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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Vinnícius Pereira de Almeida. O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO KUYPERIANISMO: APONTAMENTOS HISTÓRICOS, TEOLÓGICOS E SEU PROCESSO DE RECEPÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019.

(2) VINNÍCIUS PEREIRA DE ALMEIDA. O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO KUYPERIANISMO: APONTAMENTOS HISTÓRICOS, TEOLÓGICOS E SEU PROCESSO DE RECEPÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO. Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de PósGraduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre. Orientação: Prof. Dr. Helmut Renders.. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA. Al64p. Almeida, Vinnícius Pereira de O projeto ético-político do kuyperianismo: apontamentos históricos, teológicos e seu processo de recepção no Brasil contemporâneo / Vinnícius Pereira de Almeida -- São Bernardo do Campo, 2019. 114 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. Bibliografia Orientação de: Helmut Renders. 1. Kuyper, Abraham, 1837-1920 – Crítica e interpretação 2. Calvinismo 3. Teologia pública I. Título CDD 230.42.

(4) A dissertação de mestrado intitulada: O projeto ético-político do Kuyperianismo: apontamentos históricos, teológicos e seu processo de recepção no Brasil contemporâneo, elaborada por Vinnícius Pereira de Almeida foi apresentada no dia 10 de abril de 2019, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Helmut Renders, Prof. Dr. Carlos Caldas e Prof. Dr. Lauri Wirth.. Prof. Dr. Helmut Renders Orientador e Presidente da Banca Examinadora. Prof. Dr. Helmut Renders Coordenador do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura Linha de Pesquisa: Teologias das Religiões.

(5) Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pois por meio de seu apoio, esta pesquisa foi viabilizada..

(6) Todas as cirandas à Alesandra, teóloga da minha vida!.

(7) AGRADECIMENTOS Ao término desse percurso é imprescindível reconhecer que há tanta gente querida envolvida nessa realização. E assim, entre prosas e brindes, leituras flutuantes e orações, rolês de skate e passeios com o cachorro, reflexões e esperanças — enquanto várias destas páginas foram produzidas nas sessões de quimioterapia — que foi possível superar as angústias existenciais e as inseguranças expostas na construção científica. Com alegria, expresso minha profunda gratidão,. Ao bom Deus, criador, inspirador e sustentador, pela dádiva da vida, que durante esse período, tem sido bem presente em tudo… Ao Prof. Dr. Nicanor Lopes, orientador responsável pelo “Lado A do disco”, do pré-projeto até a qualificação deste trabalho, por aportar saberes e ampliar de maneira tão generosa a construção dessa pesquisa. Ao Prof. Dr. Helmut Renders, orientador responsável pelo “Lado B desse disco”, pelos direcionamentos e valorização ética, que conduziram e propiciaram o voo e o pouso desta pesquisa até sua fase de conclusão. Ao Prof. Dr. Lauri Wirth, por compor a banca examinadora e pela apreciação desta pesquisa e apontamentos devidos, que sinalizaram para pontos a serem adensados na continuidade da produção. Ao querido Prof. Dr. Carlos Caldas, convidado externo da banca examinadora, que prontamente atendeu a proposta, e pelas contribuições ex-ante, quando ainda considerava ingressar no Programa, e, agora, ex-post, nos indicativos referidos com essa realização. Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, pela abertura ao diálogo e pelo estímulo para a investigação. Ao meu pastor-amigo, Sandro Baggio, por compartilhar de seu acervo pessoal os inúmeros títulos que enriqueceram e foram fundamentais à pesquisa. Ao amigo Igor Miguel, pelos diálogos tão preciosos e assertivos e pela gentil articulação, que me colocou em contato com muitos agentes e instituições mencionadas..

(8) Ao Eliezer Lírio, bibliotecário na Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela precisão do levantamento bibliográfico, tão significativo às buscas no processo de mapeamento das publicações. À querida amiga Leila Souza, pela parceria ininterrupta e presença solidária na finalização deste trabalho. Aos departamentos de Coordenação e Supervisão Social do Programa Guri Santa Marcelina, que mantém o alinhamento desta instituição em valorizar o constante aprimoramento por meio fomento aos estudos e pesquisas. À mamãe, José Fernandes e toda a família, pelo amor, apoio, motivação e temperos. À Carolina, Nathan, Joy e todos os marimigos. Amo a vida de vocês! Agradeço por todo o apoio, carinho e cuidado e por buscarmos trilhar a teologia que anda no chão da vida. À Steiger Brasil, missão que me provoca a pensar formas de comunicar a boa nova. Valeu Hudson, Aline & Ângelo, Moáh e a geral. À minha amada comunidade de fé, o Projeto 242, que retroalimenta o desejo pelo Reino de Deus e sua justiça.. Coram Deo.

(9) ALMEIDA, Vinnícius Pereira de. O projeto ético-político do Kuyperianismo: apontamentos históricos, teológicos e seu processo de recepção no Brasil contemporâneo. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião) - Programa de Pós-Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2019.114 Folhas.. RESUMO. O presente estudo se ocupou de investigar a trajetória do teólogo e estadista holandês, Abraham Kuyper. Como objeto da pesquisa, os nexos entre sua biografia e propostas para a educação, a questão social, a igreja e o cenário político, apresentam a gênese do neocalvinismo enquanto um movimento que legitima a compreensão da soberania divina sobre todas as esferas da vida, vinculada ao posicionamento de comprometer-se com a arena pública. Como demonstrado no capítulo primeiro, Kuyper liderou a edição de um jornal e um partido político, instituiu a Universidade Livre de Amsterdam, participou de um movimento para a fundação da Igreja Reformada Livre e proferiu as Palestras Stone. A sequência do capítulo segundo demonstra o desenvolvimento da perspectiva kuyperiana e seu pensamento teológico, que sustentou o reconhecimento de um projeto ético-político. Em seguida, é apresentado no capítulo terceiro, por intermédio de pesquisa bibliográfica, o processo de tradução e publicação de obras no campo da filosofia reformacional e das instituições que acolhem e promovem o pensamento neocalvinista no Brasil. Nas considerações finais foram explicitados os elementos que este estudo pôde acessar e destacados os aportes analíticos: dos desafios de se contextualizar uma teologia holandesa do século XIX no Brasil do século XXI, e, das possibilidades de contribuir agregando novos elementos teórico-metodológicos e linhas de ação para a articulação da fé cristã diante dos enfrentamentos sociopolíticos.. PALAVRAS-CHAVE: Neocalvinismo; Kuyperianismo; Teologia Pública Kuyperiana; Abraham Kuyper;.

(10) ALMEIDA, Vinnícius Pereira de. The ethical-political project of Kuyperianism: historical notes, theological and its process of reception in contemporary Brazil. Master's Dissertation in Religion Sciences - Post-Graduate Program in Religion Sciences of the Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2019.114.. ABSTRACT. This study investigates the life and work of Abraham Kuyper, the Dutch theologian and statesman. His biography and proposals for education, social matters, the church, and the political scene form the two axes which are studied as constituting the origin of neocalvinism as a movement that legitimates the comprehension of divine sovereignty over all spheres of life attached to a position of commitment to the public arena. As demonstrated in the first chapter, Kuyper lead the edition of a newspaper and a political party, established the Free University of Amsterdam, participated in a movement to found the Free Reformed Church and gave the Stone Lectures. Then the development of Kuyper’s perspective and theological thought is presented in the second chapter as the foundation sustaining the recognition of an ethic-political project. Following, in the third chapter, through bibliographical research, it is presented the process of translation and publication of works in reformed philosophy and institutions that foster and promote the neocalvinist thought in Brazil. In the concluding considerations, it is explicitly demonstrated the elements that this study could assess and the analytical contributions are highlighted: the challenge of contextualizing a Dutch theology from the 19th century in 21st century Brazil; and the possibilities of making a contribution by attaching new theoretical and methodological elements, and action strategies of articulating the Christian faith before sociopolitical confrontations.. KEYWORDS: Neo-calvinism; Kuyperianism; Kuyperian Public Theology; Abraham Kuyper;.

(11) SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12 1.. O PANORAMA DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS: O PENSAMENTO. ÉTICO, SOCIAL E POLÍTICO DE ABRAHAM KUYPER ................................. 15 1.1 O Neocalvinismo Holandês ........................................................................ 16 1.2 Abraham Kuyper e as Palestras Stone ...................................................... 19 1.3 Temas e ênfases teológicas do Neocalvinismo ......................................... 30 1.4 O pensamento de João Calvino e as ênfases teológicas das vertentes do Novo Calvinismo e do Neocalvinismo .............................................................. 36 Considerações intermediárias ......................................................................... 44 2. FUNDAMENTOS DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS: O PENSAMENTO ÉTICO, SOCIAL E POLÍTICO DE ABRAHAM KUYPER ................................. 46 2.1 O Estado .................................................................................................... 47 2.2 A Educação ............................................................................................... 50 2.3 Ciência e Universidade .............................................................................. 52 2.4 A questão dos pobres ................................................................................ 56 2.5 A Igreja ...................................................................................................... 60 2.6 O Pluralismo Kuyperiano ........................................................................... 63 Considerações intermediárias ......................................................................... 66 3.. A RECEPÇÃO DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS NO BRASIL: A. APRECIAÇÃO DO PENSAMENTO KUYPERIANO ........................................ 68 3.1 A Trajetória das obras neocalvinistas no contexto brasileiro: a concepção de traduções e publicações .................................................................................. 69 3.2 As instituições promotoras do pensamento kuyperiano ............................. 77 Considerações intermediárias ......................................................................... 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 102. ANEXOS.........................................................................................................113.

(12) 12. INTRODUÇÃO Convenci-me de que, talvez, nada é mais importante na caminhada cristã com o Senhor que bons amigos. Acho que Deus nos dá bons amigos como sacramentos — meios de graça indicando-nos a presença de Deus que nos conduz à santificação. Enquanto “existe um amigo mais apegado que um irmão” (Provérbios 18.24, NVI), esse mesmo Amigo nos manda outros amigos para nos ajudar a tornar sua presença mais tangível e concreta. Nada há que dê continuidade à encarnação como a amizade cristã. James K. A. Smith. Parece que vivemos numa Babel de dialetos incompreendidos. Teria o discurso ideológico sucumbido a espiritualidade? Ou ainda, a capacidade de dialogar? É nublado o horizonte de fraternidade. O que emerge é um espectro de violência e hostilidade que permeia as múltiplas vozes polarizadas. Gritam, mas nada comunicam! Pelo menos quando o assunto é promover uma mensagem de paz, proclamada na ética das religiões, e, especificamente neste estudo, daqueles que falam em nome do evangelho… Nossa linguagem teológica comunica aquilo que cremos? Sem nenhuma gota de romantismo ou desconhecimento acerca da singularidade das diferenças, precisamos urgentemente de diálogos e encontros. Nossos conflitos de janelas fechadas vêm sendo pretexto para que cada voz ecoe apenas na própria sala de casa (quando não, teclada do computador), isolada nas quatro paredes do quiosque das ilhas virtuais e sectárias. Aprendi há algum tempo que a Igreja é maior do que eu penso… E o cristianismo é um profundo mar que contempla as mais belas praias espalhadas por sua realidade local, regional e global. Por isso brinco sério quando digo que moro no Cristianismo! E por quê — quando se há tanto esforço em delinear um pensamento autóctone, de desconstrução de memórias imperiais amplamente denunciadas — considerar surfar por ondas de uma teologia holandesa? Justamente porque parte de minha trajetória de fé vivenciou águas que recusaram o debate do papel da religião e da teologia na esfera pública, mas também num diálogo com a cultura e as artes. Outra parte, banhou-se no litoral de sistematizar ideias e conceitos, mas, que sem uma.

(13) 13. articulação teórica com a realidade, por vezes, e não raras, limitam-se tão somente aos “ritos da vida privada”. Inegavelmente, existem considerações históricas e opções teológicas que permeiam o porquê de Abraham Kuyper. Acredita-se que esse segmento contribui para uma práxis que tem influência na costa que flui das ondas da teologia reformada com Calvino no século XVI, mas águas que foram ressignificadas na experiência da Holanda, do final século XIX em sua virada XX. Dessa forma, não se trata pura e inocentemente de “importar uma teologia”, mas de reconhecer e oferecer à dinâmica brasileira uma perspectiva contextualizada, que deve, sobretudo, considerar a temperatura e especificidades latino-americanas. Assim, não é da intencionalidade desta pesquisa conflitar na orla de outros referenciais teológicos, mas apresentar as possibilidades e potencialidades apreendidas na perspectiva kuyperiana, de que se pode realizar uma mediação analítica propositiva entre a fé, tradição e ação diante dos desafios contemporâneos da Igreja e do mundo, que por dádiva habitamos e temos um papel a desempenhar. A amplitude e heterogeneidade das questões que têm sido objeto do pensamento de Abraham Kuyper, sua trajetória pública e produção teológica, cumuladas ao desdobramento da tradição neocalvinista e a filosofia reformacional, faz com isso, ser de fundamental importância reconhecer o foco específico para o qual se dirige esta investigação, que busca compreender a perspectiva kuyperiana posta pela afirmação de que há um projeto ético-político e é sobre essa possibilidade que todo o esforço deste estudo é empreendido. Põem-se em questão a relevância das Palestras Stone, proferidas por em 1898 no Seminário de Princeton, quando Abraham Kuyper produziu uma alternativa diante dos enfrentamentos da Revolução Francesa, que se afirmou com práticas e procedimentos de resistência ao reconhecimento da autoridade divina. Por outro prisma, Kuyper compreendeu que os valores compostos pelo pensamento filosófico das revoluções promoviam uma oposição ao Cristianismo. Assim, o modernismo, que passou a ser interpretado como sistema de vida abrangente só poderia ser confrontado com outro sistema de vida que fosse semelhantemente amplo e expansivo. O ponto que se adota nesta reflexão parte da compreensão exibida no capítulo primeiro, na qual Abraham Kuyper e numa mesma plataforma, nomes como.

(14) 14. Guillaume Groen van Prinsterer e Herman Bavinck promovem o calvinismo de modo que apresentam subsídios para os enfrentamentos dos cristãos em sua época. Assim, a teologia neocalvinista emerge com realces e elaborações do pensamento de Calvino que engendram a perspectiva ética, social e política de Kuyper. Antes, é necessário configurar um campo de análise para conceituar o fenômeno do Novo Calvinismo, que possui ênfases diferentes do Neocalvinismo. O segundo capítulo, tem por premissa apresentar a compreensão kuyperiana de como essa perspectiva se relaciona com a sociedade. Constitui-se a base ontológica, que fornecem os fundamentos e diretrizes de uma teologia elaborada com uma práxis que interpreta instituições como o Estado, a universidade e a família. Embora não sejam excludentes, esta concepção provê outras respostas a essa mesma expectativa, pois trata-se de atualizar e produzir sentido para as relações sociais, a cultura e a produção de conhecimento. O. referencial. de. leitura. que. sustenta. essa. construção. aparecerá. necessariamente explicitado quando contribuir para a análise das situações reais, a partir do processo de publicações e traduções de autores e instituições que acolhem esse pensamento. Portanto, o terceiro capítulo corresponde ao ponto de chegada da perspectiva kuyperiana no Brasil, delimitado no tempo e no espaço, que consiste, fundamentalmente, em apurar as proposições e projetos em andamento desde a última década. Assim sendo, a ênfase deste capítulo é dar visibilidade e analisar o curso possível dos ramos e rumos do neocalvinismo. Destarte, não se trata de um modelo ideal ou de uma idealização, tampouco de personificar um autor, mas de reconhecer o alcance e os limites de viabilizar outras experiências teológicas ao contexto brasileiro evangélico, e, singularmente, aos que buscam inserções analíticas para diálogos e reflexões entre igreja e sociedade na tradição reformada e evangelical..

(15) 15. Capitulo 1 O PANORAMA DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS: O PENSAMENTO ÉTICO, SOCIAL E POLÍTICO DE ABRAHAM KUYPER Introdução. É inegável que apresentar o tema do calvinismo e do neocalvinismo no Brasil demanda antes, compreender o que pretendeu Calvino e como as diferentes perspectivas se desenvolveram. Não é incomum encontrar discursos estereotipados do “calvinismo”, visto que o legado do próprio Calvino, ora é negligenciado por setores da tradição reformada, ora é reduzido às questões que envolvem apenas a doutrina da predestinação. Cabe de início problematizar tal reducionismo, que afeta a teologia reformada brasileira, mas também setores da própria academia, quando frequentemente, restringe o conjunto temário da teologia de Calvino, somente aos “cinco pontos do calvinismo”, a saber: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Embora essa ênfase, que surge posteriormente, seja acolhida por alguns segmentos dessa tradição, não representam sua amplitude nem sua complexidade. Faz-se necessário então, apresentar quais as ênfases teológicas que caracterizam o neocalvinismo e o novo calvinismo, visto que há uma perspectiva ética, social e política, contida no pensamento reformado, ou ainda, a expressão desse pensamento materializada na práxis do neocalvinismo. Assim, esse capítulo presta-se a exibir a trajetória de Abraham Kuyper e de autores que foram seus companheiros e contemporâneos vinculados à perspectiva neocalvinista. Disto, sinaliza ainda que o novo calvinismo não é o neocalvinismo e dedica-se a mostrar as ênfases teológicas utilizadas por cada uma dessas vertentes..

(16) 16. 1.1 O Neocalvinismo Holandês “Nem um único espaço de nosso mundo mental pode ser hermeticamente selado em relação ao restante, e não há um só centímetro, em todos os domínios da nossa vida humana, sobre o qual Cristo, Senhor de tudo, Não clame: é Meu!” Abraham Kuyper. A frase supracitada refere-se ao discurso inaugural de Kuyper na Universidade Livre de Amsterdã1 (1880), e que apresenta sua perspectiva centrada na soberania de Jesus Cristo sob todos os aspectos da vida humana, bem como a relação com a sociedade e a cultura, elementos estes que compõem o lócus do pensamento kuyperiano. O neocalvinismo holandês foi um movimento de reforma do século XIX, iniciado por Abraham Kuyper (1837-1920) com outros articuladores, que se esforçaram para entender e responder os enfrentamentos da igreja cristã ocidental após o advento da Modernidade. Também conhecido como kuyperianismo, buscou reafirmar o Calvinismo, resgatando aspectos doutrinários e logrando assim, uma espiritualidade de engajamento social, cultural e político, abordados por João Calvino desde a Reforma do século XVI (KUYPER, 2003, p. 36; RAMLOW, 2012, p. 19). Diante das tendências do Iluminismo francês, da Revolução Francesa e do Humanismo2, que a partir de então, tem uma ênfase no antropocentrismo e no racionalismo, a igreja era afetada por um conflito intelectual, que desencadeou mudanças no campo religioso (NAUGLE, 2017, p. 102). Nisto, se o pietismo surge como uma reação de valorização à experiência religiosa ou ao aspecto subjetivo da fé e a isso se restringe (TILLICH, 1999, p. 45; WELCH, 1985, p. 68), é nessa. 1. Dulci (2018, p. 38), faz um apontamento perspicaz quando rememora que a Universidade Livre de Amsterdam, levava esse nome, justamente por ser “livre dos ditames da igreja, do Estado e da economia”. 2. Convém mencionar que o Humanismo na época do Renascimento, que têm fortes influências inclusive na vida de pensadores como Lutero, Erasmo de Roterdã e Calvino, não é o mesmo do período do Iluminismo, no século XVII, sob tendências ateístas, irreligiosas e anti-clericais. Ademais, na contemporaneidade, o termo é ainda polirreceptivo, podendo representar até mesmo uma cosmovisão que nega a importância ou a existência de Deus (MCGRATH, 2005, p. 75; TILLICH, 1999, p. 51)..

(17) 17. conjuntura que, por outro prisma, o teólogo calvinista holandês, Guillaume Groen Van Prinsterer (1801-1876), sob a influência do reavivamento religioso, denominado Despertamento, atuou alinhado à ortodoxia da fé reformada, buscando um caminho de compromisso com a sociedade. Van Prinsterer foi historiador e político e buscava articular a fé cristã com seu trabalho. Para ele, "o espírito da Revolução Francesa era a maior ameaça de seus dias ao Cristianismo e à sociedade holandesa em geral" (GODFREY, 1990, p. 140 apud RAMLOW, 2012, p.12). Disto, ele identificou problemas no absolutismo e no individualismo, que se levantavam como um contraponto à soberania e lei divina, na qual os cristãos tinham o dever de cumprir. Assim, Van Prinsterer foi o precursor do neocalvinismo holandês, que passa a ser desenvolvido posteriormente, na trajetória do teólogo, acadêmico, estadista, mas também um fiel piedoso, Abraham Kuyper. Diante disso, Kuyper expõe em suas palestras o Calvinismo como um sistema de vida. Aliás, Santos (2006, p. 92) observa que o termo “sistema de vida” é utilizado por Kuyper nestas palestras para traduzir o termo de origem alemã Weltanschauung3, cuja tradução literal pode ser conceito do mundo ou cosmovisão. No início do século XX, o termo Weltanschauung era encontrado em mais de duas mil obras no idioma alemão, sendo utilizado como conceitos filosóficos ou na afirmação da aspiração humana pela busca de uma compreensão acerca da natureza do universo (SOUZA, 2006, p.43). Conforme Oliveira (2008, p.34), James Orr4 (1844-1913) teólogo presbiteriano escocês e Abraham Kuyper, foram os primeiros a utilizarem o conceito de Weltanschauung ao contexto cristão-reformado. Para Orr, esse conceito de cosmovisão possibilita ao cristianismo uma amplitude capaz de qualificá-lo como um sistema. Nesse sentido, Wolters (1983, p. 117 apud. 3. O termo Weltanschauung, foi inicialmente associado aos sistemas metafísicos ou construções teóricas da cultura nas esferas de metanarrativas filosóficas, científicas ou religiosas, sendo encontradas nas obras de idealistas e românticos alemães como G.W.F. Hegel (1770-1831), F.W.J. Schelling (1775-1854), J.G. Herder (1744-1803), J.W.Goethe (1749-1832), entre outros. Weltanschauung era igualada à filosofia da cultura ou do espírito absoluto. Wilhelm Dilthey (1833-1911) acrescenta uma nova significância ao conceito de Weltanschauung, quando considera um fenômeno que não apenas antecede a apropriação da reflexão teórica, mas também a condiciona. Posteriormente, o termo Weltanschauung foi traduzido para o inglês, worldview, e em português, cosmovisão (SOUZA, 2006, p.41; RAMLOW, 2012, p. 45). 4. James Orr (1844-1913), é da cidade de Glasgow, na Escócia. Foi ministro presbiteriano e professor de teologia e história. De acordo com Ramlow (2012, p. 46), a relevância de Orr para o neocalvinismo holandês encontra-se em sua obra The Christian View of God and the World (1893). Foi ele quem inicialmente, teria aplicado a noção de Wilhelm Dilthey (1833-1911) acerca da Weltanschaaung para o cristianismo, implementando assim, uma cosmovisão cristã..

(18) 18. NAUGLE, 2017, p. 106) observa que, enquanto cosmovisão, o calvinismo é similar ao marxismo no que se refere a um modo abrangente de sua intelectualidade, aplicabilidade e envolvimento diante dos fenômenos socioculturais. Um importante ponto de partida para compreender essa articulação teórica entre a cosmovisão cristã elaborada na perspectiva de Kuyper são as Palestras Stone. A obra do autor holandês aborda o conteúdo das palestras proferidas na Universidade e Seminário de Princeton, em 1898. Tal evento, que ocorreu no cenário acadêmico estadunidense, ficou conhecido como as Palestras Stone. Trata-se de seis exposições: O Calvinismo como sistema de vida; Calvinismo e Religião; Calvinismo e Política; Calvinismo e Ciência; Calvinismo e Arte e Calvinismo e o Futuro; onde Kuyper apresenta o Calvinismo não apenas como um conjunto de dogmas, mas principalmente, como a proposta fundamental para uma compreensão mais ampla da vida. Ao argumentar sobre as condições que demandam a elaboração de sistemas gerais de vida, Ramlow (2012, p. 52) identifica que Kuyper os traduz por 'condições' ou 'relações fundamentais da vida humana' o que outros autores compreendem por questionamentos. Logo, para Kuyper (2003, p. 28), uma cosmovisão trata de explicar sobre (1) nossa relação com Deus, (2) nossa relação com o homem, (3) nossa relação com o mundo. Dessa forma, para Kuyper, todas as relações da vida humana baseiam-se na interpretação de nossa relação com Deus. No entanto, o Modernismo, que desde a Revolução Francesa de 1789 e com o Iluminismo, sobretudo na França, consideravam “o cristianismo como algo opressor e irrelevante” (MCGRATH, 2014, p. 129), desencadearam uma corrente de oposição e rejeição à fé e ao cristianismo, caracterizando-o como ultrapassado. Diante disso, na contracorrente do humanismo, Kuyper (2003, p. 23) compreende que o Calvinismo “tem uma teoria de ontologia, de ética de felicidade social e de liberdade humana, derivada totalmente de Deus”. E assume um posicionamento crítico à funcionalidade da apologética tradicional acerca do conflito de sentido para o ser humano ocidental. Ele identifica que tal abordagem não promove a causa cristã, tampouco a defesa da fé, referindo-se a esse modelo como inútil, visto que “os apologistas invariavelmente começam abandonando a defesa assaltada, a fim de entrincheirar-se covardemente em um revelim atrás deles”.

(19) 19. (KUYPER, 2003, p. 19). Deve-se então, promover ações com as demandas fundamentais, de modo que elabora uma compreensão de como atuar mediante tais enfrentamentos.. 1.2 Abraham Kuyper e as Palestras Stone Abraham Kuyper nasceu no dia 29 de outubro de 1837 em Maassluis, na Holanda. Sua mãe, Henrietta Huber (1802-1881), trabalhou como governanta antes de se tornar professora num colégio interno para garotas em Amsterdã. Seu pai, o Rev. Jan Hendrik (1801-1882) era pastor na igreja estatal (Nederlandse Hervormde Kerk), e procedia de uma família simples de Amsterdã. Em 1841, a família de Kuyper se mudou de Maassluis para Middelburg, capital provinciana de Zeeland. Após oito anos, mudaram-se novamente, desta vez para a cidade universitária de Leyden. É dali que o jovem Kuyper recebe primorosa educação, onde inicia os estudos de línguas antigas e modernas. Mostrou-se desde cedo excelente aluno e quando terminou a escola secundária. Foi o orador da turma, convidado a expor sobre um tema que fosse de sua escolha. Sua apresentação já indicou grande interesse pela literatura alemã, história, mas também pela teologia. O título em alemão desse discurso era Ulfila, der Bischof der Visi-Gothen und seine Gothische Bibelübursetzung, Úlfilas, o bispo dos visigodos e a tradução gótica da Bíblia. A Holanda dessa época contava com uma população de cerca de três a um quarto de milhão de habitantes, também possuía uma universidade em Utrecht e ainda outra em Groningen. Logo, era um número limitado de jovens privilegiados pelas diversas circunstâncias que tinham acesso às universidades. Em 1855, Kuyper ingressou os estudos de teologia e literatura na Universidade de Leiden, fundada por William the Silent. Em 1575, a escola já possuía a tradição de formar alunos por 280 anos. Berg (1978, p.14) lembra que o conhecimento das línguas clássicas e também do mundo bíblico era considerado indispensável para os clérigos, sendo que mesmo os aspirantes ministros estudavam latim, grego, hebraico, aramaico e árabe. Eles também seguiram cursos de história, filosofia, ciências naturais e literatura holandesa, para citar apenas quatro. No entanto, Kuyper já havia aprendido os idiomas inglês, alemão e francês. E, aproximadamente em 1858,.

(20) 20. concluiu a primeira graduação, na qual recebeu aprovação nos exames em literatura, filosofia e línguas clássicas summa cum laude5. No final da década de 1850, Kuyper estudava sob a influência de novas perspectivas da teologia protestante6 na Europa, que apresentavam outras teorias e métodos sobre a natureza da religião e da Bíblia (BERG, 1978, p. 19). Segundo Henderson (2017, p. 119), um dos mais importantes teólogos em Leyden foi Jan Hendrik Scholten (1811-1885). Contudo, apesar de manifestar imenso respeito por Scholten, Kuyper sentiu-se mais à vontade com o professor de literatura, Matthias de Vries (1820-1892), um pesquisador da literatura holandesa. De Vries foi uma grande inspiração para Kuyper e, em 1859, o encorajou a participar de um concurso promovido pelo departamento de teologia da Universidade de Groningen, que na ocasião, premiava o melhor ensaio comparado das visões de João Calvino e João de Lasco7 acerca da igreja. Kuyper empenhou-se e, em 1860, recebeu o prêmio: uma medalha de ouro e honrarias acadêmicas. Inclusive, relata que ao produzir o ensaio e aproximar-se das obras de Lasco, o fez “lembrar-se de Deus”, confluindo a vida acadêmica e espiritualidade cristã (KUYPER, 2003, p. 12). Em dezembro de 1861, completou a graduação em teologia (kandidaats), summa cum laude; e no ano seguinte, transformou o ensaio premiado em sua tese de doutorado. Durante esse período, Kuyper, com vinte e um anos, conheceu Johanna Hendrika Shaay (1842-1899), com dezesseis, e pouco tempo depois, tornam-se noivos. Nesse período de noivado, de 1858 a 1863, o pai de Johana era negociante, e portanto, a família vivia em Roterdã. Assim, Kuyper e Johanna se comunicavam com regularidade por correspondência, fornecendo um amplo registro de ideias e sentimentos sobre a vida e a fé. Essas cartas são um importante recurso para 5. Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) é uma expressão em latim utilizada no circuito acadêmico europeu. Representa a maior distinção e é o reconhecimento por obter a máxima qualificação possível em uma titulação universitária. 6. Para compreender as perspectivas das teologias protestantes nos séculos XIX e XX, cf. Tillich (1999, p. 43) e Welch (1985, p. 146). 7. João de Lasco (1499-1560) foi um reformador protestante, pregador e teólogo polonês. Possuía vínculos de amizade com Erasmo e Cranmer, o que motivou a buscar o desenvolvimento da linguagem e literatura polaca, bem como do humanismo em seu país. Pertence à segunda geração de reformadores..

(21) 21. compreender o jovem Kuyper e sua trajetória teológica. Eles se casaram em 1863, pouco antes de Kuyper iniciar o ministério pastoral em Beesd (HENDERSON, 2017, p. 119). Outra experiência de profunda importância na vida religiosa de Kuyper teria sido a leitura da novela inglesa The Heir of Redclyffe, O Herdeiro de Redcliffe (1853), de Charlotte Yonge8. Ele fez uma aplicação pessoal das experiências espirituais pelas quais passou o personagem do romance, Filipe de Norville. Esta leitura teria sensibilizado Kuyper de tal forma que escreve: “O que minha alma passou naquele momento, somente vim a entender plenamente mais tarde; mas todavia naquela hora, não, naquele próprio momento, aprendi a desprezar o que anteriormente admirava, e a procurar o que anteriormente rejeitava” (KUYPER, 2003, p. 13). O período de quatro anos na comunidade rural de Beesd (1863-1867) representa o momento de grandes mudanças na vida de Kuyper, quando os fiéis de sua paróquia se recusaram a comparecer aos cultos do jovem pastor em resistência contra sua prédica porque concentrava elementos do modernismo. No entanto, o convívio com esses paroquianos o atraiu, de modo que passou a visitá-los periodicamente. Surpreendeu-se positivamente diante do conhecimento bíblico e como compreendiam o mundo, que apresentava a autêntica teologia de Calvino, como afirma: Não havia apenas conhecimento da Bíblia, mas também conhecimento de uma bem ordenada cosmovisão, embora ao estilo dos reformadores antigos. Era como se algumas vezes eu estivesse sentado nos bancos da universidade ouvindo meu talentoso mentos Scholten palestrando sobre a “doutrina da Igreja Reformada”, mas com simpatia invertida. E o que era, para mim pelo menos, mais atraente, era que aqui falava um coração não apenas que possuías, mas também tinha uma simpatia por uma história e experiência de vida [...] Aquelas pessoas trabalhadoras simples, escondidas naquele lugar, contaram-me no seu dialeto rústico as mesmas coisas que Calvino legou-me para ler em belíssimo latim (HESLAM, 1998, p. 33,34 apud SANTOS, 2006, p. 86).. 8. Chalotte M. Yonge (1823-1901) foi uma romancista cristã que recebeu influência do Movimento de Oxford. Propagou a fé por meio de romances e o ensino na escola dominical. Convém mencionar que o Movimento de Oxford ocorre entre as décadas de 1830 e 1840 sob a liderança de John Klebe, John Newman e Edward Pusey, tendo agido uma parte desse segmento, em reação ao liberalismo teológico. Assim, representa um movimento de piedade da alta igreja anglicana, que segundo Henderson (2017, p. 128), era “inspirado por um novo ideal romântico do cristianismo primitivo”..

(22) 22. Enquanto ministrava em Beesd, Kuyper teceu fortes vínculos com as pessoas do campo e apresentou uma sensibilidade e preocupação com o modo de vida e com os problemas sociais que o povo enfrentava. Ademais, nessa convivência comunitária, os fiéis passaram a orar pela sua conversão e, desse modo, sua jornada espiritual é marcada de maneira que, por muitos momentos, ele sempre demonstrou a gratidão que sentia por ter vivenciado aquela experiência de fé com o povo de Beesd. Com isso, foi um momento de ressignificar aspectos de sua teologia, ao passo que constituía os fundamentos da perspectiva kuyperiana, que traz fortes relações com seu múltiplo campo de atuação. Durante sua trajetória, Kuyper publicou diversos artigos acadêmicos, ensaios, comunicações, editoriais, além de seus sermões, a produção teológica, os discursos proferidos no parlamento e a troca de correspondências com pessoas importantes em sua vida, envolvidas com sua obra e pensamento. Em 1867, iniciou os planos para formar a Marnix Vereeniging, para o estudo da Reforma nos Países Baixos. Atuou também na União das Escolas Nacionais Cristãs, trabalhando pela liberdade da confessionalidade na educação. No campo político, contribuiu para formalizar um partido cristão no país e inserilo no espectro democrático9, da qual foi jornalista, editor-chefe e líder do Partido Antirrevolucionário De Standaard, em 1872, e torna-se, em 1879 o primeiro partido político holandês moderno e o primeiro partido cristão democrata do mundo (DULCI, 2018, p. 99). Foi eleito membro da Casa Baixa do Parlamento em 1874. Em 1880, a Associação de Educação Superior Reformada manifestou o objetivo de implementar uma universidade cristã, da qual por meio de Kuyper, é fundada então a Universidade Livre de Amsterdã. Ele contribuiu ainda para estabelecer a Gereformeerde Kerken (Igrejas Reformadas), onde a membresia foi composta por um grupo de pessoas que sentiram-se forçadas a deixar a igreja organizada pelo Estado, em 1886. Kuyper produziu sobre os problemas sofridos pela classe trabalhadora por meio de publicações com essa temática, onde realizou uma conferência organizada em 1891 para refletir sobre a questão social. Exerceu a função de primeiro ministro da Holanda (1901-1905) e deixa o cargo em 1905 durante as repercussões de uma greve 9. Guillaume Groen Van Prinsterer (1801-1876) que, era antecessor de Kuyper e será abordado adiante, já exercia a liderança desse movimento, que Kuyper auxilia a reorganizar e formalizar para inserir o debate por meio de representação do partido..

(23) 23. nas ferrovias (HENDERSON, 2017, p. 123; SANTOS, 2006, p. 88; KUIPERS, 2011, p. 15-16). As Palestras Stone, foram proferidas por Kuyper em 1898, na Universidade e Seminário Teológico de Princeton, nos Estados Unidos. Posteriormente, é qualificada como “Calvinismo”, reconhecida como a obra de referência para uma introdução ao seu pensamento. Para Santos, “as Palestras Stone se tornaram o principal instrumento no estabelecimento da escola internacional de pensamento denominada kuyperianismo ou neocalvinismo” (SANTOS, 2006, p. 93 apud RAMLOW, 2012, p. 20). Em suas palestras, Kuyper apresenta o Calvinismo como um conjunto de pressupostos sustentados pelos calvinistas, para suas ações no mundo. Na primeira palestra, “O Calvinismo como sistema de vida”, o termo sistema de vida é utilizado por Kuyper para traduzir o termo de origem alemã Weltanschauung, cuja tradução literal seria conceito do mundo ou cosmovisão. Entretanto, Santos (2009, p. 91) identifica que esta tradução pudesse estar excessivamente associada aos aspectos físicos da natureza, ele utiliza também a tradução alternativa concepção de vida e do mundo à qual se pode também denominar biocosmovisão10. Kuyper (2003, p. 21) critica nessa palestra inicial o fato do termo calvinista ser um estigma sectário, da qual reduz o movimento a uma “mesquinhez dogmática”, conforme suas próprias palavras: Mas além deste uso sectário, confessional e denominacional do nome “calvinismo”, ele serve (...), como um nome científico, quer em um sentido histórico, filosófico ou político. Historicamente, o nome Calvinismo indica o canal pelo qual a Reforma se moveu, até onde ela não foi nem luterana, nem anabatista, nem sociana. No sentido filosófico, entendemos por Calvinismo aquele sistema de concepções que, sob a influência da mente mestre de Calvino, levantou-se para dominar nas diversas esferas da vida. E como um nome político o Calvinismo indica aquele movimento político que tem garantido a liberdade das nações em governo constitucional; primeiro na Holanda, então na Inglaterra, e desde o final do século XVIII, nos Estados Unidos.. “Biocosmovisão” é um esforço utilizado na tradução para o português, com o objetivo de articular dois conceitos da perspectiva kuyperiana entre a “visão-de-mundo” ou “cosmovisão” (worldview) e o “sistema-de-vida” ou “percepção-de-vida” (lifeview). É valendo-se desse conceito que compõe a “cosmovisão” e o “sistema-de-vida”, que Abraham Kuyper estrutura seu pensamento denominado Calvinismo (MARQUES, 2017, p. 4). 10.

(24) 24. Então, o termo calvinismo não é utilizado no sentido pejorativo ou sectário, e, tampouco no sentido confessional ou dogmático daqueles grupos que supervalorizam o dogma da predestinação ou nem mesmo é interpretado em seu sentido denominacional. No entanto, é utilizado para o autor com o objetivo de afirmar que o Calvinismo possui uma ontologia e uma ética autenticamente validadas na própria perspectiva de Calvino acerca da interpretação bíblica e de sua relação com o mundo. Verifica-se que na primeira palestra, o argumento de Kuyper é que os sistemas de crenças têm consequências. É no cotidiano que as ações daquilo em que realmente creem os cristãos devem aparecer, e não no que ocorre aos domingos nas igrejas. Para Kuyper, os cristãos estavam “destituídos de uma unidade de concepção de vida”. Tanto que, para ele o Calvinismo, a fim de se estabelecer enquanto um sistema de vida que apresente unidade, deve-se responder a essas três perguntas: Como o homem se relaciona com Deus? Como o homem se relaciona com o homem? Como o homem se relaciona com o mundo? Visto que os sistemas de vida respondem essas perguntas sob diferentes perspectivas (KUYPER, 2003, p. 28). Na análise da segunda palestra Calvinismo e Religião, Kuyper discute entre outros temas, sua eclesiologia. Partindo do sensus divinitatis – de que toda a humanidade intui um senso sobre Deus – Kuyper (2003, p. 56) é teocêntrico ao validar que o ponto de partida da religião é Deus e não o homem. Todavia, possui um reconhecimento da responsabilidade humana para com a criação: A posição do Calvinismo é diametralmente oposta a tudo isto. Ele não nega que a religião tem igualmente seu lado humano e subjetivo (...) O Calvinismo valoriza tudo isto como frutos que são produzidos pela religião ou como âncoras que lhe dão apoio, mas rejeita honrá-los como a razão de sua existência. Certamente, a religião, como tal, produz também uma bênção para o homem, mas ela não existe por causa do homem. Não é Deus quem existe por causa de sua criação; a criação existe por causa de Deus. Pois, como diz a Escritura, ele criou todas as coisas para si mesmo. Por esta razão, Deus mesmo imprimiu uma expressão religiosa no conjunto da natureza inconsciente, - nas plantas, nos animais e também nas crianças (...), porque o próprio Deus implantou na natureza humana a verdadeira expressão religiosa essencial, por meio da “semente da religião” (semen religionis), como Calvino a define, plantada em nosso coração humano (KUYPER, 2003, p. 55,56)..

(25) 25. Contudo, Kuyper (2003, p. 62) também defendeu uma pluriforme ideia de igreja. Isso é fruto de sua crença no ofício de todos os crentes e sua trajetória democrática, na qual o princípio da liberdade é um aspecto importante e valorizado em sua perspectiva teológica. Ademais, esta temática de grande relevância à perspectiva reformacional será explorada no próximo capítulo desta pesquisa. Em sua terceira palestra Calvinismo e Política, Kuyper busca apontar que esse fenômeno não se limita à esfera religiosa, mas também em sua compreensão sobre o Estado. Para tanto, partindo da doutrina sobre a soberania de Deus, ele discute a sua perspectiva dessa soberania e seus desdobramentos no Estado, na sociedade e na igreja. Desse processo, é desencadeado um importante elemento do pensamento kuyperiano, o esboço de sua teoria da “soberania das esferas”, à qual serão retomados mais adiante, juntamente com sua compreensão de outras temáticas, que abordam a participação na vida pública, tais como o dever de promover a justiça e o pluralismo. Nesta palestra, Kuyper (2003, p. 91) ainda reconhece a democracia como uma graça de Deus. Ao citar as palavras de Calvino, dando “graças a Deus todo-poderoso que deu a nós o poder de escolher nossos próprios magistrados”, ele tece considerações sobre a liberdade da escolha popular, ao passo que apresenta indignação diante da teocracia, do absolutismo bem como dos abusos de poder da própria igreja. Bartholomew (2017, p. 96-97) constata que, para Kuyper, enquanto o paganismo eleva o mundanismo, e o islã deprecia completamente o mundo, na Idade Média, sob Roma, a igreja também foi colocada contra o mundo, com o objetivo de estabelecer-se “sobre” o mundo. Isso resultou numa igreja corrompida pelo próprio mundo. Assim, no Calvinismo, ele encontra possibilidades de implementar um novo modelo, na qual é retirado o controle da igreja, a fim de que a vida diante de Deus (Coram Deo), viesse a se desenvolver sobre as outras esferas. Por isso, a doutrina do mandato cultural, encontrada no capítulo primeiro de Gênesis e a graça comum são temas de grande importância ao pensamento kuyperiano e é valendo-se delas que Kuyper (2003) promove as outras três palestras conseguintes: Calvinismo e Ciência, Calvinismo e Arte e O Calvinismo e o Futuro..

(26) 26 Herman Bavinck. Herman Bavinck (1854-1921) foi um colaborador de Kuyper e sendo seu contemporâneo, tornou-se um teólogo precioso para o neocalvinismo. Foi professor de teologia na Universidade Livre de Amsterdã e sua contribuição vem da obra intitulada como Dogmática Reformada, publicada em quatro volumes entre 1895 e 1901 (BAVINCK, 2012, p.13). Tamanha a compreensão de uma perspectiva integrada entre fé e prática, que as palavras de Bavinck definem o esforço do neocalvinismo holandês em superar os dualismos e as fragmentações: As palavras “reformado” e “calvinista” [...] embora cognatas em significado, não são de nenhuma forma equivalentes, a primeira sendo mais limitada e menos abrangente que a última. Reformado expressa meramente uma distinção religiosa eclesiástica; é uma concepção puramente teológica. [...] Calvinista é o nome de um cristão reformado apenas à medida que ele revela um caráter específico e um aspecto exterior distinto, não simplesmente em sua igreja e teologia, mas também na vida social e política, na ciência e na arte (BAVINCK, apud SANTOS, 2006, p.94).. A teologia de Herman Bavinck, da qual sua obra Dogmática Reformada é composta por quatro volumes, envolve reflexões por uma perspectiva da teologia reformada construída desde a Reforma do século 16 até os dias de Bavinck, sendo que os mais proeminentes teólogos da tradição reformada holandesa deste período encontram-se citados por Bavinck. Embora houvessem os movimentos separatistas que ocorriam em seus dias, Bavinck demonstra ser um profundo conhecedor da tradição reformada bem como de outras tradições, o que, para Ramlow (2016, p. 51) [...] se evidencia pela maneira que trabalha integrando, especialmente, o catolicismo e o luteranismo em sua reflexão. A profundidade e amplitude de seu pensamento revela-se ainda pela maneira como ele inclui as inquietações de seu tempo a partir das alegações da ciência moderna. Bavinck demonstra-se profundamente consciente e engajado enquanto analisa de forma ponderada as propostas do mundo científico de então. Transparece em sua obra a tensão em que Bavinck viveu, entre a cultura moderna e todas as novidades científicas e, sua alma piedosa, que se esforçava por preservar a ortodoxia reformada. Bavinck procurava, assim, por uma síntese entre o cristianismo e a cultura na cosmovisão trinitária do neocalvinismo holandês..

(27) 27. Além de ser um teólogo sistemático, inclusive, o responsável por estruturar a dogmática do neocalvinismo, é evidente que Bavinck era alguém envolvido com a perspectiva kuyperiana. Foi membro na Casa Alta da Holanda e atuou como consultor na esfera educacional de seu país. Semelhante à Kuyper, James Orr e Van Prinsterer, pode-se identificar a seguir, que também os próximos autores referenciados mantêm uma tradição de uma fé cristã comprometida com a sociedade, o que marca aspectos elementares do neocalvinismo com a sua materialidade histórica.. Herman Dooyeweerd. Outro teórico de extrema importância ao neocalvinismo foi o filósofo e jurista holandês, que exerce influência nacional e internacional, Herman Dooyeweerd (18941977). Embora não tenham se conhecido pessoalmente, Dooyeweerd herda o pensamento do reformador e seu compatriota, Abraham Kuyper, onde se torna professor de direito na Universidade Livre de Amsterdã. Foi membro da Academia Holandesa de Ciências e presidente por longos anos da Sociedade Holandesa de Filosofia do Direito. Conforme Carvalho (2006, p.190), como kuyperiano, Dooyeweerd esteve comprometido desde o início com a renovação cultural de seu país e utilizava da cosmovisão cristã para suas produções, resistindo inclusive ao processo de secularização. Assim como Kuyper, Dooyeweerd expressava confiança nas influências transformadoras do cristianismo sob a égide reformada. Dooyeweerd elabora uma abordagem alternativa à teoria do Estado, além de contrapor as teorias vigentes de seu tempo, influenciadas pelo absolutismo monárquico e da própria Revolução Francesa, dos séculos XVIII e XIX. Para tanto, promove uma reação ao Iluminismo e apresenta uma filosofia política ao contexto holandês, da seguinte forma: Dooyeweerd analisou do ponto de vista histórico e filosófico, as questões da causalidade jurídica, culpa, responsabilidade, propriedade, e fontes da lei, insistindo em ver estas e outras no contexto de uma teoria mais ampla da natureza e destino do ser humano (antropologia), do ser e da ordem (ontologia), e do conhecimento e suas fontes (epistemologia). Sua obra De Wijsbegeerte der Wetsidee (A Filosofia da Ideia Cosmonômica), foi publicada em três volumes em Amsterdã entre 1935-1936 e viria a.

(28) 28. constituir-se o centro do seu pensamento filosófico, e costuma ser considerada revolucionária pelo amplo diálogo com a tradição filosófica e sua crítica à autonomia do pensamento teórico (RAMLOW, 2012, p. 22).. Para o autor, todo o pensamento é direcionado por uma motivação que tem sua origem no coração e não na razão humana. Ao questionar “qual é o ponto de referência central em nossa consciência a partir do qual essa síntese teórica pode se iniciar?”, Dooyeweerd (2010, p. 68), identifica no ponto arquimediano [ἀρχή] (arché), o aspecto crítico dos limites no pensamento (transcendental) e a abertura para o religioso (transcendente e incondicionado). Portanto, o reconhecimento de uma ἀρχή (arché), dá sentido à toda participação humana na criação e elaboração dos significados, que por sua vez, são permeados por uma intencionalidade religiosa. Por isso, tece críticas à síntese promovida em outros sistemas filosóficos, de modo que são baseados em outros pressupostos do coração. Assim: Se todas as correntes filosóficas que alegam estabelecer seu ponto de partida exclusivamente na razão teórica não possuíssem, de fato, pressuposições mais profundas, seria possível resolver todas as discussões filosóficas entre elas de uma forma puramente teórica. Mas a situação real é bastante diferente (DOOYEWEERD, 2010, p. 50). Tal afirmação conflui com os dizeres de Kuyper (2003, p. 138): Toda ciência num certo grau parte da fé, e ao contrário, a fé que não leva à ciência é fé equivocada ou superstição, mas não é fé real, genuína. Toda ciência pressupõe fé em si, em nossa autoconsciência; pressupõe fé no trabalho acurado de nossos sentidos; pressupõe fé na correção das leis do pensamento; pressupõe fé em algo universal escondido atrás de fenômenos especiais (...) todos estes axiomas indispensáveis, necessários a uma investigação científica produtiva, não veem a nós pela prova, mas são estabelecidos em nosso julgamento por nossa concepção interior e dados com nossa autoconsciência.. Desta forma, contemporâneo de Kuyper, Dooyeweerd desenvolveu um sistema filosófico cristão, chamado de filosofia reformacional ou filosofia cosmonômica, na qual, partindo do conceito kuyperiano de soberania das esferas, Dooyeweerd articula uma compreensão acerca das instituições sociais e também do Estado. Sua “proposta de reforma para o pensamento político é a aplicabilidade do próprio sistema filosófico”, conforme a introdução na obra “Estado e Soberania”: ensaios sobre.

(29) 29. Cristianismo e Política”, apresentada por Leonardo Ramos e Lucas Freire, (DOOYEWEERD, 2014, p. 23). Enquanto acadêmico, Dooyeweerd demonstrou grande incômodo com o reducionismo científico existente na história do pensamento ocidental moderno. Ao problematizar o reducionismo e apresentar a relevância da fé cristã para a academia, desenvolve uma releitura da história do pensamento ocidental e a sua expressiva descoberta fundamental, encontrada na base de seu sistema de filosofia reformacional (CARVALHO, 2006, p. 194; DOOYEWEERD, 2015, p. 11).. Hans Rookmaaker. Henderik Roelof Rookmaaker (1922-1977) foi um pensador holandês que exerce um legado de grande importância no campo das artes. Hans, como era geralmente conhecido pelos familiares e amigos, possui uma vasta trajetória acadêmica na docência e como historiador da arte. A partir de 1942, ano em que se converteu ao cristianismo, numa prisão nazista em Estanislaw (atual Ucrânia), a vida e obras de Rookmaaker compõem uma intensa convicção a respeito de sua fé e missão, na qual afeta suas produções e perspectiva das artes, integrando paixão e crença, trabalho e influência, energia e esperança. É no mundo contemporâneo do século 20 que Rookmaaker inicia sua missionalidade relacionando arte e fé cristã, segmento já apontado por alguns de seus conterrâneos que identificaram a necessidade de uma ação cristã integral, aplicada na igreja e na sociedade. Entre os defensores da perspectiva de uma ação cristã integral, destacam-se, como já mencionado nesta pesquisa, Abraham Kuyper, Herman Bavinck e o contemporâneo Herman Dooyeweerd. Souza (2009, p. 98) e Gasgue (2012, p. 23) narram que logo após o curto tempo de conversão ao cristianismo, Rookmaaker havia conquistado o reconhecimento como uma das vozes mais expressivas no campo da integração entre fé cristã e artes no Ocidente. Apesar de seu tempo de vida e a trajetória como cristão ter sido relativamente breve (aproximadamente 25 anos), é inegável a contribuição e a influência exercida desse autor sobre o pensamento cristão em diversas partes do mundo..

(30) 30. Com dezenas de livros nas temáticas da relação entre arte, cultura e cristianismo, centenas de artigos publicados em revistas especializadas na Europa, Estados Unidos e Canadá, Rookmaaker foi professor de História da Arte na Universidade Livre da Amsterdã. Implementou também departamentos de arte que foram estruturados na Holanda, Estados Unidos e Inglaterra. Associações de artistas cristãos que foram inauguradas sob sua influência ou pelo próprio autor. Um centro de estudos internacional formado na Holanda (L’ABRI)11 e estações de rádio criadas e fortalecidas em seu país (SOUZA, 2009, p. 99; GASGUE, 2012, p. 61). A vida, pensamento e obra de Hans Rookmaaker ainda é pouco conhecida no Brasil. Apenas quatro de suas obras foram traduzidas para o português, a saber: A arte não precisa de justificativa, em 2010; A arte moderna e a morte de uma cultura, em fevereiro de 2015; ambas pela Editora Ultimato; há também uma biografia escrita pela professora e historiadora da arte Laurel Gasgue, traduzida em novembro de 2012 por esta mesma editora, com o tema: Rookmaaker: arte e mente cristã; e, Filosofia e Estética, pela editora Monergismo, em 2018. Outro aspecto relevante para a difusão e publicização do pensamento de Hans Rookmaaker e a procura por suas obras no contexto brasileiro foi a canção Rookmaaker, lançada em 2010 pela banda de rock alternativo Palavrantiga.. 1.3 Temas e ênfases teológicas do Neocalvinismo Abraham Kuyper buscou reavivar o calvinismo na Holanda do século XIX. Para tanto, como será abordado no próximo capítulo, almejou que as igrejas fossem livres e procurou destacar as doutrinas tradicionais do calvinismo de tal forma que não fossem somente atreladas às ideias, mas com o objetivo de promover uma dinâmica de participação na sociedade de sua época. Assim, a aplicabilidade do calvinismo em articulação com a ciência, a cultura e as artes se dão por meio de ênfases teológicas. O primeiro L’ABRI (palavra de origem francesa que significa “abrigo”) foi fundado no ano de 1955 pelo casal Francis e Edith Schaeffer, quando eles abriram sua casa para acolher estudantes, profissionais e artistas de diversos países que compartilhavam questionamentos sobre a existência, a transcendência, a espiritualidade e questões sociais, culturais e políticas. Desde então, foram fundadas comunidades L’ABRI na Inglaterra, Holanda (essa devido à forte amizade entre Hans Rookmaaker e Francis Schaeffer), Suécia, América, Canadá, Coréia e, no Brasil, a partir de 2008. Muito das ideias de Rookmaaker foram posteriormente popularizadas por Francis Schaeffer. Na mesma linha de outros teólogos e filósofos do neocalvinismo holandês, como Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, Nicholas Wolterstoff e Egbert Schuurmann. 11.

(31) 31. que são cabais na cosmovisão calvinista, embora não foram aprofundadas por Calvino (RAMLOW, 2012, p. 6). A seguir, são apresentados alguns destes fundamentos que, na perspectiva neocalvinista, possibilitam compreender e agir numa visão abrangente a toda a dinâmica da vida, envolvendo-se com a sociedade por meio de uma cosmovisão cristã que norteia a atuação de cada indivíduo, apropriado de sua vocação.. As Esferas de Soberania. Desde a primeira das Palestras Stone, é possível identificar alguns dos fundamentos que colorem a visão de Kuyper sobre o Calvinismo e que permeia todo o conteúdo da obra. Destes, a compreensão da soberania de Deus sobre toda a vida, o mandato cultural, a renovação (palingênesis), pela qual a vida humana e o cosmos são restaurados, e o princípio da graça comum, compõem um conjunto temário de suma importância ao neocalvinismo (BARTHOLOMEW, 2017, p.545). Para Kuyper, a soberania divina sobre toda a extensão do cosmos se faz diante da humanidade numa correlação entre: “1-) a soberania no Estado; 2-) a soberania na sociedade; e, 3-) a soberania na Igreja” (KUYPER, 2003, p. 86; MOLENDIJK, 2008, p. 244). Disto, é possível identificar o esforço insistente de Kuyper em promover a liberdade de pensamento e a pluralidade religiosa contra qualquer poder do Estado ou ainda de uma esfera sobre outra esfera. Kuyper e seus seguidores 12 que militavam contra o Modernismo, entendiam que a soberania não pode ser fundamentada em nenhuma das teorias de contrato social, fosse ela “hobbesiana, lockiana ou rousseauniana” (REICHOW, 2014, p. 48). A soberania então ocorre nas diversas esferas. Ao Estado, por exercer sua governabilidade, não cabe ultrapassar o limite de sua execução, impondo sua legislação e ordem, mas, compete garantir os princípios que norteiam a vida bem 12. Destes seguidores, Herman Dooyeweerd posteriormente viria a elaborar a sistematização de sua filosofia, reconhecida enquanto a ontologia dos modos da experiência ou ontologia modal, a partir do princípio desenvolvido por Abraham Kuyper acerca das esferas de soberania. Dooyeweerd compreende que há uma relação da fé com outros aspectos modais estabelecidos numa lei cosmonômica. Assim, existem aspectos que limitam, diversificam e estruturam o sentido de cada esfera por meio de um núcleo de significados. Desse modo, na esfera ética, o núcleo de sentido seria o amor; na jurídica, a justiça; na estética, a harmonia; na econômica, a mordomia e conservação; de modo que tais aspectos possuem uma exemplaridade científica que contribui para a produção de conhecimento. Reichow (2012, p. 50) apresenta uma dissertação que aborda a filosofia reformacional de Dooyeweerd, possibilitando o aprofundamento de seu pensamento na tradição neocalvinista..

(32) 32. como a tipificação que qualifica a funcionalidade de cada esfera. Destarte, o Estado deve intervir nas seguintes condições: 1-) Quando esferas diferentes entram em conflito para forçar respeito mútuo as linhas divisórias de cada uma; 2-) Defender pessoas individuais e fracas, naquelas esferas, contra o abuso de poder dos demais; e 3-) Constranger todos a exercer as obrigações pessoais e financeiras para a manutenção da unidade natural do Estado (KUYPER, 2003, p. 86 apud RAMLOW, 2012, p. 33).. Sendo assim, cada esfera deve possuir a liberdade sobre as demais, de maneira que sua operacionalização e funcionalidade derivam da soberania de Deus. Entretanto, sua ênfase nessa doutrina vai na contracorrente do dogmatismo e por meio deste princípio, estabelece uma perspectiva de comprometimento dos cristãos com a sociedade por meio dessas esferas, elementos que norteiam a sua teologia. Logo, é inconcebível para Kuyper um calvinismo que fosse tradicionalista, sectário e\ou escapista, não compreendido enquanto um sistema de vida abrangente (KUYPER, 2003, p. 34; CARVALHO, 2009, p.55).. A Graça Comum. Também é a partir das Palestras Stone que se pode identificar a influência da graça comum (gratia communis) para o pensamento kuyperiano, dada à importância considerada a este princípio para o desenvolvimento da vida, incluindo do próprio Calvinismo: Assim, também, é um e o mesmo mundo que outrora exibiu toda glória do Paraíso, que depois foi atingido com a maldição, e que, desde a Queda, é sustentado pela graça comum; que agora tem sido redimido e salvo por Cristo em seu centro e que passará através do horror do julgamento para o estado de glória. Por esta mesma razão, o calvinista não pode calar-se em sua igreja e abandonar o mundo a sua sorte. Antes, sente sua alta chamada para promover o desenvolvimento deste mundo a um estágio ainda mais alto, e fazer isto em constante acordo com a ordenança de Deus, por causa de Deus, sustentando, no meio da tão dolorosa corrupção, tudo que é honrável, amável e de boa fama entre os homens (KUYPER, 2003, p. 81)..

(33) 33. Herman Bavinck (1854-1921) foi um dos primeiros na tradição neocalvinista a utilizar o termo “Graça Comum” articulado com a compreensão da ação do Espírito Santo atuando e operando dada virtude: Desta graça comum procede tudo o que é bom e verdadeiro que ainda vemos no homem decaído. A luz ainda brilha nas trevas. O Espírito de Deus vive e trabalha em tudo o que foi criado. Logo, ainda permanecem no homem certos traços da imagem de Deus. Há ainda intelecto e razão; todas as espécies de dons naturais ainda estão presentes nele. O homem ainda tem uma percepção e impressão da divindade, uma semente da religião. A razão é um dom inestimável. A filosofia é um dom admirável de Deus. A música também é um dom de Deus. As artes e as ciências são boas, proveitosas e de alto valor. O Estado foi instituído por Deus [...] Há ainda uma aspiração por verdade e virtude, também pelo amor natural entre pais e filhos. Em assuntos que dizem respeito a esta vida terrena, o homem é capaz ainda de fazer muitas coisas boas [...] Pela doutrina da graça comum os reformadores têm, por um lado, mantido o caráter específico e absoluto da religião cristã, mas, por outro lado, ninguém os tem ultrapassado em sua valorização do que for bom e belo como dádivas de Deus aos seres humanos pecaminosos (BAVINCK, 1922, p. 17 apud HOEKEMA, 1999, p. 212).. Nesse sentido, se na graça especial (ou particular), Deus concede salvação à pessoa através de Jesus Cristo pela graça comum, Deus delimita os efeitos desastrosos provocados pelo pecado, permitindo assim, o desenvolvimento da vida e da cultura. Para Kuyper, apesar da graça comum não aniquilar a essência do pecado nem possuir poder de salvação, ela impede a plena execução das intenções pecaminosas, promovendo valores como a justiça, a beleza e a bondade. A graça comum é uma ideia desencadeada na esteira da própria tradição cristã, no pensamento de teólogos que, como Agostinho, já expressavam lampejos acerca do tema. Molendijk (2008, p. 244) rememora: “não foi o próprio Calvino que comparou as Escrituras a um par de óculos?” de modo que possibilitou “decifrar novamente os pensamentos divinos, escritos pela mão de Deus no livro da Natureza, que se tornou obliterado em consequência da maldição?”. Em decorrência disso, a graça comum contribui para uma teologia que se compromete em participar na dinâmica da produção e reprodução da vida humana.. O Mandato Cultural.

Referências

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