• Nenhum resultado encontrado

DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES."

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES.

O que eu vou falar é basicamente sobre os 20 anos da Convenção dos Direitos da Criança, e um pouco também do último relatório que nós acabamos de publicar, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sobre o castigo corporal e os direitos humanos das meninas, meninos e adolescentes. Em língua espanhola é ótimo porque colocamos o gênero feminino em primeiro lugar: niñas, niños e adolescentes. No Brasil, as crianças têm um gênero único, então não se tem o hábito de fazer esta distinção.

Todos aqui têm plena consciência de que há uma geração de adultos que foram crianças e que cresceram sob a Convenção dos Direitos da Criança. Apesar disso, apesar da Convenção ser um jovem, ou uma jovem, ainda há enormes desafios. Há um grande abismo entre o texto da Convenção e a realidade no mundo. Eu não quero dizer só no continente americano, mas no mundo, o abismo é bem grande.

Como todos sabem também, a Convenção, na condição de tratado internacional, estabelece um marco jurídico fundamental para se alcançar a realização dos direitos da

Paulo Sérgio Pinheiro 1

1 Pesquisador associado do Núcleo

de Estudos da Violência da USP; professor adjunto de Relações Internacionais na Universidade de Brown.

É Comissionado e Relator sobre a Infância da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, Organização dos Estados Americanos, Washington. Em 2003, foi designado pelo Secretário Geral da ONU como Expert Independente, para preparar um estudo sobre violência contra crianças, quando visitou 45 países. Apresentou o relatório mundial sobre violência contra crianças,

http://www.crin.org/docs/Relato rio_Mundial.pdf e fez o

seguimento das recomendações do relatório durante 2007. Entre 2004 e 2007 foi membro do grupo de consultores internacionais da Comissão Internacional da Cruz Vermelha, em Genebra. P in h e ir o

(2)

criança e , evidentemente, no caso do nosso Continente, não pode ser analisada fora do contexto dos processos de transição democrática a partir dos anos 80.

É evidente que avançamos no fortalecimento dos sistemas democráticos, e aprendemos, a duras penas, a valorizar a democracia, por mais problemas que a democracia no continente tenha. Entretanto, ainda há em nossa democracia, no Cone Sul especialmente, prevalência de certa iniquidade.

Vocês devem ter lido a síntese dos indicadores sociais baseados no PNAD1 e, como devem ter percebido, nós continuamos

com problemas em termos da concentração de renda e da desigualdade. Se compararmos a renda dos brancos com a dos afrodescendentes, veremos que os índices continuam os mesmos desde 1964. Neste sentido, ditadura ou democracia, nada mudou. É um abismo no qual as diferenças continuam as mesmas. Isto é meio constrangedor para a democracia.

Sem falar dos problemas de grupos discriminados na sociedade, como os povos indígenas, os migrantes, os GLBT2, as

crianças e adolescentes com deficiências físicas e mentais. Quem está pior, no mundo, em termos da urgência de realização dos direitos da Convenção são as crianças com problemas mentais, encerradas em instituições absolutamente abomináveis.

1

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) é uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

2

(3)

Eu visitei 50 países em quatro anos, em todos os continentes, e posso afirmar que o problema não é só aqui em nosso continente. Um paradoxo que vale a pena ser ressaltado é que nós avançamos na democracia; temos os direitos políticos razoáveis; as nossas eleições são melhores do que na Flórida, nos EUA; a urna eletrônica funciona, apesar de alguma violência política em alguns lugares, com prefeitos assassinados etc.

Apesar deste caminho de democracia, o autoritarismo continua sendo uma constante, estando presente na relação das famílias, dos pais e mães com os filhos, dos professores e dos profissionais dentro das instituições e dos abrigos; nas instituições de proteção ou nas instituições onde estão trancafiadas as crianças e adolescentes em conflito com a lei. Então, apesar dos avanços em termo de estado de direito, há atrasos espantosos nessas relações com as crianças.

Para valorizar mais ainda a Convenção dos Direitos da Criança, é preciso dizer que ela é o tratado mais ratificado no mundo. Só dois países não o ratificaram. Os Estados Unidos é um deles. O outro país, que é quase um não-Estado, a Somália. E os Estados Unidos, apesar de não terem ratificado a Convenção, cumprem muitos aspectos da Convenção e ratificaram os dois protocolos adicionais. Diante deste quadro, pode-se dizer que os direitos da criança estão universalmente reconhecidos.

(4)

E estes estados ratificaram a Convenção porque quiseram, ninguém os obrigou a ratificarem. E, se ratificaram, têm que cumprir em todos os seus aspectos. A Convenção não é uma espécie de cesta de frutas em que cada Estado colhe uma fruta e despreza as outras. Tem que consolidar toda a cesta; não pode escolher a maçã e dispensar o kiwi porque não gosta. Não é assim, tem de implementar o preceito da não violência, o preceito da participação das crianças, tem de banir os castigos corporais. A Convenção trata de tudo que diz respeito à criança. Não só a questão do castigo corporal e da participação, mas também sobre educação, saúde, vida familiar, recreação.

Eu queria ressaltar três princípios, que são absolutamente fundamentais: a não discriminação para evitar a marginalização; a participação das crianças, com a expressão de interesse da criança e adolescente, que deve prevalecer sempre e ser considerada primordial para qualquer decisão legislativa, judicial, administrativa que diga respeito às crianças, e a necessidade da coordenação das políticas públicas e de investimento voltadas para as crianças. Então: não discriminação, a participação da criança e o interesse superior da criança como vetor das políticas de governo.

No meu ponto de vista, há um triângulo de violações em relação às crianças, cujas pontas são basicamente compostas pela discriminação, pela não participação e pela violência física. Deve haver uma sincronia entre teoria e as ações práticas em termos de direitos humanos das crianças. As crianças não são minicidadãos, ou

(5)

minicidadãs com minidireitos humanos; não, eles são cidadãos com características particulares que exigem maior proteção, mas eles têm direitos. Eles têm direitos humanos completos, definidos na Convenção. E isso precisa ser reconhecido.

É claro que uma das carências mundiais é o problema das políticas de Estado em relação às crianças. Na maioria dos países, as políticas estão espalhadas por muitos Ministérios. Alguns países, por exemplo, a Irlanda, têm o Ministério da Criança; outros países, na América do Sul, dos quais não me lembro agora, também têm algo parecido – o Ministério da Família e da Criança. Geralmente, gostam de colocar a criança com a família, o que não é a melhor prática. Por ocasião do 20º Congresso do Instituto Interamericano da

Criança, em Lima, cada país mandou um representante, mas nenhum

tinha poder. Pessoas interessantes, chefes de departamentos, mas não podiam decidir nada ali. Era uma conversa simpática. Eu fiz de conta que eles eram os ministros, cobrando tudo, mas na verdade não dava para cobrar nada, por que eram chefes de departamentos. Agora, se fosse uma convenção sobre o centro financeiro, iriam os ministros, os embaixadores especiais. Alguns países têm embaixadores especiais dos direitos da criança, o que é algo muito positivo.

Nós achamos, no Relatório Mundial sobre Violência contra

a Criança, que a concentração de decisões em lugares do governo é

muito importante para dar mais eficácia, porque as políticas precisam ter consistência e continuidade. Porque cada governo que vem quer

(6)

fazer uma nova política e as crianças é que sofrem. E, evidentemente, é preciso haver investimento. É preciso assegurar o investimento na infância, o que requer uma redefinição geral da concepção, das políticas econômicas, levando em conta uma argumentação que defenda os direitos da criança. Isto, segundo a Convenção, tem um caráter imperativo.

Também não é cada governo dizer: “nós somos pobres, não podemos fazer”. A questão é a seguinte: evidentemente há países, não o caso do Brasil, que vão continuar sempre com baixo desenvolvimento humano nos próximos 50 anos. Então, a desculpa não pode ser “somos pobres, não podemos fazer”. O direito à participação não precisa de verba para ser implementado, para os pais e os professores pararem de bater nas crianças também não requer nenhum investimento. Precisa, é claro, de formação para os pais, mães e professores.

As garantias dos direitos das crianças não foram formuladas apenas na Convenção dos Direitos das Crianças, mas também num largo corpus juris, quer dizer, o corpo de referência do direito internacional, que também inclui a Convenção Européia de Direitos Humanos, as decisões da Corte Interamericana dos Direitos Humanos e da Corte Européia de Direitos Humanos; e também as decisões da nossa Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Tudo isso faz parte de um conjunto de obrigações para a defesa e respeito dos direitos humanos da criança.

(7)

É claro que hoje, na região, prevalece um discurso baseado no foco dos direitos humanos. Oficialmente, o discurso da tutela foi enterrado. Porém, não é bem assim. Nós temos que, ao mesmo tempo, reconhecer os desafios, mas mostrar a esse país autoritário, racista, discriminatório como é o Brasil, que aqui se conseguiu fazer o Estatuto da Criança e do Adolescente modelar. Alguns juízes e promotores dizem “muito adiantado”. Tudo em relação ao Brasil é adiantado. Isso é ótimo para as crianças.

Outro aspecto fundamental é que a sociedade civil se mobilizou enormemente. É evidente que as organizações da sociedade civil que trabalham no âmbito da criança têm um valor enorme, e também as universidades, onde os direitos das crianças passaram a ser tema. E aqui, nesta universidade, em boa hora, é objeto de um Mestrado, incluindo o tema das crianças e adolescentes em conflito com a Lei.

Nós temos que reconhecer o que se conseguiu fazer, para depois falar do que nós temos ainda a fazer. Por que senão, o que nós todos aqui, estamos fazendo? Temos que celebrar cada passo, cada pequeno passo que se dá, temos que celebrar; para criticar e promover mudanças.

Se há um território onde essa falta de sincronia entre a teoria e a prática é bastante aprofundada, é a questão do castigo corporal. Felizmente, o Brasil teve o projeto da deputada, hoje Secretária dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, do PT/RS. No mundo, só 24

(8)

países têm uma proibição total de castigo corporal. E um número maior de países, que eu acho que são 90, tem proibição nas escolas. Em nosso continente, só 3 países têm proibição: a Venezuela, a Costa Rica e o Uruguai, muito recentemente. Eles têm uma proibição total. A lei não é uma varinha de condão. Mas sem lei é muito problemático avançar na proteção das crianças. Por que tem que ser uma proibição total? Porque não dá para proibir só em um contexto. O relatório mundial sobre violência trabalhou em cinco contextos: a casa, a escola, as instituições de qualquer tipo, o lugar de trabalho e a comunidade.

É muito importante você ter uma lei para facilitar a mobilização e também não adianta proibir só em um dos contextos. O mais difícil, a meu ver, é a casa. Por quê? Porque a casa, a família, vive do mito de que os direitos humanos param na porta da casa; os pais podem fazer o que quiserem com as crianças. Mas não é verdade. O Estado tem o dever de garantir os direitos da criança mesmo dentro das casas.

Eu quero usar uma expressão, que é um termo legal: chama-se

diligência devida. O Estado tem o dever de tomar ações para defender

os direitos da criança, mesmo dentro do lar. E o poder familiar não autoriza o uso da violência. Está claríssimo no artigo 19 da Convenção. Nenhum tipo de violência: não pode xingar, não pode estigmatizar, não pode discriminar; os pais não são os únicos culpados, o Estado tem o dever de promover, disseminar a

(9)

Convenção. A maioria dos pais nem tem idéia que existe uma Convenção e nem que as crianças têm direitos. No Brasil, parece que agora, com o efeito da Convenção, os pais estão, pelo menos onde eu vejo crianças, um pouco mais discretos para espancar as crianças em público.

Não se trata também de colocar os pais na cadeia. Não é problema de criminalizar os pais. É claro que quando os pais cometem crimes que estão no Código Penal, têm que ser processados, julgados e condenados; e, eventualmente, serem condenados à pena de reclusão.

Uma outra explicação para esse discurso é que em muitos lugares, no nosso hemisfério, o discurso tutelar e assistencialista marcado por influências culturais e preconceitos, limita o reconhecimento dos direitos da criança. Oficialmente, a doutrina da proteção avançou mas, na verdade, não na cabeça de muitos operadores do direito, como, com todo o respeito, os juízes. A Comissão enfrenta obstáculos.

No Relatório sobre castigo corporal e os direitos humanos

das crianças publicado pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, em 2009, fica claro que a autoridade dos pais deve ser interpretada em relação com a indivisibilidade dos direitos humanos, para assegurar a proteção dos direitos da criança. Nesse sentido, é necessário que a regulação sobre esta matéria esteja presente no

(10)

direito interno dos Estados membros, deve estar em consonância com o respeito aos direitos humanos das meninas, meninos e adolescentes. Outro tema, também ligado à norma, é a questão da falta de regulamentação adequada de todos os aspectos que formam parte do sistema de justiça juvenil. Depois de uma série de consultas regionais, a Comissão Interamericana vai preparar um relatório temático sobre justiça juvenil nas Américas, porque foi uma das situações piores no mundo inteiro, não só aqui no Brasil, que constatei na preparação do relatório mundial. Na América Central é um desastre. Ali há as gangues de jovens e de crianças - o que convida alguns governos, como o governo de Honduras, a imporem políticas de “mano dura”. Mas a “mano dura” não foi suficientemente dura, e eles fizerem outro plano, o da “super mano super dura”. Outro país da América Central tinha o plano “escoba” (escova), para limpar as ruas das crianças e dos adolescentes.

E há esse clamor público que sempre pesa na época de eleições: os candidatos preferem falar mais de sangue do que discursos complexos. Querem logo baixar a idade da responsabilidade penal. Esse é o elixir da mudança. E você não sabe para quanto: para 12, 15, 7, 3 anos ? Isto é tão estúpido e felizmente, no Brasil, tanto o Presidente Fernando Henrique Cardoso, como o Presidente Lula, fizeram declarações formais de que o Congresso pode fazer projetos à vontade baixando a idade de responsabilidade que eles vetariam. E derrubar veto presidencial é muito complicado.

(11)

Em alguns países da América do Sul, os candidatos a cargos políticos costumam ficar nervosos, querem agradar os eleitores apavorados com a criminalidade, apresentando os adolescentes como predadores que precisam ser tratados com severidade. Mas a maioria dos homicídios praticados em todo o continente cabem aos adultos. E atrás de qualquer adolescente e criança envolvido num ato infracional, há sempre um adulto. Os adultos é que têm que ser responsabilizados. Claro que o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito severo em relação às crianças e adolescentes em conflito com a lei. A situação das crianças e adolescentes em conflito com a lei é da exclusiva responsabilidade dos adultos, e dos governos, e dos governantes. Não dá para culpabilizar as crianças e adolescentes pelo seu envolvimento nas atividades das infrações.

A última palavra que eu queria dizer é que, além de tudo que se pode fazer na esfera nacional, o continente tem o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos. É claro que o fato da existência de uma Comissão e da Corte não significa que todos os problemas dos direitos humanos são resolvidos no Continente. Mas é uma instância importante. Uma instância importante não só em termos de julgamentos, mas também, por exemplo, como esse relatório sobre castigo corporal e direitos humanos das crianças e adolescentes: a Comissão fez uma pergunta à Corte, e a Corte respondeu por uma resolução afirmando de uma maneira tão categórica: há necessidade de os Estados proibirem por lei o castigo corporal em relação às crianças. Também em termos da cooperação internacional, nós

(12)

estamos bem, comparados à Ásia que não tem uma Comissão de Direitos Humanos e nenhuma Corte. Na África há uma Comissão e uma Corte, mas a Corte não funciona ainda. Na Europa há a Corte Européia dos Direitos Humanos.

Fecho dizendo que é bom comemorar aniversários. Nós estamos comemorando o 20º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança, mas também o 50º aniversário da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. Estive faz pouco no Chile, onde na própria sala em que foi criada a Comissão, ali foi comemorado este aniversário. Nós caminhamos, mas a situação continua ainda requerendo a nossa bilhão vital das mudanças (p. 162).

Referências

Documentos relacionados

• Transmiss˜oes Multicast: Esse m´etodo apresenta estat´ısticas referentes `as trans- miss˜oes multicast geradas por todos os hosts detectados na subrede, sendo ex-

Na primeira seção definimos um operador maximal de tipo diádico Ma usando as partições da esfera S 2 introduzidas no Capítulo I.. Portanto, integrando ambos os

The obtained microspheres were submitted to acidic, neutral and basic media in order to evaluate its behaviour under pH conditions similar to those of the

O artigo discute, especificamente, a trajetória da declaração dos direitos do homem e do cidadão até a declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas,

Neutro: Quando a expectativa do analista para a valorização da ação for em linha com o potencial de valorização do Índice Bovespa, mais o prêmio. Venda: Quando a expectativa

Adult Brazilian Community Population Using the Research Diagnostic Criteria (Axes I and II) for Temporomandibular Disorders (The Maringá Study) Patrícia Saram Progiante, DDS, MD,

cadeias produtivas e redistribuição da riqueza (BERNAL, 2011, p.. por sua relação direta com a vida e, somente havendo vida os demais direitos humanos podem ser

O monitor IntelliView™ III, presente no interior da cabina, possui uma interface em ecrã digital para tornar mais simples e rápida a definição das funções da máquina.. É