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A tutela possessória

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Academic year: 2021

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A TUTELA, JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL, DA POSSE

A tutela judicial do poder da posse constitui pedra de toque para a sua subsistência nos limites de um sistema jurídico e, por tal, escapando aos ímpetos, sempre personalísticos, de justiça privada ou manu propria. O relance de vistas sumário sobre a posse, sugestivo de uma situação de incerteza na definição da titularidade dos direitos reais, pode inculcar a estranheza de uma protecção jurídica de quem, não bastasse o risco de estar na trincheira adversária do proprietário, ainda usou de usurpação ou esbulho para ela chegar. Tal tutela judicial justifica-se, contanto que gize apenas e sempre uma atribuição meramente provisória até à definição definitiva dos direitos, sendo estes os seus axiais:

A defesa da paz pública através da proximidade ou contacto do possuidor com as coisas - que frui, detém, explora -, o que traz a vantagem indelével de evitar a desordem e, nesse crivo, garanti-la quando arvora uma via tutelar que imuniza a justiça por mãos privadas;

 A posse facilita ainda aos reais titulares de direitos sobre a coisa a faculdade de sobre ela manterem a disponibilidade fáctica, sem necessidade da

invocação permanente da existência dos seus direitos. Com isso a posse,

situação provisória, facilita a defesa dos direitos dos titulares dos direitos reais possuídos, bastando-lhes a prova, apenas, desta. É certo que existem vias de tutela mais garantísticas e absolutamente definitivas, mas a verdade é que é igualmente certo que uma acção de prevenção, de restituição ou de manutenção, sob os ónus probatórios inerentes, são de mais fácil recorte e sucesso do que uma acção de reivindicação pelo proprietário, mais demorada, mais investigatória e de mais difícil prova. Sim, acaba-se nesta linha de tutela por reconhecer situações provisórias de privilégio de um possuidor com usurpação sobre um proprietário, mas a ligação umbilical da detenção à pessoa é que funda a presunção que, como é, é ilidível e o carácter provisório é-o nessa linha precisa de provisoriedade.

A própria necessidade de organização das infra-estruturas sociais e

económicas, pois é a posse que vem permitir, sob a anarquia ou o niilismo de

vacaturas de propriedades passivas, que a inacção da económica seja um (des) valor em si mesmo. Quando alguém, mesmo que só com posse, explora uma

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coisa, dá-lhe a destinação económica pretendida, o que o direito respeita enquanto valor económico de aproveitamento.

Quando falamos de tutela possessória sugerimos duas vias de tutela. Uma extrajudicial, com alicerces na legítima defesa e na acção directa, e outra judicial, desempenhada pelo contencioso judicial possessório. Dentro deste distinguem-se os meios de defesa judicial urgentes dos meios de defesa judicial comuns ou ordinários.

→ Meios de tutela extrajudicial

Vêm à liça a acção directa e a legítima defesa enquanto meios de autotutela de uma perturbação actual, necessária e urgente de um direito fora do curso, mesmo que o mais diligente, dos tribunais, prejudicados pela impossibilidade de uma resposta em tempo útil. Já de seguida veremos que com esta tutela privada de direitos reais coexistem outros meios judiciais de tutela, como a acção de prevenção, de manutenção ou de restituição. Uma visa impedir a perturbação da posse contra a ameaça iminente, outra conservá-la e a última recuperá-la, razão por que estes meios extrajudiciais, além de nascerem sob a impossibilidade de recurso em tempo útil aos tribunais, têm de se revelar no ínterim entre a perturbação e a destituição da coisa. Fora daí, caem pela própria natureza das coisas.

O código civil refere-se tão-só, na dicotomia entre meios de tutela privada e judicial, à acção directa como meio dos primeiros (art.º 1197.º CCiv.). A remissão, contudo, deve estender-se, além do art.º 327.º CCiv. (acção directa), à legítima defesa prevista no art.º 328.º, contanto se reúnam, num ou noutro caso, os respectivos pressupostos: necessidade urgente de defesa de um interesse próprio

revelado pela ligação à coisa e não acautelável pelos tribunais em tempo útil, deixando-se aos sujeitos privados, eles mesmos e sob um critério de proporcionalidade, a sua defesa. O estado de necessidade, na exacta medida em que é uma acção sobre coisa alheia, escapa naturalmente à tutela possessória.

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Caracterizados pelo exercício em juízo, chamamos acções possessórias àquelas que reunidas formam um contencioso possessório, i. é, o conjunto de acções de tutela ou protecção das violações ou ameaças empíricas ao facto posse. Entre eles meios há que são urgentes e outros que são ordinários.

Embargos de terceiro

É um meio processual de reacção do possuidor às ofensas da posse resultantes de diligências judicialmente ordenadas (art.º 1205.º CCiv. cjg. art.ºs 286.º ss CPC).

A lei faz-lhe referência substantiva, mas com olhos que endossam o conhecimento para a lei processual que defina a sua admissibilidade, sobretudo quanto aos prazos de exercício judicial, delimitado em 30 dias desde o conhecimento, pelo possuidor, da ofensa (art.º 288.º.2 CPC). Quando se fala em diligência ordenada judicialmente está-se a referir a penhora ou o arresto, bem como quaisquer outras diligências de apreensão ou entrega de bens, e isto em acções judiciais em que o possuidor, não sendo parte, é atingido nos bens sobre que exerce posse - posse formal ou posse causal.

Pedra angular é a formação de um litisconsórcio necessário passivo através da acção de embargos de terceiro, já que o possuidor, parte com legitimidade activa, além de demandar o terceiro lesante, tem de levar às instâncias, para discussão como embargado, o requerido no arresto ou executado na penhora ou, dito de um modo majestático, o nós formado pelo terceiro demandante e pelo devedor contra quem, erroneamente, se lançou a coercitividade judicial da entrega ou apreensão de bens (art.º 292.º.1 CPC). Certo é que nesta acção o possuidor é admitido à restituição da posse, ainda que provisória e se a requerer, embora o tribunal possa submeter a caução, sendo igualmente certo que essa restituição é balizada pela sorte da acção judicial (art.º 291.º CPC).

Para a lei de processo os embargos são um incidente tramitado por apenso à causa principal onde a ofensa foi ordenada (art.º 291.º CPC), podendo revelar-se ainda antes da efectivação da ordem judicial de apreensão de bens, caso em que, sem restituição da posse, caracterizam-se enquanto embargos de terceiro preventivos (art.º 294.º CPC).

Cumula-se nesta defesa da posse a faculdade de uma das partes passivas na acção pedir o reconhecimento do direito de propriedade, seja invocando-o como seu, seja reconhecendo-o como do embargante (art.º 292.º.2 CPC).

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Acção de prevenção

Prevista no art.º 1196.º do Código Civil, pressupõe naturalmente também uma malha subliminar de arregimentação através do direito processual. Caracteriza-se pelo justo receio da perturbação ou esbulho do possuidor - ele é a parte legítima da proposição - que, temeroso de uma ameaça efectuada mas ainda não efectuada, solicita que o autor desta seja intimado a abster-se da respectiva concretização - agravo, para usarmos a fórmula da lei -, sob cominação de multa e responsabilidade sobre os danos causados.

A força judicial da intimação para abstenção não constrange fisicamente aquele que a tem, embora sirvam de arma contra a desobediência a multa e a responsabilidade civil. Outra coisa não seria de esperar destas acções que não o seu reduzido - e compreensível - alcance prático.

Acção de manutenção

Tal como a acção de prevenção tem um regime angular de direito substantivo que o direito adjectivo tem necessidade de regulamentar. Mas ao contrário desta, agora, a ofensa da posse através da perturbação ou agressão já existiu, embora sem que o possuidor afectado seja efectivamente privado da coisa. Há um terceiro que se arroga na legitimidade daquele ataque flanqueador e, por ele, pratica actos materiais de lesão porque se considera ora possuidor, ora proprietário. A perturbação, ainda que sem esbulho concretizado, é já real.

Os art.ºs 1198.º,1201.º, 1202.º e 1203.º do Código Civil traçam-lhe os pressupostos. Quanto à legitimidade, o art.º 1201.º.1 CCiv. volta-a ao perturbado ou aos seus herdeiros, embora apenas contra o perturbador e não já contra os seus herdeiros que, todavia, respondem pelas forças da herança pelos danos que do de cuius tiverem provindo. Além disso, a lei submete a proposição desta acção, assim como a de restituição que iremos ver de seguida, ao prazo de caducidade - prazo substantivo - de um ano desde a turbação ou esbulho, salvo nos casos de posse oculta, em que o prazo só conta desde que aquela cesse. Ademais, o art.º 1203.º percute o efeito da procedência da acção, que depois de abrir o ensejo da condenação do turbador ou esbulhador a um

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perturbação. Naturalmente que quaisquer danos serão compensados a expensas do perturbador, como bem preceitua o art.º 1204.º CCiv.

O art.º 1198.º.2 e 3, válido para as acções de manutenção e de restituição, condensam uma restrição destas acções, já que elas não procedem quando o perturbador tiver, no cotejo com a posse do legitimado à acção, melhor posse, por tal se entendendo a titulada, a mais antiga na falta de título e, em caso de iguais antiguidades, a que for actual.

Acção de restituição

Também prevista pelo art.º 1198.º.1 do CCiv., ela coloca-se diacronicamente com as acções de prevenção ou manutenção na medida em que aqui a privação da coisa do possuidor é já a realidade a que a tutela coerciva vai dar resposta. Numa palavra, o esbulho, violento ou não, existe e cuida-se agora de restituir a coisa. Mantêm-se válidas, por mesmidade do regime aplicável, as referências feitas na acção de manutenção à caducidade e restrição de admissibilidade processual por existência de melhor posse, sem esquecer a possibilidade de indemnização dos danos. Não se dispensa a questão da legitimidade, que cabe no lado activo ao possuidor ou seus herdeiros e no lado passivo ao esbulhador ou seus herdeiros - art.º 1201.º.2 CCiv. -, também, o que se justifica pelo ´risível que seria se a morte convolasse em lícito o que a vida determinava ilícito. Além disto, ainda na legitimidade passiva, a parte final do mesmo n.º no mesmo segmento normativo estatui que a acção ainda possa ser intentada contra quem esteja na posse da

coisa e tenha conhecimento do esbulho. Significa isto, por muito curtas palavras, que

quem adquiriu a posse por outro título e tiver conhecimento do esbulho anterior tornar-se-á, porque a má-fé é nessa cognoscibilidade que repousa, parte processual legítima.

É com naturalidade que recebemos a norma do art.º 1204.º.2 CCiv., por que a

restituição da posse é feita à custa do esbulhador e no lugar do esbulho.

Acção de restituição em caso de esbulho violento através da restituição

provisória da posse

Trata-se de um meio cautelar nominado e, pelo tanto que daí deriva, urgente (art.ºs 306.º ss CPC e 317.º a 319.º CPC). Visa permitir ao possuidor, nos termos do art.º 1199.º CCiv., a restituição provisória da posse do bem que outrem, esbulhador, lho

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desapossou com violência e sem, ainda, que este seja chamado a exercer prévio contraditório (cjg. art.º 317.º CPC). Provada sumariamente a posse e o esbulho violento, nada mais a lei exigirá para a sua decretação, assim operada sem a oposição do esbulhador.

A situação definida aqui é-o apenas provisoriamente, pois a acção cautelar, pela própria natureza, depende de uma acção principal a que se liga umbilicalmente na regulação definitiva da relação jurídica, seja como preliminar - caso em que a acção principal terá de ser forçosamente instaurada em 30 dias - seja como sucedâneo, tornando-se dela apenso (art.ºs 307.º.2 e 311.º.1 CPC). Será esta, portanto, que irá definir em definitivo a tutela da posse. Até lá, como acção cautelar que é, a restituição provisória da posse em caso de esbulho violento dependerá da reunião dos pressupostos inerentes a toda a tutela cautelar:

A aparência do direito ou fumus boni iuris (art.º 311.º CPC);

A urgência da necessidade da medida cautelar requerida ou periculum in mora (art.º 311.º CPC);

 A proporcionalidade da decisão (art.º 311.º.2 CPC);

A prova sumária, também chamada summaria cognitio, a passar agora pela prova da posse anterior, do esbulho e da sua violência (art.º 308.º.1 CPC).

O art.º 1198.º.1 do CCiv., in fine, aponta-nos que a tutela possessória através da manutenção ou restituição subsiste enquanto o possuidor não for convencido na titularidade do direito. Vale dizer, por aqui, que pode bem acontecer que o turbador ou esbulhador invoque, contra o possuidor, a titularidade do direito (p. ex., a propriedade). Fá-lo-á decerto por via de contestação, endossando ao autor o ónus da impugnação. Se não o fizer, improcede o pedido do autor e procede de imediato o pedido do réu. O expresso reconhecimento terá, com certeza, igual resultado prático. Além disto, pode dar-se bem o caso do réu invocar a propriedade, mas reconhecendo ou não a posse do autor. Se o reconhecer, a questão terá condições de ser imediatamente resolvida nos termos estritamente possessórios que aqui relevam; se não, e sem prejuízo da questão de domínio definitivo, será a instância a responder no cotejo da prova feita por cada uma das partes.

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TUTELA DA POSSE JUDICIAL Exercida coercitivamente pela força de autoridade dos tribunais judiciais e através, por isso, de um contencioso possessório. Ordinária Acção de prevenção Art.º 1196.º - permite ao possuidor intimar judicialment e terceiros a respeitar a sua posse quando houver justo receio ou ameaça à sua posse. Acção de manutenção Art.º 1198.º CCiv. - permite ao possuidor defender-se do turbador sem esbulho, obtendo uma sentença judicial que determine a sua abstenção de actos materiais sobre a posse. A acção tem um prazo de caducidade de um ano desde a lesão. Acção de restituição Art.º 1198.ª - permite ao possuidor ou seus herdeiros recuperar do esbulhador, ou dos seus herdeiros, a posse sacrificada, contanto que o façam no mesmo prazo de caducidade de um ano. Embargos de Terceiro Art.º 1205.ª - Permite ao possuidor defender-se contra um acto judicialment e ordenado de entrega ou apreensão de um bem sobre que se declara na titularidade da posse. Urgente ou cautelar: Procedimento cautelar nominado que não resolve em definitivo a questão e depende de uma acção principal a instaurar até 30 dias depois da decisão desta. Restituição provisória da posse em caso de esbulho violento Por força do art.º 1199.º, depende da prova da posse, do esbulho e da violência para ser deferida sem contraditório do requerido, sua principal nota característica. EXTRAJUDICIAL Autotutela da acção directa ou da legítima defesa por impossibilidade de recurso aos meios de tutela coerciva em tempo útil (art.º 1197.º CCiv.).

Acção directa e legítima defesa

Referências

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