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Federalismo de Cooperação no Brasil: Um Estudo da real autonomia das Unidades Federadas

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PAULO ROBERTO MARIANO PIRES

Federalismo de Cooperação no Brasil:

Um Estudo da real autonomia das Unidades Federadas.

NITERÓI 2013

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PAULO ROBERTO MARIANO PIRES

Federalismo de Cooperação no Brasil:

Um Estudo da real autonomia das Unidades Federadas.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Manuel Val

NITERÓI 2013

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PAULO ROBERTO MARIANO PIRES

Federalismo de Cooperação no Brasil:

Um Estudo da real autonomia das Unidades Federadas.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em ___/___/____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Eduardo Manuel Val – Orientador UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Me. Paulo Roberto dos Santos Corval UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Me. Siddharta Legale Ferreira UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

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PAULO ROBERTO MARIANO PIRES

Federalismo de Cooperação no Brasil:

Um Estudo da real autonomia das Unidades Federadas.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

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Dedico o presente trabalho, como signo de esforço para a consecução de um sonho, à minha Tia Maria de Fátima Bento Mariano, que sem acreditou em mim e não mediu esforços para tornar esse sonho possível.

Ao meu pai (Roberto Pires), que perdi, de forma inesperada, no ano de 2011, no curso desse projeto de ser advogado, que devassou seus valores mais nobres nos seus últimos anos de vida.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeira e fundamentalmente a Deus, Cristo Jesus, por todas as graças gratuitas e abundantes com que me cumulou no correr dos anos vividos entre vós.

Agradeço aos amigos verdadeiros, que embelezaram as veredas trilhadas nos últimos tempos, atestando que a facilidade está mais no próprio caminho que no objetivo.

Agradeço por fim ao Professor Eduardo Manuel Val, de quem fui aluno e depois amigo. Tanto academicamente, quanto na vida se tornou referência para mim, pelo modo acurado como é capaz de enxergar as pessoas, nas suas belezas e contradições e compreende-las, em meio a uma crise civilizatória que relega, a humanidade, à tibieza do utilitarismo. Posso afirmar, sem temor de demagogia, que representa, em certa medida, uma figura paterna.

(7)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo estudar o modelo federativo adotado no Brasil, em suas perspectivas inovadoras e dificuldades próprias. Razão pela qual pretende debruçar-se criticamente sobre o espectro das autonomias dos entes federados, analisando as prerrogativas constitucionais no que dizem respeito à capacidade de se auto-organizarem; de disporem de governos politicamente suficientes, a ponto de não serem submetidos a ingerências autoritárias de qualquer outro ente; de regularem seus próprios sistemas tributários e de constituírem-se de fato como centros de produção legiferante.

Palavras-chave: Federalismo; Entes Subnacionais; Estados-membros; Autonomias e Competências.

ABSTRACT

The objective of this research project is to study accurately the federaL model adopted in Brazil, in a perspective of its innovations and its own difficulties. Given this, deepening the discussion on the spectrum (variety in implementations) of federal autonomy of the fedferal entities, by analising to this end the constitutional prerogatives as they relate to the ability to self-organization; to have effectively autonomous governments that are sufficiently strong, in the way they are not submitted to authoritary influence of other entities; that regulate their own tax systems and effectively set themselves up as autonomous centers of legislative production.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 9 CAPÍTULO I

DESENVOLVIMENTO DA FEDERAÇÃO NO BRASIL: ENTRE AVANÇOS E RETROCESSOS ... 12 CAPÍTULO II

FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL: A SITUAÇÃO DOS ENTES SUBNACIONAIS 23 CAPÍTULO III

A REPÚBLICA VELHA É AQUI: O QUE O PRINCÍPIO DA SIMETRIA NÃO EVITOU 33 CAPÍTULO IV

ANÁLISE DA AUTONOMIA FEDERATIVA NO TEATRO DAS COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS ... 40 CONCLUSÃO ... 46 BIBLIOGRAFIA ... 50

(9)

9

INTRODUÇÃO

A federação foi proclamada, podemos assim dizer, em nosso país conjuntamente à República, nos idos de 1889. A efetivação dessa organização estatal entre nós, todavia, é tarefa inacabada a fomentar renhidos debates, seja em sede política, seja em espaços acadêmicos1.

O presente trabalho procura, a seu turno, prestar sua colaboração ao debate em torno do federalismo cooperativo2 adotado no Brasil. Não iremos, para tanto, deter-nos em conceituações e descrições históricas pormenorizadas já tão esmiuçadas pela doutrina3. Outrossim, centraremos maiores esforços fundamentalmente no cotejo analítico das competências legislativas dispostas nos artigos 22, 24 e, residualmente, 30 da Constituição da República, assim como nos debruçaremos com mais detença na evolução dessa forma complexa de Estado em nosso país.

Para alcançar tal objetivo lançamos mão das seguintes metodologias, as quais passo a expor. A começar, faremos um breve apanhado histórico do processo de implantação da federação no Brasil, acompanhado da análise das suas consequências para as instituições políticas e jurídicas pátrias, notadamente o caráter oligárquico que assumiu durante a República Velha, estribado nos estudos do Professor Victor Nunes Leal4. Os desdobramentos da primeira experiência do federalismo em nosso país implicaram em um forte sentimento centralista, concretizado com a Revolução de 30 e estendido até nossos dias, variando sempre em movimento pendular. Ora com concepção mais autonomista, em outros momentos de feição mais centralista. Essa é a

1 O debate acerca da organização federal brasileira tem suscitado reflexões mais profundas, passados mais de vinte anos da Carta da República de 1988. Casos de conflito de competência têm atingido o Supremo Tribunal Federal e trabalhos acadêmicos, no campo jurídico são cada vez mais constantes. Dentre outras citamos: ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005 e BERCOVICI, Gilberto. Federalismo cooperativo e igualação das condições sociais de vida. In:MARTINS, Cristiano Franco (Org.). Federalismo. Revista de Direito da Associação de Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro Vol. XIX. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. pp. 93 - 100.

2

BERCOVICI, Gilberto. Federalismo cooperativo e igualação das condições sociais de vida. In:MARTINS, Cristiano Franco (Org.). Federalismo. Revista de Direito da Associação de Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro Vol. XIX. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. pp. 93 - 100

3

Ob. Cit.

(10)

10 lição que a história comprova. É certo, contudo, que desde então, a União tem congregado competências, tanto no campo legislativo, quanto administrativo - em uma autêntica federação de caráter centrípeto - em detrimento dos demais entes subnacionais.

Avançando no desenvolvimento do trabalho, apresentaremos o hiato entre a arrecadação da União Federal, dos Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal, a partir do que analisaremos como a autonomia de um ente federado está intimamente imbricada com sua receita fiscal. A autotributação, portanto, deve instrumentalizar a pessoa política para a fruição da sua auto-organização, mormente em um federalismo cooperativo.

Volveremos maior esforço, no entanto, na dimensão da autolegislação, como elemento fundamental da autonomia federativa. Muito se fala em crise hodierna do pacto-federativo nacional, com o excesso centralista na pessoa da União, e exatamente aqui tentaremos propor parâmetros com o fito de identificar quais matérias estão mais aptas a serem exercidas pelas demais pessoas federadas, notadamente os Estados-Membros, com fulcro no princípio da subsidiariedade.

É certo que a problemática engendrada pela federação perpassa em muitos aspectos meramente constitucionais, espraiando-se por diversas outras áreas de conhecimento. Para tanto a compreensão dos desafios desse modo de organização têm implicações de ordem política, sociais, econômicas e até étnicas.

Destarte que decorrem das diversas facetas nacionais, o desenho institucional, erigido pelo constituinte originário, consagrado no contrato sócio-constitucional, mormente elencado no teatro das competências federativas. Assim o cotejo das autonomias federadas, os seus desdobramentos e impactos são, a um só tempo, causa e resultado dos aspectos já aludidos.

É dizer, a distribuição de competências e a extensão de cada ente político decorrem da intercessão de diversos fatores, dos mais variados matizes, sejam de ordem política, social, cultural ou econômica.

(11)

11 Todo o exposto se presta ao fundamento de que o direito, os marcos legais, as próprias constituições e arquitetura do Estado não nascem no abstrato, do campo exclusivo das ideias, porém, antes disso, são resultado prático da condição objetiva da realidade, construída historicamente, combinada com os demais fatores atuais, notadamente dos meio de produção. Não podemos desconsiderar, contudo, a ação das pessoas no escorço histórico evolutivo, sob pena de recairmos em uma escatologia sociológica.

É cediço, pois, que a análise meramente formal da problemática federativa, sob uma ótica positivista, é deficitária. Razão pela qual, faz mister a metodologia apresentada acima, com a abordagem crítica do escorço evolutivo da forma de organização estatal em comento, para somente em seguida, com esteio mínimo de teoria sobre a formação do Estado-nação, passemos a análise mais detida dos espectros autonomistas erigidos pela Constituição da República de 1988, assim como por seus desdobramentos.

(12)

12

CAPÍTULO I

DESENVOLVIMENTO DA FEDERAÇÃO NO BRASIL: ENTRE AVANÇOS E RETROCESSOS

A forma federativa chega mesmo a preceder a república. Há autores que dão conta que o apelo federativo era mais amplo e mais urgente do que a própria ideia da república. O professor Augusto Zimmermann aponta que o monarquista por excelência, Joaquim Nabuco, era, concomitantemente, um convicto adepto da forma federativa de organização. Crendo o ilustre personagem abolicionista, prossegue o eminente doutrinador, que a única forma de salvaguardar o império àquela altura seria a adoção da federação. Houvesse logrado êxito o seu intento, hoje teríamos, no Brasil, uma organização muito próxima do ocorre no Canadá, no entendimento do mencionado autor5.

Ousamos entender que a boa doutrina federativa - fundamentada na descentralização político-administrativa, no pluralismo político e no princípio da subsidiariedade - é completamente incompatível com certos institutos políticos-constitucionais do Império, quais sejam o Poder Moderador e o excessivo centralismo. Nesse diapasão sucumbiria o Império ou a Federação. Veio a república e a federação, nos moldes da experiência estadunidense, em uma acoplagem quase que mecânica, sem maiores reflexões acerca dos nossos elementos sociológicos.

Não obstante a essência unitária do Estado imperial brasileiro, houve a mitigação de tal organização com o incipiente processo de descentralização vertical, como bem nos ensina o importante Professor Gustavo Sampaio Telles Ferreira, em sua recente, mas valiosíssima obra6, elencada no rol bibliográfico do presente trabalho. O movimento que por ora nos detemos decorre do Ato Adicional de 1834 – Lei nº 16, sob a vigência da Constituição Imperial de 1824, por meio da articulação engendrada pelo partido liberal. O que somente foi possível, ainda que minoritária a agremiação partidária que por isso pugnou, diante dos anseios manifestos das elites políticas e

5 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp.

6

FERREIRA, Gustavo Sampaio Telles. Federalismo constitucional e reforma federativa, poder local e Cidade-Estado. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2012, pp. 7-12.

(13)

13 principalmente econômica das províncias alheias à pujança financeira da capital imperial, situada no Rio de Janeiro. O que se explica pela insuficiente integração nacional, seja por conta de características geográficas, de um país de enormes dimensões territoriais, combinada com o precário meio de transporte e obras estruturantes, típicas de um Estado atrasado, de capitalismo tardio, agrário-exportador – majoritariamente de grãos - e importador de bens manufaturados.

O ponto a causar a maior insatisfação das elites regionais, todavia, era a enorme concentração de receitas na sede Corte, capital do Império, situada no Rio de Janeiro, prestando-se ao sustento opulento da classe nobiliárquica, além de servir ao embelezamento e estruturação urbana dessa cidade, sem nenhuma espécie de retorno que viesse a incrementar as atividades econômicas intranacionais.

Dentre os efeitos mais importantes do marco normativo em comento, é citar a criação das Assembleias Provinciais, órgãos legislativos de representação das populações domiciliadas naquele espaço geográfico. Aqui há verdadeira antinomia do ponto de vista teórico, no fato de um Estado Unitário manter espaços legiferantes regionais com prerrogativas distintas, inclusive em relação às duas casas do legislativo nacional, quais sejam, a Câmara dos Deputados e o Senado do Império.

O fim do período regencial pôs termo aos avanços descentralizadores, antecedentes à implementação federalista no Estado brasileiro, com a retomada conservadora do gabinete imperial e a aprovação da Lei nº 105, conhecida por Lei Interpretativa de 1840. O instrumento legal impôs considerável restrição aos avanços autonomistas inaugurados em 1834, sem embargo de não ter revoado o Ato Adicional. Finda a regência, com a subsequente coroação do novo imperador Pedro II, a partir da década de 40 do século XIX, resta patente o retrocesso no que toca à centralização, com especial influência do unitarismo francês. Assim trata do assunto o Professor Gustavo Sampaio:

“O Segundo Reinado, demarcado pela forte tendência centralista e pela inexorável influência do padrão unitarista francês, arrastou-se por quase meio século, sem sucumbir às pressões abolicionistas e

(14)

anti-14 imperiais, até que a derrocada do Gabinete Ouro Preto conduziu ao fim do edifício monárquico, instaurando-se em definitivo o período republicano.”7

Diante do que, os grupos políticos abolicionistas e republicanos, nos idos de 1889, tomam a atitude extrema de depõe o imperador - toda a sua família designada por real – e com eles as estruturas arcaicas de um império desgastado e até moribundo, para, antes mesmo da promulgação da primeira constituição republica no país, por meio de decreto – o Decreto nº 1, datado da mesma data da deposição, qual seja, 15 de novembro do referido ano.

O credo na adoção dos modelos republicano e federal estadunidenses como equação para a superação da problemática política nacional, assim como fórmula para o desenvolvimento do país, fez com que os primeiros teóricos e militantes do incipiente regime – capitaneados pelo ilustre personagem Ruy Barbosa - replicassem mecanicamente no Brasil os postulados daquela civilização, sem maiores reflexões acerca das nossas tradições. O que, para muitos teóricos, acabou por ocasionar graves distorções no que se refere ao exercício dos direitos políticos, notadamente em seara eleitoral com o domínio autoritário das elites agrárias sobre a população socialmente vulnerável com o fito de perpetuar seu poder. Outro ponto de degenerescência seria a utilização do aparato estatal, sobretudo de segurança pública na perseguição dos grupos de oposição, além da apropriação do espaço público, por parte dos mandatários daquele período.

As inovações jurídicos-constitucionais de maior relevo trazidas pela Carta da República de 1891 – posterior, como já dito anteriormente, a adoção da república e da própria federação – a merecerem maiores considerações para o assunto a que nos propomos a enfrentar são, sem sobra de dúvida, as competências conferidas aos entes subnacionais e o espectro das autonomias federativas. Dispunham os Estados de competência legislativa sobre processo civil, o que, per se, demonstra o grau de importância política de tais instâncias de produção normativa e consequente centralidade na vida social de tal ente. Diante do que, favorece a maior participação

7 Ob. Cit., p. 13.

(15)

15 política – e por desdobramento, mobilização - do povo residente naquele espaço de poder, em consonância com a boa doutrina federativa e em interface com o princípio norteador da subsidiariedade em um Estado federal.

Outro aspecto de primeira ordem da primeira Constituição Republicana brasileira é o status reduzido conferido aos Municípios, quando comparado às prerrogativas estaduais. O que pode ser explicado pela adoção do federalismo dual de matriz estadunidense. Assim sendo, a organização das edilidades dependeria diretamente do regramento legal exarado pelo Estado-membro ao qual ínsito. O eminente doutrinador Gustavo Sampaio, aponta exatamente essa característica estritamente dual, do federalismo republicano de primeira hora como uma das causas centrais ao malogro daquele regime entre nós. Sustenta o aludido autor que o sistema dual serviu bem aos Estados Unidos da América, dado o processo de agregação federal a que passou, enquanto a experiência de forjamento de um Estado Nacional federal por segregação, como se deu no Brasil, acaba por produzir incongruências no manejo das autonomias dos entes subnacionais8.

A edição de Leis-Orgânicas municipais tocava aos Estados-membros, na forma do art. 68, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil (CEUB) de 1891. Assim na maioria dos entes secundários, tais diplomas se prestavam a fixar contornos territoriais e estruturais às municipalidades. Um dos estandartes desse modelo institucional é o Estado do Rio Grande Sul, de larga tradição autonomista e até separatista – um dos entes responsáveis pela maior e mais referencial produção legiferante daquele período, é citar, pois, o seu Código de Processo Civil e Comercial – que detinha um único estatuto para todos os Municípios.

O professor Zimmermann afirma que a denominada Primeira República, com a adoção da forma federativa em seu modelo dual, forjou um verdadeiro mosaico de oligarquias. Faz menção aos chefes políticos locais, da famigerada Política dos Coronéis, que davam sustentação ao Poder Central em troca de benesses de cunho pessoal, institucionalizando o patrimonialismo enquanto prática política.

8

FERREIRA, Gustavo Sampaio Telles. Federalismo constitucional e reforma federativa, poder local e Cidade-Estado. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2012, pp. 20-21.

(16)

16 Nesse diapasão, referencial obra é “Coronelismo, enxada e voto”9

do ex ministro Vitor Nunes Leal. O autor apresenta um estudo tanto sociológico, quanto estatístico da distribuição de terras e do arcabouço legal e constitucional que faz dos Estados-membros pré-postos dos interesses da União e dos municípios, estes sem dotação orçamentária e desprovidos de aparelho de segurança, meros redutos eleitorais. A organização da polícia, sob o comando absoluto dos chefes-políticos regionais - coronéis que galgaram força e influência política para além dos limites dos seus municípios, tornando-se “soberanos” em todo o Estado – eram milícias políticas organizadas e destinadas a manter intacta a força do líder oligárquico máximo, servindo a suprimir qualquer levante popular, assim como perseguir as organizações de oposição nesse território. Como se isso, por si só já não fora suficiente para impedir o exercício da democracia e da república, o sufrágio era censitário e aberto. Com tudo isso, caso o povo ainda entendesse por bem desafiar o status quo, os donos do poder não hesitavam em recorrer a expedientes ainda menos dignos, tais como assassinatos, chacinas, surras, extravio de urnas, dentre outros. Isso tudo ancorado na proteção das instituições oficiais, como o: judiciário e polícia, para citar apenas duas, todas ocupadas pelos familiares ou apadrinhados do autoritário “Coronel”.

Os fatos apresentados resumidamente acima, e hauridos na citada obra, somados à vulnerabilidade de certos entes subnacionais10 ao lado de outros entes federados colossais, e o extensivo rol de hipóteses em que a União Federal poderia vir a intervir nos Estados-membros, consoante redação do art. 6º/CEUB189111 serviram, e com razão, para o descrédito tanto da incipiente República, quanto da federação há pouco adotada como organização do Estado.

Em termos técnico-jurídicos, a Carta da República de 1891 estipulou o exercício de um federalismo dual, ou seja, com competências privativas tanto à união, quanto aos Estados-membros, no plano legislativo e administrativo. Utilizando-se da discorrida

9

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 2V

10 Os municípios não detinham status de ente federado sob a vigência da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891. A única menção ao município no texto da Carta política de 1891 está adstrita ao art. 68, sendo extremamente amplo e indefinido.

11 A seção 3ª) do art. 6º da CEUB, aduz sobre a possibilidade da União Federal intervir nos Estados “para restabelecer a ordem e a tranqüilidade nos Estados, à requisição dos respectivos Governos”. Como se vê trata-se de norma jurídica indeterminada, amplamente utilizada durante a Primeira República para suprimir qualquer tentativa de oposição ao poder central.

(17)

17 estrutura viciada, as oligarquias mineira e paulista se revezavam na Presidência da República, sob a égide de um pacto denominado “Café-com-Leite”12. Ainda nesse diapasão, a relação de codependência entre os governos estaduais e o Poder Central, dando aqueles sustentação política a este, em troca de assistência e benesses. Isso para não mencionar, as retaliações da União Federal para com os governadores que se mostrassem arredios aos seus interesses. A esse quadro social convencionou-se chamar Política dos Coronéis13.

A conjunção desses fatores históricos, sociológicos e políticos minaram a estrutura federativa da Primeira República, colocando em xeque, diante do povo brasileiro, a democracia dita ínsita a esse modelo. A insatisfação das elites locais dos outros Estados-membros não alinhados com São Paulo e Minas Gerais eclodiu em 1929, quando das eleições gerais. O Presidente Washinton Luis (1869-1957), embora fluminense de Macaé, político de base eleitoral paulista, deveria apoiar como seu sucessor um mineiro, no entanto, descumprindo o acordo, lançou apoio a “outro paulista”, Júlio Prestes de Albuquerque (1882-1946). Isso desagradou os mineiros, que por sua vez apoiaram o candidato da Aliança Liberal14, o gaúcho Getúlio Dorneles Vargas (1882-1954) e o paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (1878-1930), para presidente e vice da República, respectivamente.

Derrotada a Aliança Liberal na eleição, adveio um golpe em 1930, denominado Revolução de 30, capitaneada pela oligarquia Sul Rio Grandense, que levaria de qualquer forma Getúlio Vargas ao Poder Central.

Do ponto de vista institucional, o primeiro passo foi uma guinada centralizadora, afastando a ampla autonomia política experimentada pelos Estados-membros no curso de 1891 a 1930. A União Federal torna-se absoluta e o executivo federal avança sobre os demais poderes. É ferida de morte tanto a separação horizontal, quanto a vertical de poderes, ideia-chave do federalismo.

12

Op. Cit. pp. 301 a 307.

13 Política instituída pelo Presidente Hermes da Fonseca, que consistia no apoio mútuo do Poder Central aos chefes-oligárquicos e vice-versa.

14

Coligação abrangendo várias oligarquias regionais para a disputa das eleições em 1929, contra o candidato paulista e governista Júlio Prestes, que acabou eleito.

(18)

18 Ante o estado de coisas havido sob a vigência da primeira carta republicana nacional, foi inevitável o descrédito em relação à experiência federalista e espectro autonomistas dos Estados-membros, favorecendo o movimento centralista perpetrado pelo novo grupo político que chegara à Presidência da República, por meio de uma revolução. O chamado Governo Provisório de Getúlio Vargas ainda angariou mais apoio popular a partir de uma série de medidas adotadas, visando a modernização econômica do país, notadamente do seu parque industrial. Adentrávamos assim em uma fase nacional-desenvolvimentista. Tais mudanças impuseram transformações sociais profundas, como a substituição gradual das importações de produtos manufaturados por uma produção doméstica, ainda que incipiente, implicava o fortalecimento dos conglomerados urbanos com o desenho de uma classe plural - com intelectuais, profissionais-liberais e operários, nas cidades, superando a estrutura iminentemente agrária do império e da primeira república.

A popularidade do novo chefe do executivo federal possibilitou as reformas centralizadoras, no sentido da modernização nacional e da consecução de um Estado de Bem-Estar Social. Superada a última resistência à plena implantação do novo paradigma político, com a derrota do insurgente Movimento Constitucionalista de São Paulo pelas tropas federais, é proposta a elaboração de mais uma Constituição, inspirada nas Cartas Mexicana de 1917 e alemã de Weimar de 1919. Promulgada em 1934, a de menor vigência de nossa História. Símbolo do caráter centrípeto da recente quadra que se inaugurava foi o fim do bicameralismo legislativo federal.

Exasperado as relações políticas e sociais durante o período da Carta de 1934, Vargas aproveita a crise inaugurada, e um tanto forjada, pela Intentona Comunista ocorrida em Natal, nos idos de 1935, para suspender as garantias democráticas e irromper um golpe, que mais tarde seria chamado de estado Novo.

No esteio do golpe, Getúlio outorga a Constituição de 1937, designada posteriormente por Polaca, dada a semelhança que possuí com a Carta polonesa, de inspiração nazi-facista, expressões políticas de relevante influência nas décadas de 1930 e 1940. Como se pode deduzir, tratava-se de um documento extremamente autoritário.

(19)

19 No campo internacional, a humanidade vivenciava a II Guerra Mundial, que apesar do nome, fora travada no hemisfério Norte, quase que em sua totalidade na Europa continental, capitaneada pelos governos totalitários da Alemanha e Itália. O confronto teve termo em 1945 após a vitória dos denominados Aliados – Estados Unidos da América (EUA), Inglaterra, França e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

A derrocada dos governos autoritários ao redor do mundo minou a legitimidade do Governo Varguista, criando condições objetivas para a retomada da democracia no Brasil. Segue-se no país um clima democrático com a promulgação da Constituição de 1946, que vem a pôr novamente em relevo as garantias individuais, cuidando para que os direitos sociais galgados na Era Vargas fossem igualmente mantidos,

No plano global, o crack 15 da Bolsa de Valores de Nova York, em, 1929, seguida pela aguda crise econômica que a sucedeu, obrigou a centralização de prerrogativas, ao menos do ponto de vista da regulação econômica de mercado, aos Estados-Nação. Notadamente os Estados Unidos da América, berço da teoria federalista, promoveu uma série de ajustes institucionais, a fim de prover a União Federal dessa capacidade de regulamentação, para superar os graves problemas sociais e o alto índice de desemprego. Denominada New Deal16, a política de reestruturação econômica e industrial levada a efeito pelo presidente Franklyn Delano Roosvelt, inaugurou uma nova fase da organização federativa, classificada pelos teóricos como federalismo de cooperação frente ao federalismo dual.

O federalismo cooperativo difere do dual exatamente pela ausência de competências privativas entre os entes federados, pelo menos aos Estados-membros, cabendo essa categoria de prerrogativas ao Poder Central. Todos os níveis de governo, União, Estados e Municípios17 agem conjuntamente, na elaboração e consecução de

15

Quebra da bolsa de valores de Nova York pelo excesso produtivista, sem nenhuma ou pouca regulação por parte dos estados.

16

Programa de reformas econômicas e institucionais posto em prática pelo Poder Central dos Estados Unidos, objetivando o fim da crise financeira. ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 281.

17

A Constituição da República de 1988, dirigente, dita cidadã, inovou ao elevar a categoria de ente federado o Município, assim o federalismo brasileiro assuma uma característica de tridimensional ou tripartite, na forma da boa doutrina. É ler: “A República Federativa do Brasil, formada pela união

(20)

20 políticas públicas e mesmo no que tange a produção de normas. A federação passa a atuar, nesse estrito sentido, sob a lógica, do que o Professor Gilberto Bercovicci conceitua como hegemonização18. Como facilmente se depreende, acontece que essa organização acaba por minorar a autonomia dos demais entes federados em face da União, entendimento do teórico Augusto Zimmermann, ao qual nos filiamos. Ipsis literis:

“Dominante no cenário político, o federalismo cooperativo não dispõe de fronteiras claramente definidas na questão da distribuição de competências dentre os níveis autônomos do poder. O objetivo explícito é, em síntese, a promoção de uma livre cooperação da União com as unidades federadas. Esta variante, uma vez adotada no Brasil pós-revolucionário da década de 1930, se expôs às suas mais dramáticas deturpações, que por vezes praticamente aniquilaram o próprio espírito federativo, conduzindo-nos de tal maneira à centralização excessiva e às inúmeras crises político-institucionais subsequentes.”19

O corifeu do constitucionalismo pátrio, Professor Paulo Bonavides é mais rigoroso em sua análise do modelo cooperativo de federação. De acordo com o ilustre doutrinador “O mal do chamado ‘federalismo cooperativo’ é sua unidencionalidade de fato, o unilateralismo da decisão. Esse só tem uma cabeça: a União. Há sido na prática um verdadeiro federalismo de subordinação (contradizendo a lógica do sistema) e não de coordenação.”20

As constituições nacionais, desde a de 1934, sendo umas mais centralistas que outras adotaram o federalismo de cooperação como forma de organização estatal. Importante salientar que em certos aspectos, sob a égide de certos regramentos constitucionais o Brasil permaneceu como federação do ponto de vista exclusivamente formal, é o que averiguamos nas Cartas de 1937, a famigerada Polaca, e na de 1967 e indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)”. (Art. 1º, caput, da CR), (grifo nosso).

18

BERCOVICI, Gilberto. Federalismo cooperativo e igualação das condições sociais de vida. In:MARTINS, Cristiano Franco (Org.). Federalismo. Revista de Direito da Associação de Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro Vol. XIX. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. pp. 93 - 100.

19

ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 57.

20

Bonavides, Paulo. POLÍTICA E CONSTITUIÇÃO – OS CAMINHOS DA DEMOCRACIA. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 103.

(21)

21 suas posteriores emendas de 1969. Importante ainda salientar que mesmo em ambiência democrática, o federalismo no Brasil possui caráter centrípeto, com considerável assimetria de competências entre a União e os demais entes subnacionais, é o caso das Constituições da República de 1946 e mesmo de 1988.

(22)

22

CAPÍTULO II

FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL: A SITUAÇÃO DOS ENTES SUBNACIONAIS

Outro ponto nodal ao desenvolvimento de uma verdadeira federação é a divisão das receitas fiscais entre os diversos entes. Nessa senda é inarredável investigarmos a repartição das divisas tributárias na atual quadra histórica em que se desenvolve a democracia brasileira, sob a inteligência da Carta Política de 1988.

Parece-nos claro, pela sistematização adotada no citado diploma constitucional, ter optado o constituinte, quando daquele feito, por um Estado de Bem Estar Social a ser inaugurado com a promulgação da constituição, a posteriori dita cidadã. Assim é que nossa constituição classifica-se doutrinariamente como analítica, o Professor José Afonso da Silva também denomina dogmática21, vindo a ser, por alguns, denominada, prolixa. Sem sombra de dúvidas, podemos dizê-la dirigente, vez que trás em seu bojo um programa a ser desenvolvido a fim de que seja atendida plenamente a dignidade da pessoa humana, dentro de um Estado Social. É ler, a título exemplificativo:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (grifo nosso)

Não sustentamos tais considerações até aqui sem razão de ser, mas sim para demonstrar que, dentro do espírito teleológico da constituição vigente, ao elencar exaustivamente os direitos e garantias individuais e coletivas, podemos incluir nesse rol o aspecto tributário. É tanto assim, que os senhores constituintes reservaram o Título IV

21

Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 38-45.

(23)

23 exclusivamente para regulamentar o sistema tributário e orçamentário nacional. Reiteramos que, da análise dos dispositivos no supracitado título, é cadente a intenção da adoção de um aparato estatal capaz de garantir condições dignas ao povo brasileiro, em detrimento de um Estado meramente liberal.

Nesse diapasão, cumpre-nos a tarefa de analisarmos, ínsitos em tal estrutura, a atual conjuntura de que resultou tal repartição de receitas. É estribado na certeza da impossibilidade da existência de qualquer federação, se os seus entes não dispuserem de receitas suficientes para garantirem sua autonomia, com a capacidade de remunerar seus agentes, manter sua estrutura e implementação de políticas públicas, que enfrentamos tal problemática. O mais importante, no entanto, nesse aspecto é impedir a subordinação de qualquer ente subnacional a outro, mesmo que seja à União Federal.

Para a tarefa que hora assumimos, vamos lançar mão das estatísticas disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ambos órgãos da Administração Indireta do Governo Federal.

Sendo assim passamos a apresentar os dados colhidos22:

UNIDADE FEDERADA RECEITA/2008 (em Bilhões de R$)

ACRE 560.163.762,03 AMAZONAS 4.952.960.505,98 AMAPÁ 450.276.635,57 PARÁ 4.683.925.811,29 RONDÔNIA 1.903.737.195,87 RORAIMA 378.446.341,02 TOCANTIS 1.108.764.866,88 ALAGOAS 1.837.031.401,76 BAHIA 10.886.567.714,36 CEARÁ 5.314.953.588,09 MARANHÃO 2.741.029.642,79

(24)

24

PARAÍBA 2.287.240.540,57

PERNAMBUCO 7.120.386.574,59

PIAUÍ 1.282.748.606,08

RIO GRANDE DO NORTE 2.715.114.091,40

SERGIPE 1.579.444.476,89

DISTRITO FEDERAL 7.099.620.771,18

GOIÁS 7.700.905.501,07

MATO GROSSO 4.629.173.628,34

MATO GROSSO DO SUL 4.626.355.803,27

ESPÍRITO SANTO 7.727.338.831,02

MINAS GERAIS 27.040.370.046,03

RIO DE JANEIRO 22.920.743.457,31

SÃO PAULO 85.749.011.588,03

PARANÁ 13.646.675.479,27

RIO GRANDE DO SUL 17.099.109.886,81

SANTA CATARINA 6.928.368.827,19

UNIÃO FEDERAL 249.984.000.000,0023

Assim, pode-se depreender da tabela supra algumas conclusões sobre o estado de coisas, no que corresponde a atual estrutura da repartição fiscal entre os diversos entes da federação brasileira. É possível, a seu termo, balizado pelos números oficiais, constatar o hiato entre a capacidade arrecadatória entre os Estados-membros, devassando a situação de extrema vulnerabilidade em que alguns deles se encontram em relação a outros, com índices fiscais equivalentes a de países ricos.

Ainda prosseguindo em cotejo analítico, é nítida que a norma-dirigente do art. 3º, III, da CR, supramencionada, não foi cumprida, a despeito d esforço governamental no correr dos anos, nesse sentido. Ínsito a esse percalço, encontramos um debate atual sobre o sistema de repasse de verbas por meio dos chamados Fundo de Participação dos Municípios e Fundo de Participação dos Estados.

23

Dado extraído de <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/090826_NotaTecTribut.pdf>, em 13/5/2012, às 23:06. Fonte SRFB. Valor aproximado.

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25 Assim, tanto o Fundo de Participação dos Estados (FPE), quanto o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) se destinam a cumprir o comando programático constante do inciso III, do art. 3º, da Constituição da República, supratranscrito. Em um federalismo de pretensa cooperação entre seus entes, é mecanismo tão importante como o da legislação suplementar e residual.

O repasse de verbas fiscais é típico instituto do federalismo cooperativo. Em nosso ordenamento jurídico encontra previsão nos art.s 159 e ss da Constituição da República. Por tratarem-se de normas constitucionais de eficácia limitada24, o mecanismo fiscal em comento é regulamentado pela Lei Complementar Nº 62/1989.

Nesse diapasão, iremos trabalhar os dispositivos que a preveêm, operando análise exegética, à luz da boa doutrina e da jurisprudência assentada do Supremo Tribunal Federal. O art. 159 da Carta da República possui a seguinte dicção:

Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e

proventos de qualquer natureza e sobre produtos

industrializados quarenta e oito por cento (48%) na seguinte

forma: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007)

a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento (21,5%) ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento (22,5%) ao Fundo de Participação dos Municípios;

c) três por cento (3%), para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;

d) um por cento (1%) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007)

II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos

industrializados, dez por cento (10%) aos Estados e ao Distrito

24 Ob. Cit.;

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26 Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados.

III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 44, de 2004)

§ 1º - Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto no inciso I, excluir-se-á a parcela da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I. § 2º - A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por cento do montante a que se refere o inciso II, devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido.

§ 3º - Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento (25%) dos recursos que receberem nos termos do inciso II, observados os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II.

§ 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado, vinte e cinco por cento (25%) serão destinados aos seus Municípios, na forma da lei a que se refere o mencionado inciso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).25

A União Federal tem dever constitucional, com espeque no dispositivo supratranscrito, de repassar aos Estados-membros e aos Municípios (Fundo de Participação dos Estados e Fundo de Participação dos Municípios) quarenta e oito por cento (48%) do total de receita tributada, oriunda da arrecadação de impostos sobre a renda e demais proventos (Imposto de Renda) e sobre produtos industrializados (IPI, dentre outros). O inciso I, do artigo 159 ainda estipula os percentuais a serem repassados a cada um dos respectivos entes subnacionais. Fica patente a cautela do constituinte em fixar tais quocientes no próprio corpo da Carta, delegando ao legislador ordinário tão somente a legitimidade para estipular os critérios de rateio desses montantes e os quocientes específicos por Estado ou Município com base nos critérios eleitos.

25 Grifos nossos.

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27 É cadente, ainda sob o cotejo da opção do constituinte, que este se propôs a resguardar os entes subnacionais contra a sanha de uma União que, desde os primeiros momentos da vigência da Carta Cidadã, apresentava-se hipertrofiada em relação às demais pessoas federativas. Fenômeno afeito ao federalismo centrípeto recalcitrante na República desde a Revolução de 30, com avanços e retrocessos no que tange à desconcentração do poder. É cristalino o movimento pendular a embalar a história do federalismo brasileiro no correr do seu escorço, através das diversas constituições outorgadas e promulgadas desde o advento da República e a adoção da forma federal de organização do Estado.

Outro aspecto relevante, e de teor federalista, é o expresso no inciso II, do artigo em comento. Além dos já comentados, repasses vinculados de verbas tributárias, a Constituição prevê expressamente que a eles serão somados ainda dez por cento (10%) sobre o total arrecadado sobre a produção de bens industrializados e remetidos à exportação, oriundo do ente respectivo. É nítido no comando em tela, o dualismo entre o cooperativo e a competitividade federativa26. Explico, se por um lado a Carta emana norma de repartição de receitas entre os entes federados, tendo com nitidez a intenção de dotá-los com recursos suficientemente capazes para adoção de políticas públicas, visando a igualação das condições de vida27 dos cidadãos nacionais espalhados pelos diversos centros políticos estatais; por outro, gera competição entre os Estados-membros, em consonância com os municípios ínsitos em seu território, vez que a receita é diretamente proporcional aos produtos industrializados exportados, a partir de cada um deles.

Ponto inarredável a merecer considerações, ainda nesse aspecto, é a dicção do § 3º, do aludido II, do art. 159. É que tal dispositivo vincula os Estados-membros a entregar aos municípios o montante de vinte e cinco por cento (25%), do total percebido de repasse tributário, previsto no inciso II, qual seja: da exportação de produtos

26

Sobre o tema citamos o artigo de Felipe Barbosa PEREIRA. O FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO: ASPECTOS HISTÓRICOS DE SUA CONFORMAÇÃO ATRAVÉS DO CONTINUUM COMPETIÇÃO-COOPERAÇÃO.

27

BERCOVICI, Gilberto. Constituição e superação das desigualdades regionais. In: GRAUS, Eros Roberto; FILHO, Yillis Santiago Guerra (Org.s). Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 74 - 93.

(28)

28 industrializados, elaborados em seus territórios. Veja que mais uma vez aqui, embora se argua a tridimensionalidade federal pátria, a Constituição da República trata de maneira diversa as prerrogativas dos Estados-membros e do Distrito Federal ante os Municípios, dotando aqueles de certas instituições e competências que não alcançam os últimos, como o pode judiciário e a representação em nível federal. O que nos faz crer ser a posição mais acertada acerca dos níveis federais na República, sob a vigência da Carta de 1988, a do Professor José Afonso da Silva, iminente doutrinador Constitucional, ao sustentar tão somente a bidimensionalidade federativa brasileira, classificando os Municípios como meros componentes federativos e não entes efetivamente28.

De extrema importância, o cuidado do constituinte, no que atine à isonomia federativa. O § 2º, II, art. 159 adstringe o repasse de verba, relacionado a essa categoria, ao máximo de vinte e cinco por cento (25%) por Estado-membro. Criou, de tal sorte, um teto, evitando o predatismo dos entes subnacionais mais abastados em detrimento dos hipossuficientes. Baseado na tabela acima, em que consta o PIB dos Estados-membros e da União Federal, mostra-se a disparidade de infraestrutura e capacidade produtiva entre os componentes de nossa federação. Não houvesse, tal medida, um instituto idealizado para promover o desenvolvimento social e dirimir a desigualdade econômica entre as Regiões do Brasil serviria exatamente ao inverso sentido.

O artigo 159 da Constituição Federal combina-se com o artigo 161, II da mesma Carta, estipulando este o dever ao legislador de regulamentar, por meio de Lei Complementar, as regras para a entrega dos recursos previstos naquele e os critérios de rateio de tais fundos. O aludido dispositivo, portanto, trata-se de norma programática, obedecendo à classificação do Professor José Afonso da Silva, dando sentido finalístico ao primeiro comando, qual seja promover o equilíbrio sócio-econômico. O constituinte ainda prevê, no mesmo diploma legal, a obrigatoriedade de acompanhamento pelos beneficiários, os Estados-membros, Distrito federal e os Municípios, tanto do cálculo das quotas, quanto das liberações. Tal cálculo é de competência do Tribunal de Contas da União. Transcrevo:

Art. 161. Cabe à lei complementar:

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29 I - definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I;

II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios;

III - dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159.

Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II.

A Lei Complementar em tela é a Nº 62/89, objeto recente de três Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADI 875/DF; ADI 2.727/DF e ADI 3243/DF) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (ADO 1.987/DF). A ADO 1.987 foi interposta pelos Governadores de Goiás e Mato Grosso e, diferente das demais, argui potencial inconstitucionalidade por omissão, pelo legislador ordinário, ao elaborar a Lei Complementar 62/89, o que foi provido pelo Egrégio Tribunal, sob a tese da omissão parcial.

Entendeu o STF pela inconstitucionalidade parcial do dispositivo pelas antinomias que a norma, sem revisão vinha produzindo, face a sua desatualização. Como dito, o objetivo da Constituição de República Federativa do Brasil de 1988, ao estabelecer uma séria de transferências intergovernamentais, é o de erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e diferenças regionais, tal a dicção do seu art. 3º, III (norma programática). Ipsis literis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Ultrapassados 20 anos desde a edição da referida Lei Complementar com a adoção de critérios pouco claros, no entendimento do ministro relator e dos demais

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30 magistrados, pela inconstitucionalidade parcial da norma, uma vez que a própria previa que o critério estipulado em se bojo teria vigência até o ano de 1991, a partir de do ano de 1992, a redistribuição se daria a partir dos resultados obtidos no censo de 1990.

Acontece, todavia, que como o Congresso Nacional não estipulou esses novos critérios, como exigia a LC nº 62/1989, permanecendo o regramento pretérito até, pelo menos, o ano de 2012.

A cristalização de paradigmas, quando da aprovação do aludido diploma, nos idos de 1989, fruto de “acordo político” - nas palavras do relator - sem posteriores revisões, pautadas em dados objetivos, como os coletados pelo IBGE, gera distorções entre os Estados-membros, quando deveria se prestar ao equilíbrio sócio-econômico da federação. Explico, é que nos estertores da década de 1980, determinado ente poderia encontrar-se em situação de maior precariedade econômica e social ante outro, mas no correr dos anos subsequentes os desenvolvimento entre eles é destoante. Assim, à medida que um Estado lograsse incremento em seus aspectos sociais, como população, e ampliação de riqueza, mantidos os critérios originários do LC nº62/1989, permaneceria a perceber os mesmos índices de transferências intergovernamentais.

O plenário do Egrégio Supremo Tribunal federal, pronunciou a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, sem redução de texto, e modulando seus efeitos para que viessem a valer ao final do segundo ano financeiro subsequente, qual seja, 2012, com espeque no art. 27, da Lei nº 9868/1999. Prazo não cumprido pelo legislativo federal, registre-se. Transcrevo a excerto do Extrato de Ata em que consta a decisão acerca das ADIs e da ADO:

“O Tribunal julgou procedentes as ações diretas de inconstitucionalidades 875, 2.727, 3.243 e 1.987, para, aplicando o art. 27, da Lei n. 9.868/99, declarar a inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, do art. 2º, I e II, §§1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da lei Complementar n. 62/1989, mantendo sua vigência até 31 de dezembro de 2012, nos termos do voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Vencido, parcialmente, o

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31 direta de inconstitucionalidade 1.987 e, no caso, não aplicou o art. 27 da Lei n. 9.868/99. Ausentes, licenciado, o Senhor Ministro Celso de Melo e, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falou pela Advocacia-geral da União o Senhor Ministro Luiz Inácio Lucena Adams, Advogado-Geral da União. Plenário 24.02.2010.”29 (grifo nosso)

No corrente ano de 2013, o Congresso nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 288/2013, tendo por casa de origem o Senado Federal, e, posteriormente, emendada pela Câmara dos Deputados, no sentido de coibir a união dispor dos orçamentos dos entes subnacionais, na medida em que conceda isenções fiscais sobre tributos que componham a base de cálculo do Fundo de Participação dos Estados. Entendemos, nós, que norma federal exarada pelo órgão legiferante federal resguarda a dimensão do autofinanciamento dos Estados-membros da federação, porquanto os repasses constantes dos art.s 159 à 163 da Carta Política de 1988, não são disponíveis, porém configuram-se como obrigatórios, colaborando assim pelo bom desempenho financeiro de tais entes e pelo equilíbrio institucional do Estado federal.

Além da medida retro, os deputados – no cumprimento das prerrogativas legislativas – é a previsão de compensações fiscais, oriundas das reduções sofridas pelos Estados-membros e Municípios, nos repasses do FPE e FPM, ante a adoção de novos critérios para o rateio, inaugurados pelo PLP em comento.

Cumpre informar que a inovação legal, trazida por projeto de Lei Complementar (PLS) nº 240/2013 da Câmara dos Deputados, sobre a qual tecemos comentários, foi vetada pela Presidência da República, o que ocasionou certa tensão entre o governo federal e o Congresso Nacional, que ameaça derrubar o veto presidencial. In verbis a redação dos dispositivos oriundos das emendas ao projeto inicial:

Emenda nº 1

Acrescente-se ao PLP 288 de 2013 o seguinte artigo:

29

Extraído do sítio do Supremo Tribunal Federal

<<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610258>> às 00:16, do dia 23/7/2013.

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32 “Art. Eventuais desonerações concedidas pelo governo federal incidirão apenas na cota de arrecadação destinada à União, não sendo consideradas para efeito de repasse do FPE e do FPM.

Parágrafo único. Para efeito de repasse do FPE e do FPM, o produto de arrecadação IPI e do IR será acrescido do montante das desonerações mencionadas no caput deste artigo.”

Emenda nº 2

Acrescente-se ao PLP 288 de 2013 o seguinte artigo:

“Art. Nenhuma unidade federada terá participação relativa inferior à que lhe estiver sendo destinada na data de publicação desta Lei Complementar, obrigando-se União a compensar financeiramente, no mesmo exercício financeiro, a redução decorrente desse diploma legal.”30

30 Acessado no sítio do Congresso Nacional

<<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4166B2174C1F0F5781F BE1CEAD047ADB.node1?codteor=1103515&filename=REDACAO+FINAL+-+PLP+288/2013>>, às 18:09, do dia 24/7/2013.

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33

CAPÍTULO III

A REPÚBLICA VELHA É AQUI: O QUE O PRINCÍPIO DA SIMETRIA NÃO EVITOU

A característica mais marcante da denominada República Velha foi a captura do espaço público por grupos de interesses regionais, que prestavam apoio a oligarquias de maior porte, dos Estados-membros mais pujantes da federação - um uma economia agrária e voltada para o mercado externo – para a União Federal. Em contrapartida as estruturas estaduais de poder eram robustecidas pelo governo central, financeira e politicamente.

O período que se estendeu de 1889 à 1929 gerou enorme desgaste à concepção federativa, em razão da indevida utilização patrimonialista das autonomias federadas como meio, em um fenômeno vertical de conurbação entre o público e o privado. As elites regionais legislavam, em termos de organização, de tal forma que pudessem se perpetrar nas direções políticas e econômicas dos entes subnacionais, perseguindo os opositores e largamente lançando mão de expedientes autoritários no trato contra quem ameaçasse seus domínios.

É certa a repulsa que tal modelo entre os mais diversos setores da nação, notadamente os de trato mais progressista. Foi isso, por suposto, que possibilitou a Revolução de 1930, como já abordado no presente trabalho.

A ideia da correspondência de que a uma federação mais autonomista corresponde quase que mecanicamente a hegemonia das elites regionais em favor de poucos, degenerando a o regime republicano em verdadeira plutocracia, com razoável razão, segundo nosso juízo. Esse entendimento fundamentou a concepção de todas as constituições, que se seguiram - inclusive a Carta Cidadã – que a única maneira de garantir a ordem institucional e o progresso nacional seria maior centralismo em nível federal para instrumentalizar o Estado brasileiro no combate aos interesses comezinhos dos que, em tese, eram os vetores do retrocesso. O anseio de institucionalização estatal e a superação do patrimonialismo foi o que galvanizou a concreção de importantes dispositivos constitucionais, tais como as normas de reprodução obrigatórias e o

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34 princípio de simetria, com o fito de equilibrar minimamente a organização de todas as unidades federadas, tendo por referência a União Federal.

O princípio da simetria foi gestado em seio jurisprudencial sob a égide da constituição de 1967 e sua posterior emenda em 1969. A Carta da década de 1960, assim como a Cidadã de 1988, não trazem previsão expressa a tal princípio. Ocorre que o STF, como guardião da ordem constitucional estabelecida, optou por tal entendimento com o escopo, naquele momento, de reproduzir nos Estados-membros e Municípios, o mesmo arranjo institucional da União, em âmbitos regional e local. A mesma organização legislativa, exceto pelo fato da bicameralidade; executiva; judiciária e do Ministério Público seriam adaptados somente a órgãos com abrangência naquele território. Apontamos assim o acórdão da Egrégia Corte, oriunda do RE 74.193, do findo Estado da Guanabara, publicado em 20/6/1973, ou seja, em plena ambiência do Estado totalitário, tendo por relator o Sr. Ministro Aliomar Baleeiro como o posicionamento jurisprudencial que abre caminho para sedimentação do princípio a ser obedecido pelos entes subnacionais. Antes mesmo do aludido entendimento, veio à baila tal discussão por força do Rep. 764 do Estado do Espírito Santo, apreciado pelo Pleno do Tribunal versando sobre o princípio da simetria em determinado dispositivo da constituição estadual daquele ente – lembramos que, mesmo durante a intransigência do Estado ditatorial, o país permaneceu como uma federação, ainda que do ponto de vista estritamente formal – sobre prerrogativas do Tribunal de contas. O brilhante ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Célio Borja, de onde extraímos as informações e fundamentos, conforme atesta nossa última nota, sustenta que “(...)a aplicação da norma constitucional escrita era objeto da decisão do Tribunal, não a regra pretoriana da simetria, que virá, em outros arestos, a ganhar sentido e força próprios”31.

Apesar de toda a técnica jurídica aplicada na análise do caso, não podemos olvidar do caráter político das decisões do Tribunal Constitucional, vez que a própria constituição é o documento político fundante do Estado. Digo isso para fazer menção à ditadura militar que assolava o país naqueles idos, e nessas circunstâncias, como não poderia deixar de ser, a hipertrofia do Poder Executivo ante os demais, que se considere

31

BORJA, Célio. Autonomia e suas restrições – simetria e Intervenção Federal. In:MRTINS, Cristiano Franco (coord.). Revista de direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2008. Vol. XIX. pp. 56-57.

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35 às pressões experimentadas por aquela Corte, muitas das vezes, a última tábua de salvação contra as arbitrariedades e atrocidades perpetradas pelo governo tirano. A adoção do princípio da simetria como linha mestra da organização federal em muito se pode explicar pelo empenho da União Federal em fazer sua vontade e garantir o controle político dos demais entes. Não seria a primeira medida nesse sentido, lembremos-nos do Pacote de Abril e da Emenda Falcão, no campo eleitoral, por exemplo.

A questão mais sensível que se coloca é a recepção da simetria pela Constituição de 1988, de acordo com o entendimento majoritário do máximo órgão jurisdicional do Estado. É que os Excelentíssimos Ministros optaram por uma vertente mais consequencialista da organização estatal, ante a possibilidade de experimentalismo, tão própria e até essencial ao federalismo. Temia-se que a recuperação de maior autonomia pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios viesse a fazer da Nova República uma réplica da era das oligarquias regionais e locais já vivenciada na primeira experiência republicana de 1889 à 1929.

A partir desse ponto, iniciamos um estudo empírico, com dados coletados do Tribunal Superior Eleitoral, para provar que o princípio em comento não impediu a formação, a perpetuação e o alinhamento de oligarquias nos três níveis federais. O levantamento dos resultados das eleições gerais e municipais a partir de 1990 até 2006 permite-nos averiguar que a ampla maioria dos prefeitos eleitos nos Estados-membros são do partido ou do bloco de apoio ao governador do respectivo ente; mostra-nos com clareza, de igual mote, que não há nenhuma bancada estadual na Câmara dos Deputados em que sua composição seja de maioria de oposição ao Governo Federal.

Fizemos um levantamento das eleições para governador e prefeitos no Estado do Rio de Janeiro de 1994 à 2008. Contatamos que o partido que ocupava o Poder Estadual acabara por conseguir o maior número de prefeituras nas eleições seguintes e enorme quantidade de deputados estaduais governistas na Assembleia Legislativa. Evidente que toda regra apresenta exceções, sendo assim enxergamos alguma distinção do Rio de Janeiro para outras Unidades Federadas. Pesquisamos, de igual sorte, o resultado das eleições de 2006 e 2008 nos seguintes Estados-membros: da região Nordeste, o Ceará; da região Sul, o Paraná, e um terceiro da região Norte, o Pará.

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36 Cotejemos, aprioristicamente, os dados coletados do Estado do Rio de Janeiro. Em 1994, o governador eleito foi Marcelo Nunes de Alencar, do Partido Social Democracia Brasileira (PSDB), acompanhando a trajetória hegemônica que essa agremiação, e seus aliados, traçariam no cenário nacional, dominando a União Federal e diversos outros Estados-membros e Municípios no correr da década de 1990. No pleito em tela, o PSDB elegeu 14 (quatorze) deputados estaduais à respectiva Assembleia Legislativa, sem apontar os demais aliados, o que demonstra a facilidade na aprovação de medidas administrativas por parte do executivo e quase ausência de oposição. Podemos dizer, porquanto, que houve uma captura do poder em nível regional por aquele grupo político, que vem a ser reflexo do comando Central no Estado.

Nas eleições municipais de 1996, aquele partido elegera 27 (vinte e sete) prefeitos em todo Rio de Janeiro, número considerável para uma Unidade Federada com território diminuto e pouco municipalizada, correspondendo a quase um terço do total de Municípios. Reitero, sem contabilizar o os partidos aliados e os que vieram depois aderir ao palácio Guanabara.32

Em 1998, apesar do PSDB manter o controle do Poder Central, ocorre uma reviravolta, no Estado em apreço, e a oposição elege como governador Anthony Garotinho do Partido Democrático Trabalhista (PDT), em coligação com Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Socialista Brasileiro. Tal arco de partidos conseguem eleger 17 deputados estaduais, aos quais aderiram, posteriormente, uma gama de pequenas agremiações. Nas eleições de 2000, os partidos da coligação elegeram juntos 44 prefeitos, quase a metade do total de todo o Estado, sem considerar os partidos agregados do governo.

Nas eleições gerais de 2002, Rosangela Barros Assed Matheus de Oliveira, conhecida por Rosinha Garotinho, esposa do governador anterior é eleita para o seu posto, só que dessa vez pelo PSB, em uma aliança bem mais frágil composta por partidos de pequeno porte, muitos dos quais já nem existem, é dizer: Partido Popular

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O registro do TSE não informa a coligação do PSDB no ano de 1994, de maneira que não pudemos contabilizar o total de deputados estaduais e prefeitos eleitos por seus aliados formais naquelas eleições e na de 1996, respectivamente.

Referências

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