• Nenhum resultado encontrado

Para além do cotidiano : reflexões acerca do processo de trabalho de educação em saúde

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Para além do cotidiano : reflexões acerca do processo de trabalho de educação em saúde"

Copied!
143
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

C EN TR O DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM

P A R A A L E M D O G O T Í D I A N O :

r e f l e x õ e s a c e r c a d o p r o c e s s o d e t r a b a l h o

d e e d t t c a ç a o e n \ s a ú d e

P or

FLÁVIA REGINA SOUZA RAMOS GONZAGA

Florianópolis

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIENCIAS DA SADDE

MESTRADO EM ENFERMAGEM

TITULO: PARA ALEM DO COTIDIANO: REFLEXÕES ACERCA DO PROCESSO DE TRABALHO DE EDUCAÇAO EM SAUDE

Dissertação apresentada à banca examinadora por

Flávia Regina Souza Ramos Gonzaga, sob a orien­

tação da Prof. Dra. Maria Teresa Leopardi, para

obtenção do grau de Mestre em Enfermagem, pela

Universidade Federal de Santa Catarina.

Aprovada em 30 de julho de 1992, pelos membros da banca:

______________r y b \____________________________________________________________________ Dra. Maria Tferesa Leopardi

Presidente

/lr Y V & Á jfe ^ ________________

Dra. Maria Cecilia Puntel de Almeida Examinadora

Drêi. Luzinete Simões Mine 11a Examinadora

(3)
(4)

Urna p i a r t e d e mim ê t o d o mundo

Outra parte ë ninguem, fundo sem fundo Uma. parte de mim é multidão

Outra parte estranheza e solidão Uma parte de mim pesa e pondera Outra parte? delira

Uma parte de mim almoça e janta Ou t r a parte se espanta

Uma parte de mim é permanente Outra parte se sabe de repente Uma parte de mim ê só vertigem 0 u t r a p arte ling u. agem

T r a du .1 r u rn a p arte n a o u t r a. p a r t e

Que é urna questão de vida e morte Será arte ?

Será arte ?

(Ferreira Gullar -■ " T r a d u z i r - s e ” )

Dedico este trabalho aos grandes amores da minha vida:

(5)

A G R A D E C I M E NT O S

A T e t é , o r i e n t a d o r a brilhante, por sua sensibil.ida.de, a m i ­ zade,, c o n f iança e e s p e r a n ç a contagiante.,

A Lygia, p r o f e s s o r a e mulher admirável, por seu. estímulo e a f e t o .

Aos p r of e s s o r e s do Curso de Mestrado em Enfermagem e em

especial a prof » Ingrid El sen, que com um trabalho sério, com p r o m e ­

tido e c riativo d e r a m um novo significado à relação profe s s o r - a 1uno

e t o rnaram este curso uma rica experiência de amadur e c i m e n to p r ofis­ sional e p e s s o a l .

As a m igas do Mestrado. A Leni, Teda, E v e l y , Denden e H e ­

loísa, pelo p r i v il é g i o de tê-las conhecido e c o m p a r ti 1 hado momentos

tâo marcantes,

A Marta, Lisa e Claúdia, companheiras de idéias, projetos

e sonhos, pela aleg r i a do nosso encontro e por tudo que d i v idimos e

c o n n s t r u i m o s , com tanto prazer, ao longo de nosso convivio.

Aos a m igos que aprendi a conhecer, admirar e gostar e que

c o n t r i b u í r a m para que minha vida em Florian ó p o l i s fosse tâo cheia de

alegria, carinho e calor: Júlio, Rosane, Cesar, Maristela, Cleuza e

(6)

i n e s q u e c í v e is pelo que para mim significam

fi CAPES.

A U n i v e r s i d a d e Federal de Mato Grosso,

As colegas do D e pa r tamento de E n f e r m a g e m •que me opo r t u n i —

zar am a r e a l i z aç ã o do curso de mest.ra.do e em mim depo s i t a r a m

con-i

f i a n ç a e i n c e n t. i v o .

A Cida, minha "ponte" com Cuiabá, pelo seu carinho e a mi­

zade »

A Denise e funcionários da Pós graduação. Rosa, Márcia e

Mauricio, pela disponibilidade, atenção e pelas sempre t'à'o valiosas

o r i e n t a ç ti e s e a p o i o .

ños meus pais, que apesar da d i s t a n c i a sempre se fizeram

presentes através do estímulo, da fé, da força e do amor constantes

. Meu r e c o n h e c i m e n t o especial; obrigado por mais esta i

Ao A m a u r y , companheiro solidário e s e n s í v e l , por suas in­

c ansáveis e mal retribuidas ma n i f e s t a ç S e s de respeito e a m o r . . . O b r i ­ gado por ter s e gurado esta barra I

(7)

RESIJMG

□ p res en te estudo apresenta uma r e flexão acerca c:la e d u c a ­

ção em s aúde e n q u a n t o um processo particular de trabalho na área de

s aúde e mais e s p e c i f i c a m e n t e da enfermagem, tendo como objetivo con­ tribuir para a a p r e ensão crítica deste processo de trabalho e para a

c o n s t r u ç ã o de urn referencial teórico—me todo 16gi. co do mesmo.

Q u a n t o a m e t odologia empregada, c a r a c te r i z a - s e como um en.

saio teórico, cuja estrurura textual consta de dois capítulos, No

capítulo um a análise se focaliza sobre o c o t idiano das práticas

e d u c a t i v a s em saúde e desenvolve-se a partir d at expl i c i ta ç ã o de um

referencial teórico baseado em diversos autores d ed i cados ao estudo

do trabalho numa abordagem materialista dialética e , destacadamente,

em alguns conceitos de Agnes Heller, Sao priv.ileqia.cios dois pontos

t e m á ticos do objeto de estudo, sendo que o primeiro, d enominado "o

e s t e r e ó t i p o do individual e do c o l e t i v o ” , tratai cio modo como os s a ­

beres instrum e n t a i s das práticas de saúde foram sendo constituidos,

r e p r o d u z i d o s e incorporados ao agir dest i t u i d o s de seus horizontes

teóricos e, assim, revelando seu caráter i d e o logizado e mistificado.

0 seg u n d o ponto temático aborda o processo de trabalho de educação

em saúde a t r a v é s de quatro teses em torno de seus mom e n to s co n s t i t u ­

tivos básicos

5

o objeto, os instrumentos, as n e c e s s i d a d e s geradoras

(8)

No c a p í t u l o dois, intitulado "Para alêm do cotidiano", a r e flexão cam i n h a da crítica para a busca de um referencial que s u p e ­ re os e s t e r e ó t i p o s e contradições analisados, ou seja, que u l t r a p a s ­

se o c o t i d i a n o a t r a v é s de uma prática critica e criativa. Na pe r s ­

pectiva de con tribuir par a construção deste referencial são indi c a ­ dos três e l e m e n t o s fundamentais: a redescoberta do sujeito, a práxis

como o b j e t o e f i n a l i d a d e e a mediação. Além d i s s o , diversos c o ncei­

tos s i g n i f i c a t i v o s que permearam o estudo são recuperados numa ilus­

tração s i n t é t i c a desta aproximação com o tema "processo de trabalho

(9)

ABSTRACT

The present study is a reflection of health education as a

particular work process in nursing area. The goal is to c o n t r i b u ­

te to a critic understanding of this work process, as well as to

c o n s t r u c t i t s f r a m e w o r k .

The employed methodology is car acterized as a théorie essay,

w h ich is s t r uctured in two c h apte rs . 0 n t he fir st c h ap ter, t he

analysis is focused on the daily (quotidian) health educational

by many different authors, specially standing out the concepts of

Agnes Heller. There are two major tematic points, in which the

first one is "the individual and group stereotype" dealing with

h o w t h e i n s t r u rn en tal hi e a 11 h p r a x i s k n o w e 1 e g e s were be i n g c o n s t i - t u t e d , r e p r o c! u c t: e d a n d inc o r p o t ate ci x n t h e a c t i o n d e t ache d f r o iïi

my s t i c c haracter . The sec o n d the iïia t i c p o i n t deals wit h the h e a 11 h e d u c a t i. o nal w o r k p r o c e s s t: h r o u g h f o u. r t e s es a b o u t i t s c o n s t i t: u

t: h e p o r pose of t he w o r k .

0 n c h a p t e r t w o , d e n o iïii n a t e d '' B e y o n d t h e d a i. 1 y ’' t h e r e F1 e t i o n

i s a 1:) o u t: a f r a m e w o r k that s u r m o u n t s i: h e analyzed s t: e r e o i: i p e a n d c o n t r a d i c t .i. o n ., t h a t i s ,

1

1 g o e s b e y o n ci t h e g u o t i d x a n t h r o u g h a

(10)

c r i t t r u c t: h e t h e d :i. f f r a n s x: i o r! :i. c a I a n d c r i a t :i. v e p r a c t i c e . A w a y t o c o n t r i b u t e t o a c an s -- t i o n o-F t h i s - F r a mework is i n d i c a t e d by t h r e e b a s i c e l e m e n t s : r e d i s c o v e r y o f t h e s u b j e c t ; t h e p r a c t i c e a s t h e o b j e c t , as p u r p o s e a n d a s t h e m e d i a t i o n ( i n t e r c e s s i o n ) . B e s i d e s t h a t , event: s i g n i f i c a n t c o n c e p t s w h i c h o m e d in a s y n t h e t i c i l l u s t r a t i o n w 0r k p r o c e s s " . p e r m e a t r d t h i s s t u d y a r e o n t h e t h e m e ' ' 1-. e a 1 1 !•■. e d u c a -•

(11)

SUMARIO I I ■■■■ I I I IV VI-I NTRODUÇí-iO ... ... 01 R E V I S A O DE LITERATURA. ... .05

1. O processo de trabalho em saúde e o processo de trabalho da e n f e r m a g e m 05 2. A e d u c a ç ã o ern saúde; uma breve contextual i s a ç ã o ... .22

-M E TODOLOGI A ... . . . .. . . .. . . 32 1 . Tipo de e s t u d o ... 32 2 . M é todo de a b o r d a g e m ... ... 33 3. P r o c e d i m e n t o s , recursos e técnicas. ... .36 E N S A I O T E O R I C O - E S T R U T U R A T E X T U A L ... 38 C A P I T U L O .1. - O C O T I D I A N O : 1.1. Uma a p r o x i m a ç ã o com o foco de reflexão: o c o t i d i a n o ... 38

1.2. 0 c o t i d i a n o e as práticas e ducativas em saúde. ... 47

1.2.1. O e s t e r e ó t i p o do individual e do c o 1e t i v o ... 49

- Inventário Inicial ... 53

- R e s g a t e Crítico. ... 61

- R e e 1a b o r a ç ã o . ... 76

1.2.2. 0 processo de trabalho de E d ucação em S a ú d e ... 81

- T ese I •- Do ob.j eto ... 84

- Tese II — Dos i n s t r u m e n t o s ... 89

- T ese 1 1 1- Das necessidades ... 96

- T ese IV — Das final i d a d e s . . .. . . .102

C A P I T U L O 2 - PA R A ALEM DO C O T I DIANO : elementos para um refe­ rencial t e ó r i c o - m et o d o l ó g i c o do processo de tra­ b alho de e d u c a ç ã o em s a ú d e . . . .105

2.1. A r e d e s c o b e r t a do s u j e i t o . ... „106

2.2. A práx i s como objeto e f i n a l i d a d e . ... .111

2.3. A m e d i a ç ã o ... 115

2.4. O processo: uma i l u s t r a ç ã o . ... .. . . 117

UMA PAUSA. . .E UMA AGENDA PARA 0 RECOMEÇO. ... 121

(12)

I - IN T R O D U Ç Ã O

Filosofia é utopia ?

i as é taíòéi ui esciareciiento acerca da existência, tal coto ela è. Pois só aspira a outro lugar aquele que não esti satisfeito cot o tundo coto lhe é dado. daí que filoso­ far é espantar-se, ou adtirar-se...s

flydos, 1991, p.XI

Todo estudo, como qualquer outro e m p r e n d i m e n t o , traz em si uma m o t i v a ç ã o pessoal e uma perspectiva de contribuição para o

d e s e n v o l v i m e n t o do conhecimento de d e t e r m i n a d a área ou de trans­

fo r m a ç ã o de uma dada realidade. Da relação e i nt e r p enetração de

inúmeros q u e s t i o n a m e n t o s e desafios e x perienciados na prática

profissional com outras tantas percepções, a nsiedades e desejos

do meu uni v e r s o pessoal ê que nasceu e cresceu a vontade de rea­

lizar esta reflexão.

Esta foi a primeira opção a marcar este trabalho, a de

d i s c u t i r um ass u n t o sig n i f i c a t iv o no contexto atual do trabalho

em saúde sem, no entanto, me d e s c o n t e x t u a l izar ou, parodiando A l ­ ves, (1989), sem me retirar da minha própria fala.

Outras opções foram exigidas no decorrer deste estudo.

Uma delas diz r e speito ao cárater teórico do mesmo. Na verdade,

um rico mome n t o de a p r e n d i z a g e m e análise se deu na e x p eriência

de prática assistencial d e s e n volvida dura n t e o meu curso de m e s ­

trado, onde tentei pôr em prática alguns p r e s s upostos em torno do

(13)

e de sua auto-cri t i c a , ficou demonstrado no r e c o n h e c i m e n t o da ne­

ce s s i d a d e de maior aprofundamento. Foi então que direcionei este

trabalho, rrào para um relato de experiência, mas para a reflexâ'o

de q u e s t õ e s que sempre se fiseram presentes, de forma ampia e v a ­

ga, na minha vida profissional, mas que, a partir daq u e l e momen­

to, foram a d q u i r i n d o maior clareza e destaque, até s u b sidiarem a

delimitaç'ào de unidades temáticas espe c í f i c a s e passíveis de ex —

p 1 o r a ç ã o .

Assim, o foco central deste estudo, a ed u c a ç ã o em saúde

vista a partir de sua perspectiva de um processo particular de

trabalho, é analisado de' modo que as idéias a p r e s e n t a d a s , mesmo

q u a n d o em sua forma abstrata, r e lacionam-se d i r e t a m e n t e com a

prática e d u c a t i v a da enfermagem.

Tal foco de estudo se j u s t ifica pela n e c e s s i d a d e dos

p r o f i s si o n a i s m e lhor c o mpreenderem seu trabalho e de cara c t e r i z a ­ rem o processo de trabalho de educação em saúde naquilo em que se diferencia, em cada um dos seus momentos, em cada ponto ainda não

d e s v e n d a d o e, portanto, mais sujeito a m i s t i f i c a ç õ e s e práticas

acr.it.icas. E este tema, reconhecidamen t e , carece de um arsenal

teórico que orie n t e o pensamento e a ação por valores e projetos

que se p r o ponham a superar, cotidianamente, o indesejável e limi­ tante presente no real.

A cr e d i t o que, através de uma r e flexão aberta e sem pre- tensòes de e x a u s t i b i 1 idade dos temas, possa c ontribuir no p r oces­ so de r e d e f i n i ç ã o da prática de enferm a g e m frente aos d esafios do

n osso tempo. E e v idente que tais de sa f i o s se referem n ã o apenas

ao campo profissional, mas nele se refletem, pelo próprio d i n a ­

(14)

senti-do u n i t a r i o das práticas, em favor de uma diversidade de a t r i b u i ­

ções, o b j e t i v o s e métodos, enfim, de formas de percepção e ação

i m p r e c i s a s e. às vezes, desconexas em relação à est r u t u r a que

lhes confere o e s t a t u t o de competência e às idealizações que lhes j ustificam. E stes d esafios se referem è. toda a vida no planeta, à

crise mundial, aos temores e esperanças do homem atual, muitos

dos quais ainda sem respostas, apesar de todo o avanço cie n t í f i ­

c o - t e c n o l ó g i c o da modernidade. No Brasil, estes d esafios ocupam,

há algum tempo, todas as pautas. Já esta demonstrado e criticado

o modo como as c o n t radições da sociedade capitalista v #m operando na saúde, educação, enfim, na vida cotidiana.

Se e n t e n d e r m o s que a sociedade moderna, com sua ciência

e tecnologia, avanços e contradições, não deixará de ser assim;

se o e x c e s s i v o apego a imagens do passado, não mudará as atuais

perspectivas; talvez o caminho não seja mais o de nega ç ã o do d e ­

s e n v o l v i m e n t o tecno l ó g i c o ou de oposição à um modelo pela imposi­

ção de outro. Talvez o nosso posicionamento como suj e i t o s desta

realidade, e não de outra, sem negar o p o l í t ic o - i d e o l ó g i c o a c i r ­

rado nos e n f r e n t a m e n t o s diários de nosso trabalho, deva passar

por um re p e n s a r filosófico de caráter mais global e radical.

Embo ra continue a ser disfarçado e encoberto, o real

não pode mais ser negado, ele se mostra a todo instante. Por isso

a impor t â nc i a de assumir, sem medo, o sonho, a utopia de não ape­

nas falar do real, mas antes de tudo "anunciar o ausente" (Alves,

1989, p.21).

Assim, este trabalho, mesmo que iniciante e inacabado,

(15)

4

- a n a l i s a r criticamente pontos temáticos acerca do o b ­

jeto de estudo, sel e c i o n a d o s com base na literatura e na ex p e ­

r iência de prát i c a assistencial de educação em saúde;

— c a r a c t e r i z a r o processo educativo em saúde de forma a

c o n t r i b u i r para a apreensão critica do mesmo, enquanto processo

de tr a b al h o na saúde;

propor elementos para um referencial teórico-metodo- lógico do p r o c e s s o de trabalho de educação em saúde»

T e n d o em vista tais objetivos, o presente trabalho

consta de seis partes. Nas très primeiras, introdução, revisão de

literatura e metodologia, situo o tema dentro do panorama geral

da saúde, a p r e s e n t a n d o as contribuições de outros estudos e for­

n e c e n d o a o r i e n t a ç ã o m e t o d ológica que fundamenta o trabalho, ca-

r a c t e r i z a n d o - o como um ensaio teórico. A quarta parte constitui a

e s t r u t u r a textual do ensaio teórico e se divide em dois c a pítu­

los. No cap í t u l o 1, d enominado "O Cotidiano", apresento os refe-

rên c i a i s t e ó r i c o s n o r teadores do estudo, princi p a l m e n t e aquele

que se r efere ao cotidiano, da autora Agnes Heller, além da a n á ­

lise de dois temas relacionados ao cotidiano das práticas e d u c a ­

tivas em saúde: o este r e ó t i p o do "individual" e do " c o l e t i v o ” e o

p ro c e s s o de t r abalho da educação em saúde em seus m o m e n t o s c o n s ­

t i t u t i v o s básicos. No capítulo 2, denominado "Para além do C o t i ­

d i a n o ” , a p r e s e n t o alguns elementos que a c redito serem fu n d a m e n ­

tais para a const r u ç á o de um referncial t e ó r i c o - m e t o d o 1ógico do

p rocesso de trabalho de educaçào em saúde e que, por permearem

toda a reflexão, sSío recuperados numa síntese represen t a t i v a . F i ­

nalmente, nas últimas duas partes, coloco minhas c o nsiderações

(16)

- REVISfiO DE L ITERATURA

1. O P R O C E S S O DE TR ABALHO EM SAUDE E O

PRO C E S S O DE TRABALHO DA E NFERMAGEM

Ao se refletir sobre determinada prática profissional é r e l evante rever o percurso histórico de tal prática: como surgiu, que interesses a moveram, que ideais e modelos a alicerçaram, co­

rno foi se d i f e r e n c i a n d o no conjunto da divisão técnica do traba­

lho até se cara c t e r i z a r como uma profissão, ou seja, como uma

"ocupação que e x i g e e cria um corpo e s p e c i f i c o de conhecimento

para atuar numa dada r e a l idade o r g a n i z a c i o n a l / i n s t i t u c i o n a l " (Ma­ chado, 1989, p.l)

A n á l i s e s históricas da enferm a g e m foram realizadas por

auto re s como G e r m a n o (1985), Silva (1 9 8 & ), Almeida e Rocha

(1989), Pires (1989); trabalhos estes que muito contribuiram para

uma di s c u s s ã o mais critica acerca da profissão, já que pro p i c i a ­

ram uma contextual .ização da e nfermagem na realidade social mais

ampla, com todos os condic i o n a n te s políticos, ideológicos e e co­

n ô m i c o s ao longo de sua história.

Este trabalho não tem o o b jetivo de realizar uma a n á l i ­

se histórica, no entanto, para se pensar o processo de trabalho

(17)

6

recuos históricos. S e guindo o exemplo de Gonçalves (1989), que

r ealizou uma análise do trabalho em saúde a partir das caracte­

rísticas g e r a i s do trabalho humano numa a b o r dagem marxista, serão

a p r e s e n t a d a s algu m a s noções acerca do trabalho, preliminares à

a b o r d a ge m do tema específico. Tal forma de estudar a questão

se deve ao o b j e t i v o e x p l i c i t a d o pelo autor de desmistificar, des­ pir o p r ocesso de trabail ho em saúde de atributos que ao longo dos

anos foram se' inc o rp o r a n d o a ele como v e rdades inquestionáveis,

como as .idéias de "bem", "verdade", "ciência", "dedicação", etc..

A partir do referencial de Marx podé— se falar de tra­

balho como um processo não casual, no qual se dispende uma ener­

gia e onde o produto corresponde à s atisfação de uma carência ou

n e c e s s i d a d e „

Assim, uma das primeiras c a r a c t e r í s t i cas do trabalho

humano é a intencionalidade, ou seja, o fato de possuir uma d i r e ­ ção, um projeto a partir de uma forma de ver o objeto e de prever

sua transformação. Mas para que se realize e de projeto passe à

ação, é exigida uma força de trabalho, um objeto passível de

t r a n s f o r m a ç ã o e ins t r um e n t o s de trabalho concretos. Dai depree-

ende -s e o seu caráter s i m u l t a n e a m e n t e o bjetivo e subjetivo. Isto

porque todo p r ocesso de trabalho, só o è no mundo real, só se

concretiza objetivamente, mas ê sempre guiado pela consciência. E

a c o n sciência que gera os c o nhecimentos que m e d i a r ã o o processo,

que o .intelectualiza,, seja na t eorização do objeto sobre o qual

atua, na e la b o r a ç a o dos instrumentos e até na teorizaçao do seu

próprio p r ocesso de trabalho.

A a t i v i d a d e da c o n sciência se faz presente desde a per­

(18)

7

trabalho, quando se propòe uma transformação. A finalidade, por

sua vez, i ntermedia a relação pensamento-açSo, pois "se o homem

a c e i t a s s e o mundo como ele ê e se, por outro lado, a c e itasse a si

m e s m o em seu esta d o atual, não sentiria a n e c e s s i d a d e de trans­

formar o mundo nem de t r a n s f o r m a r - s e . O homem age conhecendo e

conhece agindo" (Vázquez, 1986, p . 192).

O processo de trabalho se c a r acteriza também por ser

s e mpre social e histórico, pois os próprios processos geradores

de necessidades, que irao exigir d e t erminado trabalho para a sua

satisfação, sao social e historicamente d e t e r m i n ad o s (Gonçalves,

1989) .

O fato de pensarmos o processo de trabalho como social,

já qu.e emerge de necessidades determinadas socialmente, nao deve

n egar o e n t e n d i m e n t o das necessidades de saúde, g e r adoras dos

p r o c essos de trabalho em saúde, em seu carater nao só social mas

t a rn b e m i n d i v i d u a 1 „

Embora o modelo a s s i s t enciai de saúde no Brasil d e s t a ­

que o a t e n d i m e n t o médico individual, isto nao si g n i f i c a que se

e s teja levando em conta o caráter individual das carências de

saúde,, 0 a t e n d i m e n t o individual se dá, nao por considerar o lugar

e s p e c i f i c o que? o individuo ocupa na s o c iedade e que de t e rm i n a a

forma própria dele perder a saúde, perceber e reagir à doença,

mas por ser a doença tomada individualmente nao como produto s o ­

cial, mas como produto em um corpo biológico»

Leopardi (1989), ao abordar a relaçao entre n e c e s s i d a ­

des de saúde e classes sociais, aponta para o d uplo c o n d i c i o n a ­

m e n t o d e stas nece s s i d a d e s s - sao r e s ultantes das condiçoes de

(19)

3

também o caráter do atendimento a estas n e c e s sidades é s o c i a l m e n ­

te determinado. Assim, a posição que ocupa na e s t r u t u r a social

i n screve no individuo seu potencial para a saúde e a doença, bem

como a forma como terá suas necessidades atendidas,

Com base nisto, a autora aponta para a grande contradi--

çao do sist e m a dE? saúde s "a doença se individualisa enquanto

r e s p o n s a b i l i d a d e pessoal e se socializa quando se trata de j usti­ ficar a d e s i g u a l d a d e de acesso ao cuidado".

Estas referências sao necessárias para se chegar a um

e n t e n d i m e n t o acerca do trabalho em saúde: como inte r m e d i á r i o en­

tre o suje i t o portador da necessidade e o objeto capaz de s a t i s —

faze-la. Por isso, Leopardi (1989, p.3) afirma que as açòes e x e ­

cutadas por tais trabalhadores constituem uma "prática social,

que a b a r c a d a por um setor especializado do sistema social (o S i s ­ tema de Saúde) tem como objeto de trabalho o individuo que possui a carência de saúde".

A partir desta breve caracterização do trabalho e de

como o trabalho em saúde surge em resposta à n e c e s s i d ad e s de s a ú ­ de, é possivel nâo só rever nossos conhecimentos acerca do s u r g i ­ m e n t o de p r o f issSes da saúde, como a e nfermagem e a medicina, co­

mo também tentar compreender seu processo de trabalho atual. E

claro que para isso ê necessário retomar pontos importantes que

nâo foram apr e se n t a d o s na definição geral de trabalho.

Um dest e s pontos se refere á construção do saber que

consolida dete r mi n a d a profissão acompanhando o processo de e v o l u ­

ção das ciências e da raciona 1 idade humana. No caso das p r o f i s ­

sões da saúde, tal saber cria diferentes concepçfles de saúde e

(20)

-•■i

mento deste m e s m o saber., numa. relação dialética entre saber— tra­

balha ou seja teoria-prática.

Bl a n k (1985), ao abordar o pensamento e a prática m é d i ­ ca, d e s c r e v e como a med i c i n a em seu processo de "c i e n t i f i z a ç ã o "

foi b a s e a n d o sua prática em teorias do objeto do trabalho e como

este foi se d e s l o c a n d o do sofrimento para o corpo individual,

deste para a doença, até a transformação desta em manifestações

ou q u a d r o clinico. Com isto obteve-se a relação teoria-prática

com um o b j e t o que, d e s p o j a d o de seu significado social real, pas­ sa a aten d e r ao mode l o p o l í t i c o - i d e o l ó g i c o de reprodução social.

Na verdade, tal teoria do objeto de trabalho se efetiva no p a r a d i g m a c a r t e s i a n o da saúde, também d enominado de modelo m é ­

dico (Gonçalves, 1989), ou modelo biomédico (Capra, 1982), hege­

môni co nas pr á t i c a s de saúde da maioria dos países ocidentais,

apesar do d e s t a q u e que vem sendo dado ao modelo epidemiológico,

p r i n c i p a l m e n t e nos países do terceiro mundo.

Tal modelo, fundamentado na concepção de doença como

a l t e r a ç ã o m o r f o - f i s i o l ó q i c a , surge com o objetivo de recuperar os

corpos d o e n t e s para o trabalho à ser v i ç o do capital. Assim, os

traba Ihadores da saúde têm como objeto este "corpo doente" que

precisa ser tratado, curado, devolvido à normalidade. Normalidade

esta, r i g i d a m e n t e e s t a b e l e c i d a por critérios biológicos que m a n ­

tém uma d u p l a função, de padrão para as ações prescritivas e de

i n s t r u m e n t o do controle social dos corpos, já que passa a ser

r e s p o n s a b i l i d a d e do indivíduo seguir as regras e normas ditadas

pelo sistema, para se manter dentro da " n o r m a l i d a d e " .

A l g u n s avanços a este modelo d o m i nante foram impostos

(21)

10

mem e do seu meio ambiente. No entanto, na maioria das vezes,

tai a m p l i a ç ã o foi insuficiente, pois nao venceu a.fragmentação do

homem em c o m p o n e n t e s biológicos, p s i c o l ó g i c o s- e s p i r i tuais e s o ­

ciais com c o n s e q u e n t e redução do social a mero "atributo" humano. Com isto se tornou harmônica a convivência de algumas destas con-

cepçÊies ditas " in teqral izadoras" com o modelo médico, já que não

q u e s t i o n a v a m os a s p e c t o s p o l í ticos-ideológicos do mesmo, Muitos

d e stes m o v i m e n t o s d i r i g i a m suas propostas a reformas e adapta-

çftes do s i s t e m a oficial sem nenhum efeito objetivo na situação de vida do povo, ou p ro p u n h a m formas alternativas de tratar a doença

que no e n t a n t o p e r m a n e c i a m d e sconhecidas para a maioria da popu­

lação e d i s t a n t e s de sua realidade de vida,

0 que se ass i s t i u neste processo de mudanças do setor

saúde foram, no sist e m a oficial, repetidas tentativas de reformas

que pouco s i g n i f i c a r a m na melhoria das condiçfâes de saúde da

gran de maioria, já que permanecia a submissão das políticas s o ­

ciais às p o l í t i c a s e c o n ô m i c a s que, em nome do desenvolvimento,

a c i r r a v a m as co n t r a d i ç õ e s do sistema e negavam o direito à cida­

dania. Desta forma, se alguns avanços eram alcançados, faziam

parte de uma e s t r a t é g i a de atenuação de conflitos e de controle

social.

Por outro lado, no contexto informal, o que a maioria

dos m o v i m e n t o s a l t e r n a t i v o s em saúde têm conseguido ê se tornarem d i f u n d i d o s e a c e s s í v e i s apenas a grupos m i n o r i t á r i o s , mesmo que muitos deles tenham sua origem no saber e prática popular, h i s t ó ­

ricamente e x p r o p r i a d o e reciclado em nome de uma prática médica

(22)

11

Na verdade, muitas foram as concepções e correntes de

p e n s a m e n t o que i n fluenciaram as práticas de saúde e embora não se

possa negar a importância de muitas destas, em obter menores ou

m a i o r e s rupturas e deixar claro as limitações e contradições do

m ode l o biomèdico, cabe demonstrar que, e n quanto as raizes mais

p r o fundas do processo s a ú d e -doença são negligenciadas, mudanças

r e a lmente radicais e s i g n i f i ca t i v a s não s'à'o ef e t i v a d a s nas poli-

ticas de saúde.

N o entanto, deve-se reconhecer os ganhos obtidos nesta

longa luta em defesa da vida e da saúde da população. Assistimos,

embora de forma d i f e r en c i a d a nas d i versas "realidades b rasilei­

ras" e com inúmeros entraves e dificuldades, o resultado do amplo

m o v i m e n t o de reforma sanitária, que culmina a t u a l me n t e com o

pro c e s s o de implantaçao do Sistema Unico de Saúde. Ds preceitos

c o n s t i t u c i o n a i s que respaldam tais m u danças tiveram na 8 C o n f e ­

rência Nacional de Saúde um fórum decisivo, princi p a l m e n t e por

ter rep re s e n t a d o a aliança dos setores p r o f i s sionais progre s s i s ­

tas com os movime n t o s populares, em torno dos p rincipios básicos

do projeto.

Se naquele momento foram vis a d a s t r a n s f o r m a ç õ e s profun­

das, dada a incapacidade do sistema de responder à q u e st ã o sani­

tária e às inaceitáveis condições de assi s t ê n c i a à. saúde da popu- laçao, hoje se visa assegurar que tais tr a n s f o r m aç õ e s sejam real­

m e n t e efetivadas, sup e r a n d o - s e as d i s c r e p a n c i a s regionais e a

retórica que oculta uma vontade política c on trária à concretiza-

çao da reforma sanitária e favorável à m e r c a n t i l i z a ç ã o da saúde.

Dentre as difi c u l d a d e s atuais, aquelas dadas pela su­

(23)

12

c a p i t a l i s t a podem ser parcialmente o b s e r v ad a s em diferentes m o ­

m e n t o s histó r i c o s das políticas de saúde, quando o governo, num

m o v i m e n t o p e r m a n e nt e de r e d i m ensionamento de sua .intervenção, ora

amplia, ora reduz suas ações em termos de políticas sociais. Com

isto, em alguns momentos, como no atual, surgem, com mais força,

m o v i m e n t o s de est í m u l o à iniciativa privada, corporativização do

sis t em a de saúde, de s m o r a l i z a ç ã o e e s f a c e l a m e n t o dos serviços pú­

blicos, numa tentativa do Estado se exim i r de suas resp o n s a b i li ­

dades f u n d a m e n t a i s .

Isto se acentua em países como o Brasil, no qual, além

do cres c i m e n t o das d emandas de saúde p rovocadas pela péssima d i s ­ t r i b u i ç ã o de renda e consequentes problemas sociais, tem a c o r p o ­

ração médica na d e c i s ã o e comando das políticas oficiais do s e ­

tor, numa postura elitista, e c o n s e r v a d o r a . Tal liderança se m a n ­

tém a custas de pactos políticos firmados com o obj e t i v o de pre­

s e r v a ç ã o da hegemonia, mesmo que c ontrários aos interesses e n e ­

c e s s i d a d e s populares.

No entanto, atualmente, e x e r c í c i o s de aut o - c r i ti c a do

m o v i m e n t o s a n itário reconhecem que a n e c e s s i d a d e de garantia da

i n t e r v e n ç ã o Estatal no campo da saúde, de c onstrução da co n s c i ê n ­

cia sanitária, de a p r opriação do saber m é d i c o e do próprio corpo

pelo paciente, de p a r t i cipação ativa na g e stão pública, entre o u ­ tras, "mostra r a m -s e tarefas cujas traje t ó r i as não segu i a m um rumo prefigurado" (Fleury, 1992, p . 10). Isto revelou os limites teóri­

cos d e n tr o do próprio movimento s a n i t á r i o que, ao e n f atizar a

r e s p o n s a b i 1 idade Estatal em fornecer meios de consumo coletivos,

circuns c r e v e u a saúde como "bem desejável" e não deu a mesma ê n ­

(24)

13

a l i a n ç a s e p r ojetos sociais", (ibidem, p.31).

"Por o utro lado, ao nâo questionar o modelo médico de

a t e n ç ã o à saúde, o projeto reformador acaba por perder o seu con­

teúdo de r a d i c a li d a d e democrática, de desalienaçâo, para e n q u a ­

drar— se como razão administrativa que, d e s te m a t i z a n d o a pot e n c i a ­

lidade p olítica e conflitiva deste processo, acaba por acarretar

a p a s s i v i d a d e consu m i s t a dos cidadãos", (ibidem, p . 10)

Seto re s da enfermagem, por sua vez, apesar de alguns

m o v i m e n t o s mais progressistas e de tentativas de se firmar com

a u t o n o m i a ern relação ao modelo hegemônico no setor saúde, ¡nanti-

veram-se, em g e r a l , aliados à corporação médica, chegando até,

m u i t a s vezes, a abdicar de uma atuação decisiva, tanto a nível

pol í t i c o como a nível de seu próprio ambiente de trabalho.

Foi a ssim que o enfermeiro, p recisando se afastar de

q u a l q u e r o b j e t o de trabalho ou concepção de s a ú d e - d o e n ça que re­

m e t e s s e às q uestões sociais ou a necessidade de "aliança" com a

população, se i ncorporou ao modelo médico, i d entificando o "corpo individual" como objeto de trabalho e preferencialmente, " o cor— po hospitalizado".

Ao contrário da medicina, conforme a n a l isada por Blank

(1985), que des l o co u seu objeto de trabalho do corpo para as ma­

n i f e s t a ç õ e s da doença, parece que a enfermagem perma ne c e u com o

corpo individual como objeto de trabalho, no entanto, com algumas

d i fe r e n c i a ç õ e s . Algumas dessas "diferenciações" se deram, pelo

a p r o f u n d a m e n t o teórico nas ciências humanas de modo a "vestir" o

o b jeto com d i f e r e n t e s roupagens, que passaram a ser exploraidas

(25)

14

De d i f e r e n t e s dimensSes do objeto passou— se a uma pro­

g r e s s i v a a m p l i a ç ã o de atribuições, aludidas á int e g r a 1 idade da

a s s i s t ê n c i a e á v a l o r i z a ç ã o p r o f i s s i o n a l , mas que não ocultaram uma t e o r i z a ç ã o indevida e uma comp a r t i m e n t a 1izaçSo do objeto e do

p r ó p r i o trabalho. Isto produziu um relacionamento razoavelmente

h a r m ô n i c o e ntre saber e prática do enfermeiro X saber e prática

médica., já que, m u itas vezes, a busca de novos espaços nâo s i g n i ­ ficava a defe s a de interesses populares, mas sim, projetos corpo­

rativos de conquista de uma aparente "igualdade" em relação aos

g r u p o s hegemônicos, de ampliação de privilégios e status, enfim,

uma " i d e n t i f i c a ç ã o com o opressor" característica da aus ê n c i a de

um proj e t o p olitico de caráter crítico e popular que tivesse uma

c o r r e s p o n d e n te c o ndução tecnicamente definida.

E claro que este processo não se deu de forma tão sim­

ples, já que teve suas raízes nos primórdios da e n f e rm a g e m e

pr in c.i pa 1 men te no período de sua In s t itucionalização com base nos

p r i n c í p i o s N i g h t i n g e l i a n o s de organização religiosa e militar e

de i d e a l i z a ç ã o da p r o f i s s ã o como vocação nobre e altruista.

A n a l i s a n d o e x a t a m e nt e a i n st i t u c i onalização da e n f e r m a ­

gem é que M a c h a do (1989, p . 13) nos diz: "... a enferm a ge m se s u b ­

mete ao trabalho médico, passando a ser uma atividade complemen­

tar e atrel a da á a ti vi da de médica. 0 saber m é dico começa a se

e st r u t ur a r tendo como o bjeto o corpo e a e nfermagem se transforma

em a t iv id ad e para-médica, subordinada e dominada. 0 caráter dis-

ciplin a do r da enferm a ge m reassume papel de destaque nos hospitais no s en ti do de pôr e manter a casa em ordem".

A autora levanta uma questão que, embora ainda não te­

(26)

15

mais adiante: a e x i s t ê n c i a de difere n t e s objetos, além do corpo

.individual, ou em uma relação mais indireta com este, com conse­

que n t e s d i f e r e n t e s p r o cessos de trabalho do enfermeiro, como por

exemplo a " a d m i n istração" direta ou indireta da assistência.

No entanto, antes de chegar a esta reflexão, ê n e c e s s á ­

rio concluir o que se refere aos modelos presentes atualmente no

setor saúde, p a ssando analisar o modelo chamado por Gonçalves

(1989), de m o d e l o epidemiológico.

Tal m o d e l o concebe a doença como fenômeno social e por­

tanto visa c o n t r o l á - l a atra v é s de instrumentos como o saneamento

ambiental e a e d u c a ç ã o em saúde (sob o enfoque de orientação para

a prevenção). G o n ç a l v e s (1989) aponta para a contradição e x i s ­

tente no modelo, repr e s e n t a d a por u.ma "dupla visão", pela qual

pode ser tomado o fenômeno coletivo: - como natural à espécie

humana (que por sua vez ê tida como homogênea), - ou como e s s e n ­

cialmente social. Dai dec o r r e reflexos politicos e tecnológicos,

já que cada v i s ã o p r e s s u p õ e difere n t e s modos de atuação prática.

Uma c o n s e q u ê n c i a prática da c o ntraditória relação entre

modelo m é dico e e p i d e m i o l ó g i c o foi. a " coletivização forçada" da

prática médica, de forma a expandir o campo de no r m a t i v i da d e da

m e dicina para a vida cotidiana de uma parcela da população q u a n ­

tit a t i v a m e n t e mais significativa, sem, no entanto, gerar um pro­

cesso de v i v e r mais autonômo, solidário e digno. Ou seja, os ser—

viços de saúde n e c e s s i t a m não apenas de ex t e n s ã o de cobertura,

mas p r i n c i p a l m e n t e , de t r a n s f ormação das relaçftes sociais que n e ­

le se estabelecem. E para isto, não basta ampliar o conceito de

saúde, c o n s i d e r a n d o - a resultante das formas de o r g a n i z a ç ã o social da produção. Nas p a lavras de Vaitsman (apud Gallo, 1992, p.72): a

(27)

1 ò

saúde "é p r o duzida dent r o de socied a d e s que, além da produção,

possuem certas formas de o r g an i z a ç ã o da vida cotidiana, da s o ci a ­

bilidade, da afetividade, da sensualidade, da subjetividade, do

lazer, das r elações com o meio ambiente. E antes resultante do

conjunto da e x p e r i ê n c i a social i n d i v i dualizada em cada sentir e

v i v e n c i a d a num corpo que é também, não esqueçamos, biológico". Gallo (1992) compartilha tal preocupação colocando que,

ao priv i l e g i a r o p l a n e j a m e nt o como instrumento gerencial, o pro­

cesso de reforma .institucional do setor saúde não introduziu uma

nova. lógica prâtico-normativa, c a r a cterizando não apenas uma ine­ ficácia do ponto de vista contra hegemónico, como também uma fun­ cional idade em relação à racionalidade capitalista.

Assim, longe de? uma definição, ou seja, de um modelo

que responda à d i v e r s i d a d e da situação, se constata a coexistên­

cia de várias esco l a s de pensamento com maior ou menor influência

no setor e, mais do que isso, urna pluralidade de interpretações

no seio dos próprios mod e l o s dominantes. Seja como for, ao longo

dos anos, o setor s aúde e s t r u t u r o u seu processo de trabalho de

tal forma, que o produto deste processo passou a ser "um bem só

consumivel individualmente, com o que o acesso a ele se torna pe­

ça fundamental nas n e g o c i a ç O e s que p a r c i almente resolvem os con­

flitos sociais" (Gonçalves ,1989, p.25).

Com estas reflexões pretendi d e m o n s t r a r a íntima rela­

ção dos p r o c essos de trabalho em saúde, sua organização, métodos

e limites com os parad i g m a s que s u s tentam as práticas neste cam­

po. Se tal reflexão não foi acom p a n h a d a de uma a b soluta clareza

ou de uma d e f i n i ç ã o precisa, isto se deve à própria singularidade

(28)

17

politicos, de s u b s tituição da certeza imposta pela análise das

d e t e r m i n a ç õ e s pela angústia da c o n s t ituição dos sujeitos p o l í t i ­

cos, seus projetos e estratégias» ( F l e u r y , 1992)

Com clareza ou não, a tematização dos aspectos teóricos

que p e rmeiam o setor saúde e, portanto, o próprio processo de

tra b a l h o da enfermagem, foi requisito para retomar, agora, a

q u e s t ã o da pluralidade de finalidades, objetos, instrumentos e

pro d u t o s de trabalha.

Tais questões vem merecendo crescente interesse por

parte da categoria e foram exploradas dur a n te o 41 Congresso

Eirasileiro de E n f e r m a g e m (1989) que, com o tema central "Os d e s a ­

fios da e nf er ma ge m para os anos 90", levou para o debate o pro­ cesso de t rabalho da enfermagem, (através de trabalhos realizados por Almeida, Rodrigues, Castellanos, Leopardi e Mendes.,'.

Para o d esenvolvimento do s u b — tema "A s i tuação da e n ­

fermagem nos anos 80" as autoras realizaram um levantamento dos

c o n g r e s s o s n a c ionais de enfermagem da déca d a e c o nseguiram iden­

t ificar nos discursos da categoria d i f e r e n t e s obje t os de traba­

lha. Os obje t os identificados foram:

- o corpo individual

- a organização da a ssistência

- a consciência dos indivíduos sobre saúde.

Os instrumentos identificados foram:

- para viabilizar o cuidado

- para possibilitar o processo admini s tr at iv o - para a educação em saúde

(29)

Já no s u b .tema "Os desafios da enferm a g e m para os anos

90" as a u t o r a s buscaram identificar as possíveis d ireções da en­

f ermagem para os anos 9 0 . Km dos desafios levantados foi "Com­

p r e e n d e r o t rabalho da enfermagem no conjunto das P ráticas s o ­

ciais e, internamente, nos seus diferentes momentos".

Este desa fi o foi também apresentado como base e pré-

con d i ç a o para o e n c a m i n h a m en t o de um segundo desafio, o de "cons­

truir um pro j e t o político para a e nfermagem no sent i d o da reali-

zaçao de seu trabalho, de modo que alcance a v a l o r i z a ç a o e reso-

l u t i v i d a d e deseja d a s" (Castellanos et ali, 1999, p . 150).

Pa r a s u bs idiar o aprofundamento da questão, o grupo

a n a l i s o u o p r ocesso de trabalho em enfermagem no m o delo de saúde

individual e coletiva. E importante resaltar alguns pontos que

e m e r g e m d a q u e l a análise e qu.e sao de interesse para este estudos

que o modelo de trabalho em saúde coletiva não tern

firmado tão concret a m e n t e os seus "momentos", o que tem levado à

e x i s t ê n c i a de d i f e r e n t e s processos de trabalho,, e x e c u t a d o s por

d i f e r e n t e s profissionais, entre eles o enfermeiro;

- o processo de trabalho em saúde individual se insere

no pr o c e s s o de saúde coletiva, enquanto a t i v idade meio;

- a busca de articulaçao entre os "momentos" individual

e c o l e t i v o do processo de trabalho do enfer m e i r o passa pela o pe­

racional i zaçao da articulaçao entre a natureza e o social, o in­

d i v i d u o e o coletivo, o sujeito e a estrutura, etc. ;

- o processo de trabalho de enfer m a g e m em saúde cole t i ­

va está em c onstrução e necessita, para sua o r g a n i z a ç a o tec n o ló ­

gica, recr i a r mod e l o s de processo de trabalho que c ontemplem ob­

(30)

19

mesmo tema, r e c o nhece que o que há de novo no estudo do processo

de t r a b a l h o de e n f e r m a g e m é a exigência de um novo modo de perce­

ber a re a l i d a d e e a produção de conhecimentos. Segundo a autora,

a pro d u ç ã o de c o n h e c i m e n t o s sobre o processo de t r abalho da e n ­

fermagem, seus objetos, instrumentos e finalidades implica em re­

pensar a t o t a l i d a d e de sua condição de prática social. E isto,

implica num m o d e l o teórico de conhecimento que tenha " a preocu-

paçao de ver o problema com um novo olhar, um olhar histórico,

que nao e s c a m o t e i e os conflitos, as contradiçoes, as relações de

poder, as lutas por hegemonia, as superações, em suma, o processo de m u d a n ç a ine r e n t e ao social" (ibidem, p.172).

O u t r o ponto fundamental na análise do processo de tra­

balho em saúde ê a d i v i s ã o social e técnica do mesmo. Se a e n ­

fer m a g e m buscou sua ag r e g a ç ã o ao modelo dominante, é lógico supor

que também tenha reproduzido a divisão do trabalho em momentos

d i c o t o m i z á v e i s , como no conjunto dos processos de trabalho r es­

p o n s á v e i s pela r eprodução da estrutura social. Embora nem sernpre

re c o n h e ç a isto, pois idealiza um trabalho "integral", a e n f e r m a ­

gem e o u t r a s p r o f issBes da saúde se submeteram à "separação do

p r o c e s s o de tr a b a l h o em seus momentos de projeto e execução, em

m o m e n t o s "mais intelectuais" e "mais manuais"... onde o controle

dos m o m e n t o s "mais intelectuais garante o poder sobre o conjunto

do processo" (Gonçalves, 1986, p.26).

Mais do que se integrar a esta dinâmica, o e n f e r m e i r o a

reproduz como forma de legitimar-se como o "intelectual" do pro­

cesso, a q u e l e que manterá o saber e portanto o poder sobre os d e ­

mais m e m b r o s que participam do processo de trabalho da e n f e r m a ­

(31)

Ornei-20

las (.1.98.1), Ger m a n a (1985), Miranda (1987), Almeida e Rocha

(.1.989), L eopardi (1991), Wendhausen (1992), Kleba da Silva

(1992), entre outros.

M i r a n d a (1987, p.100), por exemplo, ao analisar as re-

laçòes de poder que oco r re m dentro do hospital, relata que a en­

fermeira "legitima o seu poder e saber, mantendo a o r d e m " . Ou

s e j a , "a e n f e r m e i r a se transforma em e f e i to e em autora es p e c i f i ­

ca deste poder". Poder que, segundo a autora, se reproduz; não sò

a través da equipe; de enfer m a g e m que lidera, mas através do pró­

prio corpo do doente.

Novamente, o corpo individual retorna á cena, desta

ves não como simp l e s objeto de trabalho, mas como objeto de d o m i ­ nação e controle, de jus t i f i c a ç ã o do saber e poder do enfermeiro.

M i r a n d a (1987, p.35) refletindo acerca de como tal ten­

dência foi se c o n s t i t u i nd o ao longo da história da enfermagem no

Brasil, suge r e que "articulando o saber médico com as práticas e

as políticas de saúde vigentes, com as questòes sócio econômicas

da época e a e c o n o m i a emergente, talvez seja possível mostrar co­

mo a enfermagem, em vez de ser quem libertou e es t i m u l o u a saúde

da população, foi e x a t a m e n t e a marca da radical i z a ç ã o de um pro­

cesso de d o m i n a ç ã o e de controle político da doen ç a e do doente,

que começou muito antes d e l a " .

Num trabalho com um objeto de pesquisa diverso percebe-

se uma c o n clusão bastante similar: Germano (1985), ao analisar a

d i r e ç ão .intelectual, cultural e ideológica v e i c ulada pela ABEn-

REBEn no período 1955-1980, constata ter sido esta, acritica e

conservadora, b u scando obter o consenso entre os a ssociados para

(32)

di-21

reçâo intelectual;, Germano (.1985, p . 105) diz: "em primeiro lugar

em conceber o social e a s o c i edade despoj a d os de conteúdo histó­

rico e de co n fl i t o s sociais... Em segundo lugar o Estado é conce­

bido como uma e n t i d a d e paternal, inquestionável, afinal como um

a u t ê ntico g u a r d i ã o do bem comum e não como uma instância de do m i ­ nação; por isso m e s m o a ABEn m a ntém com o Estado relação de cola­ boração irres t r i t a e também de subordinação"

C o n s i d e r a n d o que a análise de publicações de uma e n t i ­

dade r e p r e s e n t a t iva da classe pode indicar o pensamento dominante em urna época, se torna mais compreensível o papel que o e n f e r m ei ­ ro d e s e m p e n h o u e que na maioria dos casos ainda desempenha na so­ ei:i e d a de b r a s i 1 e i r a .

No entanto, sabemos que não foi por acaso que o traba­

lho do e n f e r m a g e m assim se estruturou e que apesar de lideranças

i n t e l ectuais estarem, nos últimos anos, empenh a d a s em imprimir

novos rumos a profissão, esta não será uma tarefa fácil e isola­

da, mas necessita, para que ocorra, estar e n gajada num processo

de muda n ç a maior, que env o l v a o trabalho em saúde em geral e as

próprias bases da o r g a n i z a ç ã o social.

Iniciar este trabalho com uma rápida abordagem do pro­

cesso de trabalho em saúde e de e nfermagem teve o propósito de

aprese n t a r noções qerais acerca do trabalho humano; as n e c e s si d a ­

des que d e t e r m i n a m o s u r g i m e n t o do trabalho em saúde; como este

se d e s e n v o lv e a partir de concepções de s a ú d e - d o e n ç a e de teori­

zações sobre seu objeto; como a enfer m a g e m constrói seu saber e

sua prática de forma a manter a hegemonia de um modelo e de uma

classe, se t ornando uma peça do disp o s i t i v o de reprodução social; e de como, apesar disso, vem procurando abrir novos caminhos para

(33)

r~y /-n

a pr o f i s s ã o a partir da reflexão crítica do seu próprio processo

de trabalho.

2.2. A E D U C A Ç A O EM SADDE s UMA BREVE C O N T E X T U A L IZAÇAO

Ao se tomar a prática educativa em saúde sob a perspec­ tiva de um processo de trabalho também da. enfermagem, transparece uma .idéia de "diferenciação" do processo de trabalho "educar" corn r e l a ç ão a outros processos de trabalho como " c u i d a r ” ou "adminis­

trar". No entanto, a. intenção não é de colocar as açcíes e d u c a t i ­

vas em um espaço específico, como se não e s t i v e s s e m embricadas em q u a l q u e r que seja o processo de trabalho. Ao contrário, se deseja

e v i d e n c i a r que "saúde e educação são práticas sociais a r t i c u l a ­

das" (Cardoso de Melo, 198/', p . 29 ) e que o enfermeiro, corno pro­

fissional da saúde, não pode mais se negar a assumir os r e f l e ­

xos d e s t a a r t i c u l a ç ã o na sua prática. Em outras palavras, a d i ­

f e r e n c i a ç ã o entre os diversos processos de trabalho do enfermeiro

é uma e x i g ê n c i a de ordem teórica, no sent i d o de que a profissão

precisa refletir criticamente sua prática, d e s m i s t i f i c a r as d i f e ­ rentes v i sões acerca do objeto de trabalho que est.ão d e t e rminando as mais v a r i ad a s finalidades e processos de trabalho.

0 o bjetivo deste estudo é, exatamente, procurar d e s c o ­

brir no que se d iferencia o processo de trabalho "educar" cios de­

mais processos cie trabalho um pouco mais e s t u d a d o s pelos p r ofis­

sionais. Qual é o seu objeto de trabalho ? Que teoria e que i ns­

(34)

di-reçSo clos i n t e r e s s e s populares e da tr a n s f o r m a ç ã o social ?

Nu m a a n á l i se histórica da t rajetória da educação em

saúde no Brasil., Cardoso de Melo (1937) aponta para o fato do

s u r g i m e n t o da n e c e s s i d a d e de educar para a saúde, por exigências

de ordem do capital e do trabalho, com o d e s e n v o l v i m e n t o do capi­

talismo. Pa r a m a n t e r o corpo do trabalhador sadio para a produ­

ção, o E s t a d o a m p l i a suas funções e passa a se reaparelhar para,

ao mesmo tempo., através de políticas sociais., atender as imposi-

çòes do d e s e n v o l v i m e n t o económico e também camuflar as distorç&es

g e r a d a s pelo m o d e lo d e s e n v o l v i m e n t i s t a , adiando e controlando

conflitos com as classes populares sacrificadas.

Foi a s s i m que, a exemplo da e d u c a ç ã o geral, a educação

em saúde passa a compor o conjunto de m e c a n i s m o s de reprodução da

o rdem c a p i t alista. Ou seja, passa a ser mais uma estratégia de

o c u l t a m e n t e das reais causas das distor ç o e s sociais, adaptando o

individuo e i n t e g r a n d o - o aos interesses da minoria que detêm o

c ontrole dos m e i o s de produção; alienando-o, não só do seu t r a b a ­ lho, mas até de seu próprio corpo, mant i d o sob controle como pro­

va da s u p e r i o r i d a d e do sistema frente a q u a l q u e r iniciativa de

mudan ç a „

C a r d o s o de Melo (1989, p . 151) afirma que a e ducação sa­

nitária foi inco r p o r a d a ao setor saúde como "o conjunto de a ti vi ­

d ades que, em situaçÊJes de ensino no interior dos serviços, nas

e scolas e na comunidade, teria por função mudar comportamentos,

crenças e a t i t ud e s prejudiciais á saúde, m an tendo assim a popula­ ção no interior das normas estabelcidas pela ordem médica"

O que se percebe é que a ed u c a ç ã o em saúde s e mpre e s t e ­

(35)

de saúde,, mas que, apesar das mudanças no discurso, na grande

m a i o r i a da s práticas, permaneceu o caráter normativo, didático,

de t r a n s m i s s ã o de infor m a ç õ es sanitárias acri,ticas, sem q u e s t i o ­

nar nem as próprias relações de poder presentes ern tais práticas

e, muito menos, o contento h i s t ó r ic o - s o c i a 1 em que se inserem.

P a r t i n d o da idéia de Carvalho (1981) de que toda forma

de i n t e r v e n ç ã o re p e r c u t e no plano objetivo (problemas concretos

da população) e no plano subjetivo (modo de perceber ou i n t e r p r e ­

tar e st e s problemas), pode-se pensar em intervençftes c o n s e r v a d o ­

ras ou t r a n s f o r m a d o r a s em relaçao ao nivel de consciência social. C o n t r a p o n d o anál i s e s históricas da educação em saúde com as d i f i ­

cu l d a d e s p ráticas atuais, percebe-se que, no interior dos s e r v i ­

ços, tais p ráticas sofrem os ranços históricos, concentrando-se,

ainda, na t r a n s m i s s ã o de normas higiênicas e na d i sc i p l i n a r i z a ç ã o da o c u p a ç ã o e uso dos próprios serviços, o que as c aracterizariam como formas de inter v e nç ã o conservadoras da consciência social,,

Não se pode negar que a influência do modelo e p i d e m i o ­

lógico nas p o l í ticas de saúde ampliou, o foco de análise e de ação

cias mesmas, mas nem por isso podemos esquecer que palavras como

'’ p a rt i c: i p a ç S o !1 , '11 r a n s f o r m a ç â o d a r e a 1 i d a d e " „ f a c i 1 m e n t e i n c o r p o —

r a ci as ao nível do discurso, pouco dizem se não a n a l i s a d a s dentro

cio projeto político que as emprega. Assim, participação pode

ser bus c a d a como forma de cooptação e legitimação popular a p ro­

g r a m a s p r é - e s t a b e 1e c i d o s , que não foram "decididos" de forma par— ticipativa, mas que podem ser participativamente "executados", ou

pode ser t r a n s f o r m a d a "num emaranhado de regulamentações a d mi n is ­

trativas e b ur ocráticas de como a população deve agir no interior das instân c i as de s a ú d e " . (Rosa, 1989, p.XI). Da mesma forma a

(36)

" t r a n s f o r m a ç ã o da realidade" pode ser buscada através da mudança

dos i n d i v i d u o s que "não conscientes de seu c o m p r o m i s s o " com a

s aúde e a s o c i e d a d e são os "responsáveis" pelos problemas sociais e o fra c a s s o das po l í t i c a s que visam corrigir os mesmos.

Se com o a v anço de novos paradigmas de ciência, d e t e r ­

m i n a n d o n o v o s mode l o s na área da saúde e educação, a educação em

saúde passa t a m b é m a ser vista em seu potencial transformador e

de d e s e n v o l v i m e n t o da consciência crítica da população acerca de

si e de sua situação, isto não impede que coexistam, num mesmo

espaço, d i s c u r s o s a v a n ç a d o s e práticas c o n s e r v a d o r a s .

Por outro lado, o processo de construção da cidadania

nos países do t e rceiro mundo tem revelado a emergência de m o v i ­

m e n t o s s o c i a i s como novas frentes de mobi 1 izaç'ôes e lutas p o pula­

res, além das já presentes em movimentos políticos sindicais e

partidários. Com isto, além dos "olhares científicos", estes m o ­

v i m e n t o s d e v e m atrair também o interesse dos profissionais que

d e s e j a m uma prática realmente atuante a nivel das transformações

s o c i a i s de i n t e r e s s e popular»

Esta postura requer o reconhecimento de dois campos de

luta: um d e n t r o das instituições e outro fora dela, no seio das

o r g a n izaçftes populares. Campos estes que, apesar de possuírem di-

n a m i c i d a d e próprias, interagem e se articulam de várias formas,

em torno de um projeto de. sociedade. Isto propicia, por um lado,

a o c u p a ç ã o de e s p a ç o s importantes para o avanço deste projeto e a infiltração, para dentro do "mundo institucional", da prática or—

g a n i z a t i v a c onstruída no cotidiano dos movimentos c o n tra-hegemó-

nicos. Por o u t r o lado, corre-se o risco deste relacionamento, ao

(37)

26

e levar ao r e c r u d e s c i m e n t o da manipulação, burocratização e do m i ­ n a ç ã o pr e s e nt e s nas práticas atuais. Pr i nc i p a l m e n t e porque não se

o p e r a r a m m u d a n ç a s no nivel mais micro (mas também decisivo); nas

relações mesmas entre profissional e população, terapeuta e pa­

ciente, e d u c a d o r e educando.

A su p e r a ç ã o de tais riscos passa, o b r i g a t o r i a m e n t e , pe­

la d e f i n i ç ã o do s i g n i f i c a d o que queremos dar à educação em saúde

e, a partir dai, a s s u mi-la como um processo de trabalho que e x i ­

girá rupturas com muitos dos conceitos e idéias presentes na. pro­ fissão e no setor saúde, adquir i d o s desde a formação profissional e reforç ad o s ao longo da prática.

Para responder a. este desafio, precisamos compreender

m elh o r n osso trabalho e apr o f u n d a r m o s aspectos já estudados, in­

clusive alguns que se referem e s p e c i f i c a me n t e ã enfermagem. Sobre

o preparo profissional para a prática educativa em saúde, por

exemplo, Ornei las (198.1, p. 14) d.iz: "a transmissão de pressupos­

tos da e d u c a ç ão em saúde aos p r o f issionais da área, em geral ê

realizada num sistema metodo l óg ic o que não viabiliza critica ou

acrésc i mo s - tende a transformar esses t r a b a 1hadores em agentes

i d eológicos e i ns trumentos de controle social, na medida em que,

no e x er cí ci o de sua função, esses profissionais executam uma ta­

refa que contribui para a m an ut en ç ã o da ordem social vigente."

C occo (1988), ao realizar uma revisão bibliográfica s o ­ bre "o e n f e r m e i r o e o e n s i n o não formal em saúde" comenta que não

e n c o n t r o u um d i s c u r s a compatível com as novas tendências na área

( s o c i a lização do saber e fracionamento do poder, cliente como

p a r t i c i p a n t e ativo, etc.). A autora conclui que embora no disc u r ­

(38)

co nceito amplo, "o enferm e i ro não tem c o n s c i ê n c i a da amplitude de sua a t u a ç ã o profissional, continuando d e ntro do perfil hospitalar

cl ássico das últimas décadas, u t i l i z a n d o apenas o saber técnico

da profissão" (ibidem, p . 55),

Talvez, isto, em parte exp l i q u e as razoes da grande

maio ri a dos trabalhas de enfermagem acerca do tema educação em

saúde fo c a l i z a r e m - s e na educação como uma " p a r t e ” da assistência

a d e t e r m i n a d o s tipos de clientela (gestantes, diabéticos, crôni­

cos , a i d éticos etc.). Sem entrar no mérito de tais trabalhos, ê

incontestável a a d e r ência dos mesmos; á própria prática pr o f i s s i o ­

nal, que baseada, no modelo médico individual tem a educação como

etapa e meio de ensinar normas s a u dáveis de vida,, promovendo o:

auto cuidada e ou a ad a pt a ç ã o do individuo.

Exem pl o disto são os trabalhos cie C andeias (1981), Do —

m ingues ( 19S.1 ) , Kamiyama (1982), Vargas (1983), Silva (1985), Ce-

zareti est al (1988), Utyama et. al (1989) , W h itaker et al (1989),

Mora es e Silva (.1991), Guerra et all (1991). Outros trabalhos,

como os de Velasquez et al (1986), M a n f redi (1988), Cozzupoli e

Barbieri (1988), Olivi et al (1990) e Veronezi et al (.1991), em­

bora ampliem o en t e n d i m e n t o de educação em saúde como instrumento de trabalho em saúde coletiva ou pelo menos em problemas de saúde mais d i v e r s i f i c a d o s (e sua prevenção) e tentem relacionar saúde à qu e s t û e s sociais, não conseguem romper com as práticas normativas e a u t o r i t á r i a s tradicionais.

Outra vertente de autores, além de romper apenas apa­

rentem e n t e com esta mesma postura comportamen ta 1 .ista , persiste em

defender a educação em saúde como prática ex c l u s i v a de um e s p e ­

Referências

Documentos relacionados

Essas sugestões foram agrupadas em 45 temas, dos quais foram selecionados os dez mais importantes eleitos pelos respondentes, listados a seguir: políticas públicas de lazer e

54 Tabela 17 - Matriz do planejamento experimental planejamento fatorial 2² + configuração estrela de pré-tratamento do bagaço da cana-de-açúcar com H2O2

A parceria Governo do Estado, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) levou ao ENAREL de 2003, em Santo André

Despite continuing to reaffirm the conclusion extracted from his thesis (Marques de Melo, 1973) – i.e., that the problems of journalism “can only be fully understood if

Comparando-se o mesmo adesivo no tempo 24 horas, variando apenas as temperaturas, o Single Bond apresentou maior resistência adesiva nas temperaturas 20°C e 37°C, enquanto que

A perspectiva de favorecer a emergência de um currículo integrado se manifesta também no cotidiano das práticas pedagógicas, na superação da fragmentação dos saberes no

Para elencar a importância do empoderamento econômico e social através do trabalho (onde, em um recorte ainda que especulativo, podemos analisar este prognóstico com

Pretendo, a partir de agora, me focar detalhadamente nas Investigações Filosóficas e realizar uma leitura pormenorizada das §§65-88, com o fim de apresentar e