Sociedade, sob a orientação

do Prof. Dr. Alexandre Almeida Barbalho.

FORTALEZA

2010

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

DEMOCRACIA CULTURAL E MUNICIPALIZAÇÃO DA CULTURA: O CASO DO CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA DE ARACATI.

AUTORA: ALINE GOMES HOLANDA

Defesa em: 27/04/2010 Conceito Obtido: ___________________________

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Almeida Barbalho

Universidade Estadual do Ceará

_________________________________________________ Prof. Dr. Geovani Jacó de Freitas

Universidade Estadual do Ceará

_________________________________________________ Prof Dr. Francisco Humberto Cunha Filho

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AGRADECIMENTOS

Escrever é solitário. Em um sentido porque as palavras surgem – depois de um reflexivo ir e vir dos objetos à subjetividade e a eles retornar – em cada um e apenas em um de cada vez. Noutro sentido, pelo que demanda de tempo e deixa-se seguir a vida à distância enquanto a minha vida ia se tornando, em tantas partes, as palavras de uma dissertação. Assim, assombro-me por, acabada a dissertação, perceber os tantos agradeciassombro-mentos a pessoas que, na minha solidão, eu não percebia tão presentes. Estiveram comigo de tantas variadas formas e estão aqui, em cada palavra que sou eu e eu sou um tanto eles...

São de gratidão minhas palavras ao meu pai e à minha mãe. Eles me deram suporte e me fizeram acreditar que posso. São de gratidão, também, por eles sempre acreditarem na Academia, mesmo que esta não tenha feito parte de suas formações juvenis.

Agradecimento com igual ternura aos meus avós: Ivone, Paim e Mainha, que com compreensão e apoio se colocaram perto, mesmo que, muitas vezes, à distancia.

O muito obrigada familiar se estende ainda aos meus irmãos, meus eternos amigos, mestres, pelo exemplo, pelo apoio e por muito precocemente acreditarem nesta trajetória.

Agradeço ao meu Orientador, prof. Alexandre, por seu incentivo, por aceitar trabalhar comigo mesmo que minha área de investigação não fosse a sua, e também por se posicionar para além de seu papel de orientador, sendo também conselheiro e amigo. A gratidão se estende aos professores do Programa, especialmente Kadma e Rose pelas contribuições que extrapolaram seu papel.

Agradecimentos também à minha orientadora de pesquisa da graduação, professora Inês Detsi, pelos importantes ensinamentos e pelas palavras de incentivo.

E um especial obrigada aos membros da banca, pois se a escrita é solitária, o conhecimento é construído socialmente. Foram indispensáveis as contribuições no momento da qualificação para o trabalho ser concluído tal como está.

Também grata estou a todas as pessoas que se dispuseram a responder minhas perguntas, participar das minhas inquietações, que se deixaram ser sujeitos da minha pesquisa. Agradeço, ainda mais enternecida, a Marciano e sua família, que souberam me acolher com carinho e, o mais belo materializar disso, foram os momentos de café com tapioca. Obrigada.

Agradeço, ainda, e tanto e com tanto sentimento:

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Aos meus amados primos Bárbara, Renata, Fernanda, pelo carinho e apoio; e, ainda, Victor e Patrícia, pelo afeto e por me socorrerem dúvidas, até em momentos inconvenientes.

À Tia Duina, pelo carinho e pelo apoio irrestrito.

Aos amigos que fiz ao longo do mestrado pela amizade sincera, especialmente Fabricio e Ana Paula, que contribuíram diretamente com este trabalho.

Às amadas amigas Fernanda e Sabrina que souberam apoiar e estar sempre ao meu lado. À amiga Janara, pelas valiosas recomendações.

Às amigas que habitam distante, mas que se fizeram presentes com palavras de apoio: Carol e Donatela, e, especialmente, Camila: irmã e amiga.

Ao meu amado, Flávio, por saber de mim de uma forma que eu nem sabia, e por acreditar quando eu não acreditava.

Meu muito obrigada também a:

Ticiana, meu porto seguro. Nos momentos mais difíceis, minha direção e equilíbrio. Dani, por ser colo, afago, riso e espelho. Sua presença é inspiração sempre.

Luciana, além de amiga, mestra. Sempre próxima, às vezes por meios inusitados, me ensinou a dirigir um novo olhar às palavras.

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Essa criança Que habita o meu mundo Traz consigo Sonhos, Uma bolsa de marés. A cada lua Sua façanha É permear no corpo Uma fé tamanha, Um silêncio Que pulsa, Ampliado no gesto, Na força Que move O ventre. A lua, Lá longe, Te anuncia Entre outros astros. Vem, com seus Raios, te ninar. Não te apresses Por viver Que a vida Passará.

Marciano Ponciano. Luã. Em Poetossíntese Cadernos de literatura, Aracati-CE

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RESUMO

O objeto de estudo deste trabalho são as experiências em direção a uma democracia cultural tal como são narradas na esfera do município via conselho. Entende-se que democracia cultural é democratizar o acesso da população a todas as etapas do sistema cultural (formação, criação, circulação, fruição). Tomou-se como objetivo geral identificar se o conselho municipal de cultura se efetiva como instrumento de democracia cultural. Em caso afirmativo, definiu-se o objetivo de analisar como isto ocorre, e em caso negativo, considerou-se identificar os entraves para a sua não efetivação. Realizou-se um estudo de caso, tomando o Conselho Municipal de Cultura de Aracati e elegendo como principal fonte de dados, as narrativas de seus conselheiros. Empreendeu-se um estudo qualitativo do tipo exploratório que busca dimensões que não podem ser medidas: percepções, valores e motivações pessoais. Das narrativas, buscou-se a lógica discursiva, através de ferramentas utilizadas pelo narrador tais como tempo verbal, sujeito e predicativos, metáforas e analogias. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se da entrevista semi-estruturada com questões estímulo. Além disso, buscou-se enriquecer a pesquisa com coleta de documentos e com a presença em reuniões do Conselho e do Fórum Permanente de Cultura de Aracati. O entendimento adotado para a presente análise é aquele que capta a relação constitutiva entre política e cultura, e que compreende que as políticas culturais são postas em ação quando desestabilizam significados culturais dominantes. A presente análise buscou os sentidos que os conselheiros expressam para as seguintes temáticas: as ações da Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente de Aracati (a maneira de diagnosticar as demandas culturais e a forma de distribuir seus recursos); o turismo e a memória e as políticas relacionadas; o conflito e o diálogo. Percebeu-se que existe, no ConPercebeu-selho estudado, um conflito de posições (expresso pela oposição “nós-eles”) que não coincide com as posições formais ocupadas pelos conselheiros. Cada “grupo” narra a função do Conselho e o papel social do conselheiro de formas distintas, que confluem com o modo como cada “grupo” narra: o papel do quadro técnico nas políticas de cultura, o diagnóstico das demandas culturais, a distribuição dos recursos, o papel do Fórum, e as políticas de cultura do município. Na experiência de Aracati, percebeu-se a aplicação de estratégias para a ampliação da democracia cultural. Isso se efetiva dentre outros motivos porque, no Município, existe um esforço de manter e ampliar outro canal de participação: o Fórum Permanente de Cultura de Aracati, espaço que está articulado ao Conselho.

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ABSTRACT

This dissertation aims to study the experiences towards cultural democracy, as they are spoken in the municipality sphere throughout its council. Cultural democracy is understood as democratize access to the population to all stages of the cultural system (learning, creating, distributing and fruition). The main objective of this study is to identify if the municipality culture council is effective as a cultural democracy instrument: if so, the aim is to analize how such process occurs. If not, the objective is to identify the obstacles implicated. The “Conselho Municipal de Cultura” of Aracati, Ceará-Brazil was the case taken for this study. A qualitative field method was undertaken, focusing on the human‟s dimensions such as perceptions and personal beliefs. A series of qualitative technical survey research was applied. The technique was enriched by documental search, and by participating on meetings of the Council and of the “Fórum Permanente de Cultura de Aracati” (Forum of Culture of the Municipality). The aim was to find a logic in-between the interviews throughout symbolisms, metaphors and other discursive elements. This study considered a relation between politics and culture, understanding that cultural politics take action when they withdraw stability of dominant cultural meanings. This analysis took the meanings that the members of the Council present to the following themes: the policies of the “Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente de Aracati” (the Cultural department of the municipality) – the method to diagnose cultural demands and the way to distribute its resources –; tourism and policies related; memory and policies related, conflict and dialogue. The results lead to perceive a conflict of positions in the Council (that is brought by the opposition “we-they”). That opposition does not correspond to the formal opposition of the Council. Each “group” brings a different function for the Council and for the social role played by the member of the Council. Such speeches are similar to the meanings related to cultural policies, diagnose methods, resource distribution, and the “Fórum” role. On the experience of Aracati municipality, some strategies are applied to achieve cultural democracy. This is due, among other reasons, to the efforts to maintain and increase the effectiveness of other participation space: the “Fórum Permanente de Cultura de Aracati” (Forum of Culture of the Municipality). Such strategies are articulated to the strategies of the Council.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Conselheiros de cultura de Aracati, gestão 2009-2010, com referência no 1º.

semestre de 2009. ... 28 Quadro 2: Conselheiros da gestão 2009-2010, com referência no primeiro semestre de 2009 29 Quadro 3: Unidades federativas com conselho municipal de cultura em percentual. ... 42 Quadro 4: Municípios com conselho de cultura no Ceará (%), segundo a MUNIC (2001;

2005; 2006) ... 42 Quadro 5: Cartogramas dos municípios com conselhos de cultura no Ceará em 2001, 2005 e

2006, respectivamente ... 43 Quadro 6: Atribuições exercidas pelos conselhos municipais de cultura no Ceará em 2006 (%)

... 46 Quadro 7: Comparativo de despesas orçamentárias em 2007 e 2008 por funções e subfunções

ligadas à STCMAA em R$. ... 63 Quadro 8: Comparativo de despesas orçamentárias em 2007 e 2008 por funções e subfunções

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LISTA DE SIGLAS

Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ Câmara Municipal de Aracati – CMA

Conselho Federal de Cultura – CFC

Conselho Municipal de Cultura de Aracati – CMCA Entidades Culturais – EC

Fórum Permanente de Cultura de Aracati – FPCA Índice de Desenvolvimento Humano – IDH

Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN Ministério da Cultura – MinC

Ministério do Orçamento e Gestão – MOG Ministério Público do Estado do Ceará – MP-CE

Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB Partido dos Trabalhadores – PT

Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC Política Nacional de Cultura – PNC

Produto Interno Bruto – PIB

Proposta de Emenda Constitucional – PEC Secretaria de Cultura do Ceará – SECULT-CE

Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente de Aracati – STCMAA Secretaria Municipal de Infra-estrutura de Aracati – SEINFRAA

Sistema de Informações da Secretaria de Cultura do Ceará – SINF/SECULT Sistema Estadual de Cultura – SIEC

Sistema Nacional de Cultura – SNC

Superintendência Estadual do Meio Ambiente – SEMACE Termo de ajustamento de conduta – TAC

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 12

1.1 Políticas culturais ... 15

1.2 Políticas culturais no Brasil ... 17

1.3 Cultura política e democracia cultural... 19

1.4 Objeto e objetivos ... 23

1.5 Estratégia metodológica ... 23

1.5.1 Coleta dos dados ... 24

1.5.2 Tratamento dos dados ... 26

1.6 Os membros do Conselho Municipal de Cultura de Aracati ... 27

CAPÍTULO 2 Conselhos gestores municipais: trajetórias, problemas e experiências. ... 31

2.1 Conselhos populares e conselhos comunitários ... 33

2.2 Sociedade civil e Estado ... 37

2.3 Conselhos municipais de cultura no Brasil e no Ceará ... 40

CAPÍTULO 3 O campo cultural de Aracati ... 48

3.1 Aracati ... 48

3.2 Classificação dos papéis dos conselheiros ... 49

3.3 O Fórum Permanente de Cultura de Aracati ... 52

3.4 A Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente de Aracati ... 55

3.4.1 O quadro técnico da STCMAA ... 56

3.4.2 O diagnóstico das demandas culturais ... 57

3.4.3 Distribuição de recursos ... 59

3.5 Turismo ... 64

3.6 Memória e patrimônio ... 73

CAPÍTULO 4 O Conselho de Municipal de Cultura de Aracati ... 84

4.1 Entre a guerra e a paz ... 85

4.2 O diálogo, a alteridade e o entendimento ... 94

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 104

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista ... 110

APÊNDICE B – Quadro de conselheiros da gestão 2009-2010 ... 111

ANEXO A – Campanha “O Espetáculo não pode parar” ... 112

ANEXO B – Minuta de acordo de cooperação federativa com os municípios ... 113

ANEXO C – Lei de criação do conselho Municipal de Cultura de Aracati ... 119

ANEXO D – REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA DE ARACATI ... 123

ANEXO E – REGIMENTO ELEITORAL DO CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA DE ARACATI ... 130

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1. INTRODUÇÃO

Nos últimos sete anos, a cultura, como alvo de políticas específicas, tem sido objeto de atenção pública no Brasil, e de mudanças que se aprofundam paulatinamente. Em todos os níveis da federação estão sendo revistas leis específicas, criados novos mecanismos e instrumentos para dar base a um sistema de integração de todas as esferas de governo, o Sistema Nacional de Cultura (SNC). Seu objetivo é criar um sistema que determine “um formato político administrativo mais estável e resistente às alternâncias de poder” (BRASIL, 2009, p. 4). O SNC visa possibilitar que os três níveis federativos integrem-se de modo a compartilhar a gestão da cultura, e de modo a desconcentrar e distribuir esforços e recursos de forma organizada.

Cunha Filho (2005) nota que a adesão dos municípios e dos estados ao Sistema dá-se de forma não compulsória, já que a cultura é vista como uma área que reúne um pluralismo de expressões. Neste sentido, o papel exercido pelo sistema é de coordenação, e não de unificação, precisamente em respeito às pluralidades e diferenças próprias do campo. Assim, é necessário que os entes se voluntariem a participar do sistema, e que possuam determinados elementos que componham um perfil de incentivo à cultura, dentre eles: “efetiva implementação de apoio às atividades culturais, com os recursos que dispõe; efetiva proteção do patrimônio cultural; efetivo respeito aos demais direitos culturais; efetiva gestão democrática e autônoma da cultura” (CUNHA FILHO, 2005, p. 3).

Dentre os partícipes do sistema, destacamos os municípios. O município é o local privilegiado de ação e participação direta (ALMEIDA, 1997; FRANCO, 1995; GÓIS, 2003). “É um lugar vivo e concreto para as pessoas. Nele nascem, residem, se encontram, muitas vezes trabalham, casam e, também morrem” (GÓIS, 2003, p. 29). Para Almeida (1997), é no município que as demandas político-culturais se expressam de maneira mais concreta. Espaço privilegiado de ações e políticas culturais, no município, suas consequências são vividas de forma mais direta. Lá, o órgão gestor municipal tem papel destacado em induzir, executar e articular as ações culturais1.

A partir do SNC, estão se buscando mudanças junto aos entes municipais brasileiros, observando o princípio de cooperação entre os entes federados. Também, entre os

1 Embora os municípios sejam lugar privilegiado de ações político culturais, é também lá que muitos obstáculos

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princípios do Sistema, está inserida a “democratização dos processos decisórios com participação e controle social” (BRASIL, p. 16). A participação recebe importância tal nesse novo desenho político, que o Sistema tem os gestores e os conselheiros de cultura como os responsáveis por sua implementação. Senão vejamos:

O sucesso do Sistema Nacional de Cultura, além da definição clara do seu marco teórico-conceitual e jurídico-legal, e da concepção de uma arquitetura que incorpore a diversidade e complexidade da área cultural, depende do fortalecimento institucional da gestão cultural no país com a qualificação nos planos federal, estadual e municipal, dos gestores públicos e dos conselheiros de cultura, que são os responsáveis por sua implementação. (BRASIL, 2009, p. 4).

Esse princípio situa os conselhos numa posição privilegiada nas políticas de cultura. E aqui recai nosso interesse de pesquisa. O objeto de estudo deste trabalho são as experiências em direção a uma democracia cultural tal como são narradas na esfera do município via conselho. Esse objeto adentra o campo das políticas públicas, mas não nos incumbe na tarefa de avaliá-las. Por trazer a experiência, o objeto agencia uma incursão ao campo. Assim, foi necessário buscarmos um município que tivesse um conselho de cultura em funcionamento.

Inicialmente, buscamos pesquisas que identificassem onde estão, hoje, os conselhos de cultura no Ceará. Contudo, não encontramos essa informação de forma atualizada. O Sistema de Informações (SINF) da Secretaria de Cultura do Ceará (SECULT-CE) e, principalmente, o banco de dados das Pesquisas de Informações Básicas Municipais (MUNIC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), permitiram realizar um mapeamento apenas aproximado dos municípios que possuem conselhos de cultura hoje. Aquelas bases de dados não nos permitiram saber com segurança se os conselhos contabilizados eram realmente ativos ou sequer quantos ainda existiam.

Consequentemente, realizamos uma busca na rede mundial de computadores por sítios eletrônicos que indicassem presença de conselhos de cultura ativos em municípios do Ceará. Resultou que apenas Aracati possuía conteúdos em um sítio eletrônico, dedicados às políticas de cultura municipais, e que se referiam a um conselho de cultura em atividade. Tratava-se do blogue do Fórum Permanente de Cultura de Aracati (FPCA). Além do blogue, foi identificado um fórum eletrônico de discussão também dedicado ao FPCA, em outro sítio2. O mesmo município não foi identificado nos registros recentes que indicavam os locais dos

2 Tanto o blogue quanto o fórum eletrônico são dedicados ao FPCA, mas abordam também assuntos relativos ao

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conselhos de cultura porque este foi criado formalmente apenas em 2007. Isto comprova a ausência de informações atualizadas a este respeito.

Um dos textos do sítio eletrônico nos chamou a atenção. Abaixo, reproduzimos apenas um trecho:

O espetáculo não pode parar!

Na noite do dia 19 de dezembro, poetas, músicos, atores, artistas plásticos, instituições governamentais e não governamentais estiveram presentes no VI Fórum Permanente de Cultura de Aracati. Mascarados, brincantes, palhaços, coristas, arautos, reis, senhores e senhoras do Aracati se apossaram da Praça Dom Luis, local para a concentração do cortejo do VI Fórum Permanente de Cultura de Aracati. Às 8h a festa já havia tomado a Rua Grande com a música sonora da banda Jacques Klein e o gestual gracioso dos atores e artistas aracatienses. Durante o percusso [sic] que se extendeu [sic] por toda a Rua Grande (Cel. Alexanzito), foram distribuidos [sic] panfletos da campanha “O Espetáculo não pode parar” uma estratégia do Fórum para propor o início da campanha de serviços emergenciais na estrutura do Teatro Francisca Clotilde, atual sede do Centro de Arte e Cultura Aracati que tem como presidente o artista Hélio Santos. O cortejo teve seu término em frente ao Teatro Francisca Clotilde.

A programação estava apenas começando. (FÓRUM PERMANENTE DE CULTURA DE ARACATI, 2007).

O texto, assim como algumas fotografias (ver anexo A), nos deram ideia de uma demanda – no caso, “os serviços emergenciais da estrutura do Teatro Francisca Clotilde” – que foi transformada em movimento e organização.

A partir da leitura do conteúdo dos referidos sítios, identificamos que as políticas de cultura eram objeto de reflexões e disputa em Aracati. Até onde a primeira aproximação permitiu, percebemos que os embates no campo não são abafados, mas ao contrário, divulgados e debatidos. A exposição dos referidos conteúdos em sítios eletrônicos dá indícios de estratégias para promover a transparência e a informação na área da cultura.

Os primeiros contatos com os conselheiros de Aracati foram realizados via correio eletrônico, e logo se constatou ser viável contatos posteriores. As primeiras incursões ao campo permitiram perceber Aracati – um município localizado no litoral leste cearense – como um lugar repleto de concentrações e contradições não só econômicas, mas também culturais. Apenas uma das manifestações culturais do local, o carnaval, centraliza a maior parte dos investimentos e esforços do governo municipal na área da cultura. Trata-se de um dos maiores carnavais do Ceará. O relatório de desenvolvimento urbano da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), de 2004, estima que cerca de 150.000 pessoas visitaram Aracati só durante o carnaval, o correspondente a mais que o dobro da população do município de acordo com o último Censo (61.146 habitantes) (CEARÁ, 2004).

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Os relatos de alguns conselheiros indicaram que o orçamento da cultura é desproporcionalmente concentrado no carnaval. A literatura, a música, as artes plásticas, o teatro e outras manifestações locais, assim como o patrimônio histórico carente de conservação, dividem a receita que sobra do carnaval.

A propósito do patrimônio histórico, apesar de ter sua importância reconhecida formalmente nos âmbitos estadual e nacional, o conjunto histórico arquitetônico e urbanístico da cidade de Aracati3 tem seus sobrados paulatinamente ameaçados com as chuvas. Sua estrutura encontra-se fragilizada, e precariamente salvaguardada (ALCÂNTARA, 2008; PATRIMÔNIO..., 2009). Outros fatores são: o abandono das casas, e a ação predatória da própria população (reformas e alterações irregulares) (ALCÂNTARA, 2008).

Outro foco de concentração de esforços diz respeito a uma das localidades do Município, a praia de Canoa Quebrada. Trata-se de um destino turístico de relevância internacional, que concentra a maior quantidade de visitantes para fins de turismo.

Aracati é uma cidade que une e separa diferentes usos da cultura. Bem estabelecida nacional e internacionalmente como lugar de diversão para forasteiros, também abriga movimentos que demandam participação no circuito cultural local. Seus atores sociais estão organizando discussões, construindo instrumentos de governança, refletindo acerca deles, e fazendo circular debates em torno do campo cultural, que muitas vezes é pensado como apolítico e/ou menos importante.

1.1 Políticas culturais

Historicamente, o campo cultural obteve investimentos simbólicos e financeiros diferenciados. A história desses investimentos leva a identificar diferentes caminhos para as políticas de cultura.

As políticas de cultura se desenvolveram paralelamente às campanhas de formação do Estado moderno (BOLÁN, 2006). A cultura como importante assunto de Estado, está relacionada, para George Yúdice e Toby Miller, com a governamentalidade. Este conceito, elaborado por Foucault, diz respeito à preocupação dos Estados modernos em bem-governar o corpo social. Assuntos antes limitados ao espaço privado – por exemplo, a saúde do indivíduo – são confiscados pelo Estado, e passam a ser objeto de sua administração. Isso é o que também acontece com a cultura. Os valores dos indivíduos, que antes eram privados,

3 Aracati é um dos quatro municípios cearenses que tiveram seus sítios históricos tombados pelo Instituto do

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passam ao domínio do público, tornam-se assunto de Estado. Daí faz-se necessário educar as pessoas de acordo com os novos valores modernos, em uma só nação e em uma só língua. (YÚDICE; MILLER, 2002).

Ao abordarmos o conceito de política cultural, estamos adentrando um campo polissêmico, até porque seus termos constituintes – política e cultura – podem assumir diferentes significados. No que diz respeito ao conceito de cultura, este envolve diferenças de significados. Sob o ponto de vista estético, designa a produção artística e criativa que é julgada e considerada como tal, segundo critérios de interesses da crítica cultural. Sob o marco antropológico, a cultura está relacionada a um amplo conceito. Inclui os modos de perceber, de viver, que são coletivos e não universais, e envolve aspectos tais como os modos de falar, as crenças, os costumes etc. (YÚDICE; MILLER, 2002).

Já o termo política cultural pode estar relacionado a ações realizadas, por exemplo, por grupos e entidades culturais, e órgãos executivos do poder público, que estejam voltados para a área da cultura. Essa perspectiva requer um conceito delimitado de política, mais bem dimensionado pela palavra policy, no sentido de um plano de ação sistemático voltado para o alcance de determinadas metas. Requer também um conceito mais restrito de cultura.

Política cultural pode invocar também um conceito de política compreendida de modo mais abrangente. Esse sentido de política é mais bem especificado pelo termo da língua inglesa politics4, que dá ideia de relações de poder, choque de ideias e interesses.

Num universo de significados, como os conceitos de cultura e política podem ser relacionados numa noção de política cultural? Adotamos um entendimento que capta a relação constitutiva entre política e cultura. Eis a concepção apresentada por Alvarez, Dagnino e Escobar:

Nossa definição de política cultural é ativa e relacional. Interpretamos política cultural como o processo posto em ação quando conjuntos de atores sociais moldados por e encarnando diferentes significados e práticas culturais entram em conflitos uns com os outros. Essa definição supõe que significados e práticas – em particular aqueles teorizados como marginais, oposicionais, minoritários, residuais, emergentes, alternativos, dissidentes e assim por diante, todos concebidos em relação a uma determinada ordem cultural dominante – podem ser a fonte de processos que devem ser aceitos como políticos. [...] A cultura é política porque os significados são constitutivos dos processos que, implícita ou explicitamente, buscam redefinir o poder social. Isto é, quando apresentam concepções alternativas de mulher, economia, democracia ou cidadania, que desestabiliza os

4

Policy: “a plan of action agreed or chosen by a political party, a business etc.” Politics:“the activities involved in getting and using power in public life, and being able to influence decisions that affect a country or a society”. (OXFORD UNIVERSITY PRESS, 2005)

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significados culturais dominantes, os movimentos põem em ação uma política cultural (ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p. 24-25).

Os autores instituem uma relação intrínseca entre política e cultura. As políticas culturais operam quando há embates entre grupos sociais, conflitos de práticas e significados culturais distintos. Nesta perspectiva o campo das palavras, dos sentidos e dos significados não paira sobre o campo político. Tampouco este último é concebido como campo privilegiado da prática. Cultura não é apartada da ação política: um é elemento constitutivo do outro. Quando ocorre um embate político, esse é cultural. Quando ocorrem contestações acerca de um significado dominante, um esforço prático está sendo operado no campo social, de questionamento e pressão para redefinição do próprio sistema político em si. Ou seja: “as contestações culturais não são meros „sub-produtos‟ da luta política, mas ao contrário, são constitutivas dos esforços dos movimentos sociais para redefinir o sentido e os limites do próprio sistema político” (ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p. 24).

Nesses embates, há diferentes práticas discursivas, que funcionam visando atingir propósitos também diferentes, muitas vezes a serviço de valores hegemônicos. As práticas podem estar voltadas para conservação dos significados, ou de sua contestação, tendo como atores organizações civis, estatais, movimentos culturais etc. É claro que nem sempre os movimentos culturais e as organizações civis operam em favor de valores e significados progressistas. Assim também, a ação do Estado não pode ser identificada automaticamente com projetos autoritário, clientelista ou intervencionista, conforme demonstraremos no tópico a seguir. Entretanto, no que diz respeito à área da cultura, esta tendência de igualar Estado e intervencionismo se justifica pelo percurso histórico das políticas voltadas para a cultura no Brasil. As notas a seguir visam percorrer brevemente essa trajetória, para situar os projetos que balizaram as políticas culturais no passado e que ainda as atravessam hoje.

1.2 Políticas culturais no Brasil

A cultura, como alvo de intervenção sistemática por parte do governo nacional, surge no governo de Getúlio Vargas (BARBALHO, 1998; 2007; CALABRE, 2007; RUBIM, 2007a). Assim, eram lançadas as bases da infeliz relação criada entre intervenção estatal na cultura e dirigismo que até hoje persiste no imaginário nacional (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007). O objetivo do Estado Novo era construir a nação a partir da produção de um sentimento de “brasilidade”. “Getúlio Vargas procura unir o país em torno do poder central, construir o sentimento de „brasilidade‟, reunindo a dispersa população em torno de ideias

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comuns, e elaborar uma nova visão do homem brasileiro” (BARBALHO, 2007, p. 3). Para atender a esse projeto, são criadas instituições relacionadas ao patrimônio histórico, ao cinema educativo, ao livro etc. Através desses organismos, o Estado passa a ser produtor de uma cultura oficial, conforme sintetiza Chauí (2006).

De acordo com Durval Muniz Albuquerque Júnior, o governo que sucedeu o Estado Novo foi marcado pela fraca intervenção estatal na cultura, apresentando “políticas episódicas e setoriais para o fomento das manifestações culturais das diferentes camadas da sociedade” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 70). Ainda de acordo com Albuquerque Junior, é neste momento que se destaca a participação dos movimentos culturais, e que emergem também algumas participações da iniciativa privada na área da cultura. Essa retirada do Estado como fomentador da cultura, e o período subsequente da ditadura militar, em 1964, reforçam ainda mais a relação no imaginário nacional que associa intervenção estatal nas políticas de cultura à característica de dirigismo.

O segundo momento de intervenção sistemática sobre a cultura é no período do regime militar, e teve seu auge na gestão de Ernesto Geisel, quando é lançado o primeiro plano que organiza as estratégias do governo sobre a cultura: a Política Nacional de Cultura – PNC (BARBALHO, 2007; CALABRE, 2007; RUBIM, 2007a). A PNC foi construída com a colaboração do Conselho Federal de Cultura – CFC – também criado no período da ditadura militar e formado por intelectuais. A PNC não rompeu com a ênfase sobre a nação iniciada com Vargas, porém deu um novo enfoque: o de investir no projeto da integração da nação.

Os governos que seguiram imediatamente à chamada reabertura política não contribuíram para modificar o imaginário apontado por Albuquerque Junior, mas foram marcadas, segundo Albino Rubim, por ambiguidades no que concerne a políticas de cultura (RUBIM, 2007a). O governo Sarney cria diversos órgãos para a área da cultura, mas ao mesmo tempo introduz a lei de incentivo à cultura. A nova lei transfere à iniciativa privada o papel de financiar a cultura. Partindo do ideário do Estado incompetente, o governo seguinte – Collor de Melo – “praticamente desmonta a área da cultura no plano federal” (RUBIM, 2007a, p. 24). Esta lógica foi mantida no governo Itamar Franco. Mas é durante o governo Fernando Henrique Cardoso, na gestão do então ministro da cultura Weffort, que o Estado marcadamente fundamenta sua política cultural em torno do incentivo ao mecenato. “as leis de incentivo foram entronizadas como a política cultural do ministro Francisco Weffort” (RUBIM, 2007a, p. 26). Rubim demonstra como a lógica então vigente transfere a gestão das verbas públicas destinadas à cultura para a iniciativa privada, aumentando, por exemplo, em 150% o teto de renúncia fiscal.

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O projeto neoliberal se concretizou naquele período com a restrição do papel do Estado aos cuidados com os monumentos oficiais, e posicionou os órgãos de cultura estrategicamente a serviço dos padrões do mercado, apostando no poder da iniciativa privada em administrar a cultura (CHAUÍ, 2006). A lógica vigente passa a ser a do mercado, confiando no seu caráter auto-regulatório, de distribuição de produtos e serviços culturais. Ademais, essa distribuição é expressa por uma relação de oferta e compra, e a cultura passa a ser identificada com objeto de consumo. Esse quadro é detalhado por Chauí:

A tradução administrativa dessa ideologia (neoliberal) é a compra de serviços culturais oferecidos por empresas que administram a cultura a partir dos critérios do mercado, alimentando privilégios e exclusões. Expressa-se pelo efêmero, liga-se ao mercado de consumo da moda, dedica-se aos espetáculos enquanto eventos sem raiz e proliferação de imagens para a consagração do consagrado, e volta-se para os aspectos intimistas da vida privada, isto é, para o narcisismo. (CHAUÍ, 2006, p. 68).

O governo Lula, desde 2003, com Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura (MinC), encontrou grandes desafios, deixados por uma história de extremismos, com a política cultural ora identificada com dirigismo, ora identificada com transferência da gestão para o setor privado. A partir de uma nova compreensão do papel do Estado sobre as políticas culturais, algumas mudanças são conseguidas. O orçamento da cultura foi ampliado, a cultura passa a ser compreendida como uma área que merece estratégias, normas e planos bem estruturados com contrapartidas integradas entre os entes federados (RUBIM, 2007b).

1.3 Cultura política e democracia cultural

Tendo percorrido rapidamente os principais aspectos das políticas culturais no Brasil, fica claro como essas políticas podem estar voltadas para propósitos populistas de produzir cultura, com o objetivo de formar e integrar uma nação. Por outro lado, podem reduzir a cultura a uma relação de consumismo. Na última redução, entende-se que o objetivo das políticas de cultura deve ser o de proporcionar condições de maior acesso da população ao consumo da cultura. Tendo em vista essas experiências, perguntamos: que alternativas restam aos mecanismos de participação tais como os conselhos de cultura?

Dagnino (2004) examina os rumos hodiernos das noções de cidadania e participação, no Brasil. Ela afirma que a cidadania se encontra entre um projeto político democratizante e transformador e outro de manutenção do status quo, neoliberal. Para a autora, estes dois projetos confluem de forma velada, perversa, pois ambos querem uma

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sociedade participante, protagonista e propositiva. O que a autora põe em evidência é um obscuro deslocamento semântico das noções de sociedade civil, participação e cidadania, que necessita ser exposto. É que, apesar de que estes projetos possuam interesses distintos que orientam ações políticas também diversas, eles utilizam o mesmo grupo semântico.

Na perspectiva das relações democráticas e da transformação, a autora destaca o projeto da nova cidadania. Ela opta pelo termo projeto para designar a relação entre interesses, visões de sociedade e ações. Para ela, o projeto político tem na cultura seu correspondente indissociável; ou seja, uma ação política não é estritamente política, é também produção e reprodução de matrizes culturais.

O projeto da nova cidadania, entendido como política cultural, tem como ponto de partida a noção de direito a ter direitos. Direitos não são posses a serem adquiridas, mas são invenções que partem de ações pela luta de projetos políticos.

Outro aspecto desse projeto, segundo a autora, é que ele rejeita uma “incorporação” política dos excluídos (característica do projeto neoliberal), para falar de agentes políticos que definem seus direitos e lutam por eles. O “novo cidadão” não quer ser incorporado ao sistema já definido, mas quer reinventar esse sistema. Sua relação não se limita ao Estado, mas às relações circunscritas na sociedade como um todo, ou seja, a luta pelos direitos supera a negociação com o Estado. Esta luta não se detém a uma busca de transformação formal legislativa, mas muito mais. É uma busca pela reinvenção das regras de se viver juntos em sociedade, com a recriação de espaços de negociação coletiva.

Atenta aos perigos dos deslizamentos de significados realizados pelo projeto neoliberal que conflui com o projeto da nova cidadania, a autora identifica, nesse processo, a retomada da concepção liberal de cidadania – em que o indivíduo paira acima de todas as coisas – e a identificação entre cidadania e mercado: ser cidadão é estar integrado ao mercado. Considerando as relações de poder no Brasil, Dagnino (2000; 2004) vê além do papel dos movimentos populares de afirmarem direitos formalmente adquiridos, e de exigirem inclusão e participação no que é restrito tão somente a poucos, característica de uma sociedade autoritária e estratificada como a nossa. A autora ressalta outro papel para esses grupos sociais, um papel mais diretamente relacionado a transformações em termos de políticas culturais.

Ela destaca que os movimentos sociais empreendem um projeto novo e radical de democracia, oposto ao projeto neoliberal de redução do cidadão ao indivíduo que está integrado ao mercado e de redução do papel do Estado nas políticas sociais. Também Rolnik (1995) provoca reflexão no sentido de que a democracia não deveria ser exaltada

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simplesmente porque é “politicamente correta”. Tratar-se-ia, antes, de pôr em xeque os significados que são atribuídos de maneira definitiva à cidadania e à democracia, e de reinventar esses conceitos. Os movimentos sociais, segundo a autora, querem redefinir a noção mesma de política, cidadania e direitos, lutam pelo poder de dizer sobre si e sobre a sociedade, em última análise, de reinventar a sociedade. Por isso mesmo, nessas disputas é que são questionados e produzidos significados, identidades, enfim, subjetividades (DAGNINO, 2000; 2004).

Esta discussão evidencia as disputas pela transformação de significados, lideradas pelos movimentos sociais. Contudo,“a ênfase na transformação cultural como elemento de estratégia dos movimentos sociais não está confinada à sociedade civil como lugar privilegiado da política, mas estende-se também ao Estado e à institucionalidade política” (DAGNINO, 2000, p. 61). Isso significa dizer que nem sempre os movimentos sociais produzem um discurso progressista, e rechaçam um discurso conservador individualista. Essa tendência de macular a sociedade civil esteve bastante presente entre os movimentos sociais na década de 19705, conforme abordaremos no tópico 2.2.

Sob essa perspectiva, a questão que movimenta este trabalho não é quem são os autênticos atores da luta transformadora, ou quem são os sujeitos que impedem essa transformação no interior do conselho. Interessa-nos que culturas políticas são postas em movimento nas relações entre os conselheiros, e entre os conselheiros e outros atores. Ou melhor:

A questão que se coloca é pensar como as políticas culturais [...] podem passar da defesa da “democratização da cultura”, ou seja, de torná-la acessível para as massas por meio do consumo, para a implantação da “democracia cultural”, que significa democratizar o acesso da população a todas as etapas do sistema cultural (formação, criação, circulação, fruição). (BARBALHO, 2008b, p. 68)

Democracia cultural significa, portanto, democratizar o acesso a todas as etapas do circuito cultural. De acordo com Chauí (2006), uma das direções da democracia cultural é proporcionar locais, mecanismos e estratégias que tornem acessíveis os bens culturais, recusando exclusões e privilégios.

Democracia cultural envolve também o direito à formação cultural. É considerar o direito de estar inserido no processo de produção da cultura, entendendo por esse processo tanto a apropriação dos meios culturais existentes, ou de criação de novas culturas, de novos significados. É, também, dar condições de acesso aos espaços de formação cultural e

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los amplamente. Nessa perspectiva, o Estado é retirado da função de produtor da cultura e posicionado tão somente como suporte logístico desse processo, ao passo que o papel de criador e inventor deve

[...] ser essencialmente da sociedade e dos indivíduos, cabendo ao Estado dar suporte a tais iniciativas, através de uma atuação que possibilite a infra-estrutura necessária ao desabrochar das referidas iniciativas [...] tarefas específicas atribuídas ao Estado não o tornam autorizado „a fazer cultura‟. (CUNHA FILHO, 2002, p. 23)

A noção de democracia cultural está balizada nas noções de cidadania cultural e de cultura participativa. Seu fulcro é o direito à cultura. Assim, o direito à cultura é caracterizado pelo direito de participação nas políticas de cultura. Neste sentido, tornam-se importantes mecanismos de participação tais como conferências, conselhos e fóruns. Todavia, não podemos tomá-los como espaços garantidos da cultura participativa, pois esta cultura é muito mais abrangente que esses instrumentos. Tal como afirmam Faria e Moreira, “a cultura participativa é muito mais abrangente que o conselho, pode enriquecer o cenário em que o conselho atua e redefinir o papel do conselheiro” (2005, p. 15). É preciso considerar, assim, se o conselho se efetiva e se (re)define como espaços da cultura participativa, da cidadania cultural, enfim, da democracia cultural.

No que diz respeito à produção cultural, essa democracia requer repensar cisões tradicionais. De acordo do Chauí (2006), as políticas de cultura que visam a democracia cultural não devem ficar detidas à questão de se o enfoque deve ser a produção erudita, ou a produção popular. O esforço deve ser o de priorizar toda atividade humana que resulte de uma criação intelectual, sob todas as formas de expressão, seja popular ou erudita, pois esta cisão não importa. O enfoque deve recair, sim, sobre a diferença entre as produções culturais conservadoras, descontextualizadas e repetitivas, e as produções significativas, com potencial transformador e experimental.

A perspectiva da democracia cultural enfatiza a cultura como campo de disputas que requer estratégias para ampliar a participação dos cidadãos no sistema cultural. Para isso, não basta garantir a existência de espaços de participação tais como conselhos, fóruns e conferências. É preciso que, nesses espaços, circulem diferentes linguagens.

No conselho, para que este se efetive como espaço de democracia cultural, é necessário que as próprias noções de cultura, do espaço político, e da função do conselho sejam definidas de forma provisória, e que sejam redefinidas, no processo de reflexão que os conselheiros têm sobre o seu fazer, em direção a uma participação mais ampla.

(25)

1.4 Objeto e objetivos

Entre diferenças e diferenciações, disputas, experimentos e reflexões que marcam o campo cultural, este trabalho dá destaque a um caso particular de instrumento de governança das políticas de cultura: o Conselho Municipal de Cultura. Destarte, o objeto de estudo deste trabalho são os processos de democracia cultural tal como são narrados por sujeitos que atuam no conselho, na esfera municipal. O trabalho se constrói a partir de um estudo de caso em Aracati6.

Tomamos, como objetivo geral, identificar se o conselho municipal de cultura se efetiva como instrumento de democracia cultural. Em caso afirmativo, definimos o objetivo de analisar como isto ocorre, e em caso negativo, consideramos identificar os entraves para a sua não efetivação. Para tanto, elencamos os seguintes objetivos específicos: compreender o atual contexto das políticas de cultura no Brasil e no Ceará e analisar o Conselho Municipal de Cultura de Aracati (CMCA) neste contexto; identificar entraves e vias para a representatividade da sociedade civil na prática do conselho estudado; analisar e confrontar os sentidos implicados nas práticas dos conselheiros de cultura e a forma como percebem o seu papel; identificar pontos de conflito inerentes às ações do conselho, e como estes conflitos e seus encaminhamentos são vistos pelos conselheiros (desde sua formação até o presente), e analisar as etapas das políticas de cultura do município: identificação das demandas, e distribuição de recursos, como o conselho se insere nestas etapas, e como os conselheiros percebem esse processo.

1.5 Estratégia metodológica

Neste trabalho, empreendemos uma abordagem qualitativa, já que esta é mais adequada a pesquisas que procuram as origens ou a compreensão do fenômeno estudado, em uma realidade que não pode ser quantificada (MINAYO, 2000). O uso da abordagem qualitativa se justifica quando o pesquisador está interessado em entender a natureza de determinado fenômeno social e compreender os significados e as visões de mundo dos indivíduos (MERRIAM, 1988).

6 O conselho de Aracati foi constituído apenas em 2007 via lei municipal nº. 171. A primeira gestão tomou posse

apenas em maio do ano seguinte, e se reuniria formalmente apenas em três ocasiões: a primeira na ocasião de sua posse, e as demais em reuniões que foram basicamente preparatórias para a segunda posse. Através dos depoimentos, foi constatado que houve reuniões informais, denominadas pelos conselheiros de reuniões de trabalho, das quais culminaram seu regimento interno e seu regimento eleitoral. A segunda gestão tomou posse em abril de 2009.

(26)

Buscamos desenvolver um estudo exploratório, porque busca superar a mera descrição. Nesses contornos, o estudo busca explorar dimensões que não podem ser medidas: percepções, valores, motivações pessoais (MOREIRA, 2002).

Ao optar por um estudo exploratório, recusamos a tentativa de desvelar uma suposta realidade que estaria por trás dos relatos e acontecimentos. Nossa atenção recaiu precisamente sobre o relacionamento constitutivo do ato de pesquisar: o relacionamento pesquisador – entrevistados. Este relacionamento permite-nos gerar abstrações e construir relações teóricas, a partir do que os sujeitos participantes da pesquisa nos apresentam, isto é: suas falas. A partir delas, eles expressam suas concepções e visões que servirão para a construção de nosso objeto. Tais concepções e visões podem ser apreendidas através das narrativas. Já que, conforme Lavie “qualquer fala é ipso facto profundamente correta, a atenção recai sobre o que subjaz à elocução” (LAVIE, 2001, p. 7).

Deste modo, buscamos nos esquivar da postura de arqueologistas que se põem a descobrir dados encobertos por pessoas e fatos. Isso porque as narrativas já trazem em si a força expressiva do contexto do objeto (MOREIRA, 2002).

Assim, os sentidos, concepções e modos de perceber os conflitos que ocorrem no conselho são buscados através das narrativas. Conforme Lavie, um modo de ver só ganha sentido através de um modo de dizer. “Nossa visão de mundo é a busca do discurso que nos vincula a ele” (LAVIE, 2001, p. 9).

Por eleger a narrativa como eixo fundamental da pesquisa, devemos buscar “a lógica discursiva, as contradições emergentes e o uso de ferramentas discursivas (definições, analogias, transferência de conceitos, metáforas e alegorias)” (NEPOMUCENO, 2005, p. 77). Assim como a forma figurada, também a disposição do sujeito e do predicativo na sintaxe da narrativa, os pronomes eleitos pelos entrevistados e os tempos verbais utilizados foram reveladores na nossa análise.

1.5.1 Coleta dos dados

Para captar esses elementos, elegemos a entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados, utilizando questões-estímulo organizadas em quatro blocos: (1) autopercepção do conselheiro; (2) sentidos acerca do papel e da inserção do conselho; (3) sentidos de políticas de cultura e (4) sentidos de cultura7. Esses blocos de questões foram elaborados com base nos objetivos da pesquisa.

(27)

Além da palavra, elegemos, como dados complementares ao estudo, o comportamento diante do uso da palavra. Isto porque consideramos que é através palavra que o conselheiro desempenha seu trabalho. Não só o conteúdo de sua fala, mas o uso que faz dela também expressa seu modo de conceber o seu papel. Os momentos em que opta por usá-la, o momentos em que opta por silenciar, a frequência às reuniões dão indícios dos modos como percebem seu próprio papel. Atrasos, faltas e presenças, em última análise, permitem perceber o uso que fazem da palavra, e traduzem a forma como o conselheiro se posiciona diante daquele espaço. Destarte, fizemos a leitura das atas das reuniões do Conselho e presenciamos duas reuniões: uma do Conselho, e outra do FPCA.

A ida à reunião do Fórum foi incluída na etapa de coleta por termos avaliado previamente aquele espaço como importante para a dinâmica das políticas culturais no Município. As impressões deixadas pelas visitas ao Município, pela participação nas reuniões e pelos contatos com os sujeitos foram registradas em diário de campo, que também foi utilizado na elaboração da análise.

Além do livro de atas, o regimento e a lei de criação do Conselho, foram tomados para fundamentar nossa análise. Como complemento, foram úteis fontes secundárias como os sítios eletrônicos da Câmara Municipal de Aracati (CMA), do Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE), e do MinC, o SINF/SECULT-CE, o sítio eletrônico do FPCA, as MUNIC/IBGE, e sítios eletrônicos mantidos por agentes culturais locais.

As duas reuniões que presenciamos nos permitiram conhecer e contatar alguns conselheiros para serem entrevistados. As entrevistas foram gravadas mediante a autorização dos entrevistados, e em seguida transcritas. Os resultados serão levados aos participantes da pesquisa, tendo em vista que a maioria manifestou interesse neste sentido.

No projeto deste trabalho, previmos a entrevista com todos os conselheiros. Dos doze que compõem o total, três não foram entrevistados. Em dois casos, não conseguimos estabelecer contato. No terceiro caso, o contato foi estabelecido, e o conselheiro mostrou-se bastante solícito e interessado. Contudo, não estava disponível nos períodos em que fomos ao campo (a incursão ao campo foi realizada entre os meses de maio e setembro de 2009). A identificação de cada conselheiro entrevistado é feita não a partir do seu nome, mas da letra E, seguida de um número.

O CMCA é composto por seis titulares, cada um deles com um suplente, totalizando doze membros. Optamos por concluir a pesquisa sem a participação de todos. Considerando a classificação – a ser logo mais apresentada – dos conselheiros sob o ponto de vista da maior influência, nenhum dos três foi classificado como altamente influente.

(28)

Portanto, para os objetivos da pesquisa, consideramos que a ausência desses sujeitos no grupo de entrevistados não comprometeu os resultados do trabalho. Devemos acrescentar que, com isto, não estamos menosprezando o trabalho dos conselheiros que não foram entrevistados. A prática de todos os conselheiros tem sua complexidade infinitamente ampla. Além disso, a classificação é provisória e restrita ao limitado alcance desta pesquisa, conforme demonstraremos no terceiro capítulo.

1.5.2 Tratamento dos dados

A organização e a análise dos dados foram realizadas em três etapas. Primeiro, tomamos as narrativas como uma totalidade. Isto é, definimos como unidade de análise não os indivíduos entrevistados, mas determinadas assertivas. Neste primeiro momento, não nos interessou “quem disse”, mas “o que foi dito”. Para isso, realizamos leituras exaustivas de todo o material transcrito, ao fim do que buscamos destacar as assertivas a partir de alguns pontos destacados com base nos objetivos. Os pontos foram:

 aspectos de contextualização do campo cultural;

 núcleos de conflito;

 percepções acerca dos conflitos;

 aspectos referentes às etapas de elaboração das políticas culturais do local (diagnóstico e distribuição dos recursos);

 percepções acerca dessas etapas.

Assim, foi possível captarmos alguns fios condutores presentes na totalidade das entrevistas. A partir daí, buscamos, em segundo lugar, esquadrinhar esta totalidade a partir das posições ocupadas pelos entrevistados. Isso foi realizado através da classificação que será apresentada no terceiro capítulo. Para essa classificação, organizamos e separamos as assertivas por narrador. Neste momento, o que nos interessou foi “quem disse”, além do que, “quem fez”. O fazer refere-se aos comportamentos captados nas reuniões presenciadas e nos dados retirados das atas. Nesta etapa, foram levados em consideração aquilo a que já nos referimos anteriormente: os comportamentos dos sujeitos diante do uso da palavra, a partir do material coletado nas reuniões, e dos dados das atas (faltas, atrasos, quantidade de manifestações).

Nesta etapa de análise, por termos utilizado mais de uma fonte de dados, optamos por aplicar uma hierarquia ao material coletado. As anotações realizadas nas reuniões e os dados das atas tais como frequência, faltas e atrasos, foi subordinado ao material das

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entrevistas. Isso foi feito na tentativa de evitarmos interpretar comportamentos dos sujeitos, sem considerar suas narrativas acerca de seus comportamentos. Por exemplo: o índice de frequência ou falta do conselheiro às reuniões, sua inserção ou não em outro espaço tal como o Fórum, não são considerados por si mesmos, mas com base nos posicionamentos de cada sujeito, captados a partir de suas narrativas.

Na terceira e última etapa, consideramos tanto a classificação, como os fios condutores construídos nas etapas anteriores, e buscamos, novamente, uma totalidade. Tentamos captar um todo que permitisse compreender os matizes, as diferenças e as regularidades “entre” e “dentro”. Ou seja: entre narradores e em todas as narrativas tomadas como totalidade.

1.6 Os membros do Conselho Municipal de Cultura de Aracati

A divisão formal do Conselho, tal como descrita na Lei Municipal 171/2007 (ARACATI, 2007) e no regimento do conselho de Aracati (CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA DE ARACATI, 2008) determina que uma das metades do Conselho é representada pelo “poder público”. Por conseguinte, esta representação é assim posta: a gestão municipal possui dois representantes, enquanto a câmara possui um. Um representante da gestão é proveniente da Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente, e o outro da Secretaria de Educação. A parcela “comunidade” é composta pelos demais membros: um proveniente de uma “entidade não-governamental”, outro representando a diretoria do Museu Jaguaribano, e o outro representando uma entidade de ensino superior.

O quadro a seguir apresenta os membros do conselho em relação à entidade e ao segmento que representa (uma caracterização mais detalhada encontra-se no apêndice B).

(30)

Função exercida no conselho no 2º.

semestre/2009 Entidade que representa

Repre sent a nte s do po der bli

co Presidente Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente Vice-presidente Câmara Municipal

2º. secretário Secretaria de Educação

Conselheiro suplente Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente Conselheiro suplente Câmara Municipal

Conselheira suplente Secretaria de Educação

Repre sent a nte s da s o cieda de civ

il Conselheiro titular Instituto do Museu Jaguaribano 1ª. secretária Coro Feminino de Canoa Quebrada Conselheira titular Universidade do Vale do Acaraú Conselheira suplente Instituto do Museu Jaguaribano Conselheira suplente Associação Solar das Clotildes Conselheiro suplente Faculdade do Vale do Jaguaribe

Quadro 1: Conselheiros de cultura de Aracati, gestão 2009-2010, com referência no 1º. semestre de 2009. Fonte: livro de atas e entrevistas. Elaboração própria.

Entre os conselheiros do “poder público”, a forma de escolha da pessoa que ocupará as posições no conselho é a nomeação por parte do próprio “poder público”. Isto é, as respectivas secretarias indicam seus representantes. Já entre os conselheiros representantes da “comunidade”, e com exceção para o Museu, a escolha se dá via eleições. O Museu segue o mesmo processo das secretarias e da Câmara.

As eleições são regidas pelas seguintes disposições: só podem candidatar-se representantes ligados às entidades culturais e só podem votar agentes culturais. Para uma entidade de cultura ser qualificada como tal, é necessário que possua o devido registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ)8. Para um agente de cultura ser qualificado como tal, deve preencher os requisitos de cadastro de agente cultural da Secretaria de Cultura.9 Tendo em conta este aspecto, denominaremos, ao longo do trabalho, os representantes da sociedade civil como representantes das entidades culturais (EC).

Tendo em consideração o quadro de membros formalizado pela lei, ressaltamos que a educação ganha especial importância ao lado da cultura em Aracati. Vemos a Secretaria de Educação com sua cadeira garantida entre os três membros do “poder público”. As

8

Eis a descrição completa dos requisitos necessários à candidatura da entidade: “A Entidade Cultural Privada no ato do cadastro, [sic] deverá apresentar Cópia de Ata, ultima [sic] inscrição do n° CNPJ e dos documentos pessoais do responsável por sua direção (Art. 3º, I, do Regimento Eleitoral do Conselho Municipal de Cultura de Aracati - Representantes de Entidades Culturais Privadas)

9

Eis a descrição completa dos requisitos necessários para qualificar um agente cultural: “Somente poderão votar Agentes Culturais (Artistas, Produtores Culturais ou Congéneres [sic]), com idade igual ou superior a 16 (dezesseis) anos, residentes em Aracati e previamente cadastrados na Secretaria Municipal do Turismo, Cultura e Meio Ambiente De Aracati (Art. 4º, I, do Regimento Eleitoral do Conselho Municipal de Cultura de Aracati - Representantes de Entidades Culturais Privadas)

(31)

entidades de ensino superior também têm uma cadeira garantida ao lado dos três membros da “comunidade”, muito embora isso seja questionado, conforme demonstraremos no tópico 3.1. Outro aspecto que podemos evidenciar é que o Museu é a única EC que possui assento nato. Isso condiz, ao nosso ver, com a importância que a memória tem no conceito de cultura para os entrevistados, o que também demonstraremos no capítulo 3.

Segundo narrativas, a lei que regulamentou a criação do Conselho foi aprovada num período de ebulição do movimento das EC na área da cultura. É relatado que a criação da lei deu-se de forma apartada do movimento, o que surpreendeu as pessoas que estavam se mobilizando e se organizando. Assim, tal formato, dado na lei, parece não traduzir os anseios dos representantes das EC. Contudo, as representações ganham outro aspecto quando consideramos outro quadro, que não o formal.

Para além do quadro formal de representantes, observamos que outras instâncias estão concomitantemente representadas, se levarmos em consideração que muitos conselheiros da gestão 2009/2010 participam de outras entidades. Vejamos isto no quadro 2:

Função exercida no conselho Entidade que representa no conselho Função exercida na entidade em 2009

Outras entidades das quais participa

Presidente Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente

Secretária de Turismo, Cultura e Meio Ambiente

Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente Vice-presidente Câmara Municipal Vereadora e presidente da

câmara *

2º. Secretário Secretaria Municipal de

Educação Funcionário

Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e

Conselho Municipal de Saúde

Conselheiro suplente

Secretaria de Turismo,

Cultura e Meio Ambiente Coordenador de cultura

Companhia de teatro Rumbora Conselheiro

suplente Câmara Municipal

Vereador e membro da comissão de Saúde, Educação, Cultura, Lazer e

Turismo da Câmara

Conselho das cidades

Conselheira suplente Secretaria Municipal de Educação * * Conselheiro titular Instituto do Museu

Jaguaribano Diretor social

Associação Artístico Cultural Lua Cheia 1ª. secretária Coro Feminino de Canoa

Quebrada Associada

Professora da rede pública de ensino básico Conselheira titular Universidade do Vale do Acaraú Estudante Associação Artístico Cultural Lua Cheia Conselheira suplente Instituto do Museu Jaguaribano Associada * Conselheira suplente

Associação Solar das

Clotildes Sócia-fundadora

Professora da rede pública de ensino básico Conselheiro

suplente

Faculdade do Vale do

Jaguaribe Professor *

Quadro 2: Conselheiros da gestão 2009-2010, com referência no primeiro semestre de 2009 Fonte: livro de atas e entrevistas. Elaboração própria.

(32)

A partir deste quadro, surge um novo panorama. As demais posições que os conselheiros também ocupam em outras entidades são: atores de grupos de teatro (três membros) e professoras de ensino básico (dois membros). Vale ressaltar que o grupo “Lua Cheia” (que tem como uma das principais atividades o teatro) possui dois membros. Além disso, temos que alguns membros participam de outros conselhos: Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (dois membros), Conselho de Saúde (um membro) e Conselho das Cidades (um membro). Resulta que a área de educação ganha ainda uma quantidade maior de representantes. A princípio, podemos afirmar também que o teatro surge como uma área bem representada nesta gestão, pelo menos do ponto de vista quantitativo.

Temos que, formalmente, a divisão do Conselho de Aracati segue o princípio paritário de representação Estado – sociedade civil, que rege os conselhos gestores no Brasil. Deste princípio abstrato, tal como discorreremos no capítulo seguinte, decorrem regras que moldam objetivamente as relações que se dão no e com o conselho. Eis o caso do Conselho de Aracati: a princípio, o presidente do Conselho é sempre o Estado. As posições de presidência e vice-presidência são revezadas de dois em dois anos entre secretário de cultura e o presidente da Câmara. Os secretários do Conselho são escolhidos por votação entre os conselheiros. Conforme já mencionamos, o pleito somente se aplica aos representantes da sociedade civil, ao passo que os representantes do Estado são indicados. Assim, a separação entre “os que são do Estado” e “os que não são” apesar de abstrata e arbitrária, molda a forma como as coisas acontecem de fato no Conselho. Ou seja, serve de base para definir as posições que as pessoas podem ou não ocupar, e como elas chegarão a essas posições.

Este trabalho é apresentado em três capítulos. No capítulo seguinte apresentamos definições e tipologias sobre conselhos gestores de políticas. Recuperamos experiências dos primeiros conselhos no âmbito dos municípios no Brasil. Por fim, apresentamos uma contextualização dos conselhos municipais de cultura no Brasil e no Ceará, a partir de uma pesquisa documental e bibliográfica. No capítulo 3, pretendemos dar contexto ao caso estudado, situando o Município, a Secretaria responsável pelas políticas de cultura, e o FMCA. Apresentamos uma classificação dos conselheiros segundo o que rotulamos como “influência”. Trazemos também os sentidos que duas temáticas têm para os conselheiros: turismo e memória. A partir do panorama trazido no terceiro capítulo, no quarto capítulo expomos as noções e os significados das relações entre os conselheiros: os conflitos de posições, o diálogo e o entendimento.

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