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O CONTROLE SOCIAL COMO INSTRUMENTO LEGITIMADOR DAS PARCERIAS ENTRE ESTADO E TERCEIRO SETOR

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Academic year: 2021

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O CONTROLE SOCIAL COMO INSTRUMENTO LEGITIMADOR DAS

PARCERIAS ENTRE ESTADO E TERCEIRO SETOR

Vinícius da Costa Gomes1 Virgilia Gomes Fantini2

RESUMO: O Estado Democrático de Direito tem como núcleo a cidadania, consubstanciada

na participação popular para concretização dos direitos fundamentais. Neste sentido, surge a necessidade de instrumentos que oportunizem à população participar das políticas públicas assegurando que os anseios sociais sejam satisfeitos. As parcerias com o terceiro setor se apresentam como uma solução que permite uma parceria entre Estado e o setor privado para concretizar estes anseios. Contudo, cresce a necessidade de transparência e controle destas parcerias. Diante disso, o controle social é fator de legitimidade e fomentador do desenvolvimento democrático, já que possibilita a co-participação cidadã. De igual modo, a transparência administrativa viabiliza a visibilidade da atuação administrativa instrumentalizando este controle. Sendo assim, aumentar os canais de participação importa em incentivar a gerência compartilhada contribuindo para detecção dos problemas e, assim, possibilitando uma co-atuação participativa. Este trabalho demonstrará a necessidade de transparência para propiciar o controle social nas parcerias entre Estado e terceiro setor. Palavras Chaves: Controle Social; Participação Democrática; Transparência.

SOCIAL CONTROL TO LEGITIMATE OF PARTNERSHIPS AND NON-GOVERNMENTAL ORGANIZATIONS

ABSTRACT: The Democratic State of Dirieto has as its core citizenship, consubstantiated in

popular participation for the realization of fundamental rights. In this sense, there is a need for instruments that allow the population to participate in public policies by ensuring that social aspirations are met. Partnerships with the third sector are presented as a solution that allows a partnership between the State and the private sector to realize these aspirations. However, the need for transparency and control of these partnerships is growing. Faced with this, social control is a factor of legitimacy and fomenting democratic development, since it enables citizen participation. Likewise, administrative transparency enables the visibility of the administrative action instrumentalizing this                                                                                                                          

1 Docente na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e na Faculdade UNIESP. Revisor da revista Percurso Acadêmico (qualis B3) e da Revista Vigilis. Mediador extrajudicial na empresa Mediação Online/SP. 2 Doutoranda em Direito Processual Civil pela PUCMINAS. Mestre em Direito Público pela Universidade Fumec. Pós-Graduação em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Milton Campos e em Direito Constitucional pelo Instituto Desenvolvimento Democrático - IDDE. Graduação em direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Experiência na área docente em Direito Processual Civil, Direito do Trabalho, Direito Civil e Consumidor. Advogada atuante, com ênfase em direito processual, atuando principalmente em áreas processuais cíveis e trabalhistas.

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control. Therefore, increasing the channels of participation matters in encouraging shared management, contributing to the detection of problems and, thus, enabling participatory co-operation. This work will demonstrate the need for transparency to foster social control in partnerships between State and third sector.

Key Words: Social Control; Democratic Participation, Transparency.

1. INTRODUÇÃO  

Com o advento do Estado Social surgem diversas demandas que o Estado não consegue cumprir, seja por ineficiência ou por absoluta impossibilidade dado o elevado número de questões. O terceiro setor nesse contexto surge, primeiramente, para atuar na ineficiência deixada pelos entes estatais e, posteriormente, atuando conjuntamente com o Estado em determinadas funções.

Ocorre que esta atuação passa por diversos questionamentos da opinião pública fato comprovado pelos inúmeros escândalos ligados a essas parcerias e até mesmo com a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar tais fatos3. Há questionamentos com relação ao fomento direto e indireto dessas entidades pelo Estado, do favorecimento de entidades de parentes4 e de financiadores de campanha5, dentre outros6.

Sendo assim, a opinião pública e a própria doutrina jurídica vem questionando essas parcerias. Esse trabalho visa justamente apresentar alguns desses problemas e salientar a necessidade de um fortalecimento do controle dessas parcerias.

A idéia não é só reforçar a necessidade de Controle dessas parcerias, mas, principalmente, de demonstrar a necessidade de implementação efetiva do Controle Social, já que este controle seria uma forma de conceder efetividade e legitimidade a essas parcerias.

A pesquisa demonstrará que o controle deriva do Estado de Direito como os demais controles, mas principalmente que ele é um controle característico do Estado Democrático de Direito. Trata-se de uma forma de participação popular no exercício do controle, ou seja, é um mecanismo de participação direta da população.

                                                                                                                         

3 Chamada de CPI das ONGs. Ela foi criada pelo requerimento nº. 2001/2007 do Senado Federal. Acessado em 20/10/17 no site: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/194594>

4 Acessado em 27/10/17 no site: < http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2012/01/como-se-desvia-dinheiro-no-brasil.html>

5 Sobre o tema ler: A onda da pilantropia – continuação A explosão do terceiro setor criou outro tipo de ONG: a dos aproveitadores que, na falta de fiscalização, desviam recursos públicos e enriquecem. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG74385-6009-420,00.html> acessado em 10/08/17.

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A idéia do Controle Social é possibilitar à população exercer o controle dos atos estatais. Ele surge ainda como instrumento fundamental para conceder efetividade às parcerias, já que muitas vezes os controles “oficiais” (Controles internos e externos exercidos pelo Ministério Público, Tribunais de Contas, Poder Judiciário, etc) se limitam a um controle formal das parcerias.

O Controle Social possibilita o controle da execução das parcerias e se elas cumprem o objetivo pelo qual surgiram, evitando assim que haja tão somente um controle de sua instituição ou que se descubra que ela não alcançou sua função depois do término da parceria.

No entanto, para que seja possível o Controle Social é necessário que haja total transparência dos entes envolvidos na parceria. Afinal somente com a transparência há possibilidade dos destinatários da parceria opinar, denunciar, controlar a instituição e execução dessas parcerias.

Além disso, a pesquisa demonstrará que a transparência decorre da Democracia, afinal esse regime caracteriza-se como governo do público, do não secreto (BOBBIO, 2000, p.98). Sendo assim, a transparência não é uma possibilidade, mas sim uma conseqüência do Estado Democrático de Direito, devendo ser um ônus extensivo aos entes parceiros do Estado.

2. PARCERIAS ENTRE TERCEIRO SETOR E ESTADO  

As crescentes demandas da sociedade por serviços assistenciais, nos locais em que a gestão pública não consegue alcançar, fazem surgir à participação organizada da sociedade civil, por meio das organizações não governamentais, formadas por grupos de pessoas comprometidas em apoiar o poder público no sentido de contribuir com o atendimento sócio-assistencial e suprir sua carência.

Desta feita, a complexidade da sociedade atual e multiplicação dos problemas sociais e a necessidade de seu ajustamento, caminhou para a perda do monopólio dos canais estatais de representação quanto à realização da função política e no reconhecimento da valorização da participação da sociedade civil.

Luiz Carlos Merege (2001) conceitua que:

o terceiro setor constitui-se de organizações criadas por iniciativas de cidadãos, com o objetivo de prestar serviços ao público sem fins lucrativos (saúde, educação, cultura, habitação, direitos civis, desenvolvimento do ser humano, proteção ao meio ambiente), ainda que eventuais excedentes sejam reaplicados na manutenção

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das próprias atividades ou distribuídos entre os colaboradores. Suas receitas podem ser geradas em atividades operacionais, mas resultam sobretudo, de doações do setor privado ou do setor governamental.

Essa descentralização na atuação das políticas sociais tem como escopo a busca pela agilidade e eficiência, sem, contudo, retirar o papel do Estado na prestação desses serviços e sim buscar uma parceria na relação Estado e sociedade, visando sempre a efetivação dos direitos fundamentais.

Para Maria Tereza Fonseca Dias, “‘o surgimento de um novo setor, ou seja, o denominado público não-estatal estaria sendo, grosso modo, entendido como um locus além do Estado e do mercado” (DIAS, 2003 p. 228).

Existe atualmente uma preocupação crescente em criar e garantir instrumentos de debate que permitam à população participar da formulação de políticas públicas com a finalidade principal de assegurar que os anseios da sociedade sejam satisfeitos.

Sob esse prisma, para Jurgen Habermas, o princípio do discurso nos cobra que: “válidas são aquelas normas (e tão somente aquelas normas) a que todos os que por elas possam ver-se afetados possam prestar seu assentimento como participantes em discursos racionais” (HABERMAS, 2010, p 9).

Para o autor, não basta apenas, para a construção legitima do Direito, a criação de normas pelo devido processo normativo, mas que antes da operacionalização desse processo, necessário que haja abertura para participação democrática de todos os envolvidos-cidadãos, de forma que os destinatários desta norma se vejam como co- autores das normas jurídicas as quais serão submetidos. Trata-se de uma co-dependência das autonomias público e privada na justificação normativa.

O princípio do discurso inserido dentro do Estado Democrático de Direito, preceitua exigências pós-convencionais de legitimidade normativa, ou seja, a validade e racionalidade de conteúdos normativos estão atreladas à abertura comunicativa de conceitos criticáveis, referidos e construídos com a participação de cada cidadão.

Preceitua Jose Afonso da Silva que a democracia repousa sobre dois princípios fundamentais: o da soberania popular e a participação, direta ou indireta, do povo no poder (1996, p. 120).

A democracia participativa que se busca alcançar neste trabalho assenta sobre esses dois princípios fundamentais: o princípio da soberania e o princípio da participação popular,

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que conjugados tendem a realização dos valores da igualdade e da liberdade. Lúcio Chamon Júnior explica que:

“as liberdades subjetivas, como direitos referentes a uma autonomia privada, e as liberdades comunicativas, como direitos tocantes a autonomia pública, forma um complexo núcleo de liberdades jurídicas a serem mutuamente reconhecido, garantido e respeitado se pretende, efetivamente, levar adiante o projeto de construção legitima do Direito da Modernidade, regido pelo princípio do discurso e, destarte, no resgate de traços de racionalidade subjacentes ao mundo social moderno.” (CHAMON JUNIOR, 2010, p. 10)

Os controles internos e externos, o controle exercido pelo Tribunal de Contas, pelo Ministério Público e pelo Judiciário são bem estudados na doutrina e não serão objetos desse estudo. O presente artigo tem em questão, o objetivo de abordar as nuances do Controle Social exercido pela sociedade.

3. O CONTROLE SOCIAL  

Pode-se dizer que o Controle Social (ou Controle Popular ou accountability) deriva do Estado de Direito como os demais controles, mas é, principalmente, característico do Estado Democrático de Direito. Ele surge como uma forma de participação popular no exercício do controle, logo trata-se de mais um mecanismo de participação direta da população. A idéia do Controle Social é possibilitar à população exercer o controle dos atos estatais.

A temática do controle está intimamente ligada ao Estado de Direito. Esse Estado materializou-se em sua origem como um instrumento de limitação dos poderes. A idéia da supremacia do direito é uma tentativa de limitação, justamente no intuito de evitar qualquer tipo de abuso. Nas palavras de Rodolfo Viana Pereira há claramente uma desconfiança do homem como ator principal no exercício da autoridade levando a uma inquestionabilidade do princípio aristotélico segundo o qual o governo das leis é preferível ao governo dos homens (PEREIRA, 2010, p. 42).

A supremacia da lei surge como solução ao problema da concentração do poder. A idéia da lei como elemento centralizador do Estado nada mais é do que uma tentativa de retirar o poder das mãos dos homens.

Pode-se notar claramente essa necessidade de distribuição do poder quando se analisa, por exemplo, a evolução dos direitos e garantias fundamentais ou a história do Constitucionalismo. José Luiz Quadros quando descreve o transcorrer do período do Estado

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Liberal ao Estado Social explicita sobre o papel da Magna Carta de 1215 como instrumento legal responsável pela limitação da Monarquia Absolutista e, consequentemente, pela passagem de uma Monarquia Absoluta para uma Monarquia Constitucional (MAGALHÃES, 2008, p.17). Ou seja, a Magna Carta surge como ferramenta de limitação do poder absoluto.

O surgimento dos chamados direitos fundamentais de primeira dimensão (ou primeira geração) que são os direitos liberais são justamente a consagração de direitos negativos, ou seja, direitos que protegem os indivíduos do Estado, direito do Estado não intervir na esfera dos indivíduos. Paulo Bonavides afirma que estes direitos são de resistência ou de oposição do invidivíduo perante o Estado (BONAVIDES, p.563-564).

Esses direitos fundamentais são claramente uma limitação do poder estatal face aos direitos individuais. Num momento posterior diante do surgimento do Estado Social, falamos em direitos sociais (direitos de segunda dimensão) que são direitos positivos, direitos que exigem uma prestação do Estado em busca de uma igualdade material. Bernardo Gonçalves Fernandes diz que estes direitos abraçariam a noção de igualdade dos indivíduos exigindo uma atuação estatal a fim de garantir determinadas prestações materiais (FERNANDES, p.325). Paulo Bonavides, por sua vez, ressalta que com estes direitos de segunda dimensão operou-se uma releitura dos direitos fundamentais como garantias instituticionais e não só como direitos de defesa (BONAVIDES, p.565-566).

Mesmo que se fale em atuação estatal, ainda se fala num exercício de controle de poder, afinal a idéia é que todos os indivíduos estejam em um mesmo patamar de igualdade para concorrer com os demais indivíduos e com o Estado.

Maria Coeli Simões Pires demonstra a relação entre controle e a evolução do Estado Liberal ao Estado Social quando diz que o controle da Administração Pública foi construído sob a inspiração da filosofia liberal e se exauriu no Estado Social (PIRES, 2004, p.79).

A análise dessas mudanças históricas reforça a idéia do surgimento do Estado de Direito como um governo da supremacia da lei, a idéia da lei como elemento central do Estado. A temática do controle surge então nesse momento como uma garantia dessas leis7.

O controle então pode ser visualizado em todos os setores do Estado de Direito. Há desde um controle político, que será aquele que ocorre entre os poderes do Estado, como um controle administrativo, que é aquele que ocorre dentro de cada Poder, afinal o controle surge como uma garantia do Estado de Direito.

                                                                                                                         

7 Cabe salientar que esse artigo não irá analisar a mudança da legalidade a juridicidade, por uma simples questão de foco no assunto objeto do artigo.

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O Controle da Administração Pública é aquele que ocorre no exercício da Administração. Helio Saul Mileski diz que esse controle é uma das principais características do Estado de Direito e que tem como função vincular a Administração Pública a supremacia do interesse público e ao princípio da legalidade (MILESKI, 2006, p.88).

A importância do controle da Administração Pública é uma conseqüência do Estado de Direito, assim, conclui-se logicamente pela a sua extensão ao terceiro setor quando se fala em transferência de atividades antes desempenhadas pelo Estado e agora exercidas pelo terceiro setor. Maria Tereza Fonseca Dias enfatiza essa necessidade quando avalia a transferência de patrimônio público a essas entidades salientando se tratar de uma questão de legalidade administrativa e de legitimidade da administração pública (DIAS, 2008, p.353).

Essa necessidade fica clara quando se evidencia os problemas não só na transferência de verbas estatais, mas também nas discussões sobre contratações e favorecimentos a entidades do terceiro setor. A matéria perpassa por grande cuidado, afinal nota-se na prática desde terceirização do serviço público a políticas de “apadrinhamento” tão usuais da cultura brasileira (AMORIM, 2009). O controle tem um papel importante na árdua tarefa de suprimir tais disfunções, sob pena das parcerias entre Estado e terceiro setor findarem.

Diante da importância da temática do controle se pode depreender da doutrina e da legislação diversos tipos de controle. Odete Medauar, por exemplo, fala em controle na administração e controle da administração, sendo que o primeiro seria aquele exercido pela própria administração dentro de suas estruturas e o segundo aquele exercido por agentes que não integram a própria administração (MEDAUAR, 1993, p.37). Autores tradicionais como Seabra Fagundes, Cretella Junior, Caio Tácito e Hely Lopes Meirelles classificam o controle em interno, externo e extra-orgânico, por exemplo.

Da mesma forma que dito no controle é necessário salientar que o Estado Democrático também surge como uma forma de divisão de poderes. A idéia do Estado Democrático é evitar a concentração de poderes nas mãos de muitos em detrimento dos reais detentores do poder: o povo. É com esse Estado que se tem a idéia de soberania popular.

O Controle Social é então uma conjugação de ideais do Estado de Direito e do Estado Democrático. Adriana da Costa R. Schier depreende essa conjugação quando tratando sobre o direito de reclamação do cidadão diz que o mesmo deriva de uma dupla dimensão: a de controle, efetivando o princípio do Estado de Direito e a democrática, concretizando o princípio do Estado Democrático (SCHIER, 2002, p.250).

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Pode-se afirmar que contemporaneamente é consenso dizer que a Democracia é o regime ideal para a Sociedade Complexa contemporânea (ZOLO, 1994, p. 79). Da mesma forma que há um consenso sobre a Democracia, há também um consenso de que esta encontra-se em crise (FUKUYAMA, 1989).

4. A CRISE DEMOCRÁTICA

A ideia de que o povo é o verdadeiro titular do poder, mesmo que este seja exercido através de representantes eleitos, é o núcleo do Estado de Direito. Nela pressupõe-se que os representantes devem se submeter à vontade popular, bem como à fiscalização de sua atividade; o povo deve viver numa sociedade livre, justa e igualitária. A expressão Estado Democrático de Direito, certamente decorre da união destes conceitos.

Entretanto, o que se percebe hoje é que o discurso da necessidade de parceria do Estado com a “sociedade civil” está prevista apenas nos moldes tradicionais da democracia representativa, através do sistema eleitoral.

São diversos os fatores apontados como causadores dessa crise, como a globalização e a complexidade. Rodolfo Viana Pereira aponta ainda o risco, a crise de representação e o refluxo (BOBBIO, 2000; PEREIRA, 2010, p.107). Ele diz que a crise no sistema democrático representativo atual, onde não se nutre a participação dos cidadãos e a entrega em assuntos públicos, de interesse coletivo, acaba por estabelecer um retrocesso democrático. Assim explica que há um círculo vicioso que culmina num afastamento cada vez maior dos cidadãos do sistema político (PEREIRA, 2010, p.127).

Vários fatores ainda dificultam a aplicação da democracia participativa pelos cidadãos, uma vez que o distanciamento popular das discussões de decisão, a diluição da responsabilidade política dos representantes em face dos seus eleitores, o uso inexpressivo de mecanismos de legitimação popular em relação a questões fundamentais, só fazem aumentar o nível de apatia e desinteresse.

A democratização do processo decisório tem seu propósito fundamental para incrementar a probabilidade de acerto na tomada de decisão e compartilhar com a sociedade a responsabilidade pelas opções deliberadas.

Esses fatores de desestabilização da Democracia estão ligados à chamada crise de legitimação. Entende-se hoje que a Democracia não está devidamente legitimada pela soberania popular, há uma crise de representação. A população não se sente devidamente

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representada, há uma descrença no regime democrático afinal o povo não se sente como condutor do Estado. Diante dessa chamada crise representativa surgem tentativas de conceder maior participação popular.

A própria Constituição da Republica Federativa do Brasil demonstra essa preocupação com a instituição de diversos instrumentos de participação direta da população, como: a Iniciativa Popular de leis, o Referendo, o Plebiscito, a Ação Popular, o Direito de petição, dentre outros. O Controle Social é mais um desses instrumentos que derivam da necessidade de conceder maior participação popular legitimando assim o atual regime.

Sendo assim, aumentar os canais de participação importa em incentivar a gerência compartilhada de temas de interesse mútuo, contribuindo para detecção dos problemas latentes, onde a principal consequência é a de enriquecer o debate, como forma de co-determinação participativa.

Para que se consiga verdadeiramente efetivar a participação democrática por meio dos seus cidadãos, além de ser imperioso que se renasça o interesse destes sobre a atuação estatal no que tange à implementação de políticas públicas sociais, essencial que se respeite por aqueles que detém o poder, os princípios administrativos fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas.

O Controle Social permite então uma atuação proativa do cidadão com o objetivo de controlar a atuação da Administração Pública e também daqueles entes que recebem recursos públicos. O Controle Social pode ser um importante instrumento de fiscalização das parcerias entre terceiro setor e Estado, afinal os problemas ligados a essas parcerias poderiam passar despercebidos pelos demais controles, como em casos de terceirização do serviço público, por exemplo, teríamos tanto o Estado como o Terceiro Setor sendo beneficiados. O Estado por se livrar de determinada função (e os ônus que elas trazem) e o terceiro setor por ganhar recursos para exercer uma determinada função. No caso de apadrinhamentos ou nepotismo verificamos o mesmo problema, afinal quando um agente público (palavra aqui tomada no sentido amplo, envolvendo agentes políticos, funcionários públicos, etc) quer favorecer determinada pessoa ou entidade ele poderia camuflar tal preferência permitindo uma parceria entre o Estado e uma entidade do terceiro setor.

Maria Tereza Fonseca Dias demonstra bem essa preocupação coletiva das parcerias entre Estado e Terceiro Setor quando cita o filme “Quanto vale ou é por quilo?” (dirigido por

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Sérgio Bianchi) que retrata uma história em que ONGs atuam em demandas que o Estado não consegue resolver, mas como empresas, visando o lucro (DIAS, 2008, p.402).

Sobre outro viés é interessante salientar que alguns autores tratam sobre um Estado Pós Social em que seria necessária uma menor atuação do Estado, ou pelo menos uma atuação tão somente gerencial. A própria instituições das agências reguladoras comprovam essa nova idéia de Administração Gerencial com a instituição de órgãos autônomos dotados de poder normativo sem qualquer participação popular e sem algumas exigências do regime administrativo (como Concurso Público e Licitação, por exemplo). Notam-se claramente nessas novas agências uma falta de legitimação popular, que se agravam ainda mais quando se nota a sua possibilidade normativa.

Fica evidente a necessidade de um aumento no controle das ações estatais e dos entes do terceiro setor que fazem parceria com o Estado para preservar os princípios administrativos da legalidade, da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Outro ponto de importância no que diz respeito ao Controle Social é que somente ele pode fechar o ciclo do controle.

Deve-se lembrar que existem diversos órgãos de controle, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas, no entanto a pergunta que fica é quem controlará o controlador? O Controle Social surge justamente como solução a essa questão. Somente o povo como titular soberano do Estado Democrático de Direito pode controlar o controlador sem algum tipo de interesse que não o interesse público. A idéia é fechar o ciclo de controle com o Controle Social, já que ao garantir a atuação proba dos órgãos controladores provoca-se um controle em cadeia para os demais órgãos.

Ao se entender o Controle Social como o mecanismo para encerrar este ciclo coloca-se novamente o povo, o cidadão, como elemento central de equilíbrio a distribuição de poderes. Nota-se que sob esse prisma adota-se uma posição ativa do cidadão, não é mais suficiente uma atuação popular passiva. Diante desse novo papel do cidadão é necessário salientar que no caso brasileiro há claramente um problema cultural, já que o nosso país é uma democracia recente e o cidadão não tem em seu âmago essa atuação positiva. Helio Saul Mileski explicita tal comportamento afirmando que embora teoricamente em nível instrumental jurídico (entendido por Constituição e Legislação) estariam asseguradas todas as condições necessárias ao Controle Social, os aspectos políticos e culturais do cidadão brasileiro fazem com que o povo haja passivamente, esperando ajuda. O autor traz ainda uma importante conclusão da autora Anna Maria Campos que afirma que: “o povo brasileiro mostra vocação

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maior para ser ajudado do que para exibir autoconfiança. Como conseqüência, abre os braços ao paternalismo, uma forma disfarçada do interesse público” (MILESKI, 2006, p.92 e 93).

O autor conclui que além de uma necessária modificação no perfil do cidadão brasileiro, um amadurecimento democrático que possibilite ao cidadão atuar mais ativamente, deve-se salientar que o Controle Social deve ser um aliado ao Controle Oficial, e que esse controle deve estimular a transparência e a participação popular.

Neste ponto é importante salientar que ele entende que todos os instrumentos para possibilitarem esse Controle Social já estão criados e que basta agora uma atuação ativa do detentor desse poder, o cidadão. Esse trabalho pretende demonstrar que apesar das disposições constitucionais e infra-constitucionais que favorecem a participação popular, ainda sim há necessidade de transparência nos órgãos públicos e nas parcerias com o terceiro setor para possibilitar esse Controle Social. Ao contrário de Helio Saul Mileski esse estudo entende que é necessário fortalecer a transparência dos órgãos público, da atuação de seus agentes e, principalmente, daquelas entidades que recebem recursos públicos. Pode-se depreender tal conclusão dos escândalos ocorridos no nosso país e principalmente diante de uma análise do histórico político brasileiro, afinal o nosso Estado possui uma evolução política que tem períodos alternados de autoritarismo e populismo, cujos regimes culminam num distanciamento entre governo e povo (Crise de representação).

5 . TRANSPARÊNCIA  

A transparência é um dos pilares do Controle Social. Só se pode falar em Controle Social, controle do povo, diante de um Estado com ampla publicidade de seus atos, com transparência.

A transparência, a participação popular e o controle social decorrem do Estado Democrático de Direito. A participação popular é um dos princípios basilares deste Estado, ela decorre da própria soberania popular que fundamenta a Democracia. Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma que a participação popular é decisiva para as democracias contemporâneas, contribuindo para a governabilidade (eficiência), a contenção de abusos (legalidade), a atenção a todos os interesses (justiça), a tomada de decisões mais sabias e prudentes (legitimidade), o desenvolvimento da responsabilidade das pessoas (civismo) e tornar os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (MOREIRA NETO,

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2000, p. 12 - 15). Já a transparência é um pressuposto para o exercício da participação popular e, consequentemente, do exercício do controle pela sociedade.

Quando se clama por transparência ou se defende instrumentos que determinem a transparência tem de se entender que teoricamente não seria necessária nenhuma previsão expressa da transparência. Isso ocorre porque a transparência decorre do próprio Estado Democrático. Nas palavras de Norberto Bobbio a Democracia é um governo do poder visível, portanto, não admite segredos. O autor italiano enfatiza tal característica da democracia afirmando que a democracia é o governo do poder público em público (BOBBIO, 2000, p.98). Sendo assim, pode-se depreender que a transparência e a publicidade decorrem do Estado Democrático. A necessidade de leis e dispositivos específicos na Constituição contendo determinações de publicidade e transparência se justificam no ordenamento jurídico brasileiro pelo fato do Brasil ser uma democracia recente, por historicamente ser um país que alternou entre regimes autoritários e populistas, ou seja, alternou entre regimes que não concediam soberania ao povo.

A Constituição vigente, em seu artigo 37, deixou expressos os princípios a serem observados por todas as pessoas administrativas, quais sejam, os mecanismos constitucionais essenciais no controle jurisdicional da transparência, legalidade, moralidade e probidade na gestão da coisa pública.

Foi nessa linha de pensamento que a Constituição da Republica Federativa do Brasil consagrou o princípio da publicidade em seu art. 37. A publicidade é condição necessária para a transparência, já que exige que o Estado torne público todos os seus atos.

No entanto, somente conceder publicidade aos atos não os tornam transparentes por si só. Um determinado ente pode, por exemplo, publicar sua execução orçamentária apresentando dados globais sobre seu orçamento, concedendo assim publicidade ao ato. No entanto, nessa mesma execução orçamentária poderá haver um item global, como locação de veículos ou equipamentos de informática, sem qualquer referência pormenorizada, definição unitária de cada gasto, ou seja, o ato é publico, mas não é transparente.

Razão essa, que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle de todos os atos do poder público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais.

A necessidade de se dar a conhecer a opinião pública o porquê das ações dos agentes estatais, as razões de seus atos deles emanados, bem como, prestar contas das razões fáticas e

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dos fundamentos jurídicos sobre os quais se assentam o exercício dessas funções, em cada ato praticado, é imperativo no Estado democrático de Direito, somente variando da maneira que se manifesta.

A transparência administrativa é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito e da moderna Administração Pública pelo acesso à informação e pela participação na gestão da coisa pública, com sensível diminuição dos espaços reservados para caráter sigiloso da atividade administrativa, ponto de partida para a ineficiência, o arbítrio e imunidade do poder. Apesar de não possuir uma referência expressa à transparência na Constituição ainda sim ela deve ser observada. É importante salientar que a previsão do direito fundamental a informação é objeto de tutela normativa em leis e instrumentos jurídicos internacionais tais como: Art. XIX8 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, arts. 109 e 1310 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº. 5.687/2006 e o item 411 da Declaração Internacional de Princípios

de Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. No âmbito interno há a Lei nº. 9.784/1999 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e traz alguns dispositivos sobre o direito à informação e a Lei nº. 12.527/2011 chamada de Lei de Acesso a Informações ou Lei da Transparência.

                                                                                                                         

8 Artigo XIX: Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

9 Artigo 10: Informação pública - Tendo em conta a necessidade de combater a corrupção, cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, adotará medidas que sejam necessárias para aumentar a transparência em sua administração pública, inclusive no relativo a sua organização, funcionamento e processos de adoção de decisões, quando proceder. Essas medidas poderão incluir, entre outras coisas: a) A instauração de procedimentos ou regulamentações que permitam ao público em geral obter, quando proceder, informação sobre a organização, o funcionamento e os processos de adoção de decisões de sua administração pública, com o devido respeito à proteção da intimidade e dos documentos pessoais, sobre as decisões e atos jurídicos que incumbam ao público; b) A simplificação dos procedimentos administrativos, quando proceder, a fim de facilitar o acesso do público às autoridades encarregadas da adoção de decisões; e c) A publicação de informação, o que poderá incluir informes periódicos sobre os riscos de corrupção na administração pública.

10 Artigo 13: Participação da sociedade - 1. Cada Estado Parte adotará medidas adequadas, no limite de suas possibilidades e de conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, para fomentar a participação ativa de pessoas e grupos que não pertençam ao setor público, como a sociedade civil, as organizações não-governamentais e as organizações com base na comunidade, na prevenção e na luta contra a corrupção, e para sensibilizar a opinião pública a respeito à existência, às causas e à gravidade da corrupção, assim como a ameaça que esta representa. Essa participação deveria esforçar-se com medidas como as seguintes: a) Aumentar a transparência e promover a contribuição da cidadania aos processos de adoção de decisões; b) Garantir o acesso eficaz do público à informação;

11 4. O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental dos indivíduos. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício deste direito. Este princípio só admite limitações excepcionais, que devem ser estabelecidas com antecedência pela lei, como em casos em que exista um perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas.

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A Lei de acesso de informação é um marco no ordenamento jurídico brasileiro na regulação do direito fundamental à obtenção de informação e tem como ponto fundamental a fixação do dever do Estado em fornecer informações públicas ao cidadão. Nesse ponto é necessário salientar que o dever estatal de fornecer informações públicas já existia afinal ele decorre do próprio Estado Democrático, inclusive com a fixação de obrigatoriedade de publicidade dos atos estatais. A própria acepção da palavra informações públicas já confirma isso, já que público é exatamente aquilo que não é secreto, que é do público, de todos. No entanto, como se salientou anteriormente a história do Brasil faz com que esse dispositivo legal seja necessário a fim de criar um instrumento que determine a transparência e assim possibilite o controle (Tanto o social como o exercido pelos Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, Poderes Legislativos, etc). Utilizando as palavras de Marco Antonio Karam Silveira a transparência vincula-se ao valor democrático, no sentido de que as informações que são de todos, porque públicas, devem estar disponíveis a todos (SILVEIRA, 2012, p.29).

O propósito da lei de fixar o dever do Estado fica claro, uma vez que ela estabelece duas vertentes para o fornecimento de informações: o ativo e o passivo. O fornecimento ativo vem descrito expressamente no art.3º, inciso II, e informa que o Estado tem o dever de espontaneamente disponibilizar informações sobre seus órgãos. Já o fornecimento passivo vem descrito art. 5º e 10 da lei e fixa a obrigação do Estado de fornecer as informações se solicitado. Percebe-se que a lei deixa claro que todas as informações devem ser espontaneamente fornecidas pelos sujeitos obrigados em ambiente virtual ou físico.

O art.2º da lei estende a exigência de transparência às entidades que recebem recursos públicos. Essa extensão é de vital importância no entendimento desse trabalho, afinal as entidades que recebem algum bônus do Estado têm de receber também os deveres inerentes a essas vantagens. A exigência de transparência a essas empresas permite que haja algum tipo de controle social impedindo vantagens indevidas, vantagens que poderiam ferir os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. É importante ressaltar que a transparência não deve ser exigida tão somente na prestação de contas, mas também na implementação e execução dos projetos objetos das parcerias entre Estado e Terceiro Setor. Deve se possibilitar aos cidadãos diretamente envolvidos nas parcerias a fiscalização não só da implementação, como também na eficácia das medidas tomadas. Infelizmente há diversas parcerias em que não há execução do objeto ou a sua execução é ineficiente. Com a transparência abre-se possibilidade de ocorrer não só um controle formal dos procedimentos necessários à parceria, mas principalmente um controle da

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eficácia dessas parcerias. É importante lembrar que os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos fazem um controle formal das parcerias, mas talvez o controle da implementação de determinada parcerias só possa ser realizada pelo público alvo do programa, das pessoas a que se destinam aquela ação. A implementação não diz respeito a aspectos formais como certificação da entidade, por exemplo, mas a execução do programa em si. Imagine-se uma parceria entre o Estado e o Terceiro Setor para gerência de um programa de incentivo ao esporte. O controle formal diria respeito tão somente à certificação da entidade, a comprovação dos gastos, dentre outros, mas quem faria o controle da execução daquele programa? Quem melhor para fazer esse controle que não os próprios envolvidos? A idéia da transparência é permitir que os próprios envolvidos controlem se o programa está atendendo ao que foi disposto no termo de parceria ou até mesmo se o que está disposto atende aos anseios da sociedade. Os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos muitas vezes não têm pessoal capacitado ou mesmo tempo, diante das suas inúmeras atribuições, e até por não serem os beneficiados do programa, não tem capacidade para aferir a sua eficiência ou não.

O controle social surge justamente como o meio de possibilitar essa fiscalização, e, principalmente, efetuar um controle de eficácia e eficiência e não tão somente um controle formal. Contudo, para que à sociedade possa executar esse controle é necessário que ela tenha amplo acesso aos termos da parceria, aos envolvidos, a distribuição dos recursos, ou seja, é necessário que essa parceria e os seus envolvidos estejam em absoluta transparência permitindo assim esse controle.

Determinada Organização sem fins lucrativos precisa explicitar a todos os cidadãos, os meios pelos quais conseguirá sustentar suas atividades e alcançar os objetivos por ela instituídos. De igual modo, zelar para que haja correspondência e coerência entre fontes de recursos usados e os objetivos sociais é, em última instância, o primeiro passo para o exercício da transparência por qualquer entidade do Terceiro Setor.

É cediço que para muitas dessas organizações, transparência é um meio para atender exigências legais e dos investidores, para outras, a prática transparente ainda constitui uma ameaça. Todavia, agir com transparência tem se tornado requisito essencial para o êxito das organizações, especialmente daquelas que atuam no Terceiro Setor.

Antes da edição da lei nº 13.019/2014 existia um consenso doutrinário da necessidade da criação de um novo marco regulatório para as entidades do terceiro setor. Maria Tereza Fonseca Dias, por exemplo, citava as principais tendências e necessidades para o terceiro setor: mudanças na órbita do direito financeiro; ênfase da atividade de fomento indireto do

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Estado ao terceiro setor; controle e transparência da renúncia de receita tributaria; simplificação e unificação dos mecanismos de fomento direto; reforma fiscal; implementação de fundo público; SIAF no terceiro setor e possibilidade de criar diversas qualificações jurídicas das entidades do terceiro setor (dependendo da atividade fomentada e da espécie de fomento). A implantação do SIAF (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) seria uma importante ferramenta de efetividade da transparência, desde que possível o acesso de qualquer cidadão. O SIAF nos dizeres de Maria Tereza Fonseca Dias seria um cadastro com dados da Receita Federal, da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União sobre as organizações agraciadas com recursos públicos (DIAS, 2008, p.344 a 349). A idéia de um sistema integrado com todos os dados financeiros referentes às parcerias com o terceiro setor seria um instrumento que daria transparência a essas parcerias e possibilitaria um amplo Controle Social. Outra possibilidade seria a exigência de audiências públicas expositivas aos beneficiados ao fim de cada etapa da parceria entre Estado e Terceiro Setor12. Esse tipo de prestação de contas possibilitaria um

controle direto pela população interessada da execução da parceria e, consequentemente, da sua efetividade ou não.

A lei nº 13.019/2014 até trouxe um tópico específico sobre a transparência e controle (art. 10 a 12), contudo, não tratou especificamente de nenhum destes temas. Um tópico que deveria ter sido trabalhado na regulação das parcerias com o terceiro setor seria a criação de ferramentas de denúncias aos órgãos responsáveis pelo controle oficial e de acompanhamento dessas denúncias. Somente citar que a população poderá denunciar não é fazer com que elas ocorram, já que muitas vezes são os próprios agentes dessas organizações que detém informações que comprovem determinada ilegalidade. Sendo assim, é necessário garantir que essas denúncias sejam realizadas com segurança para os denunciantes e também que eles possam acompanhar os resultados da denúncia. É necessário que o denunciante possa verificar que algo foi feito com a sua reclamação, ou seja, devem-se disponibilizar meios de denúncia transparentes e de fácil acesso a população, para incentivar essas denúncias.

6. CONCLUSÃO

A participação da sociedade de uma forma geral deve ser amplamente fomentada para que se acompanhe os objetivos, funcionamento e resultados claros e concretos de qualquer

                                                                                                                         

12 Sobre Audiências Públicas: MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Transparência Administrativa: publicidade, motivação e participação popular. São Paulo: Saraiva, 2010.

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organização, mas especialmente para aquelas que dependem de investimentos para a manutenção de suas atividades, como é o caso de muitas entidades do Terceiro Setor. No entanto, não raro que a transparência destes objetivos, do funcionamento e do resultado da instituição não é de acesso geral, mas somente, é perceptível internamente e aos beneficiados por projetos, mas não à sociedade e aos investidores de forma geral.

É certo, porém, que o Estado Democrático de Direito somente se aperfeiçoa na proporção em que o povo nele ativamente possa se inserir, sendo assim, a cidadania, parece ser o grande fator de legitimação do povo, permitindo-se que exista em defesa das instituições democráticas.

Para isso, urge que haja a promoção da transparência pública e o acesso à informação e dados públicos que, por meio de mecanismos de controle social, estimule o engajamento e capacitação da sociedade para o controle da gestão pública.

É preciso fazer com que a sociedade como um todo, esteja apta para fiscalizar e participar da elaboração e concreção dos programas públicos. E mais, somente assim será possível dar plena eficácia aos postulados democráticos insertos em nossa Constituição.

Em relação ao povo, certamente, isso não decorre da falta de vontade, mas sim da ausência de conhecimento do poder que detém e da falta de cultura participativa e de informação sobre os meios para realizá-la, aliado a uma descrença representativa em razão dos episódios corriqueiros de impunidades e enriquecimento ilícito trazido a sociedade brasileira.

A efetiva utilização de tais mecanismos de controle dessas organizações, sem dúvida, engrandeceria nossa sociedade. Não só pela participação popular na escolha do seu destino como na transparência de seus atos, mas também pela inequívoca assimilação nas escolhas pelos representantes populares.

Nosso país precisa, para se tornar um verdadeiro Estado Democrático de Direito, da seguida e reiterada participação popular na realização das atividades estatais. Nas exigências de prestações de contas dos atos e recursos uma vez angariados por seus representantes e aplicação efetiva destes recursos em áreas que demandariam maior atenção e soluções para a concretização dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

Concluindo, sabendo que as entidades pertencentes ao Terceiro Setor desenvolvem suas atividades mediante a utilização de recursos financeiros, materiais e humanos fornecidos pelo Estado, por empresas privadas e por particulares, devendo assim prestar contas de suas atividades a seus doadores.

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Por outro lado, sendo a população brasileira, mantenedora do Estado, tem o direito e a obrigação de fiscalizar a utilização dos recursos públicos pelos órgãos estatais, ou seja, exercer o controle social sobre as contas públicas.

Em consequência, se o Estado é um dos mantenedores das organizações do Terceiro Setor, é direito da população também exercer o controle social sobre as atividades e recursos concernentes a essas entidades, pois a transparência na prestação de contas por organizações do Terceiro Setor não é mais apenas uma obrigação fiscal, é também uma obrigação social.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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