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FONTE: NUNES, S.I. Pesquisa de Campo/2016

Os problemas relatados pela comunidade perpassam pelo avanço das águas do mar sobre o rio, o que impede o consumo da água e influi nas espécies, antes fonte de subsistência da comunidade, além do conflito envolvendo o reconhecimento da terra quilombola diante da ofensiva de fazendeiros da região e de empresas imobiliárias:

Aqui a gente vivemos, antigamente tinha uma água barrenta de seis em seis mês, e agora não tem mais enchente, água barrenta é a que se chama que atrai o peixe, esse período não tem mais, que se chama o período paradeiro. A água barrenta desde que veio essas barragens, quando tinha só uma lá para cima ainda vinha, mas de agora por diante, com essa continuação do tempo que eles fizeram mais aí, por aqui não existe mais. Cada vez mais piorando. Nós tomava água doce por aqui, hoje mais ninguém toma, vai buscar de Piaçabuçu que é cidade mais próxima para lá, a não ser que cave um poço. (J- 40- pescador

artesanal- Povoado Resina- Brejo Grande/2016)

Mudou porque depois que fizeram essas barragens aí para cima, aí o peixe aqui foi diminuindo, e agora nesse momento aqui nosso por conta dessa água do mar que tá avançado nesse rio aqui nosso, aí a produção de peixe agora tá diminuindo muito, de acabar não, a natureza de Deus não acaba, mais diminuiu muito (C. 46 anos - pescador artesanal e quilombola- Povoado

Resina-Brejo Grande/2016)

Mas nós era para ser expulso daqui pelo fazendeiro, depois quando nós começemos a luta em 2003 para 2004.

181 Começemos, chegou Padre Isaías aí ele veio fazer as visitas as comunidades, aí veio aqui a Resina, o pessoal daqui era a pobreza mesmo, era uma tristeza, porque tinha o peixe, mas você não conhecia dos seus direitos, você vivia aqui que eles diziam que a terra era deles. Nós trabalhava aqui era para o fazendeiro, não apanhava porque eles não batiam, mas era um cativeiro, porque se você plantasse um coqueiro, você plantava era para ele, você plantava uma roça, plantava todinho o mato, o cajueiro tudo derrubava, depois largava o fogo, depois fazia a roça, para plantar a macaxeira, aí ele dizia agora pegue o coqueiro e plante, você plantava mais era para ele, o dono, o fazendeiro. Era muita gente que vivia aqui, morava muita gente, agora só para trabalhar para ele. Acharam pouco pegaram uma empresa chamada Norcon, aí jogaram, chegou um véio e disse que comprou essa terra aqui da resina para cá, aí foi todo mundo, ele disse: Comprei essa área aqui é minha já, aí ele disse que comprou a doutor Josan, que era outro herdeiro. Pediram os documentos, ele disse que da resina até o gato preto era dele, e disse que não ia querer ninguém lá. O véio disso que ali era bonito, e não queria nenhum pescador ali, ali ia fazer campo de golfe, resort, disse que as meninas dava para aproveitar para trabalhar (C. -46 anos- pescador artesanal e

quilombola, Povoado Resina- Brejo Grande/2016)

Os depoimentos dos pescadores de Resina relatam a luta pela permanência, enquanto comunidade quilombola e pesqueira, para a garantia da terra e ao acesso da água. Parte dos pescadores é levada a pescar no mar, numa comunidade marcada pela pesca no estuário, devido à diminuição dos pescados no rio. Para garantir a subsistência familiar, recorrem à criação de animais e da agricultura, presente na comunidade através do plantio de arroz inundado, que devido à mudança das cheias no rio, tem impedido essa prática, além de outras atividades complementares:

Associação é quilombola e de pescador também, aqui vive da pesca e é agricultor também, a pesca não tem mais condição de sobreviver, nós planta macaxeira, cá tem o coco, que cada três mês dá também algum real. Tem tomate, tem pimentão, coentro, e agora essas mulé tem o projeto do óleo de coco que dá outro rendozinho. Mas se for pelo rio mesmo, se pescador for viver de dentro do rio, ele não vai ter condição não. Se o rio desse o peixe, como antigamente é bom, a gente se criou no rio, é uma pescaria que você come, você vende, antigamente você comia, dava, e fazia o dinheiro, porque o peixe era aí, até de linha de mão nessa praia aí, porque isso era longe, o mar que veio comendo, tinha uma croa aí. (C. -46 anos- pescador artesanal e

182 Em frente às adversidades impostas ao viver da pesca-artesanal, o que se apresenta como solução é a noção de progresso e desenvolvimento voltado à produtividade de mercado. Objetiva-se a substituição do aprendizado comunitário na relação direta com a natureza, condição necessária de pescador para sua relação com o mercado enquanto empreendedor, indo de encontro à lógica de organização da pesca-artesanal. Em visita a SEAGRI, em outubro de 2016, foram apresentados projetos voltados à atividade pesqueira que envolvem o incentivo à aquicultura. A fonte de financiamento propagada tem sido garantida pelo projeto Dom Távora, parceria entre o FIDA e o Estado de Sergipe, com o orçamento de 28,3 milhões para todo estado, sendo 2,6 milhões só para o Baixo São Francisco.

Entre as atividades financiadas pelo projeto, além da rizicultura e do beneficiamento do coco, está a piscicultura (Figura 6). De acordo com o assessor da SEAGRI Jean Paolo Costa, os projetos oriundos da Secretaria são de ordem coletiva, entretanto os benefícios são apenas para as comunidades que assumem os investimentos em aquicultura. Desse modo, seria necessário facilitar licenças ambientais para carcinicultores e piscicultores de menor porte, além de pleitear um selo de comercialização, para que os pescados oriundos da atividade adquiram maior força no mercado através de programas do governo federal.

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FIGURA 7: REPORTAGEM SOBRE O PROJETO DOM TÁVORA EM SERGIPE.

FONTE: GOVERNO DE SERGIPE. Disponível em: http://www.seagri.se.gov.br/projeto/2/projeto- dom-tavora. Acesso em 24/01/2017.

As soluções apresentadas por órgãos do governo a atividade pesqueira vão na contramão das demandas apresentadas pelos movimentos organizados em torno da pesca-artesanal. Em Publicação do Conselho Pastoral dos Pescadores com apoio do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, são analisados os conflitos socioambientais em territórios Pesqueiros de todo Brasil, incluindo Sergipe. Este documento reflete e identifica a base desses conflitos no controle da natureza enquanto recurso, pautada na produtividade para o capital. Nesse sentido, terra e água são submetidos à lógica, que representa o agronegócio:

Enquanto modelo de controle direto sobre os ambientes naturais, o agronegócio é um dos principais exemplos da lógica do domínio que avança desastrosamente sobre os territórios pesqueiros por meio da produção de soja, cana, frutas para exportação, eucaliptos e bambus irrigados e da criação de gado, além de avançar sobre os territórios aquáticos com a carcinicultura e a piscicultura. (Conselho Pastoral dos Pescadores, 2016, p.10)

184 A percepção dos movimentos de resistência em torno da pesca-artesanal tem não só identificado os conflitos existentes nos territórios pesqueiros, como tem feito análises sobre a apropriação da natureza enquanto mercadoria, em uma lógica contrária à presente nas comunidades pesqueiras. Nessa direção, reivindicam o direito não só a sua identidade, a nível institucional, como também o direito à terra e a água, referente aos conflitos socioambientais que estão vinculados ao modo de produção capitalista.

Em suma, a natureza constantemente vinculada a uma questão ambiental é também a natureza apropriada como recurso em uma ofensiva da expansão capitalista que não é passível de recuo. A terra e a água, para os pescadores artesanais, são condições de vida, em conflito permanente diante de um modelo de desenvolvimento que as mercadoriza.

Partindo do espaço, do mundo para o pescador artesanal, esbarramos com uma complexa teia de julgamentos de valores, de cisões e fragmentações engendradas pela força acelerada da modernidade e das formas de modernização. Para essa força, o pescador precisa desaparecer ou não aparecer, apesar de que o “ camarão e o peixe fresco são gostosos, muitos saborosos e apreciados”. Num processo profundo de alienação e de fetiche da mercadoria, o pescador vira uma metáfora- um ser poético, uma pintura, um nome bonito de restaurante à beira-mar. (SILVA, 2014, p.20)

No entanto, os pescadores-artesanais em seu modo de vida nas comunidades pesqueiras, não cabem nos ideais românticos ideológicos dos escritos, das imagens, das músicas, que os veem apenas como resquícios de uma natureza a ser admirada. De um tempo passado a ser apreciado. O conflito está presente nas comunidades pesqueiras artesanais e a permanência e resistência que se estabelece nessas comunidades, dão a dimensão do que seja a relação sociedade/natureza não mediada pelo capital.

3.4- A categoria pescador artesanal - Resistência além do trabalho em Sergipe

Diante dos enfrentamentos da realidade imposta ao viver da pesca, as reivindicações que perpassam pela atividade artesanal têm sido articuladas a

185 partir de diferentes institucionalidades, através das colônias e associações de pescadores. O pescador artesanal enquanto categoria reconhecida pelo Estado exerce sua atividade a partir de determinado controle, no momento que a atividade da pesca está associada ao registro de pescador. Garantir as reivindicações no setor da política pública torna-se alvo de disputa dentro das ações governamentais.

Para Cardoso (2001), a especificidade da atividade pesqueira reside na articulação terra e água necessária à condição de ser pescador, e no produzir espaço. A forma de relacionar-se dos pescadores artesanais com a natureza também é mediada por relações que atingem diretamente a possibilidade do viver da pesca, por processos que se apropriam da natureza para a expansão da produção capitalista, nesse viés, o pescador é levado ao embate que suscita a luta política como forma de garantir sua permanência.

A politização do movimento dos pescadores tem alguns marcos a serem sublinhados. Entre estes, a Constituinte da Pesca de 1988, que equipara os direitos sociais das colônias aos dos sindicatos de trabalhadores rurais, e que mobilizou e movimentou pescadores a nível nacional, a destacar o papel de articulação da Comissão Pastoral de Pescadores. Segundo Cardoso (2001), apesar de carregar uma forte intervenção do Estado através da instituição das colônias, a mobilização da Constituinte representa um salto na articulação do movimento de pescadores, mesmo com as contradições presentes no processo de disputa das representações:

Do papel à realidade, o caminho da conquista e gestão democrática das Colônias de pescadores é mais tortuoso. Ao passo que pescadores de algumas localidades conquistaram suas colônias e Federações, democratizando os processos eletivos e gerindo-as de acordo com interesses legítimos da categoria, em outras situações predomina o poder do atraso, com interventores nomeados administrando esses organismos e interesses alheios à categoria indicando seus representantes legais. (Ibidem, p.106)

O caminho para a organização dos pescadores artesanais é apontado por Cardoso (2001), no papel das colônias, e outras organizações, na forma de associações e sindicatos. A mobilização dos pescadores para reunir-se e decidir sobre suas demandas, no entanto enfrenta justamente as contradições da

186 institucionalidade representativa, que por vezes é tomada por interesses que vão de encontro às necessidades do que seja a pesca-artesanal, utilizando-se apenas da mediação, trabalhador da pesca/Estado.

Nesse trajeto, outras frentes se abrem, seja em escala local, ou nacional, para que as pautas da pesca-artesanal tornem-se pautas políticas de enfretamento pela garantia da terra e água enquanto reprodução da vida. Em Sergipe, o depoimento dos pescadores revela o reconhecimento das representações na garantia de direitos da categoria, mas também a angústia diante dos limites das colônias e associações ou da inexistência de uma mobilização maior em torno de suas demandas:

A colônia funciona no auxilio maternidade para a pescadora, doença e aposentadoria e para o pescador, doença, aposentadoria e defeso. A colônia é o órgão original da pesca, a colônia vai fazer 105 anos. (M. Pescador artesanal e Presidente

da Colônia de Pirambu, Pesquisa de Campo /2016)

A associação de pescadores aqui é mais organização para benefício, agora para esse negócio de seguro desemprego, de defeso, para beneficiar quase ninguém, existe a associação para você está organizado para receber o defeso, agora para ser beneficiado fora isso em nada mais (J- 53 anos- pescador

artesanal- Pirambu/2016)

Por enquanto o que ajudaria era ter uma associação e o povo se reunir para ter alguma coisa mais organizada, umas coisas que chegasse para o pescador mais fácil, aqui na comunidade precisa de tanta besteira. Ajuda só do governo mesmo com esse seguro, que o sujeito saí tapeando para ter uma rede nova (J. -

40 anos- pescador artesanal- Povoado Resina- Brejo Grande/2016)

O único bairro que não tem associação é aqui, todo canto tem, na coroa do meio tem, nos interior tem, colônia nós somos da Z1, mas aqui não tem nada, a colônia nunca se interessou por aqui, capitania nunca se interessou por aqui, porque naquele tempo a gente pagava dizimo, um tal de um dizimo para pescar, aí era a licença a cada três mês, seis mês aí quando vencia tirava de novo, era o IBAMA. (G. -68 anos-pescador artesanal,

Bairro Industrial- Aracaju/2017)

Quanto à demanda das representações e da articulação das necessidades advindas da atividade pesqueira, as comunidades do município de Pirambu/SE têm suas pautas distribuídas entre a Colônia de Pescadores Z5, a Associação dos Pescadores de Pirambu- ASPEPIPO, e a CONDEPI, que

187 funciona enquanto associação comunitária para receber, armazenar, tratar e comercializar os pescados, além do apoio a nível de estrutura dos barcos, como consertos e óleo diesel. No caso da Colônia Z5 e da ASPEPIPO, em conversa com seus presidentes, estes informaram que ambas têm o papel de reunir a documentação necessária para garantir aos pescadores e pescadoras o RGP, o seguro defeso, a licença maternidade e a aposentadoria, em mediação com os órgãos públicos responsáveis. (Foto 14 e 15).

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