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A mediação natureza/sociedade e as lógicas espaciais e territoriais da luta pela água sob a dimensão dos pressupostos teóricos lukacsianos da ontologia do trabalho

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ- REITORIA DE PÓS- GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

SHAUANE ITAINHARA FREIRE NUNES

A mediação natureza/sociedade e as lógicas espaciais e

territoriais da luta pela água sob a dimensão dos

pressupostos teóricos lukacsianos da ontologia do trabalho

SÃO CRISTÓVÃO

FEVEREIRO/2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ- REITORIA DE PÓS- GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

SHAUANE ITAINHARA FREIRE NUNES

A mediação natureza/sociedade e as lógicas espaciais e

territoriais da luta pela água sob a dimensão dos

pressupostos teóricos lukacsianos da ontologia do trabalho

SÃO CRISTÓVÃO

FEVEREIRO/2018

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Shauane Itainhara Freire Nunes

A mediação natureza/sociedade e as lógicas espaciais e territoriais da luta pela água sob a dimensão dos pressupostos teóricos

lukacsianos da ontologia do trabalho

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Geografia - (Área de Concentração: organização e dinâmica do espaço agrário e regional – Linha de Pesquisa: Produção e Organização do Espaço Agrário). Prof.ª Drª. Alexandrina Luz Conceição.

SÃO CRISTÓVÃO FEVEREIRO/2018

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Shauane Itainhara Freire Nunes

A mediação natureza/sociedade e as lógicas espaciais e territoriais da luta pela água sob a dimensão dos pressupostos teóricos

lukacsianos da ontologia do trabalho

Banca Examinadora

_________________________________________________ Orientadora Profª Dra. Alexandrina Luz Conceição (UFS)

____________________________________________________ Examinador (a) Prof.ª. Dra. Ana Consuelo Fontenele (UFS)

___________________________________________________ Examinador Prof. Dr. Cristiano Wellington Noberto Ramalho (UFPE)

___________________________________________________ Examinador (a) Prof.ª. Dra. Doralice Sátiro Maia (UFPB)

_________________________________________________ Examinador (a) Prof.ª. Dra. Marleide Maria Santos Sergio

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

N972m

Nunes, Shauane Itainhara Freire

A mediação natureza/sociedade e as lógicas espaciais e territoriais da luta pela água sob a dimensão dos pressupostos teóricos lukacsianos da ontologia do trabalho / Shauane Itainhara Freire Nunes ; orientadora Alexandrina Luz Conceição. – São Cristóvão, 2018.

254 f. : il.

Tese (doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Sergipe, 2018.

1. Geografia humana. 2. Trabalho. 3. Pesca artesanal – Sergipe. 4. Política pesqueira – Sergipe. 5. Direito à água. 6. Comunidades. I. Conceição, Alexandrina Luz, orient. II. Título.

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Dedico esta tese,

Aos pescadores e pescadoras artesanais de Sergipe, que dividiram suas vivências e deram sentido a essa pesquisa possibilitando-nos acreditar na coletividade, na cooperação como caminho para o devir.

A Alexandrina Luz Conceição, por ser minha referência e inspiração.

Aos meus pais por todo amor e dedicação.

Aos amigos que partiram, mas que permanecem, que contribuíram com minha formação, me fortaleceram na luta por uma sociedade mais humana, e aos quais os sorrisos nunca vou esquecer: Israel e Romina, presentes!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Alexandrina Luz, professora, orientadora, companheira e amiga. Desde a graduação tem sido minha referência na geografia e meu grande incentivo para estar na pós-graduação desde o mestrado. Me ensina na AGB, no GPECT, e na militância que está além da academia. Sua sensibilidade, generosidade e capacidade crítica me inspira todos os dias.

Agradeço a Universidade Federal de Sergipe e aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Geografia. A CAPES pela bolsa durante o doutorado. As professoras da banca de qualificação, Ana Consuelo e Ester Ferreira pelas contribuições.

Aos professores que compõe a banca final de doutorado pela disponibilidade em debater e contribuir com a tese, Ana Consuelo, Doralice Maia, Cristiano Ramalho e Marleide Sérgio.

Ao GPECT serei eternamente grata por poder vivenciar à academia a partir de um olhar crítico e da ação crítica. Pelas amizades fortalecidas e por partilhar uma geografia e uma universidade que podem ser transformadoras mesmo nos limites. No dia a dia, Danilo, Danilo C, Eliany, Júnior, Maria José, Lucas Lira, Marcelo, Márcio, Michelle, Morgana, Ricardo e Vanessa. A todos que contribuem e contribuíram com o fortalecimento do grupo, Jordana, Ronilson, Leandro, Guto, Fabrícia, Nacelice, Karla, Áurea, entre tantos outros, meu muito obrigada.

A Associação dos Geógrafos Brasileiros e a todos que constroem o seu movimento, sou e serei sempre agbeana.

Ao grupo Spartakus pelos momentos de crescimento e amizade no compromisso com a crítica radical.

Aos parceiros desta jordana: Danilo pela contribuição com debates e o olhar atento aos meus textos, além de ser meu grande parceiro em todas as situações. Jordana minha amiga pelo apoio e cuidado. A Márcio pelos mapas e pelo carinho que só um grande amigo nos oferece, a Vanessa e Marcelo que completam o grupo dos destrambelhados pela amizade e pelo companheirismo. Eliany, Michelle, Ricardo, Júnior e Maria, pela força e amizade dedicada.

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A Yure Silva, pelas contribuições, paciência, generosidade, apoio, amizade e amor que é mútuo. A duas amizades especiais que a geografia me proporcionou e que me emocionam: Jorge Ferreira, entre debates, apoio e carinho e Cláudio Mendonça meu maranhense forte e apaixonante.

Aos amigos geógrafos de João Pessoa, que muito contribuíram na minha formação, Carlos Augusto, Doralice, Mara, Rafa, Vitor, Nirvana, Áurea, Luana, Lairton, Mariana, Maria Salomé e Yure.

A Leandro Pel por ter me proporcionado um importante momento de aprendizado para essa pesquisa. A Simone amiga geógrafa e curiosa, pelo carinho e pelo ABSTRACT. Ao Movimento de Pescadores e Pescadoras, ao Conselho Pastoral dos Pescadores e ao Movimento de Marisqueiras de Sergipe, por permitir que a Universidade se aproxime através de seus pesquisadores numa troca que tem sido mais rica à academia, mas que permite que avancemos juntos.

A Tânia, Elizana e Aroldo pela paciência e amizade. A Gandhi pelo apoio e pelo amor compartilhado. A Telma pela amizade e torcida.

A Naiara e Doucimar pelos cafés e incentivo e a Naiane pelas correções ágeis no português.

Ao grupo de estudos Tornar-se Negro e Negra, pelo aprendizado e pelas provocações ainda imensuráveis no que sou e posso me tornar. Clarissa, Marcelino, Michele, Danilo K, e a todos que estão na luta.

A meus pais Aloizio e Carminha que acreditaram nas minhas escolhas e estão sempre ao meu lado com todo apoio e amor. As sobrinhas Júlia e Sofia pelos abraços que acalmam. A Luquinha por me acompanhar nas pesquisas. A Isau por ter me mostrado o caminho do Movimento na Geografia. A Shauna e demais familiares pela torcida.

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RESUMO

A presente Tese de doutorado parte do pressuposto de que a mediação natureza/sociedade – condição de existência ontológica do trabalho e de produção de vida –, comum dos povos das terras e das águas, é subsumida por relações capitalistas de trabalho e de produção, alterando territórios e territorialidade. Nessa direção, analisamos a pesca-artesanal a partir da concepção lukacsiana da ontologia e do trabalho como mediador da relação sociedade/natureza, que tem o caráter de transição do ser biológico ao ser social. Dessa maneira, dá sentido ao ser social e as suas sociabilidades. Com a reprodução do capital voltada à natureza, a terra e a água são cada vez mais apropriadas na condição de meio universal de produção sobreposto ao valor de uso. Realizamos nossa pesquisa com o estudo da pesca-artesanal no estado de Sergipe, nas suas lógicas espaciais e territoriais, diante da territorialização do capital na forma do agrohidronegócio, no consumo da natureza enquanto paisagem a ser vendida, para a especulação imobiliária, turismo, expropriação da propriedade da terra e da água. A consolidação do avanço do sistema do capital tem no Estado a propagação do discurso da produtividade e do controle da natureza, na forma de investimentos e políticas, tendo a aquicultura como solução na cadeia produtiva de pescados para garantir o país como grande produtor mundial. Os rebatimentos para a pesca-artesanal em Sergipe são verificados na diminuição dos pescados, nos limites impostos no acesso à água e aos meios de vida, via políticas a nível local de incentivos à carcinicultura e à piscicultura as quais ignoram o modo de vida das comunidades pesqueiras, sujeitando as forças da natureza como forma de mercadoria, com o objetivo de acumulação do capital, sendo o mercado condição ontológica para a alienação. Concluímos na nossa Tese que a socialização da natureza como condição de vida dos homens pode ser determinada pela relação de dominação, ou pela produção da vida social a partir de necessidades que não representem a destruição da condição humana. É na compreensão da relação necessidade, qualidade e uso, em contraposição ao círculo vicioso do sistema reificado do capital, que transforma os homens em coisas, que se garante a crescente ampliação da riqueza de produção. Resistir significa reconstituir perspectivas que desloquem o metabolismo do capital para um metabolismo além do capital e, consequentemente, no devir da condição humana.

Palavras-chave: trabalho, sociedade/natureza, pesca-artesanal, comunidades tradicionais, modo de vida, cooperação, propriedade coletiva, resistência.

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ABSTRACT

The mediation between nature / society and the spatial and territorial logics of water struggles in the theoretical Lukacsian work ontology concept.

The present PhD thesis assumes that the mediation between nature / society - the ontological labor existence condition and life production - common to the traditional people from the lands and water land environment, it is absorbed by labor capitalist relations and human nature needs, then changing territories and territoriality. In this way, we analyze the artisanal fishing from lukacsian ontology conception and labor as mediator between society / nature relations that has the transition character from biological to social being. In this way, it gives meaning to social being and its sociability, once, there is a capital growth in natural environments like land and water, it is increasingly appropriate as a universal means of production superimposed on use of value. This research conducted through the study of artisanal fishing in the state of Sergipe, in its spatial and territorial logics, before the territorialization of capital in agro-hydro business form, using nature as a landscape to be sold for real estate speculation, tourism, expropriation of property of land and water. The advancement consolidation of capital system in political entities has the propagation of the discourse of productivity and natural environment control, as investments form and policies. They use aquaculture as a solution for fish production chain to guarantee that the country as a major world producer. The consequences for artisanal fishing in Sergipe can be noticed in its increased reduction by the imposed restrain on access to water and livelihoods, it has been done through local policies of incentives to shrimp farming and fish farming that ignores the fishing communities life style, Pushing nature as a form of commodity, accumulation of capital. A market that is an ontological condition for alienation. We conclude in this thesis that the socialization of nature as a condition of human life can be determined by the relation of domination, or by the production of social life from needs that do not represent destruction of the human condition. Understanding relation need, quality and use, as an opposition to the vicious circle of the reified capital system, which transforms men into things, and ensures the increasing expansion of production wealth. In order to resist to it, we must reconstitute perspectives that shift the metabolism of capital into a metabolism beyond capital and, consequently, reestablish essential needs for human condition.

Keywords: work, society / nature, artisanal fishing, traditional communities, life style, cooperation, collective property, resistance.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Lista de Mapas

MAPA 1 SERGIPE LOCALIDADES VISITADAS

2015-2018... 25 MAPA 2 BACIAS HIDROGRÁFICAS DE SERGIPE...67 MAPA 3: PESCA-ARTESANAL EM SERGIPE 2016...70 MAPA 4: MOVIMENTO DAS MARISQUEIRAS DE SERGIPE ABRANGÊNCIA TERRITORIAL 2018...195

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: ESTADOS BRASILEIROS PRODUTORES DE CAMARÃO

MARINHO E TILÁPIA...41

FIGURA 2: LOGOMARCA DO PROJETO DOM TÁVORA...58

FIGURA 3: TERMINAL PESQUEIRO DE SERGIPE...73

FIGURA 4: REPORTAGEM SOBRE VAZAMENTO DA PETROBRAS...78

FIGURA 5: REPORTAGEM SOBRE POLUIÇÃO DE RIOS EM SERGIPE...79

FIGURA 6: REPORTAGEM SOBRE ESTADO CRÍTICO DO DO RIO SÃO FRANCISCO...79

FIGURA 7: REPORTAGEM SOBRE O PROJETO DOM TÁVORA EM SERGIPE...183

FIGURA 8: CAMPANHA EM DEFESA DO TERRITÓRIO PESQUEIRO...198

FIGURA 9: 1° ANUÁRIO DE PESCA E AQUICULTURA 2014...231

FIGURA 10: 1° ANUÁRIO DE PESCA E AQUICULTURA 2014/2...232

FIGURA 11: FIGURA 10: NOTICIA SOBRE PARCERIA DA ONU E PROJETO DOM TÁVORA/SE...233

FIGURA 12: NOTÍCIA SOBRE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS E MITIGATÓRIAS DA PETROBRAS/SE...237

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: PRODUÇÃO TOTAL DE PESCADO ESTIMADO EM SERGIPE 2007...43 GRÁFICO 2: PRODUÇÃO TOTAL DE PESCADO ESTIMADO EM SERGIPE 2011...43 GRÁFICO 3: PRODUÇÃO DE PESCADO ESTIMADO EM SERGIPE...44

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: TOTAL DE PESCADORES PROFISSIONAIS ARTESANAIS POR ANO DE INSCRIÇÃO EM SERGIPE...69 QUADRO 2: CONFLITOS PESCA-ARTESANAL EM SERGIPE...83

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LISTA DE FOTOS

FOTO 1: CONSTRUÇÃO DO TERMINAL PESQUEIRO DE SERGIPE...73

FOTO 2: PESCADORES DO BAIRRO INDUSTRIAL E DE PIRAMBU...74

FOTO 3: ARATU- POVOADO PORTO DO MATO/ESTÂNCIA...166

FOTO 4: REUNIÃO DA ASSOCIAÇÃO DAS PESCADORAS E MARISQUEIRAS DO POVOADO PORTO DO MATO...167

FOTO 5: PESCADOR ARTESANAL DE PORTO DO MATO...169

FOTO 6: BARRACA PARA TRATAR E VENDER PEIXE NA ORLA DO BAIRRO INDUSTRIAL...171

FOTO 7: PESCADORES DO BAIRRO INDUSTRIAL...172

FOTO 8: BARCOS DE ALTO MAR/PIRAMBU...173

FOTO 9: BARCOS ANCORADOS NO RIO JAPARATUBA...174

FOTO 10: BARCO COM ESTRUTURA FRIGORÍFICA PARA CONSERVAÇÃO DOS PESCADOS...174

FOTO 11: CAMARÕES DE ALTO MAR/PIRAMBU...175

FOTO 12: COMUNIDADE QUILOMBOLA E PESQUEIRA DE RESINA...179

FOTO 13: COMUNIDADE QUILOMBOLA E PESQUEIRA DE RESINA 2...180

FOTO 14: COOPERATIVA, ASSOCIAÇÃO E COLÔNIA DE PESCA DE PIRAMBU...187

FOTO 15: DESEMBARQUE DE CAMARÃO DE ALTO-MAR/PIRAMBU...188

FOTO 16: CATADO DE CAMARÃO/PIRAMBU...190

FOTO 17: REDE DE PESCA DE PESCADORA ARTESANAL DE PORTO DO MATO...191

FOTO 18: BANDEIRA DO MMS- POVOADO MUCULANDUBA...193

FOTO 19: ARTESANATO CONFECCIONADO POR MARISQUEIRA DO MMS/POVOADO MUCULANDUBA...193

FOTO 20: ATIVIDADE DE FORMAÇÃO DO MPP EM RESINA-BREJO GRANDE/SE...196

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABCC- Associação Brasileira de Criadores de Camarão ADEMA- Administração Estadual do Meio Ambiente ASPEPIPO- Associação dos Pescadores de Pirambu BM – Banco Mundial

CELSF- Complexo Estuarino Lagunar do São Francisco CMDS- Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável

CODEVASF- Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco CONDEPI- Conselho de Desenvolvimento Pesqueiro de Pirambu

CPP- Conselho Pastoral dos Pescadores

EMBRAPA- Empresa Brasileira de Estudos Agrícolas

FAO- Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura FAPESE- Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão em Sergipe FIDA- Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola

FMI- Fundo Monetário Internacional

FPI- Fiscalização Integrada do São Francisco IBAMA- Instituto Brasileiro de Meio Ambiente IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MDA- Ministério do Desenvolvimento Agrário MMS- Movimento de Marisqueiras de Sergipe

MPP- Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais

PEAC- Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras PETROBRAS- Petróleo Brasileiro S/A

PRONAF- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar RGP- Registro Geral de Pesca

SEAGRI- Secretaria de Estado da Agricultura, Desenvolvimento Agrário e da Pesca

SEAP- Secretaria Especial de Agricultura e Pesca

SFA-SE- Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento em Sergipe

SUDEPE- Superintendência de Desenvolvimento da Pesca UFS- Universidade Federal de Sergipe

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SUMÁRIO Lista de Mapa... Lista de Figura... Lista de Gráfico... Lista de Quadro... Lista de Foto... Introdução...17

I Capítulo- Lógicas espaciais e Territoriais da Pesca-artesanal em Sergipe...28

1.1-A pesca-artesanal...28

1.2- Da pesca-artesanal à política das cercas em Sergipe...34

1.2.1- As políticas públicas no setor pesqueiro...49

1.2.2- As implicações das políticas de Estado sobre a pesca-artesanal...62

1.3-Do território do capital a Permanência da Pesca-Artesanal em Sergipe...66

II- Capítulo- A pesca-artesanal na mediação da tríade sociedade/trabalho/natureza: construindo resistências...87

2.1-A relação sociedade/natureza na pesca-artesanal...88

2.2 A mediação sociedade/natureza a partir da ontologia do trabalho...107

2.3 O ser social e o processo de reificação...116

III Capítulo - A singularidade do pescador-artesanal...136

3.1 – Da acumulação primitiva às comunidades tradicionais...136

3.2- Costumes, cultura e o papel da memória das comunidades pobres tradicionais ...146

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3.4- A categoria pescador artesanal - Resistência além do trabalho em Sergipe...184 IV- Capítulo - Contradição e Dialética no processo de apropriação da natureza: a pesca-artesanal frente à destrutividade do capital...200 4.1- Natureza e a produção do espaço na pesca...214 4.2 – Natureza Atormentada: as contradições na relação sociedade/natureza...226

Considerações

Finais...241 Referências...247 .

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17 INTRODUÇÃO

Ao construirmos nosso Projeto de Pesquisa, partimos da hipótese de tese que, no Estado de Sergipe, os territórios da pesca estão sendo apropriados pelo capital que objetiva alterar as relações de trabalho e de produção. Desta forma, a mediação natureza/sociedade – condição de existência ontológica do trabalho e de produção de vida, comum dos povos das terras e das águas – é subsumida por relações capitalistas de trabalho e de produção, alterando territórios e territorialidade na luta de resistência no limite estrutural das determinações do capital.

Nossa leitura estava alicerçada no entendimento de que:

A reestruturação produtiva altera as relações de trabalho para a expansão e acumulação do capital. Nesse processo, a relação sociedade/natureza se altera na nova divisão social e territorial do trabalho na produção e reprodução do espaço e, consequentemente, nos territórios da pesca-artesanal;

A pesca-artesanal é responsável por grande parte de quantidade de pescados consumidos no país, e mesmo assim, continua sendo uma atividade não priorizada dentro das políticas de incentivo à atividade pesqueira, em detrimento da aquicultura, agronegócio, hidronegócio e privatização das águas.

A relação sociedade/natureza que se estabelece em territórios camponeses e de comunidades de pescadores artesanais possibilita a permanência e a resistência desses trabalhadores, construindo sociabilidades outras que não a do capital, a partir do trabalho enquanto categoria ontológica e central nas relações sociais.

A partir desses pressupostos, foi nosso Objetivo Geral: analisar a luta de permanência e resistência nos territórios dos pescadores artesanais contra a expansão/apropriação do capital que busca desterritorializar e subordinar as determinações estruturais do capital, alterando as relações de trabalho e, consequentemente, a condição ontológica dessas comunidades autônomas que vivem do trabalho como produção de riqueza, tendo na mediação natureza/sociedade a conformação do seu espaço vivido, percebido e concebido.

(20)

18 A presente Tese está sustentada na reflexão dialética do conhecimento, no que Carvalho (2008) afirma ser a totalidade a categoria fundamental de análise, significando a realidade objetiva em suas correlações concretas (p.51) e na análise das contradições mediante o materialismo histórico, que representa, de acordo com Lukács (2015), o primeiro método:

[...] a desvendar a origem real e, por isso mesmo, a essência concreta das categorias de nosso ser de nossa consciência, de explicitar como produtos do desenvolvimento histórico-social as formas de pensamento tomadas em sua imediaticidade como naturais e eternas (p.120).

A metodologia proposta está alicerçada no objetivo de analisar as contradições que permeiam a relação sociedade/natureza a partir de territórios onde o trabalho aparece como categoria ontológica e central nas relações sociais, produzindo espaços de resistência, não só ao modo de vida imposto pelo capital, mas aos processos em que se configura. É de fundamental importância a compreensão de como a atividade pesqueira artesanal permanece, mesmo diante das imposições de reprodução do capital nos espaços de sua prática, da prática de vida dos pescadores artesanais. Entende-se a pesca-artesanal e a agricultura camponesa como atividades produzidas socialmente e historicamente as quais resistem em sua manutenção a vários modos de produção, já que se estabelece na relação direta com a natureza - condição necessária à reprodução da vida humana.

Compreendemos que a análise das contradições históricas produzidas pelo capital se dá no espaço de forma desigual e combinada, fruto das relações do modo capitalista de produção, que estabelece relações sociais desiguais, de classe, e que tem no Estado a materialização das desigualdades. Nesse contexto, afirma-se que o Estado age através de projetos e políticas públicas direcionadas à pesca, interferindo ou mesmo se ausentado no que se refere à atividade em sua forma artesanal.

Para dar conta de tais reflexões, debruçamos nos estudos da obra de Karl MARX e Gyorgy LUKÁCS, base da nossa análise teórica, na especificidade da reflexão da ontologia do ser social e do capital. A discussão em torno da ontologia do trabalho, presente nas obras de Lukács, foi núcleo das nossas leituras/reflexões, objetivando compreender de que forma a ontologia do ser

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19 social se faz presente nas sociabilidades desdobradas sob o julgo do capital, entendendo que:

Somente o trabalho tem na sua essência ontológica um claro caráter de transição: ele é essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (ferramenta, matéria prima, objeto do trabalho etc.) como orgânica (Lukács, 2013, p. 44).

Reafirmamos que a leitura da obra de G. Lukács: Prolegômenos para uma ontologia do ser social e Para um ontologia do ser social é fundamental por privilegiar a categoria trabalho como essência das relações sociais, que se originam justamente no caráter social do trabalho e permite refletir sobre a pesca- artesanal. É na categoria trabalho que se materializa a relação direta com a natureza inorgânica e orgânica e, portanto, conserva uma essência ontológica em contraposição ao trabalho mercadoria.

As reflexões sobre a relação da unidade e contradições do tripé Capital-Trabalho-Estado foram possibilitadas nas leituras de Karl MARX; István MÉSZÀROS; Ricardo ANTUNES; Sérgio LESSA, Ivo TONET. As discussões que envolvem o conceito de espacialização, comunidade, territorialização, apropriações da natureza a partir do entendimento das categorias analíticas geográficas foram aprofundadas em Henri LÉFÈBVRE, David HARVEY, Neil SMITH, Alexandrina L. CONCEIÇÃO, Ana FANI, Gilson DANTAS, Merleau- PONTY, Karl MARX e Friedrich ENGELS.

No debate sobre comunidades tradicionais, modo de vida, memória à categoria singularidade na dimensão da totalidade das relações sociais de vida das comunidades pesqueiras artesanais, tiveram como aporte as leituras de Rosa LUXEMBRUGO, E. P. THOMPSON, Éclea BOSI, entre outros.

O desenvolvimento desigual; a relação Capital e Trabalho; e o agrohidronegócio foram subsidiados nos textos de Alexandrina Luz CONCEIÇÃO e nas diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado, tendo destaque as pesquisas desenvolvidas no âmbito do Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as políticas de reordenamento territorial/GPECT.

No que remete à compreensão da pesca-artesanal enquanto atividade que permanece e resiste, indo de encontro ao modo de ser universalizante do

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20 capital, e suas especificidades, autores como Carlos DIEGUES, Cristiano RAMALHO, Eduardo CARDOSO e Simone MALDONADO, Catia da SILVA fazem-se presentes nas nossas reflexões.

Temos clareza que para verificarmos as possibilidades de permanência e resistência no lugar, na leitura ontológica do trabalho, é fundamental o entendimento da narrativa dos usos verbais dos tempos dos sujeitos que narram, dando-lhes o lugar dos narradores e colocando-me na condição de ouvinte para identificar e descrever o conteúdo e sentidos das suas falas do ritmo das suas percepções do sentido da vida, do sentido do tempo, do tempo do trabalho, do lazer, do sentido do dinheiro, buscando pontuar as contradições do desejo e do real.

Os sujeitos sociais aos quais nos reportamos têm, no intercâmbio com a natureza, a constituição do seu modo de vida. A transformação da natureza pelo trabalho, o ato de pescar como reprodução da vida social, passa por relações de cooperação à medida que a apropriação das condições naturais para o exercício da atividade não é mediada pela propriedade individual. Para Marx e Engels (2007), a natureza como instrumentos de produção naturais pressupõe os homens subsumidos à natureza. Dessa forma, o trabalho apresenta-se como conhecimento e uso da natureza a partir de relações com base na coletividade. A relação sociedade/natureza, nesse sentido, constitui-se unidade, sendo as necessidades biológicas do ser social satisfeitas, ao mesmo tempo que, através do modo de vida, constrói- se a identidade pelo trabalho.

No sociometabolismo do capital, a ordem de sua reprodução se dá, como aponta Mészáros (2002), doravante sua incontrolabilidade, de forma que o uso da natureza é mediado pela necessidade do valor de troca. A condição de estranhamento da natureza e de si mesmo se estabelece ao passo que as condições da existência humana são sujeitadas à produção da mercadoria como indispensáveis à vida social. Nesse âmbito, a permanência de modos de vida de comunidades pesqueiras representam resistência ao capital, na condição do não estranhamento da natureza e da essência ontológica do trabalho.

Nossa Tese sustenta-se na concepção de trabalho de George Lukács. Para o referente autor, o intercâmbio homem/natureza ocorre pela mediação do trabalho que representa uma determinação ontológica e dá sentido ao ser social. Essa determinação ontológica se dá no entendimento de que “Somente o

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21 trabalho tem como sua essência ontológica, um claro caráter intermediário: ele é essencialmente uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílios, matéria-prima, objeto de trabalho) como orgânica” (Lukács, 1981, p.3).

Para Lukács (2012), o trabalho exerce uma dupla transformação, no próprio ser que trabalha e na natureza exterior, o que propicia o desenvolver de potencialidades latentes, nesse processo que pressupõe o ser da natureza orgânica e inorgânica, de forma que não é possível conceber o ser social sem a natureza (p.286). Essa práxis social, que se manifesta na condicionalidade do natural, o salto, representa o pôr teleológico enquanto processo de consciência “Desde o início, portanto, a consciência já é um produto social e continuará sendo enquanto existirem homens” (MARX E ENGELS, 2007, p.35). A função prático-social de determinadas formas de consciência no plano ontológico geral, falsas ou verdadeiras, conforme Lukács, vai ter grande importância na obra de Marx. Nesse caminho, o que determina as mediações alienantes ou as mediações que consideram as necessidades humanas é a forma de intercâmbio com a natureza.

O pescador artesanal na relação direta com a natureza, que exige na prática da sua atividade o respeito aos ciclos e tempos da natureza, rompe com a lógica de controle e dominação que constituem mediações que alienam.

As nossas pesquisas a campo nos permitiu constatar que a concretude do modo de vida de comunidades tradicionais pesqueiras em Sergipe move-se pela prática na coletividade, tendo o trabalho em sua essência ontológica na mediação natureza/trabalho, como construtor de outras sociabilidades que não a do capital. De tal modo, o valor de uso e a coletividade posta nas relações familiares e de vizinhança permanecem como possibilidade do não assalariamento, no entendimento de que a natureza não é algo fora de suas vidas e sim lugar de vida, e faz com que esses trabalhadores e trabalhadoras resistam cotidianamente vivendo da pesca frente a todas as dificuldades impostas, nas áreas litorâneas e estuarinas.

A pesca-artesanal, atividade extrativista, depende do acesso à terra e à água. Frente a isso, viver da pesca em sua forma artesanal, cuja capacidade de captura dos pescados é de baixo poder predatório, apresenta-se como tarefa

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22 difícil diante de toda pressão que esses ambientes estão sendo submetidos pelo capital. Entre estas: a valorização do uso do solo, mediante processos de expansão imobiliária e do turismo, em que a natureza passa a ser vista como mercadoria e, consequentemente, fonte de lucro, especificamente em áreas consideradas economicamente inexpressíveis, onde os bens naturais ainda apresentam-se abundantes.

O que é abundante e o que passa a ser raro se redefinem sob a lógica da acumulação capitalista enquanto necessidade de reprodução do capital. Deixando de ser um bem livre disponível a todos, as desigualdades sociais são reforçadas, pois passa a ser regido por leis de propriedade. Quanto mais raro um bem, e mais demandado for, maior o seu valor de troca, assim mais diferenciada será a apropriação deste bem (SANTANA, 2001, 180).

O agronegócio via a intensificação da monocultura apropria-se das áreas de mangue, destruindo e expulsando os pescadores de seus territórios de vida. Soma-se a essas questões, a política energética de construção de barragens e hidroelétricas, que desapropriam comunidades e transformam todo o curso e reprodução natural das espécies de água doce. Por outro lado, as políticas públicas direcionadas à atividade pesqueira artesanal no estado de Sergipe não se fazem eficientes nem suficientes para a garantia da permanência das comunidades (tradicionais), já que os espaços/ territórios – dos pescadores – são de interesse do capital na forma de uso do recurso água, como energia, ou das áreas circundantes, como áreas de especulação imobiliária e turística. Além do que, a prioridade dos investimentos públicos direciona-se para a privatização das águas, leia-se hidronegócio, aquicultura.

A atividade pesqueira artesanal produz mais da metade dos recursos pesqueiros do país, embora o capital, sob a mediação do Estado, aproprie-se desses recursos, direcionando para a aquicultura, ou seja, para a criação de pescados que tem como objetivo atender as necessidades de alta produção para o mercado. A apropriação e os modos de uso tendem a se subordinar cada vez mais ao sistema de circulação. A circulação de valor torna-se dependente dos produtos das comunidades que vivem de recursos não inscritos, internamente, nas relações capitalistas. “A produção e circulação capitalista tendem a transformar essas possibilidades num sistema geográfico integrado de produção

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23 e troca, que atende ao propósito da acumulação capitalista” (HARVEY, 2005, p. 56).

A crescente tendência é a interação do modo capitalista e não capitalista tornarem-se interdependentes. “A tendência do capitalismo, portanto, é estabelecer um conjunto universal de valores, baseado no ‘trabalho social abstrato’, definido numa escala global” (Ibidem, p. 63). O sistema sociometabólico do capital, a fim de garantir crescimento, cria novos espaços de acumulação.

A atividade pesqueira artesanal no modo de produção capitalista se mantém como atividade subordinada ao valor de troca, em que os trabalhadores e trabalhadoras que vivem da pesca, apesar das formas de resistência a partir das identidades construídas, vivem no nível de pobreza e subserviência, de modo que só uma inversão à lógica imposta nos espaços litorâneos e estuarinos possibilitaria uma mudança de cenário, o que requer, dessa forma, uma superação da lógica capitalista na produção do espaço. Nesse processo, a relação sociedade/natureza altera-se em novas articulações da divisão social e territorial do trabalho. Este é ameaçado na sua condição ontológica.

Entendemos que a essência ontológica do trabalho da atividade da pesca- artesanal permite que permanências e resistências sejam construídas no cotidiano das comunidades pesqueiras, contrapondo-se à forma alienante do processo de trabalho subjugado ao capital.

As práticas de campo no resgate das experiências de vida e de trabalho dos sujeitos que vivem da pesca-artesanal em Sergipe foi realizada, especificamente, nas comunidades pesqueiras situadas no litoral sul de Sergipe, no Baixo São Francisco e na Grande Aracaju ( Mapa 1), foi capturada através de entrevistas abertas, semiestruturadas; depoimentos e relatos, como também nas consultas a documentos produzidos por órgãos oficiais (Ministério da Pesca e Aquicultura, IBAMA, ADEMA etc.) e pelos Movimentos Sociais ligados à pesca- artesanal, como também as entidades institucionais de suas representações.

As comunidades visitadas foram escolhidas a partir dos conflitos existentes entre o modo de vida das comunidades pesqueiras e a territorialização do capital, de maneira que o urbano, a expansão do agronegócio, da aquicultura, do turismo de consumo da natureza, e a relação com o mercado se fazem centrais a compreensão do que se constitui permanência e resistência na

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24 organização da vida e trabalho dos pescadores e pescadoras artesanais que enquanto comunidade nos permitiu através da memória desenvolver esta pesquisa.

No acesso as narrativas enquanto memória, passado e presente, os entrevistados foram trabalhadores mais velhos que vivenciaram diferentes momentos da captura de pescados na relação de apropriação da natureza. Em torno de suas falas é que nossa análise se constitui uma leitura da realidade da pesca-artesanal em Sergipe.

Foram transcritas as entrevistas de 18 trabalhadores da pesca-artesanal, pescadores e pescadoras, entre eles representantes de associação, colônia e do Movimento de Marisqueiras de Sergipe. Compõe esta pesquisa, conversas em grupo na ASSEPIPO-Pirambu, participação de reunião da Associação de Marisqueiras de Porto do Mato com pescadores e pescadoras, e debates realizados durante três dias entre Resina e Propriá com pescadores e pescadoras de todo estado, na articulação e formação organizada pela CPP e MPP com Movimentos Sociais de Sergipe.

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25 Mapa 1

O processo de observação foi desenvolvido de forma contínua, acompanhado de leituras sistemáticas que compreendem a discussão sobre a ontologia do trabalho, a acumulação de capital, o desenvolvimento desigual e o movimento escalar do vaivém do capital, a centralização-concentração ligada ao agrohidronegócio e outros processos que se contrapõem à prática da pesca-artesanal em que se situam os sujeitos sociais em análise (o impacto em relação aos pescadores, à proletarização, à condução do processo na relação Estado- capital- trabalho) garantiram a base teórica e epistemológica para a descrição, análise e resultados dessa presente Tese, que se apresenta estruturada em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, “Lógicas espaciais e territoriais da pesca-artesanal em Sergipe”, apresenta-se a discussão sobre a pesca-artesanal no conflito com o modo de produção capitalista, o fazer artesanal e de que modo se dá a apropriação da natureza. Em seguida, contrapõe-se à atividade artesanal, as

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26 relações capitalistas de produção, identificando as formas como o capital territorializa-se através de processos que compõem a privatização, o controle e a exploração da natureza.

No capítulo dois, “A pesca-artesanal na mediação da tríade sociedade/trabalho/natureza: construindo resistências”, analisamos a centralidade do trabalho nas relações sociais e sua condição ontológica na pesca-artesanal. Destaca-se o metabolismo com a natureza nas comunidades pesqueiras artesanais e como esse se constitui em singularidade. A análise aprofunda-se no processo de alienação como constituinte da sociabilidade instituída na universalidade do valor-de-troca, bem como a essência do trabalho ontológico impõe limites ao processo de reificação do ser social.

O terceiro capítulo, “A singularidade do pescador-artesanal”, dá-se em torno da constituição do debate sobre comunidades tradicionais em um paralelo com comunidades comunistas primitivas e o costumes e cultura de comunidades pobres, no sentido de apontar o reconhecimento do modo de vida tradicional a partir de singularidades que se destacam no que é o sociometabolismo do capital, no ponto que o debate em torno dessas comunidades se põe na organização do trabalho, no sentido da cooperação e das relação com a natureza. Nesse caminho, são apontadas de que forma se estabelecem a permanência e a resistência das comunidades pesqueiras em Sergipe, a partir do relato dos pescadores sobre o cotidiano do produzir-se na atividade pesqueira, e de que forma se estabelece as singularidades definidas no debate sobre comunidades tradicionais.

No quarto capítulo, “Contradição e dialética no processo de apropriação da natureza: a pesca-artesanal frente à destrutividade do capital”, a reflexão se dá em torno da apropriação da natureza, sua produção no modo de produção capitalista e a forma como as comunidades pesqueiras se apropriam como condição de vida com base no valor de uso e na unidade sociedade/natureza. As contradições na relação sociedade/natureza finalizam a reflexão, na compreensão do que representa uma natureza atormentada pela destrutividade do capital na sua necessidade crescente de produção de valor.

Nas Considerações Finais, aponta-se a natureza não apenas como conceito, mas como condição real de existência, de forma que pensar a emancipação humana faz-se necessário a partir do que é vital ao ser social.

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27 Condição irrefutável do ser, o trabalho carrega em si a condição de liberdade, que nas comunidades tradicionais pesqueiras aparece na vida cotidiana como resistência à sujeição completa à lógica do capital no processo de estranhamento do que é vital à vida social.

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28 I CAPÍTULO- LÓGICAS ESPACIAIS E TERRITORIAIS DA PESCA- ARTESANAL EM SERGIPE.

1.1-A pesca-artesanal

A condição de ser pescador artesanal está diretamente relacionada ao acesso a ambientes onde se reproduzem os pescados que historicamente fazem parte da alimentação humana. A pesca, sendo atividade extrativista, para ser exercida em sua forma artesanal, exige um conhecimento do que pescar, do onde e do como capturar, o que demanda uma relação direta e de experiência com ambientes marinhos, com o rio, com mangues, onde se dê a prática da pesca. Essa experiência além de dar sentido à pesca-artesanal, permite uma sociabilidade construída em torno dessa prática.

A pesca-artesanal enquanto atividade extrativa tem a natureza como condição concreta da sua realização, a pesca na condição de trabalho media essa relação, que em diferentes momentos do processo histórico e modos de produção, assume papel importante enquanto atividade estratégica ligada diretamente à navegação e ao processo de formação das cidades.

No Brasil Diegues (1983) faz uma importante leitura sobre a pesca-artesanal, um histórico da atividade pesqueira e a análise em como se deu o processo de proletarização do trabalhador da pesca, especialmente no litoral do sudeste do Brasil, trazendo uma discussão paralela sobre o pescador e o camponês que em algumas situações configuravam o mesmo trabalhador.

Para Diegues (1983), a pesca-artesanal caracteriza-se a partir do trabalhador que resiste, já que há uma liberdade posta ligada ao domínio do processo de trabalho. Conforme o autor, a pesca configura-se como uma fonte importante de alimento anterior à agricultura, sendo principalmente lacustre e fluvial nas sociedades primitivas. No entanto, grandes avanços são alcançados na Idade Média, de forma que era comum, na Inglaterra e na França, em propriedades feudais localizadas em zonas costeiras, a renda da terra, ser paga com peixes ao senhor da terra pelos camponeses.

Diegues verifica que a pesca praticada em cidades medievais, exercida com maior organização, propicia que nos séculos X e XI apareçam as primeiras

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29 corporações ou confrarias de comerciantes ligadas à atividade pesqueira. Com a pesca de longo curso, em mares mais distantes, há também a necessidade de capital para manutenção dos barcos e tripulação.

Dentre as funções articuladas à atividade pesqueira, Cardoso (2001) chama atenção a importância da pesca marítima para o processo de acumulação do capital e da consolidação do capital mercantil dependente do comércio de longas distâncias. No século XV e XVI, por sua vez, atrelados as navegações que precedem o capital industrial no processo de acumulação.

A Revolução Industrial possibilitou o aumento da produção pesqueira. Com o barco a vapor, permitiu centenas de toneladas de carga e a melhoria dos meios de transporte, que permitiu a comercialização dos pescados nos centros urbanos. No século XIX, essas mudanças tecnológicas acarretaram mudanças profundas no processo de trabalho e na organização produtiva da pesca, o que fez com que pescadores artesanais procurassem trabalho na pesca industrial (DIEGUES 1983). Considera o autor que, no século XIX, na Inglaterra, havia vida distinta, entre os pequenos pescadores e os pescadores que trabalhavam embarcados nos barcos a vapor, proveniente da Revolução Industrial. Isso porque já havia uma proletarização diferenciada e muito mais intensa na pesca direcionada ao mercado, devido à intensificação do capital industrial.

Para Diegues, a proletarização na pesca, se dá com a introdução no modo de produção capitalista, com a separação do pescador dos meios de produção, embora esta tendência estivesse presente desde o século XIX. Foram as transformações técnicas que permitiram a captura de pescados em grande escala, e a concentração de capital que, inevitavelmente, levaram a uma forte mudança na prática da atividade pesqueira, tanto na escala mundial como na nacional.

O capital sujeita as relações no seu processo de acumulação e incide sobre a pesca de diferentes formas. Em seu modo artesanal a pesca tanto é sujeita ao processo de acumulação, na produção de mercadoria, ao mesmo tempo que representa relações não inscritas no ciclo de reprodução do capital. O pescar artesanal se dá no conflito entre diferentes estruturas produtivas, com variados graus de inserção de capital. A condição de identidade construída na atividade pesqueira artesanal, a condição de comunidade tradicional, está na relação direta com a natureza como condição de vida.

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30 A pesca-artesanal não é tão somente conceituar e descrever a atividade no seu processo de trabalho, não é apenas contrapor à atividade artesanal a industrial, na sua capacidade de captura, mas entender o movimento da pesca em sua forma artesanal e as relações que ela possibilita construir, de maneira a apontar para permanências e resistências na sua forma de organização.

O Brasil é um país com grande diversidade em sua formação natural, no caso da pesca, em suas modalidades artesanal e industrial, essa diversidade é considerada, e possui relevância de maneira que a produção da pesca em grande escala instala-se primeiramente onde há uma possibilidade de uso da tecnologia disponível. Sendo a pesca-artesanal uma prática marítima e continental, nas regiões Norte, Centro-oeste e Nordeste, elas predominam, levando em conta diversas determinações que mediam a relação sociedade/natureza na pesca, e nesse sentido de que forma se dá a organização da mesma:

A precariedade e a incerteza da pesca condicionam as formas de organização de trabalho que repercutem na divisão do produto e no perfil do pescador. O modelo de organização do trabalho depende de um conjunto de aspectos- as artes ou técnicas- que estão a mobilizar mão de obra, de uma certa divisão de trabalho, das características das heranças das artes, dos barcos, das formas de propriedade, do conhecimento dos fundos marítimos e da disponibilidade dos recursos pesqueiros. (SILVA, 2008, p. 18)

Atualmente, no Brasil, a pesca conserva seu caráter artesanal com algumas diferenças entre as regiões. Enquanto no Sudeste e Sul do país, há uma maior concentração da pesca industrial, no Nordeste a pesca-artesanal predomina, atingindo 75% da atividade correspondente à pesca. Para Silva (2008), alguns fatores são determinantes para entender esse processo, que vão desde especificidades naturais “interessantes” à produtividade de mercado, aos incentivos dados pelo Estado às empresas. Nas regiões Sudeste e Sul, há uma plataforma continental mais larga, com fundo que permite a técnica de arrasto, utilizada por grandes embarcações; enquanto no Norte do país, a topografia é irregular e não favorece o arrasto.

O Nordeste é a segunda região produtora de pescados, segundo relatório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-

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31 IBAMA1, no entanto a plataforma continental é estreita, e o fundo formado por

corais limita a prática do arrasto. Nas regiões Sul e Sudeste há também um grau de produtividade de espécies que interessam ao mercado devido a correntes marinhas ricas em nutrientes e características dessas regiões. Para Silva (2008), esses elementos naturais conjuntamente com o incentivo fiscal do governo na década de 1960 para atrair incentivo privado para a atividade pesqueira, fizeram com que a pesca industrial tivesse mais força nas regiões Sul e Sudeste, onde grande parte das empresas mantinham suas sedes.

Para Diegues (1983) o fato da pesca industrial está mais articulada no Sudeste e Sul do país, está ligada a condições naturais e históricas que permitiram uma acumulação mais intensa de capital nessas regiões, e nesse caso distinta do modo de ser da pesca-artesanal. Para o autor, a pesca artesanal não desapareceu, mas passa a estar dependente e subordinada à pesca empresarial- capitalista. No caso do Nordeste, o autor vai afirmar que apesar de prevalecer a pesca-artesanal há uma apropriação do excedente da pesca- artesanal por empresas presentes na região. No entanto a pesca-artesanal extrativa, continental e de estuário ainda é responsável por 60% da produção nacional, o que para Silva (2008) demonstra a permanência da atividade e sua importância produtiva.

Falar da produção pesqueira nas regiões não configura uma tentativa de delimitar modalidades de pesca a determinados espaços físicos. De acordo com Diegues (1983), passa pela compreensão da forma como a atividade pesqueira se organiza enquanto atividade produtiva subordinada à produção capitalista que se espacializa. A produção de pescado em sua forma artesanal ou industrial tem diferentes alcances:

Assim, o pequeno pescador inserido na pequena produção mercantil simples tem condições técnicas e de conhecimento para explorar ecossistemas limitados espacialmente tais como lagunares. A exploração do ecossistema oceânico que implica conhecimentos especiais de navegação, tamanho e potência adequada de embarcações, se fez historicamente fora dos quadros de pequena produção mercantil. (Ibidem,1983, p. 108).

1 Segundo relatório do IBAMA-Estatística da Pesca de 2006, a região Nordeste é a segunda região em produção de pescados por meio da pesca extrativa marinha, com o número de 155.162 toneladas.

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32 A espacialização das modalidades de pesca no Brasil, submetidas a condições naturais e históricas, compõe o desenvolvimento desigual resultante do modo de produzir do capital. A prática da pesca-artesanal configura-se em espaços para acumulação onde os recursos ainda não estejam esgotados. Desse modo, contrapor a pesca-artesanal a outras modalidades de produzir pescado implica pensar de que forma a organização da atividade pesqueira artesanal ao longo da história representa, enquanto trabalho, uma maneira diferenciada de se relacionar com a natureza.

Para Ramalho (2007), as mediações específicas da pesca permitem sua leitura como arte, a arte de se fazer pescador artesanal, do conhecimento e controle significativo do processo de trabalho, que lhes permite não estar submetidos à plenitude do modo de produzir do capital, e, portanto, de organização do trabalho que subverte a lógica capitalista. No entanto, o modo de ser do capital passa pela captura do trabalho, e o ato de exercer trabalho- pesca, passa pelo trabalho abstrato:

Concomitantemente a esse processo expansionista do capital ao mesmo instante em que é parte dele, o trabalho reduziu-se - em termos objetivos e subjetivos - às funções opostas da atividade artística nos espaços atingidos pela economia capitalista moderna. Se o trabalho do artesão havia sobrevivido às intempéries e às tentativas efetivadas pelos adeptos das belas-artes de retirar (ou desqualificar) o caráter de arte de seu fazer profissional anteriormente, na era industrial o trabalho transformou-se em inimigo do exercício criativo, de uma estética refinada, ato mecânico e pobre, antítese da liberdade e, para muitos, algo somente necessário para permitir a mera sobrevivência. Desse modo, o percurso, que levou a hegemonia do modo de vida burguês, acabou produzindo uma radical e definitiva separação entre trabalho e arte, para muitos homens e mulheres, por negar a noção de criatividade, liberdade e beleza ao mundo do trabalho na era do capital, atingindo fortemente, ademais, o fazer artesanal. (Ibidem, 2007, Pág74)

O fazer artesanal enquanto arte passa pelo domínio do processo de trabalho, das condições disponíveis ao trabalhador, que permite exercer suas habilidades a partir de suas necessidades e realidade. Esse fazer artesanal permanece na atividade pesqueira não somente na condição de arte, mas como única possibilidade de exercer seu trabalho, quando não há condições de incorporar tecnologia.

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33 Os diferentes graus de incorporação de tecnologia e capital na atividade pesqueira converte-se em conflito entre estruturas produtivas, pois mesmo na pesca-artesanal, há modalidades mais voltadas à subsistência e outras que empregam técnicas de maior captura voltada ao mercado. O que para Cardoso (2001) faz com que a identidade do pescador- artesanal emerja numa questão territorial enquanto pauta e articulação de movimentos sociais voltados à manutenção da atividade. Ante as diferenças existentes, trata-se da permanência da pesca em sua modalidade artesanal, no confronto com estruturas que afetam diretamente na organização da atividade enquanto modo de vida:

A chamada pesca artesanal envolve uma diversidade de modalidades de técnicas, modos de apropriação dos recursos pesqueiros, formas de organização da produção e distribuição dos rendimentos. Sua definição não deve apenas estar atrelada a questão do instrumental tecnológico empregado nas capturas e sim nas formas de organização social das pescarias. (Ibidem, 2001, p. 35).

Conforme Cardoso, trata-se da maneira como se estabelece a apropriação da natureza, sendo que na atividade pesqueira essa apropriação, se dá enquanto processo de conhecimento construído na prática do pescador, pelo trabalho. O que levaria à constituição de territórios pesqueiros a partir do uso, da prática comunitária da pesca que exerce domínio e conhecimento sobre determinados espaços. Ao apropriar-se da natureza, há uma ampliação do debate que municia o pescador artesanal na esfera do Direito sobre possíveis articulações que vislumbre avanços à categoria, e permite ao pescador compreender sua ação, que organizada, transforma-se em movimentos representativos em torno da atividade. (CARDOSO, 2001).

A apropriação da natureza é justamente o que nos permite afirmar que há, na pesca-artesanal, que media a forma de apropriação da natureza e dá identidade ao trabalhador/trabalhadora, um contraponto, um conflito latente, e permanente com o modo de produzir, guiado ao capital, enquanto forma de se apropriar da natureza apenas na condição do lucro, do trabalho abstrato, enquanto mediação da geração de valor.

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34 O esforço não é o de conceituar, o que seria a pesca-artesanal, ou ser pescador artesanal, mas o de compreender as relações que permitem identificar a atividade pesqueira na modalidade artesanal como sendo um trabalho que impõe limites à produção capitalista, na reprodução sóciometabólica do capital.

A atividade pesqueira artesanal em sua mediação sociedade/natureza possui especificidades na forma de ser do trabalho subjugado ao capital e na forma de produzir natureza, portanto pescadores e pescadoras como contradição ao território do capital. A pesca é uma atividade que gera como fruto do trabalho recursos não totalmente controlados há um tempo de reprodução da natureza necessário, o que também é um limite à racionalidade capitalista e que tem sido enfrentado com uma forma de produzir pescados que permite alterar o tempo da natureza, a aquicultura.

1.2- Da pesca-artesanal à política das cercas em Sergipe

A pesca-artesanal enquanto atividade extrativista depende das condições dos ambientes marinhos, estuarinos e lacustres, assim como da terra, enquanto extensão das relações construídas na mediação sociedade/natureza. Diante dessa realidade, viver da pesca em sua forma artesanal, onde a capacidade de captura dos pescados é de baixo poder predatório, apresenta-se como tarefa difícil frente toda pressão que a atividade é submetida nas relações sociais de produção capitalistas.

A primeira dificuldade é a diminuição dos pescados, em todo litoral brasileiro, e principalmente em áreas de estuário, onde a pressão da pesca industrial predatória, a construção de barragens e hidrelétricas, a poluição e o assoreamento dos rios, impedem consideravelmente a reprodução das espécies marítimas, tornando-se um grave problema ambiental e uma grande barreira à reprodução das comunidades pesqueiras. Frente a isso, esses “espaços” que correspondem ao de reprodução da atividade pesqueira sofrem uma crescente pressão. Entre elas a valorização do solo, mediante processos de expansão imobiliária e do turismo, em que se dá o consumo da paisagem, pelo retorno à natureza como fonte de lucro.

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35 O agronegócio na expansão da monocultura se apropria de terras onde estão os cursos das águas ou áreas de mangue, destruindo e expulsando pequenos produtores e pescadores de seus territórios de vida. Soma-se a essas questões, a política energética de construção de barragens e hidroelétricas nos rios, que para construir os lagos reservatórios, com o impacto das inundações, desapropriam comunidades e transformam todo o curso e reprodução natural das espécies de água doce com o controle da vasão e mudança na força das águas. Soma-se ainda a privatização das águas através do hidronegócio em suas formas de mercadorização, incluindo a aquicultura que estabelece-se a partir de cercas onde antes se tinha um ambiente considerado livre.

Para Conceição e Sousa (2012), o hidronegócio inscreve-se na reorganização produtiva no Brasil, impulsionado por setores primário- exportadores e transnacionais, que torna a natureza apenas uma auxiliar no processo de produção capitalista, de forma que a terra e a água, elementos da produção camponesa tornam-se alvo do modelo de desenvolvimento agroexportador no campo:

O termo “hidronegócio” tem sido empregado no Brasil no final dos anos 1990, como sinônimo da abundância e riqueza de recursos hídricos do país e tem permitido a expansão de um modelo de desenvolvimento especializado em utilizar a água como negócio. (Ibidem, 2002, p. 152).

A expansão desse modelo de desenvolvimento que integra terra e água como negócio é ratificado nos moldes do agronegócio, hidronegócio, ou agrohidronegócio, que representa processos de mercadorização da água e que estão diretamente ligadas ao debate da pesca-artesanal - atividade que representa condição de vida- e possibilita uma sociabilidade que leva a um modo de vida pautado no trabalho, pesca.

O agronegócio, consolidado no processo de modernização da agricultura, monopoliza o território, extraindo a renda da terra, sujeitando o trabalho que se dá na terra, o que inclui o uso da água para irrigação. O agrohidronegócio representa o conflito na disputa da demanda por água destinada ao agronegócio enquanto grande projeto de desenvolvimento para o país, e que não inclui outros usos nessa demanda. O hidronegócio, seguindo o modelo de produtividade do

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36 agronegócio, expande-se a partir dos cultivos nas águas, e é a racionalização do capital, integrando completamente terra e água.

Com a expansão da reprodução do capital no território onde comunidades praticam e vivem da pesca-artesanal, há um conflito iminente na forma de organização do trabalho, no viver da natureza como extensão de vida ou como meio de produção.

A atividade pesqueira artesanal produz mais da metade dos recursos pesqueiros do país, segundo o Ministério de Pesca e Aquicultura2 e o Relatório

descritivo da I Conferência Nacional de Pesca artesanal3, em 2009, mesmo

assim o capital por intermédio do Estado, como faz com a produção camponesa, apropria-se desses recursos no momento da circulação/mercado, sem que esse faça os devidos investimentos na atividade em sua forma artesanal.

Não apenas os números4 revelam a relevância da atividade no Brasil,

mas as próprias relações sociais, construídas a partir da atividade pesqueira, e que fazem parte da concepção de comunidades tradicionais enquanto conceito que permeia políticas públicas. No Decreto que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável para comunidades tradicionais, em seu artigo 3º, inciso I, povos e comunidades tradicionais são definidos como:

Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (Decreto N° 6.040 de 7 de fevereiro de 2007).

2 O Ministério da Pesca e Aquicultura foi criado em 2009 e extinto em outubro de 2015, sendo incorporado como secretaria no Ministério da Agricultura, em alguns estados, a incorporação final deu-se de forma gradativa, em Sergipe, a incorporação completou-se em meados de 2016.

3 A Conferência da Pesca Artesanal tem o objetivo de discutir políticas públicas para a atividade pesqueira artesanal, sendo esta organizada por movimentos de pescadores e pescadoras, entre eles, associações, colônias, sindicatos e federações de pescadores. A proposta da Conferência Nacional resultou em um relatório da mesma em que retrata a situação e as demandas da pesca- artesanal no Brasil, de forma que esses movimentos, juntos, somem forças para atuar perante o Governo Federal e os Estaduais.

4 Segundo documento produzido na I Conferência da Pesca Artesanal, os pescadores e pescadoras artesanais são responsáveis, por 65% da produção pesqueira, o que representa 500 mil toneladas por ano, no entanto grande parte da pesca desembarcada não é contada, pois a forma de recolhimento de dados ainda é muito precária, o que leva a um subdimensionamento da real produção da pesca-artesanal.

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37 Apesar de haver políticas direcionadas às comunidades tradicionais e nesse sentido a pesca-artesanal não se inviabiliza que os maiores incentivos por parte do governo estejam direcionados para a aquicultura, ou seja, a criação de pescados, que tem como intuito atender às necessidades de mercado. No Estado de Sergipe a pesca-artesanal vem sendo pressionada, sendo postos obstáculos reais à manutenção das comunidades pesqueiras artesanais. Para Silva (2015), a atividade pesqueira passa por um processo de especialização e de divisão social do trabalho desde a implementação da industrialização brasileira, criando a pesca industrial, a aquicultura, a pesca amadora e a pesca- artesanal, que são previstas em lei como modalidades da atividade pesqueira.

A pesca é regulamentada pela Lei n°11.959, de 29 de junho de 2009 que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, a qual define a pesca como toda operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar, apreender ou capturar recursos pesqueiros. Destaca-se alguns artigos e parágrafos importantes da lei que vão definir e delinear a pesca e a política pública e de incentivos à atividade em várias dimensões:

Artigo 2° parágrafo I- recursos pesqueiros: os animais e os vegetais hidróbios passíveis de exploração, estudo ou pesquisa pela pesca amadora, de subsistência, científica, comercial e pela aquicultura.

Artigo 4º A atividade pesqueira compreende todos os processos de pesca, explotação e exploração, cultivo, conservação, processamento, transporte, comercialização e pesquisa dos recursos pesqueiros.

Parágrafo único. Consideram-se atividade pesqueira artesanal,

para os efeitos desta Lei, os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal.

O reconhecimento de todo processo ligado à atividade pesqueira como pesca, passível de direito e acesso a direitos sociais e trabalhistas, possibilitou um cadastramento em maior número de pescadores e pescadoras por todo Brasil. Segundo Documentos do Ministério da Pesca em Sergipe, no ano de 2015 no estado, foram contabilizados mais de 38.000 pescadores cadastrados, e 44 organizações de pescadores, destas, sendo vinte e cinco Colônias, Dezessete associações, um Conselho e uma Federação.

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38 Para ter acesso a direitos provenientes da prática da atividade pesqueira é necessário ser registrado juntos aos órgãos que regulamentam a pesca. O registro geral da Atividade Pesqueira- RGP foi instituído pelo Decreto de Lei n°221 de 28 de fevereiro de 1967, e ratificado pela lei que regulamenta a pesca em 2009. De acordo com Documentos do Ministério da Pesca, a Instrução Normativa de 6 de junho de 2012 regulamenta procedimentos para obter o registro geral de pesca necessário ao exercício da atividade.

Para obtenção do registro são consideradas duas categorias, pescador profissional industrial e pescador profissional artesanal, sendo considerado profissional da modalidade artesanal:

Aquele que exerce a atividade de pesca profissional de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, podendo atuar de forma desembarcada ou utilizar embarcação de pesca com Arqueação Bruta (AB) menor ou igual a 20 (vinte) (Artigo 2° parágrafo II).

Essa conceituação do pescador- artesanal pauta-se na diferenciação dos limites de captura. Por isso a arqueação bruta relacionada ao volume do navio é usada como um dos definidores das categorias da atividade pesqueira. O entendimento da pesca-artesanal se dá como de baixo poder predatório, daí a delimitação do volume da embarcação, já que a partir das normativas legais estabelecidas, direciona-se a Política Pública, a depender das demandas identificadas, diferenciadas para cada categoria. Para o Ministério da Pesca e Aquicultura no Brasil, conforme documento produzido do balanço das atividades de 2013, há aproximadamente um milhão de pescadores, trabalhadores simples, que dependem da pesca para sobreviver, mas é na aquicultura que o país pode desenvolver a produção em escala, tornando-se competitivo mundialmente.

O Relatório da I Conferência Nacional da Pesca Artesanal5 em Brasília

(2009) já apontava de forma crítica o direcionamento das políticas para a pesca. Mesmo com a criação do Ministério da Pesca e da Secretaria de Pesca e Aquicultura, em 2003, o que poderia representar um avanço para a atividade. Segundo o referente Relatório, viu-se que:

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39 A maioria dos atuais investimentos e políticas públicas está voltada para o fortalecimento do hidronegócio, com exclusivo interessado de privatizar as águas para instalação de fazendas de cultivos. Dessa forma suprimem os territórios das comunidades pesqueiras e promovem a desregulamentação da legislação ambiental, conquistada historicamente pelas lutas e mobilizações populares. (p. 2).

De forma que, questões centrais à garantia da pesca-artesanal, enquanto atividade produtiva e pautada pelas organizações em torno da pescaartesanal -como reservas extrativistas, políticas que considerem a realidade local - são desconsideradas, em detrimento de políticas específicas para atividades como a carcinicultura, por exemplo, que isentam os pescadores industriais de crimes ambientais, consequentes de suas atividades produtivas. A carcinicultura e a piscicultura, inclusive, tomaram grande força no Brasil impulsionando a prática do cultivo de espécies marinhas.

Em Sergipe, a aquicultura só começa a apresentar dados mais consistentes a partir da década de 1990. Para Menezes (2014), a falta de um histórico da produção pesqueira e aquícola no estado, dificulta as análises e a formulação de políticas voltadas ao setor. Estudos da Empresa Brasileira de Estudos Agrícolas- EMBRAPA em Sergipe por Lima e Silva (2014), apontam a aquicultura estuarina com importante papel para alguns municípios no estado, destacando São Cristóvão que faz limite6 com a capital Aracaju, um dos

primeiros municípios a apresentar tanques de criação de pescados localizados nas proximidades do estuário do Rio Vaza Barris.

A referida publicação da EMBRAPA (2014), em conjunto com Grupo de Pesquisa sobre Aquicultura e Sustentabilidade da Universidade Federal de Sergipe, sobre a carcinicultura marinha em Sergipe, mostra que na década de 1990 a carcinicultura se espalhou no estado, principalmente o cultivo da espécie de camarão Penaeus vannamei devido ao seu alto preço de mercado, o que fez com que viveiros que anteriormente cultivavam peixes e outras espécies estuarinas passassem a exercer a carcinicultura.

Para Lima e Silva (2014), a atividade de aquicultura praticada no Rio Vaza Barris tem raízes históricas do período colonial, com o cultivo de peixes

6 O Rio Vaza Barris é limite a Zona de Expansão Urbana de Aracaju-ZEU, definida pela Lei Municipal de no 873 de 1 de outubro de 1982, com os municípios de São Cristóvão e Itaporanga D’Ajuda.

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