O contrato administrativo
É cada vez mais frequente que a Administração Pública, para prosseguir os fins de interesse público que a lei põe a seu cargo, procure a colaboração dos particulares, acordando com estes os termos em que tal interesse é prosseguido. Por outro lado, a complexificação da própria Administração justifica ou impõe formas de coordenação interadministrativa.
A utilização, no plano do direito interno, da via contratual pela Administração Pública pode traduzir-se no uso de dois tipos diferentes de contratos: se a Administração está a exercer atividades de gestão privada, lançará mão de um contrato civil, de trabalho ou comercial, constituindo relações jurídicas de direito privado; se, pelo contrário, se encontra a prosseguir atividades de gestão pública, lançará mão, por norma, do contrato administrativo, constituindo relação jurídicas administrativas. Significa isto que o contrato administrativo não é sinónimo de qualquer contrato celebrado pela Administração Pública com outrem: só é contrato administrativo o contrato com um regime jurídico traçado pelo Direito Administrativo.
Nos finais do séc. XIX e começos do séc. XX, a necessidade sentida pelos poderes públicos de fazer funcionar os mais importantes serviços de carácter económico – transportes coletivos urbanos e interurbanos, iluminação pública das cidades -, por um lado; a escassez de capitais daqueles poderes para os assegurarem diretamente, por outro; e finalmente o facto de, do ponto de vista político-económico, dominar o princípio da não intervenção do Estado na atividade económica (laissez-faire, laissez-passer) fizeram com que se desenvolvesse muito a figura do contrato de concessão, por força do qual a construção e a exploração de obras públicas eram transferidas para empresários particulares.
Alguns autores, sobretudo alemães (Jellinek, Fleiner, Laband, Otto Mayer), entendiam que a figura do contrato era incompatível com o espírito e a essência do direito público: só no direito privado é que seria possível encontrar e construir a figura do contrato.
Por outro lado, o Estado, quando actua no âmbito do Direito Administrativo, não é o Estado-soberano, mas sim o Estado-Administração. Todavia, ainda que o fosse, não se poderia negar a possibilidade e a legitimidade de o Estado ver a sua soberania limitada, uma vez que, se se nega a limitação da soberania, está a negar-se o próprio fundamento de todo o direito público.
Ora, pode concluir-se que, na generalidade dos contratos administrativos, o processo negocial não conduz à prática de um acto unilateral seguido de outro acto unilateral, mas sim e diferentemente, à celebração de um acordo de vontades, ou seja, à prática de um único acto bilateral: há portanto contrato, e não outra figura jurídica.
Em Portugal, como em outros países de influência francesa, a utilização de contratos de direito administrativo foi inicialmente admitida para satisfação de necessidades de gestão: execução de obras (sobretudo através de contratos de empreitada), aquisição de bens e serviços e administração do domínio público. Estes contratos constituíam, tipicamente, contratos de colaboração subordinada, entendidos como contratos privados transformados, nos quais se incluíam cláusulas exorbitantes, que implicavam a reserva de poderes por parte da Administração, considerados indispensáveis ou convenientes para realização do superior interesse público – poderes de direção (que asseguravam a supremacia do contraente público, em vez da igualdade entre as partes) e poderes de modificação ou rescisão (que criavam alguma instabilidade na relação contratual, em vez da estabilidade do compromisso pactuado, típica dos negócios privados).
A importância atual do contrato administrativo decorre, desde logo, do seu âmbito de aplicação, ou seja, da determinação dos tipos contratuais legalmente admissíveis e das condições em que a Administração, para prosseguir as suas atribuições, pode recorrer à via contratual.
Acresce que o recurso à via contratual no exercício da função administrativa passou a ser admitido genericamente, mesmo como alternativa à prática de atos administrativos (contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo) ou à
celebração de contratos de direito privado (contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado).
O contrato administrativo é, assim, um modo de exercício da função administrativa. Compreende-se, por isso, que o respetivo jurídico seja traçado pelo Direito Administrativo. Nesse sentido, o contrato administrativo é o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa. Conforme resulta do artigo 1.º, n.º 5, do CCP, o regime geral das relações contratuais administrativas consta da sua Parte III e assenta na distinção entre colaboração subordinada e cooperação paritária.
Na ordem jurídica portuguesa o contrato administrativo continua a perfilar-se como uma opção alternativa, quer ao acto administrativo, quer, embora em muito menor medida, ao contrato de direito privado. Como referido, o artigo 278º do CCP confere à Administração uma habilitação genérica para, em vista, da prossecução das suas atribuições, recorrer à via contratual. Os únicos limites são a lei e a natureza das relações a estabelecer.
Em Portugal, como em outros países de influência francesa, a utilização de contratos de direito administrativo foi inicialmente admitida para satisfação de necessidades de gestão: execução de obras (sobretudo através de contratos de empreitada), aquisição de bens e serviços e administração do domínio público. Estes contratos constituíam, tipicamente, contratos de colaboração subordinada, entendidos como contratos privados transformados, nos quais se incluíam cláusulas exorbitantes, que implicavam a reserva de poderes por parte da Administração, considerados indispensáveis ou convenientes para realização do superior interesse público – poderes de direção (que asseguravam a supremacia do contraente público, em vez da igualdade entre as partes) e poderes de modificação ou rescisão (que criavam alguma instabilidade na relação contratual, em vez da estabilidade do compromisso pactuado, típica dos negócios privados).
No conjunto dos contratos administrativos, a doutrina tem estabelecido várias classificações e distinções, que continuam a ser relevantes, designadamente para efeitos de regime substantivo.
• Quanto ao fim, distinguem-se os contratos de colaboração, os contratos de atribuição e os contratos de cooperação: a) contratos de colaboração, em que o cocontratante privado se obriga a contribuir para o desempenho de actividades materialmente administrativas, mediante remuneração (empreitada, concessão de obras públicas ou de serviços públicos, gestão de estabelecimentos públicos, prestação de serviços ou fornecimento de bens); b) contratos de atribuição, em que o contrato visa conferir ao cocontratante privado uma situação de vantagem própria, mediante contrapartida (concessão de uso privativo do domínio público, concessão de jogo); c) contratos de cooperação, em que dois entes públicos acordam na realização de tarefas públicas de interesse comum, em função da identidade ou da complementaridade das respectivas atribuições.
• Quanto à relação entre as partes, distinguem-se os contratos de subordinação e os contratos de não subordinação: a) contratos de subordinação, em cuja execução se verifica um ascendente funcional da Administração sobre o co-contratante – que podem ser: i) contratos de colaboração subordinada, sejam contratos de solicitação de bens e serviços no mercado, sejam contratos de concessão translativa, que visam associar um particular ao exercício de funções especificamente administrativas, destacando-se os “contratos relacionais”, que implicam uma relação duradoura (concessões de obra ou serviço público, gestão de estabelecimento público); ii) contratos de atribuição subordinada, contratos de concessão constitutiva de posições jurídicas precárias ou funcionalmente dependentes da Administração (concessões de exploração do domínio público, alguns contratos-programa); iii) contratos de cooperação subordinada, celebrados entre entes públicos, mas em que um deles se sujeita ao exercício de poderes de autoridade do outro (artigo 338.º, n.º 2 do CCP). b) contratos de não subordinação, em que tal ascendente não se verifica – incluindo: i) os contratos de cooperação interadministrativa paritária, em que dois entes públicos contratam num plano de igualdade
jurídica (derivada da privatização e da descentralização); ii) os contratos de colaboração não subordinada (contratos de associação com escolas privadas, contratos com IPSS, contratos de arrendamento ao Estado), em que o co-contratante priva- do colabora no desempenho de uma tarefa pública, mas no exercício de uma liberdade ou autonomia constitucionalmente consagrada; iii) os contratos de atribuição de direitos (a generalidade dos contratos-programa, contratos de investimento, contratos de desenvolvimento, “contratos de licenciamento”, contratos de bolsa), em que se conferem posições não-precárias ou não subordinadas, desenvolvendo o co-contratante particular uma atividade própria dos privados, cujo desempenho interessa ao contraente público.
• Quanto ao conteúdo ou objecto, há três tipos fundamentais: a) contratos com objecto passível de acto administrativo (substitutivos ou integrativos de actos de autoridade); b) contratos com objecto passível de contrato de direito privado (aquisição de bens ou de serviços); c) contratos com objecto próprio (ou exclusivo) de contrato administrativo (concessão de obra pública, concessão exploração de jogos de fortuna ou azar).
• Quanto à eficácia subjectiva, há a considerar: a) os contratos com efeitos principais restritos às partes (a generalidade dos contratos); b) os contratos com eficácia normativa externa (em especial, os contratos de concessão de serviços públicos e de obras públicas ou de gestão de estabelecimentos públicos, relativamente aos utentes, e, sendo caso disso, às empresas prestadoras concorrentes).
BIBLIOGRAFIA:
• AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Volume II. Almedina, 2014.
• OLIVEIRA, Fernanda Paula; DIAS, José Eduardo. Noções Fundamentais de Direito Administrativo. Almedina.
• REBELO DE SOUSA, Marcelo. Lições de Direito Administrativo I. Lisboa, 1994/1995.
Almedina, 1996.