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V OL UME I | NÚMERO 1 | J AN-JUN / 2 0 19 RECEBIDO EM: 30/04/2019 ACEITO EM: 27/06/2019

O papel das criptomoedas na

garantia da liberdade

Maria Amalia Arruda Camara1 Lucas Luiz Bezerra da Cruz2

Resumo

O presente texto pretende abordar as criptomoedas como uma moeda alternativa às moedas soberanas nacionais e que, com isso, pode acabar com o monopólio monetário exercido pelos Estados. Portanto, o livro do ganhador do Prêmio Nobel em economia Friedrich August Hayek, chamado de “Desestatização do dinheiro”, servirá como uma grande base teórica. O texto, a partir de uma perspectiva filosófica, aborda a função anti liberdade que o monopólio monetário exerce com relação aos cidadãos. O presente texto ainda destaca os pontos nos quais as criptomoedas têm avançado para uma contribuição sociológica, e analisa como o Direito tem sido e pode ser incorporado às questões de exequibilidade das criptomoedas. O estudo é descritivo e de caráter exploratório. A pesquisa foi elaborada a partir de uma revisão da literatura de títulos jurídicos e de outras áreas de conhecimento, evidenciando assim a interdisciplinaridade. Por fim, a abordagem da pesquisa tem sua feição de ordem qualitativa.

Palavras-chave: Criptomoedas. Monopólio Monetário.

Liberdade. Regulamento. Friedrich Hayek.

1 Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, mestrado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, doutorado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora de Ensino Superior da Universidade de Pernambuco, Gerente de Desenvolvimento da PROEC da Universidade de Pernambuco. Diretora Acadêmica do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática. Membro de corpo editorial da Revista de Extensão da Universidade de Pernambuco. Conselheiro do Governo do Estado de Pernambuco. E-mail: amalia.camara@upe.br

2 Graduando em Direito pela Universidade de Pernambuco – UPE. E-mail: llfcbscr@gmail.com

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The role of cryptocurrency in the guarantee of freedom

Abstract

This text intends to approach cryptocurrency as an alternative coin to the national’s sovereign coins which has the possibility of ending the monetary monopoly of the States. So, the book from the Nobel award prize winner in economics Friedrich August Hayek, called “Denationalization of Money”, will be used as a huge theoretical basis. The text, from a philosophical perspective, approaches the anti liberty function which monetary monopoly exercise in citizens. The present text also highlights the points in which the Cryptocurrency have advanced to a sociological contribution, and analyses how the Law has been and can be incorporated into the feasibility issues of the Cryptocurrency. This is a descriptive and exploratory study. The research was based on a literature review based on legal and other areas knowledge. This indicates an interdisciplinary approach. The methodology is a qualitative review.

Key words: Cryptocurrency. Monetary Monopoly. Liberty. Regulation. Friedrich

Hayek.

El papel de las criptomonedas en la garantía de la libertad

Resumen

El presente texto pretende abordar las criptomonedas como una moneda alternativa a las monedas soberanas nacionales y que, con ello, puede acabar con el monopolio monetario ejercido por los Estados. Por lo tanto, el libro del ganador del Premio Nobel en economía Friedrich August Hayek, llamado “desestatización del dinero”, servirá como una gran base teórica. El texto, desde una perspectiva filosófica, aborda la función anti-libertad que el monopolio monetario ejerce con respecto a los ciudadanos. El presente texto aún destaca los puntos en los que las criptomonedas han avanzado hacia una contribución sociológica, y analiza cómo el Derecho ha sido y puede ser incorporado a las cuestiones de viabilidad de las criptomonedas. El estudio es descriptivo y de carácter exploratorio. La investigación fue elaborada a partir de una revisión de la literatura a partir de títulos juridícos y de otras áreas del conocimiento, evidenciando así la interdisciplinariedad. Se registra, además, que el abordaje de la investigación tiene su aspecto de orden cualitativo.

Palabras claves: Criptomoedas. Monopolio Monetario. Libertad. Reglamento.

Friedrich Hayek.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 CRIPTOMOEDAS; 3 A MOEDA; 3.1 Origens da prerrogativa do

monopólio monetário do Estado; 3.2 Dos malefícios do monopólio monetário; 3.3 O ordenamento jurídico e o monopólio monetário; 4 A LIBERDADE; 4.1 A importância da liberdade monetária; 5 CRIPTOMOEDAS E O DIREITO; 5.1 O ordenamento jurídico brasileiro e as criptomoedas; 5.2 Medidas anti criptomoedas; 6 O IMPACTO DAS CRIPTOMOEDAS; 6.1 A inexistência de um terceiro validando a transação; 6.2 A possibilidade de escolher; 6.3 Criptomoedas e fronteiras políticas; 6.4 Privacidade financeira; 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

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1 INTRODUÇÃO

A chamadas moedas digitais, popularmente conhecidas como “criptomoedas”, têm ganho espaço nas transações online e offline, movimentando enormes cifras no mundo todo. A popularização da internet e a expansão do e-commerce promoveram isto. As moedas digitais surgem como alternativas aos métodos tradicionais de veiculação monetária. O mercado de bitcoins continua se expandindo. Empresas online e físico e geograficamente situadas estão adotando essa forma alternativa. As suas principais características, a volatilidade, facilidade de rastreamento e preservação do sigilo financeiro, traz à tona a discussão sensível na doutrina sobre o monopólio do Estado no controle monetário.

Nesse contexto, este trabalho acrescenta à discussão questões principiológicas sobre a legitimidade dessa alternativa. Segurança e liberdade são valores primais levantados. Quais são suas características e condições de viabilidade para que isso ocorra? Quais seriam as repercussões de uma moeda descentralizada na economia contemporânea? Quais as limitações jurídicas para seu funcionamento?

Considerando que as moedas possuem três funções (meio de troca, reserva de valor e unidade de conta), esse trabalho visa compreender a bitcoin de forma funcional subsunsiva, destacando as peculiaridades de como exercer tais funções, tendo em vista que esse novo cenário chega para uma maior eficiência das relações financeiras.

A Bitcoin foi criada em 2008 por Satoshi Nakamoto (NAKAMOTO, 2008). As transações que envolvem esse tipo de moeda são colocadas na blockchain, isto é, literalmente, uma corrente de blocos, uma sequência que funciona, nesse caso, como um livro-razão descentralizado dessa moeda digital. É onde são registradas todas as transações com data e hora, desde o bloco-gênesis, o primeiro bloco já registrado.

O avanço das tecnologias da comunicação e da informação permite com que as pessoas se comuniquem de maneira cada vez mais eficiente, mais diretamente, eliminando intermediários. A eficiência e a retirada de intermediários aumentam a confiança nas relações pois distância e tempo passam a não ser mais um problema e são retiradas de uma equação em que a incerteza da concretização de objetivos torna-se cada vez mais improvável.

Nas transações financeiras tradicionais, a concretude da relação é dependente de um terceiro envolvido. A blockchain vem modificar esse cenário. Ela radicaliza as relações financeiras (e outros tipos que não são relevantes à discussão trazida neste trabalho, como contratos inteligentes), como na medida que usa criptografia e matemática para fornecer uma base de dados aberta e descentralizada de quaisquer transações que envolva valores. Dinheiro, bens, serviços, propriedade, patentes ou votos podem ser, portanto, transacionados e a autenticidade dessas transações pode ser verificada por toda comunidade. Qualquer pessoa com acesso à internet pode participar dessa sequência e verificá-la. A ideia dessa tecnologia é eliminar a

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necessidade de terceiros intermediários dessas relações, como meros verificadores ou garantidores das relações.

As possibilidades para a exploração da blockchain são enormes. Hoje já se discute, inclusive, sobre sua utilização para fins tributários, dentre outros, com a possibilidade de drástica redução nas fraudes, na medida em que as transações são salvas em registros ativos, abertos e distribuídos. Todos com acesso à internet podem acessá-los. É uma fonte global e descentralizada de confiança e verificação de autenticidade.

Defensores da blockchain ressaltam os riscos que serviços que dão fé e que dependem da autenticidade das relações, como bancos e serviços notoriais, podem correr com a entrada dessa tecnologia no mercado. Até mesmo o próprio Estado terá algumas de suas funções típicas questionadas, como é o caso do controle centralizado das moedas locais.

A hipótese levantada e analisada nesse trabalho é que maneiras tradicionais de validar e de executar transações financeiras tenderão a diminuir, dadas as possibilidades da blockchain e das bitcoins. Essas potencialidades apostam em transações mais eficientes, mais baratas e mais seguras.

Quem faz os registros das transações na blockchain são os mineradores, uma clara alusão aos operários da extração do ouro. Ao se fazer o registro de uma transação, é gerada uma oferta monetária. Os mineradores competem entre si, a partir da capacidade de processamento computacional, para resolver um problema matemático. O minerador que chegar ao resultado primeiro registrará a transação, ganhando bitcoins com isso.

A bitcoin foi a primeira moeda digital a superar alguns problemas de exequibilidade transacional, como os gastos duplos, onde uma unidade monetária poderia ser utilizada infinitamente. Satoshi Nakamoto combinou algumas soluções pensadas anteriormente, como HashCash e o b-Money e criou um sistema absolutamente descentralizado de moeda eletrônica, independente da autoridade central, cuja função é, basicamente, emitir e garantir a moeda e estabelecer e validar transações. A computação distribuída aplicada na busca de uma solução numérica para um determinado algoritmo (no caso, Proof of work) conduz uma seleção global a cada 10 minutos, chegando, assim, a um consenso sobre o estado e as prioridades das transações (ANTONOPOULOS, 2014, p. 3-4).

Para considerar a validade de bitcoin como moeda, é necessário pensar sobre ela a partir da analogia funcional com outros formatos de moeda anteriormente desenvolvidos na história da humanidade. Daí vai-se perceber que ela possui as três funções principais de moedas e mais algumas diretamente ligadas à sua eficiência. Para melhor compreender esse aspecto das criptomoedas, esse artigo detalha algumas questões técnicas consideradas fundamentais.

Algo de suma importância para o pleno entendimento do texto é o próprio conceito de criptomoedas, com o qual o leitor deve se familiarizar. Criptografia no que se refere as moedas se trata de encriptar os dados de uma transação financeira

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haja uma violação da privacidade financeira. É essa possibilidade de várias pessoas checarem os dados dessa transação que dá as criptomoedas uma de suas principais características: a possibilidade de operar sem um terceiro validando a transação. Posteriormente no texto, detalhes mais técnicos serão fornecidos.

Outro ponto importante que é necessária a compreensão antes da leitura do texto em questão é a desestatização do dinheiro, proposta por Hayek (2011) em seu livro, tem como proposta um dinheiro que não seja emitido apenas pelo Estado, mas sim de forma desvinculada. As criptomoedas possibilitaram a prática dessa teoria de Hayek.

No tópico a seguir, serão expostas questões técnicas acerca das criptomoedas, das moedas e sua conceituação, do monopólio monetário e do conceito filosófico de liberdade. Posteriormente, serão abordadas as questões acercas da criptomoeda a partir do ponto de vista jurídico, filosófico e sociológico.

2 CRIPTOMOEDAS

O conceito básico de criptomoedas já foi dado na introdução. Porém, como funcionam essas moedas? Como surgiram? Em que inovaram? Essas são as perguntas que devem ser respondidas no presente tópico.

O dinheiro como conhecemos hoje já desempenhou papeis de destaque em diversas crises econômicas ao longo de sua história. E, portanto, não é tão recente a ideia de se criar um dinheiro que não dependa de Estados ou bancos para dar confiabilidade. Essa ideia foi muito forte na década de 1990, através do movimento Cypherpunk, que pretendia utilizar ferramentas digitais com o objetivo de promover uma luta contra o status quo e o enfraquecimento de governos e instituições como os bancos. Nesse contexto, algumas tentativas de programadores de criar uma moeda digital foram notadas, e devemos citar a mais popular delas. A Digicash, empresa criada em 1989 por David Chaum, e que acabou por vir a falência dez anos depois sem conseguir popularizar a moeda digital da maneira pretendida. Porém, essa moeda digital foi elaborada de tal modo que serviria de inspiração para a criação das criptomoedas no futuro.

Em 2008, após grave crise financeira, o pseudônimo Satoshi Nakamoto foi responsável pela criação da mais popular das criptomoedas, e que frequentemente será utilizada como exemplo no presente texto, a Bitcoin. Satoshi define a ideia em torno da Bitcoin como sendo: “A purely peer-to-peer version of electronic cash would allow online payments to be sent directly from one party to another without going through a financial institution.” (NAKAMOTO, 2008, p.1). Basicamente, Satoshi Nakamoto diz que a ideia da Bitcoin é a inexistência de um terceiro validando uma transação. E como essa transação seria validada e a moeda poderia ter confiabilidade? Entra aí um conceito fundamental, o de Blockchain, que Nakamoto trouxe para a moeda digital, criando assim a Bitcoin.

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O que seria afinal o Blockchain, e o que ele teria a contribuir com a tecnologia Bitcoin? Se trata de um banco de dados centralizados, onde vários computadores são detentores do registro das transações. Se falando de Bitcoin, Blockchain trata se de um livro de contas aberto. É utilizado para validar transações de Bitcoins, descartando assim a necessidade de uma instituição governamental ou bancária para o processo de validação. Utiliza se múltiplos computadores nesse processo de construção consensual, que vão validar a transação. O registro das criptomoedas está disponível para ser averiguado por qualquer um que participe da rede Bitcoin. As pessoas de uma transação são identificadas através de códigos, chamados de carteiras públicas, assim é possível identificar como as carteiras movimentaram esse dinheiro, ainda que não seja revelada a identidade do detentor da carteira. Nota se que numa construção consensual de diversos computadores, o sistema está muito menos propenso as falhas se comparado a quando é tudo centralizado em um validador. Também é um sistema quase incorruptível quando comparado as instituições bancárias e governamentais. E é basicamente impossível de se cometer uma fraude em transações validadas dessa forma, diferentemente de instituições centralizadoras, que podem ser hackeadas e roubadas com maior facilidade. O sistema de blockchain aplicado as transações financeiras é a maior inovação das criptomoedas, tendo em vista que já existem moedas intangíveis. Os dígitos das contas bancárias não são nada além de registro contábil, são as moedas escriturais modernas. O que diferencia as criptomoedas de tudo isso é a ausência de vulnerabilidade, e, portanto, a não necessidade de ser regulada por uma instituição que dê confiabilidade, uma vez que isso é feito pela blockchain.

Outra grande inovação que as criptomoedas trazem para a humanidade, é a divisibilidade da moeda. Não se pode dividir as moedas soberanas da forma como se prefere, com as criptomoedas, é totalmente possível dividir a moeda em frações minúsculas e utiliza-las. A anonimidade que as criptomoedas representam para os usuários também é uma novidade. Uma vez que agora não tem uma instituição central a par de todos os detalhes da sua transação. Isso claro, desde que o seu nome não seja vinculado a sua carteira pública. No caso da Bitcoin, assim como o ouro, é limitada. Nakamoto determinou que existirão exatamente 21 milhões de Bitcoins. Após isso, será impossível criar novas Bitcoins.

Mas a principal inovação das criptomoedas é a possibilidade de reduzir os custos, e extinguir as fronteiras políticas de transações. Essa última inovação será mais aprofundada ao longo do texto.

3 A MOEDA

Lançar um olhar sobre o conceito de moeda é fundamental para a análise do conceito de criptomoedas.

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A moeda pode ser percebida como algo fundamental para a humanidade. Sem a moeda, a humanidade se voltaria novamente ao escambo, o que resultaria na impossibilidade de alimentar mais que um punhado de famílias, e geraria mais uma vez o problema da dupla coincidência de interesses:

O padeiro quer leite, enquanto o leiteiro quer um sapato. Como resolver o problema? O padeiro também tem sal e sabe que o sapateiro e outros produtores também o demandam. Logo, o leiteiro, em troca de seu leite, aceita o sal, não para consumi-lo, mas para trocá-lo no futuro pelo sapato do sapateiro. À medida que mais indivíduos passam a usar o sal nas trocas indiretas, a mercadoria torna-se, consequentemente, um meio de troca. (ULRICH, 2014, p.48)

De qualquer modo, o dinheiro é o bem mais liquido de uma sociedade, aquele pelo qual todos os outros bens são trocados. A moeda seria, portanto, o meio de troca universalmente aceito.

3.1 Origens da prerrogativa do monopólio monetário do Estado

Durante muito tempo, metais preciosos como ouro e prata foram os bens mais utilizados como meio de troca, e, portanto, serviram como moeda. Com essa moeda, o Estado foi se tornando uma instituição de confiança financeira.

Quando a autenticidade do dinheiro metálico só podia ser comprovada através de um difícil processo de quilatação, para o qual a pessoa comum não dispunha nem da habilidade nem do equipamento necessários, era possível argumentar com segurança em favor de se garantir a pureza das moedas com a marca de uma autoridade amplamente reconhecida que, fora dos grandes centros comerciais, só poderia ser o governo (HAYEK, 2011, p.30)

O ganhador do Prêmio Nobel de economia, Friedrich Hayek, afirma, portanto, que no momento em que o Estado começou a se envolver diretamente com as moedas, haviam diversas vantagens notáveis. Era uma instituição de confiança que poderia assegurar uma veracidade a moeda que era difícil de se obter, sendo apenas possível via processo custoso e complicado.

Algo assim se relaciona com o monopólio dos Estados modernos da cunhagem de moedas metálicas. Para defender uma soberania, o teórico Jean Bodin afirmou que o Estado deveria ter o monopólio da cunhagem de moedas metálicas. Hayek ressalta que, portanto, o monopólio estatal da emissão de moedas nunca foi uma ferramenta pensada para o bem comum, a sua origem na verdade teria como base apenas a

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garantia de maior poder para o governo. Esse processo de validação ou emissão de moedas desempenhado pelo governo era bastante útil e, na época, necessário, ainda que talvez o monopólio não fosse algo necessário. Porém, o governo passou a perceber que esse processo não era apenas útil ou necessário, mas também lucrativo, como Hayek afirma em seu livro:

a taxa cobrada para cobrir os custos de cunhagem, demonstrou ser uma fonte de lucro muito atraente. Assim sendo, foi logo ampliada, até ultrapassar o custo de fabricação da moeda. E, da retenção de uma grande parte do metal trazido ao governo para cunhagem de moedas, bastou apenas um pequeno passo para que se adotasse a prática, cada vez mais comum durante a Idade Média, de recolher as moedas em circulação a fim de cunhá-las de novo sob várias denominações, com um menor teor de ouro ou prata. (...) Mas, uma vez que a função do governo na emissão de moeda deixa de ser apenas a de garantir o peso e a pureza de um determinado pedaço de metal e passa a envolver a determinação deliberada da quantidade de dinheiro a ser emitida, os governos tornaram-se totalmente inadequados para exercer essa função e, pode-se dizer abertamente, têm, incessantemente e em toda parte, abusado, para espoliar o povo, da confiança neles depositada. (HAYEK, 2011, p.35)

Portanto, o monopólio milenar dos governos com relação às moedas, é algo tão profundamente enraizado nas sociedades, que criou um mito que a moeda significaria sempre uma imposição estatal. Para Hayek (2011), as pessoas não conseguem imaginar um sistema monetário no qual o Estado não esteja diretamente envolvido. Portanto, as criptomoedas, por não representarem nenhuma moeda soberana, acabam por enfrentar duas dificuldades significativas nesse processo: a desconfiança de cidadãos por acreditar que a vulnerabilidade de uma moeda só pode ser reduzida por uma instituição de confiança, e o temor dos governos por uma moeda que poderia representar uma concorrência com as moedas soberanas.

3.2 Dos malefícios do monopólio monetário

Com o passar das décadas, a necessidade de um governo para dar validade às moedas foi decaindo, e os Estados adaptaram a sua função com relação ao papel-moeda, como a garantia de lastro, a queda das vantagens desse monopólio do Estado foi, no entanto, notável. Levando a várias afirmações de que as desvantagens provenientes desse sistema superariam as suas vantagens. Para Hayek, a principal desvantagem seria a mesma de qualquer monopólio: “somos obrigados a consumir seus produtos mesmo que sejam insatisfatórios e, acima de tudo, tal sistema impede

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a descoberta de melhores métodos de satisfazer necessidades que não digam respeito ou não interessem ao monopolista.” (HAYEK, 2011, p.31).

Essa impossibilidade de escolha supracitada acaba por coagir o cidadão a utilizar uma moeda ainda que ela não seja de seu agrado, e esse é com certeza o principal malefício do monopólio monetário. Alguns podem considerar por exemplo, que a política inflacionária é uma política ruim, isto é, a política de emitir moedas em excesso para, principalmente, o financiamento direto ou indireto do Estado. Os indivíduos, ainda que considerem essa política ruim, serão obrigados a conviverem com ela e utilizarem essa moeda soberana do país no qual estão inseridos. Isso pode ser bastante prejudicial para determinadas populações, por exemplo no Zimbabue no fim dos anos 2000, onde 175 quadrilhões de dólares zimbabuanos equivaliam a 5 dólares americanos. Aqueles que se sentiam oprimidos por essa realidade não tiveram a possibilidade de recorrer a nenhuma outra moeda, devido a base que o ordenamento jurídico da para o monopólio estatal da moeda.

3.3 O ordenamento jurídico e o monopólio monetário

Dentro de um país, o ordenamento jurídico costuma dar todo o suporte para que o Estado mantenha o seu monopólio com relação a emissão de moedas. Algo assim permite que o Estado não se preocupe tanto com a satisfação da população com relação à moeda, uma vez que essa não poderá ser descartada. Tal fato pode ser relatado no Brasil por exemplo, onde o ordenamento jurídico garante uma significativa soberania ao real brasileiro enquanto moeda e basicamente elimina a possibilidade de se utilizar moedas estrangeiras dentro do Brasil, ao determinar que:

as estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal”, vedando, sob pena de nulidade, estipulações de pagamento expressas em ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira. (ANDRADE, 2017, p.38)

4 A LIBERDADE

A liberdade se trata de um conceito filosófico de impossível definição objetiva. Ao longo da história, diversas teorias a respeito da conceituação de liberdade surgiram. Essas teorias perpassam não apenas o campo da filosofia como o social, o econômico, o teológico, o político, dentre outros. Porém, nesse primeiro momento, é importante se ater as definições filosóficas. As origens do pensamento filosófico a respeito da liberdade são tão antigas quanto a própria filosofia. Ainda no período clássico, Aristóteles definiu a liberdade como “o princípio para escolher entre

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alternativas possíveis”. Essa definição seria, talvez, mais adequada sobre a liberdade monetária que as criptomoedas pretendem trazer: a possibilidade de escolher algo diferente da moeda soberana de um Estado.

A liberdade é um direito individual que permeia várias esferas do convívio social. Sua manutenção é, portanto, necessária para o ordenamento de uma sociedade onde a alteridade seja respeitada. É fundamental para o andamento de uma sociedade que se respeitem as liberdades de pensamento e de ação, como a liberdade de escolher uma religião e de poder professá-la por exemplo.

“As decisões de uma pessoa não podem ser censuradas porque não nos agradam, ou porque não correspondem como o ‘normal’ ou com o que a maioria das pessoas pensam” (DUARTE; ALMEIDA, 2018).

4.1 A importância da liberdade monetária

A liberdade, enquanto o princípio para escolher entre alternativas possíveis, é fundamental quando se refere a atividade monetária. O monopólio da emissão de moedas por parte do Estado veda ao cidadão a possibilidade de escolha de moedas. O governo tendo, portanto, o total controle sobre uma determinada moeda e impossibilitando o cidadão de optar por uma moeda diferente da soberana daquele território em questão, impede a possibilidade de escolha que Aristóteles havia mencionado ao se referir a liberdade. Seria, portanto, uma medida contra a liberdade de escolher do cidadão. O governo com o poder absoluto sobre a moeda possui uma enorme possibilidade de opressão para com aqueles que necessitam do serviço prestado.

É impossível traçar os detalhes das execráveis atividades dos governantes em relação ao monopólio do dinheiro em épocas anteriores à do filósofo grego Diógenes, a quem se atribui a afirmação, já no século IV A.C., de que o dinheiro era o jogo de dados dos políticos. Mas, da era romana até o século XVII, quando o papel-moeda, sob várias formas, começa a assumir importância, a história da cunhagem é quase que sinônima de uma série ininterrupta de degradações da moeda, ou seja, a contínua redução de seu teor metálico e um correspondente aumento nos preços de todos os bens. (HAYEK, 2011, p.39)

É perceptível nesse processo, o que a ausência da possibilidade de escolher uma moeda causa aos cidadãos.

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5 CRIPTOMOEDAS E O DIREITO

Conforme afirma Ulrich em seu livro “Bitcoin – a moeda na era digital”, a atual legislação não prevê uma tecnologia como as criptomoedas, o que acaba por resultar em algumas zonas legais cinzentas. Após grande popularização da moeda, uma série de acontecimentos entre os anos de 2013 e 2014 levantaram questões sobre a segurança jurídica que aquelas moedas possuíam.

Um dos acontecimentos referidos trata se do caso ‘Silk Road’, onde no site homônimo, Bitcoins eram utilizadas no comércio de drogas. O caso levou a prisão de Charlie Shrem, vice-presidente da Bitcoin Foundation, por lavagem de dinheiro. O outro acontecimento refere se a falência da MtGox, empresa de câmbio de moedas por Bitcoin, onde milhões de dólares em Bitcoins de usuários sumiram (GREGO,2014).

Sobre tal assunto, podemos levar em conta a seguinte citação: “o reconhecimento legal – dependendo de como for produzido – pode estimular indivíduos a transacionarem com Bitcoins, dando uma maior segurança jurídica ao seu uso como meio de troca.” (ANDRADE, 2017, p. 42).

Ao se tratar de criptomoedas, fica claro que o principal desafio de uma regulamentação jurídica seria como essa regulamentação pode ser feita sem que se desvirtue as criptomoedas de uma de suas principais características: a inexistência de um terceiro na transação.

5.1 O ordenamento jurídico brasileiro e as criptomoedas

Se tratando do Brasil, por exemplo, a própria conceituação de moeda perpassa pelo real. O trecho a seguir se refere ao voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau no julgamento do recurso extraordinário 478410, onde cita a medida provisória nº 542, de 30 de junho de 1994. Onde o contexto era o surgimento do plano real, e tal medida provisória viria para evitar que o Brasil adotasse outras moedas:

A moeda, pois, não é senão um nome sacralizado pela ordem jurídica. Em 30 de junho de 1994 ano o “real” passou a ser moeda [= unidade monetária] brasileira única e exclusivamente porque assim o disse, definindo-o como tal, o direito positivo brasileiro, inovado pela Medida Provisória 542/94. Todos as demais unidades 37 monetárias como tais definidas pelos ordenamentos jurídicos de outros Estados não revestem, no quadro do direito positivo brasileiro, a qualidade de moeda. Não encerram os atributos monetários de validade e eficácia indispensáveis ao cumprimento de sua função de padrão de valor e de liberação de débitos pecuniários. Podem, é certo, consubstanciar reserva de valor, objeto de avaliação patrimonial, coisa no sentido jurídico [= elemento que se inclui no patrimônio de sujeito de direito], constituindo instrumento de pagamento nos mercados externos.

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Seu comércio é, contudo, submetido a regras próprias e específicas (BRASIL, 2010, p. 11-12).

Ainda utilizando o ordenamento jurídico do Brasil como exemplo, o mesmo reserva ao real algumas ações dentro do sistema monetário brasileiro:

Posteriormente, a Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, determinou, em seu artigo 1º, que “as estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal”, vedando, sob pena de nulidade, estipulações de pagamento expressas em ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira. A taxação das operações de câmbio e a remessa de valores para o exterior, por sua vez, estão previstos, respectivamente, na Lei nº 1.807, de 7 de janeiro de 1953, que “dispõe sôbre operações de câmbio e dá outras providências”, e na Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, que “disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior e dá outras providências” (ANDRADE, 2017, p. 39)

Dentro do contexto supracitado, as moedas virtuais não poderiam ser classificadas como moedas nacionais, no Brasil por exemplo, tendo em vista que não representam a moeda soberana, o real. Também não poderiam ser classificadas como moedas estrangeiras, tendo em vista que o texto supracitado leva em consideração o fato dessas serem moedas soberanas de outros países, que não é o caso da Bitcoin. Dentro do conceito de moeda, restaria apenas as moedas eletrônicas das quais, porém, o Banco Central do Brasil comunicou que não se assemelham ás moedas virtuais, através do comunicado 25.306, de 19 de fevereiro de 2014, que “esclarece sobre os riscos decorrentes da aquisição das chamadas ‘moedas virtuais’ ou ‘moedas criptografadas’ e da realização de transações com elas”:

O Banco Central do Brasil esclarece, inicialmente, que as chamadas moedas virtuais não se confundem com a “moeda eletrônica” de que tratam a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação infralegal. Moedas eletrônicas, conforme disciplinadas por esses atos normativos, são recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento denominada em moeda nacional. Por sua vez, as chamadas moedas virtuais possuem forma própria de denominação, ou seja, são denominadas em unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2014)

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Determinam esses a impossibilidade de classificar as criptomoedas como moedas no Brasil, uma vez que o ordenamento jurídico pretende dar ao Estado o monopólio monetário.

Levando em consideração as moedas virtuais como bens jurídicos intangíveis, uma aquisição de bem realizada através de moedas virtuais não pode ser considerado contrato de compra e venda, mas sim contrato de permuta. O artigo 481 do Código afirma que “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. Como a moeda virtual não é considerada moeda, o contrato seria melhor classificado nos termos do artigo 533 do Código Civil como contrato de permuta. Segundo Gonçalves (2013, p. 271), o contrato de permuta é bilateral, oneroso, consensual e comutativo, por meio do qual “as partes se obrigam a prestar uma coisa por outra, excluindo o dinheiro”.

Andrade (2017) sugere que não se force a adequação das moedas virtuais a conceitos já existentes por ela ser totalmente diferente do esperado desses conceitos. Sugere a criação de um conceito jurídico de moedas virtuais especificamente no Brasil.

No aspecto tributário, a jurista Mary Elbe Queiroz diz que é possível controlar e taxar as criptomoedas através das transferências das contas bancárias das corretoras de criptomoedas através do COAF 9.613, que obrigaria os bancos a declararem grandes movimentações em contas.

Além disso, a nossa lei diz que qualquer acréscimo financeiro deve ser taxado através do imposto de renda. Isso implica dizer que no momento que um minerador ou alguma outra pessoa produz lucro com venda de criptomoedas ela é obrigada a declarar.

Mas e se as moedas virtuais forem utilizadas não para serem convertidas em moedas fiduciárias, mas para negociações? Se tratando das negociações com moedas virtuais de um contrato de permuta, pode se dizer que:

Na esfera tributária, por sua vez, estão sujeitas à apuração de ganho de capital as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição. Conforme mencionado, a permuta é uma forma de aquisição e alienação recíproca de bens e, portanto, em princípio, sujeita à tributação pelo ganho de capital (art. 117 do RIR/99; art. 3º, I, da IN SRF nº 84/2001). (NASRALLAH, 2016)

Existe também a obrigatoriedade de se declarar a venda ainda que não se tenha recebido dinheiro no processo. Para garantir maior controle da receita, é cobrado das corretoras de moedas virtuais que elas entreguem os dados de quem comprou as moedas, ainda que isso vá de encontro a anonimidade que as moedas virtuais pretendem conferir ao usuário.

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No que se refere a legislação específica de criptomoedas no Brasil, se destaca o projeto de lei 2303/2015 Por: deputado Áureo Lídio – SD/RJ, cuja proposta é a de que o banco central regule as moedas virtuais. A proposta se apoia nas dificuldades de tributo das moedas virtuais, a possível instrumentalização para a sonegação fiscal e um suposto esquema de pirâmide usufruindo das moedas virtuais.

5.2 Medidas anti criptomoedas

Frequentemente o ordenamento jurídico acaba praticando algumas medidas que, a fim de garantir o monopólio monetário de uma determinada moeda soberana. Existem exemplos como a China, que proibiu as criptomoedas no país.

No Brasil, uma medida recente chocou a muitos. O STJ determinou que os bancos podem fechar as contas de corretoras de criptomoedas sempre que quiserem. Isso é algo que prejudica em muito a operação das corretoras, tendo em vista que depósito é a maneira mais fácil de lidar com esse tipo de venda. O STJ considerou que não era aplicável o código do consumidor, tendo em vista que as corretoras não seriam consumidoras finais dos serviços do banco, mas sim os utilizariam para poder operarem com outros destinatários.

6 O IMPACTO DAS CRIPTOMOEDAS

Ao longo do presente texto, tópicos como a liberdade e a estatização da moeda foram abordados. É evidente que o surgimento das criptomoedas trouxe inúmeras modificações para o que foi discutido até o momento no texto. Se trata esse tópico, portanto, da análise das mudanças que as criptomoedas podem promover nesse cenário, e a análise das mudanças que as mesmas já promoveram.

A falsificação e a depreciação da unidade monetária, historicamente um privilégio de soberanos e governos, geram efeitos perniciosos na sociedade, impedindo uma cooperação social tranquila. A intervenção estatal na moeda como hoje a conhecemos não é diferente. O monopólio de emissão de moeda e o sistema bancário cartelizado pelo próprio governo são responsáveis por grande parte dos problemas econômicos enfrentados pela sociedade moderna. (ULRICH, 2014, p.100)

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6.1 A inexistência de um terceiro validando a transação

Como já foi citado anteriormente no texto, as criptomoedas surgiram, principalmente, por conta das diversas crises financeiras que tiveram o dinheiro como protagonista, e colocaram em cheque a confiabilidade das instituições que deveriam dar essa confiança à moeda. Porém, antes da existência de criptomoedas, a proposição de uma moeda não soberana a ser utilizada era algo que era duramente combatido e criticado, e tido como impossível. Uma das principais críticas a essa proposta seria a impossibilidade de uma instituição total ou parcialmente privada dar confiabilidade a uma moeda, sendo imparcial e não prejudicando os usuários da moeda. Para os que criticavam a possibilidade de uma moeda não estatal, apenas quem poderia dar a confiabilidade de uma moeda seria o Estado e as instituições designadas pelo mesmo. Apesar de, segundo alguns teóricos, dos quais alguns até mesmo dizem existir uma necessidade do monopólio, a existência do mesmo fornece ao Estado uma grande ferramenta de opressão para com seu povo. Portanto, ainda que o monopólio desagradasse diversos teóricos, os mesmos diziam que a possibilidade de ele não existir não era real. Portanto, Hayek defendeu em seu livro que o que deveria ser feito era que o Estado permitisse a liberdade de escolha dos cidadãos, mas limitasse-a as moedas fornecidas pelo mesmo:

A ideia, de abolir totalmente a prerrogativa milenar dos governos de ter o monopólio do dinheiro é ainda tão estranha e até mesmo alarmante para a maioria das pessoas, que não vejo qualquer possibilidade de ela vir a ser adotada em futuro próximo. Mas seria possível que as pessoas aprendessem a perceber as vantagens se, pelo menos, fosse permitido que as diversas moedas governamentais competissem pela preferência do público. (HAYEK, 2011, p.26)

Porém, o surgimento das criptomoedas promoveu uma significativa alteração nesse cenário e se tornou um contraponto a esse argumento. O sistema de blockchain, já explicado anteriormente, dispensou a necessidade de centralizar as operações de uma moeda nas mãos de um terceiro. Ao promover a possibilidade de uma construção consensual de registros de transações, o sistema blockchain incorporado as criptomoedas, através de uma grande complexidade tecnológica trouxe consigo a possibilidade de uma moeda não ser centralizada no Estado ou centralizada em instituições privadas, mas sim descentralizada. Essa ideia era inconcebível na época em que autores como Hayek escreveram suas teorias, e possibilita pôr em prática teorias que o mesmo disse não ver “qualquer possibilidade de ela vir a ser adotada em futuro próximo”. Portanto, a não necessidade de um terceiro validando as transações foi determinante para que uma das principais críticas a uma moeda não estatal pudesse ser questionada.

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6.2 A possibilidade de escolher

Outro ponto no qual as criptomoedas promoveram uma significativa mudança foi, notavelmente, a liberdade de escolha. No período anterior as criptomoedas operarem, ser exposto aos abusos de um governo e ao seu total controle sobre sua moeda era algo de difícil escapatória, como citado anteriormente no caso dos dólares zimbabuanos. As criptomoedas, no entanto, modificaram esse cenário. É possível citar o exemplo bastante recente da Venezuela. O país vivencia uma grave crise econômica, onde existe uma enorme inflação e rápida desvalorização da moeda soberana venezuelana. Procurando por uma moeda menos volátil e que possa servir de reserva de valor, os venezuelanos se voltaram para as Bitcoins. “A Venezuela presencia uma gigantesca quantidade de bolivares sendo trocados por bitcoin em níveis nunca vistos, um volume de BS 1,8 milhões (bolívar soberano), referentes a 1.100 btcs em 10 de novembro.” (RIGGS, 2018).

Como já foi citado anteriormente, o ordenamento jurídico dos Estados a fim de garantir a soberania, dispõe de mecanismos para manter o monopólio monetário, isso inclui a fiscalização das transações financeiras através da declaração obrigatória que os governos exigem dos bancos por exemplo. Portanto, a compra de Bitcoins na Venezuela raramente é praticada através de transferências bancárias ou afins. É utilizado o método P2P (peer-to-peer) onde a transferência é feita de maneira mais direta do corretor para o comprador, a fim de evitar determinados tipos de controle do Estado.

6.3 Criptomoedas e fronteiras políticas

Ainda falando da Venezuela, pode ser destacada a importância que as Bitcoins possuem no processo de diminuir ou extinguir as fronteiras políticas de uma transação financeira. Exemplo: “se alguém pretende deixar o país pode facilmente sair sem se preocupar com a patrulha de fronteira, levando apenas seu celular, pen drive ou até mesmo uma paper wallet dobrada entre os pertences.” (RIGGS, 2018). Isso é justificável pois o processo para se converter a moeda soberana de um país para a moeda soberana de outro país é uma tarefa complicada. É um processo taxado, o que dificulta esse processo para pessoas com menor poder aquisitivo, uma vez que parte do valor que possuíam em uma moeda é perdido quando a convertem para outra, porque a agência de cambio acaba por adicionar uma sobretaxa a taxa de câmbio. Outro problema que pode ser citado da realização desses câmbios é a quantidade de dinheiro que se pode carregar e as possíveis complicações. Por exemplo, um dólar americano no dia 4 de dezembro de 2018, era equivalente a 250.678 bolívares soberanos, a moeda venezuelana. Ao tentar sair da Venezuela com uma quantia significativa de bolívares para trocar por dólares, essa saída poderia ser impossibilitada ou dificultada. O mesmo fator dificulta a entrada de venezuelanos

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nos Estados Unidos nesse caso. Além disso, carregar uma enorme quantidade de dinheiro dessa forma pode significar facilmente perdê-lo, danificá-lo ou ser roubado. Além do espaço significativo que ocupa na mala de um viajante. A não necessidade de conversão ou de representação física das criptomoedas facilita muito o processo de viagem de alguém que os possua. Não apenas nos casos de imigração citados, mas até mesmo em viagens turísticas.

As criptomoedas, ao extinguir as fronteiras políticas de transações, possibilitaram melhores condições para pessoas residentes em um país enviarem dinheiro a parentes do país de origem ou que simplesmente estejam em outro país. Grande parte do mundo possui contas bancárias e nesses casos, o processo é facilitado. Porém, de acordo com Michael Casey, colunista do Wall Street Journal, existem no mundo 2,5 bilhões de pessoas acima dos 18 anos que não possuem conta bancária (BANKING ON BITCOIN, 2016). Segundo o mesmo, a possibilidade que as criptomoedas oferecem é a de que essas pessoas que não tem acesso a um banco, sejam seu próprio banco, ou tenham bancos portáteis em seus celulares ou outros aparelhos eletrônicos. Em diversas áreas do mundo o serviço bancário é limitado pela dificuldade de custo para o banco se adentrar em tal região. Atualmente, o envio de dinheiro ao longo do mundo para pessoas que não tem acesso a bancos é feito através de remessas fornecidas por empresas como a Western Union, a WorldRemit, dentre outras. O grande problema dessas remessas é que elas não são tão baratas. Podem custar de cinco a dez por cento de acordo com levantamento feito por Gavin Anderssen, da Bitcoin Foundation (BANKING ON BITCOIN, 2016). Isso é um percentual significativo para trabalhadores com pouco poder aquisitivo. Enviar 100 dólares para a sua família e ela apenas receber 90 dólares é algo que pode ser evitado no sistema das criptomoedas. Além de toda a burocracia de documentos que é necessário para se fazer uma remessa desse tipo. Como as criptomoedas não se importam com as fronteiras políticas de uma transação, nenhuma taxa é cobrada a mais por enviar o dinheiro para qualquer lugar do mundo que seja, e não há burocracia envolvida.

É uma proposta de inclusão de pessoas que estão excluídas do sistema financeiro internacional. Muitas das que não tem acesso a contas bancárias, a cartão de créditos, dentre outros. Elas são impossibilitadas exercer sua igualdade de poder de compra com o resto do mundo. Essas pessoas não podem muitas vezes comprarem produtos oferecidos online por exemplo, e elas necessitam de possibilidades de serem incluídas no sistema monetário internacional.

Ainda dentro desse contexto, as criptomoedas apresentam a possibilidade de gerar mais lucros a empreendedores, por motivos citados anteriormente, como a facilidade maior dada ao comércio internacional. Isso afeta não apenas aqueles que não possuem a possibilidade de obter um cartão de crédito, mas também aqueles que o possuem. Os cartões de crédito, apesar de serem de suma importância no comércio internacional e serem facilitadores do comércio local, apresentam custos significativos para os comerciantes e compradores, através de taxas que não existem

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nas operações com criptomoedas. Além disso, reduz a possibilidade de fraudes, como explica Fernando Ulrich:

Aceitar pagamentos com cartões de crédito também sujeita as empresas ao risco de fraude de estorno de pagamentos (charge-back fraud). Há muito que comerciantes têm sido infestados por estornos fraudulentos, ou reversões de pagamentos iniciadas por clientes, baseados no falso pretexto de que o produto não foi entregue10. Comerciantes, portanto, podem perder o pagamento pelo item vendido, além do próprio item, e ainda terão de pagar uma taxa pelo estorno. Como um sistema de pagamentos não reversível, o Bitcoin elimina a “fraude amigável” acarretada pelo mau uso de estornos de consumidores. Aos pequenos negócios, isso pode ser fundamental. (ULRICH, 2014, p.24)

6.4 Privacidade financeira

Ademais, a anonimidade relativa fornecida as pessoas da transação pelas criptomoedas é algo que pode fazer com que mais pessoas optem por transacionar com elas, tendo em vista que as criptomoedas promovem uma revolução no caráter anônimo de transações digitais, devido a inexistência de um terceiro que armazene os dados dos negociantes ou da negociação. Essa anonimidade seria de extrema importância no caso de pessoas que pretendem transacionar com privacidade com relação a um governo opressor, como no caso da citada Venezuela. A anonimidade fornecida pelas criptomoedas segundo Ulrich (2014), poderia ser utilizada também por pessoas que procurem por serviços de saúde que possam ser considerados controversos por empregadores e familiares, ou por mulheres que fujam de maridos abusivos. Em um modo geral, existem diversos motivos legítimos para que pessoas optem por manter privacidade em uma transação financeira, e as criptomoedas viriam para ajudar os indivíduos a possuírem essa possibilidade. Porém, é de se ressaltar que a anonimidade fornecida pelas criptomoedas não é absoluta. Se tratando da Bitcoin, a “carteira” de cada usuário dessa criptomoeda tem uma chave pública e uma privada. Essa pública é um código, onde todos podem ver o quanto de Bitcoin está sendo movimentado nessa conta, com qual outro código está movimentando, e todas as transações validadas e registradas devidamente na blockchain. E existe a privada, que é a senha para se acessar essa carteira. Ainda que não exista nada necessário ao que vincule essa carteira pública a identidade da pessoa, essa pessoa tem que ter bastante cuidado para que não se associe essa carteira a sua identidade. E essa associação não é tão difícil de ser feita quanto parece, pode ser feita pelo IP por exemplo, em um site da web onde a pessoa forneceu essa carteira pública para por exemplo uma troca de bitcoins, ou em uma casa de câmbio onde a pessoa trocou dólares por bitcoins. Para assegurar maior anonimidade, o usuário deveria recorrer

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ao Tor, um software de navegação na internet que proporciona uma comunicação anônima ocultando a identidade do usuário na rede.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após essas observações feitas ao longo do texto, algumas conclusões podem ser extraídas acerca do tema discutido. É perceptível que a análise do livro “Desestatização do dinheiro” de Hayek trouxe algumas dúvidas acerca da possibilidade real disso acontecer. Porém, as criptomoedas muitos anos depois trouxeram respostas para diversas dessas dúvidas e possuem grande possibilidade de extinguir o monopólio monetário. Ao extinguir esse monopólio as criptomoedas estarão garantindo ideais de liberdade para os cidadãos. Estarão garantindo a liberdade de escolha com relação a qual moeda usar, e estarão estabelecendo a possibilidade de um cidadão de um país não se submeter aos abusos de um governo com relação a sua moeda.

Fica claro, porém, que promover essa modificação através do direito é algo bastante complicado. O direito dispõe de mecanismos para garantir o monopólio monetário de um Estado e frequentemente adota medidas contrárias as criptomoedas, até mesmo proibindo-as em alguns casos. Portanto, alguns dos envolvidos com criptomoedas, como os irmãos Winklevoss, acreditam que direcionar uma legislação para as criptomoedas é fundamental, antes que legislem de modo que estrangule a operação de criptomoedas.

As criptomoedas, uma vez que estejam incluídas dentro da sociedade, tem a possibilidade de inclusão de diversas pessoas que se encontram excluídas do sistema financeiro internacional e de acabar com o monopólio monetário, ainda que a sua ausência de liquidez e volatilidade ainda sejam um problema nos dias de hoje, as criptomoedas, para Peter Šurda (2012), devem com o passar do tempo superar tanto moedas fiduciárias quanto ouro e prata como meio de troca. É, portanto, de suma importância que sejam compreendidos os efeitos que as criptomoedas apresentam e podem apresentar, tendo em vista que elas podem ser o futuro da humanidade.

REFERÊNCIAS

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Instituto de Educação Superior de Brasília, Brasília, 2017.

ANTONOPOULOS, Andreas. Mastering Bitcoin. Sebastopol: O’Reilly Media Inc.,

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BANCO CENTRAL DO BRASIL. Moedas virtuais. Brasília, 2017. Disponível em: https://

www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/moedasvirtuais.asp?idpai=FAQCIDADAO#8. Acesso em: 13 set. 2018

BANKING ON BITCOIN. Direção e produção de Christopher Cannuciari. Nova

Iorque: GRAVITAS, 2016.

BRASIL. Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013. Referente a emissão de títulos da dívida pública mobiliária federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 out. 2013.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12865. htm. Acesso em: 12 set. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 478.410/SP.

Recorrente: Unibanco – União de Bancos Brasileiros S/A. Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, 13 de maio de 2010. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ RE478410.pdf. Acesso em: 12 set. 2018

DUARTE, Hugo Garcez; ALMEIDA, Tiago Sanches de. O direito à vida e a liberdade pessoal, 2018. Disponível em: https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/

artigo/4600/o-direito-vida-liberdade-pessoal. Acesso em: 1 dez. 2018

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3: Contratos e Atos

Unilaterais, 10.ed., São Paulo: Saraiva, 2013.

GREGO, Mauricio. Roubo de US$ 388 milhões em bitcoins leva Mt. Gox a fechar, 2014.

Disponível em: https://exame.abril.com.br/tecnologia/roubo-de-us-388-milhoes-em-bitcoins-leva-mt-gox-a-fechar/. Acesso em: 1 dez. 2018.

HAYEK, Friedrich A. Desestatização do Dinheiro. São Paulo: Instituto Ludwig von

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NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. Disponível

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NASRALLAH, Amal. tributação da operação de permuta – pessoa física.

Disponível em: http://tributarionosbastidores.com.br/2016/12/tributacao-da-operacao-de-permuta-pessoa-fisica/. Acesso em: 30 out. 2018.

RIGGS, Wagner. Negociação de bitcoin dispara na Venezuela enquanto Bolívar desvaloriza. Disponível em:

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ŠURDA, Peter. Economics of Bitcoin: is Bitcoin an alternative to fiat currencies and

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ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig von

Referências

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