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AVALIAÇÃO E PERSUASÃO EM ABSTRACTS DE ARTIGOS DE PESQUISA EXPERIMENTAL EM MEDICINA

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Academic year: 2019

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(1)

MARIA DULCE PATANÉ SPINELLI

AVALIAÇÃO E PERSUASÃO EM

ABSTRACTS

DE

ARTIGOS DE PESQUISA EXPERIMENTAL

EM MEDICINA

MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E

ESTUDOS DA LINGUAGEM

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

(2)

MARIA DULCE PATANÉ SPINELLI

AVALIAÇÃO E PERSUASÃO EM

ABSTRACTS

DE

ARTIGOS DE PESQUISA EXPERIMENTAL

EM MEDICINA

Dissertação

apresentada

à

Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Lingüística Aplicada e Estudos da

Linguagem, sob orientação da Prof

a

. Dr

a

.

Sumiko Nishitani Ikeda

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora:

______________________________

______________________________

(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

A meu pai, pelo exemplo de brilhantismo, dedicação e amor pela

pesquisa, e também pelas inúmeras e valiosíssimas contribuições

que fez a este trabalho; a ele devo ter chegado até aqui.

À minha

mãe e à minha irmã, por sempre terem tido fé

incondicional em mim.

Ao CNPq, pela bolsa concedida.

À Prof

a

. Dr

a

. Sumiko Nishitani Ikeda, minha orientadora, por ter

me guiado através deste caminho, e ter me ensinado coisas

valiosas.

Às Prof

as

. Dr

as

. Leila Barbara e Fátima Delphino, pelas

importantes contribuições que fizeram a este trabalho durante a

banca de qualificação.

À Prof

a

. Dr

a

. Leila Barbara um agradecimento muito especial, por

ter me auxiliado e estimulado de muitas maneiras ao longo deste

processo.

Aos meus colegas de LAEL, por terem compartilhado comigo as

frustrações e as vitórias que compõem nossas vidas de

mestrandos.

(6)

In science the credit goes to the man who convinces the

world, not to the man to whom the idea first occurs.

(7)

RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo estudar a utilização de recursos lingüísticos avaliativos em abstracts de artigos de pesquisa experimental em medicina, e verificar de que maneira esses recursos auxiliam os escritores dos abstracts a persuadirem seus leitores da veracidade e validade de suas pesquisas. O principal arcabouço teórico que norteou o estudo foi a Gramática Sistêmico-Funcional (Halliday, 1994), segundo a qual a língua é um sistema semiótico, no qual cada escolha lingüística tem significado e reflete as atividades sociais do emissor. Dentro dessa orientação, este estudo segue a visão de Thompson e Hunston (2000) a respeito da avaliação, segundo a qual esse fenômeno lingüístico abrange a modalidade e a linguagem atitudinal. Mais especificamente, baseei minha análise no modelo de avaliação no discurso científico de Hunston (1993, 1994). Finalmente, busquei apoio na teoria do hedging, ou modalidade no discurso científico, principalmente nas idéias de Salager-Meyer (1994) e Hyland (1996). Além das teorias lingüísticas mencionadas acima, este estudo foi norteado pelas idéias de Latour (1987) e Bazerman (2000) acerca do processo de persuasão na ciência. O corpus de estudo foi composto de 50 abstracts de artigos de pesquisa médicos, escritos em português e publicados no portal de periódicos online

(8)

ABSTRACT

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 7

1.1 A persuasão no discurso científico 7

1.1.1 Bazerman e a retórica da ciência 7

1.1.2 Latour e a caixa preta da ciência: As estratégias de persuasão

na literatura científica 9

1.2 duas visões sobre o conceito de gênero: Bakhtin e Swales 15 1.3 A macroestrutura do gênero artigo de pesquisa experimental,

segundo Swales 17

1.4 O gênero abstract de artigos de pesquisa 21

1.4.1 A visão de Swales (1990; 2004) 21

1.4.2 Salager-Meyer e os abstracts de artigos de pesquisa em medicina 24

1.5 A avaliação segundo Thompson e Hunston (2000) 26

1.6 A modalidade e o hedging 30

1.6.1 A visão sistêmica de modalidade de Halliday (1994) 30 1.6.2 A modalidade no discurso científico: algumas visões sobre

o hedging 37

1.7 O modelo de avaliação de Hunston 41

1.8 A perspectiva adotada neste trabalho 51

CAPÍTULO 2: METODOLOGIA 53

2.1 O corpus de estudo 53

2.1.1 A base de dados SciELO 53

2.1.2 Os abstracts 54

2.1.3 Codificação do corpus 55

2.1.4. Procedimentos de coleta do corpus 56

(10)

b. Análise da avaliação de valor 64

c. Análise da avaliação de relevância 67

d. Análise da organização discursiva dos abstracts 68 e. Análise da distribuição da avaliação ao longo

das seções discursivas 69

CAPÍTULO 3: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 70

3.1 A expressão implícita da avaliação nos abstracts: Status e Valor 70

3.1.1 Avaliação de status 71

3.1.2 Avaliação de valor 78

3.2 A expressão explícita da avaliação nos abstracts: Relevância 90 3.2.1 Marcadores de relevância prospectivos 90 3.2.2 Marcadores de relevância retrospectivos 92 3.3 Organização discursiva dos abstracts 92 3.4 Distribuição da avaliação ao longo das seções discursivas 98

3.4.1 Avaliação na seção Introdução 98

3.4.2 Avaliação na seção Metodologia 101

3.4.3 Avaliação na seção Resultados 102

3.4.4 Avaliação na seção Discussão 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS 111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 115

ANEXO 1: ABSTRACTS ANALISADOS 120

(11)

ÍNDICE DOS QUADROS

Quadro 1: modelo CARS para introduções de artigos de pesquisa

(traduzido de Swales, 1990: 141) 18 Quadro 2: modelo CARS revisado (adaptado e traduzido de Swales,

2004: 230 e 232) 19

Quadro 3: os três valores da modalidade (traduzido de Halliday, 1994: 358) 34 Quadro 4: resumo das funções do hedging e seus principais elementos

realizadores (traduzido e adaptado de Hyland, 1996: 450) 40 Quadro 5: objetivos persuasivos de cada seção de artigos de pesquisa

experimental (traduzido de Hunston, 1994: 193) 42 Quadro 6: exemplo de avaliação de valor em relação à utilidade da

pesquisa através de uma generalização (SAUDEP07) 81 Quadro 7: exemplo de empilhamento (Latour, 1987) (ENDOC09) 87 Quadro 8: exemplo de opinião justificada (ORTOP04) 89 Quadro 9: organização discursiva “atípica” (NEUROP04) 97 Quadro 10: exemplo de interpretação de resultados com status provável

(SAUDEP05) 103

Quadro 11: exemplo de recomendação justificada através de uma previsão

(ENDOC04) 108

Quadro 12: exemplo de recomendação justificada através de um fato

(HEMAT07) 109

ÍNDICE DAS FIGURAS

Figura 1: o artigo de pesquisa e os gêneros de processo de pesquisa

(traduzido de Swales, 1990: 177) 22

Figura 2: tipos de modalidade segundo Halliday (adaptado de Thompson,

(12)

ÍNDICE DAS TABELAS

Tabela 1: ocorrências das atividades nos abstracts 72

Tabela 2: graus de certeza nas proposições 74

Tabela 3: as quatro formas de modulação nos abstracts 77 Tabela 4: avaliação de valor em relação à pesquisa 79 Tabela 5: avaliação de valor em relação ao método 81 Tabela 6: avaliação de valor em relação aos resultados 83 Tabela 7: avaliação de valor em relação a uma hipótese 85 Tabela 8: avaliação de valor em relação a uma interpretação ou

generalização 86

Tabela 9: interpretações e generalizações com e sem avaliação de valor 88 Tabela 10: recomendações com e sem avaliação de valor 88 Tabela 11: distribuição das atividades pelas 4 seções discursivas 94 Tabela 12: porcentagem de ocorrência das seções discursivas nos abstracts 95

Tabela 13: categorias de status nas Introduções 99

Tabela 14: avaliação de valor nas Introduções 100

(13)

INTRODUÇÃO

A produção científica das áreas médicas e biológicas é uma das que mais cresce no Brasil. Um dos indicadores desse crescimento é o grande número de periódicos dessas áreas que podem ser encontrados atualmente em bases de dados online. Na Scientific Electronic Libray Online (SciELO), um dos principais portais de revistas científicas

online brasileiros, os periódicos das ciências biológicas e da saúde são, atualmente, maioria, perfazendo um total de 77 revistas, entre as quais 48 são de especialidades médicas.

Entretanto, muito pouco se discute, no país, a respeito do discurso desses escritores médicos. Enquanto uma pesquisa no mecanismo de busca online americano Google retorna, atualmente, 98.400 páginas relacionadas à expressão “medical writing”, a pesquisa da expressão “escrita médica” no Google brasileiro retorna somente 12; sendo que nenhuma delas se refere a pesquisas acadêmicas.

Em contraste, a comunidade internacional de pesquisadores da linguagem vem demonstrando interesse no discurso médico escrito há muitos anos. Alguns aspectos que têm sido estudados nesse tipo de discurso são: organização discursiva1 de artigos de pesquisa (Nwogu, 1990, 1997); linguagem avaliativa (Adams Smith, 1984); hedging2

(Salager-Meyer, 1992, 1994), funções das perguntas (Webber, 1994) e padrões fraseológicos (Marco, 1997). Todos esses estudos enfocam exclusivamente a língua inglesa.

1 A macroestrutura de um texto, ou seja, sua organização em seções com diferentes funções discursivas,

tem sido estudada por vários lingüistas, que, entretanto, adotam termos diferentes, tanto para se referirem ao fenômeno em si quanto aos seus elementos. Alguns dos termos mais freqüentemente adotados são:

estrutura genérica potencial, estágios (Halliday e Hasan, 1989); seções retóricas (Swales, 1990, 2004; Salager-Meyer, 1994); movimentos, passos (Swales, 1990, 2004; Nwogu, 1997; Motta-Roth e Hendges, 1998); organização textual, movimentos, sub-movimentos (Bittencourt, 1996); organização discursiva,

seções e unidades discursivas (Hunston, 1993,1994). Como neste trabalho adoto como modelo principal de análise aquele de Hunston, utilizarei os termos que dessa autora para me referir à estrutura dos

abstracts e seus elementos.

2 Não há, no português, uma só tradução para o termo hedging; alguns termos utilizados são: “evasivas”

(14)

Na pesquisa lingüística acadêmica brasileira, pouco se tem produzido a respeito do discurso médico. Dentre os poucos estudos dedicados a esse discurso no programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada da Pontifícia Universidade Católica, por exemplo, a maioria concentra-se em textos produzidos em línguas estrangeiras. São eles: Chueiri (1991), que estudou o gênero estudo de caso médico em inglês e francês, com o intuito de propor uma unidade de um curso de leitura em língua estrangeira; Carvalho (2002), que analisou apresentações orais em inglês na especialidade médica de pneumologia, buscando, entre outros aspectos, identificar padrões de interação entre apresentador e audiência; Shergue (2003), que enfoca as diferenças entre o discurso médico-acadêmico escrito e oral, também em inglês, fazendo uso da Lingüística de Corpus, através de uma análise contrastiva de multivariação; e Serafini (2003), que analisou necessidades para um curso de inglês instrumental voltado para a compreensão de apresentações em congressos da área médica.

Os únicos dois estudos inseridos no programa de Lingüística Aplicada de PUC que enfocam o discurso médico em português abordam o discurso oral: Tapia (1995) estudou a formação da identidade de uma comunidade discursiva composta de médicos através das escolhas lingüísticas, e Vieira (2002) enfoca o diálogo entre médicos e pacientes com AIDS, apoiado na abordagem Bakhtiniana ao discurso relatado, buscando delinear a formação de um novo gênero discursivo.

Meu interesse nessa área teve origem em minha experiência como tradutora, quando tive a oportunidade de verter para o inglês textos acadêmicos de diferentes especialidades médicas. Entre esses textos, percebi que aqueles que causavam maiores dificuldades aos seus autores eram os resumos, tanto de dissertações, quanto de artigos. Minhas próprias dificuldades em verter os resumos para o inglês, em grande parte devido às minhas limitações com o vocabulário específico das áreas médicas, me levaram a pesquisar esse tipo de texto, tanto em revistas impressas quanto em portais de revistas online; essas pesquisas, por sua vez, me levaram a perceber a importância dos

(15)

Abstracts de artigos de pesquisa constituem um tipo de texto reconhecido por sua crescente importância no fluxo de informação das comunidades científicas. O abstract indica o conteúdo e a estrutura do artigo, sendo, muitas vezes, a única parte deste a ser lida (Swales, 1990; Pitkin e Branagan, 1998; Winker, 1999); tal fato demonstra que cientistas utilizam abstracts como instrumento autônomo para se manterem atualizados (Orasan, 2001). Essa realidade fez com que abstracts passassem a ser considerados como um tipo de discurso independente (Van Dijk, 1980, apud Swales, 1990).

Vários pesquisadores têm se dedicado a estudar os abstracts de artigos de pesquisa na língua inglesa (por exemplo, Graetz, 1985; Swales, 1990; Salager-Meyer, 1992; Bittencourt, 1996; Orasan, 2001; Stotesbury, 2003; Martín-Martín e Burgess, 2004). Uma preocupação comum à maioria desses estudos sobre abstracts de artigos de pesquisa parece ser o modo como esses textos são organizados em seções discursivas. Alguns dos pesquisadores que se concentraram sobre esse aspecto dos abstracts foram Graetz (1985), Bittencourt (1995) e Orasan (2001). Embora não se possa negar a importância da organização discursiva no estudo dos abstracts, no sentido de buscar nesses textos uma estrutura comum que justifique concebê-los como pertencendo ao mesmo gênero discursivo, parece que esses estudos, ao se concentrarem na forma, deixaram de lado um aspecto essencial em qualquer seção de qualquer texto: sua função comunicativa. Essa é uma das preocupações expressas por Salager-Meyer (1992), em seu estudo sobre abstracts de artigos de pesquisa da área médica.

Essa autora analisa 84 abstracts de artigos da área médica em inglês, com o intuito de verificar como o significado expresso pelos tempos verbais e verbos modais se relaciona à função comunicativa das diferentes seções de três tipos distintos de abstracts médicos: o artigo de pesquisa, o relato de caso e a resenha. Para tanto, analisou somente aqueles

abstracts que possuíssem os quatro movimentos “fundamentais e obrigatórios no processo da inquisição científica (...) que correspondem à estrutura intelectual básica do artigo inteiro, quais sejam, objetivo, metodologia, resultados e conclusões”(1992:96, tradução minha).

(16)

autoras estudaram a organização discursiva de abstracts de artigos de pesquisa escritos em português e em inglês, das áreas de química, lingüística e economia. Apesar de ter efetuado extensa pesquisa junto às bibliotecas acadêmicas físicas e virtuais, até o presente momento não encontrei nenhum outro estudo mais recente, no Brasil, que se ocupasse desse tipo de texto; a constatação dessa lacuna foi um fator motivador importante para minha pesquisa, que se propõe a contribuir para aliviá-la.

A visão que norteou este estudo é a de que todo relato científico tem uma função

persuasiva, visando convencer os leitores, membros da mesma comunidade, a aceitarem suas asserções (Myers, 1989; Hyland, 1996; Hunston, 1993, 1994; Bazerman, 2000). Tal visão fundamenta-se em estudos sociológicos da ciência (por exemplo, Knorr-Cetina, 1981; Latour e Woolgar, 1979; Gilbert e Mulkay, 1984; Latour, 1987), que negam a impessoalidade do discurso científico, sugerindo, ao contrário, que os fatos científicos são socialmente construídos, em grande parte graças a recursos lingüísticos que persuadem o leitor enquanto dão a impressão de serem inteiramente objetivos.

Essa orientação norteia o modelo de avaliação de Hunston (1993, 1994), que adotei em minha análise. Segundo esse modelo, a avaliação está intrinsecamente ligada à ideologia da disciplina estudada, já que depende do sistema de valores dessa disciplina; desse modo, é determinada pelo gênero discursivo. No caso do discurso científico, a avaliação, segundo a autora, é expressa muito mais de modo implícito do que através de léxicos atitudinais explícitos. Além disso, seu modelo para o estudo da avaliação destaca seu papel essencial na organização discursiva, a qual, por sua vez, é determinante na construção da estrutura argumentativa do texto, e, por conseqüência, em seu poder persuasivo (Latour, 1987). Portanto, o modelo de avaliação de Hunston permite, em uma só análise, relacionar a forma estrutural de um texto à sua função comunicativa.

(17)

1. Como a avaliação é expressa implicitamente nos abstracts analisados, pelo uso de elementos lingüísticos que indicam:

1.1. O grau de comprometimento dos autores com relação às suas proposições (avaliação de status)?

1.2. O valor adicionado às proposições contidas no texto (avaliação de valor)?

2. A avaliação é expressa, nos abstracts analisados, de modo explícito, através da avaliação de relevância?

3. A organização discursiva dos abstracts estudados reflete a divisão dos artigos de pesquisa em seções (Introdução-Metodologia-Resultados-Discussão)? Como essa organização contribui para a persuasão?

4. De que modo a avaliação é distribuída ao longo das seções discursivas presentes nos abstracts?

O presente trabalho será organizado da seguinte maneira:

(18)

No capítulo 2, Metodologia, descreverei o corpus estudado, bem como o contexto no qual ele se insere. Em seguida, explicitarei os passos de minha coleta de dados. Passarei, então, à descrição detalhada das etapas e dos tipos de análise efetuados.

No capítulo 3, Análise e Discussão dos Resultados, apresentarei os resultados de minha análise, e os discutirei à luz de minhas perguntas de pesquisa.

(19)

CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 A PERSUASÃO NO DISCURSO CIENTÍFICO

1.1.1 Bazerman e a retórica da ciência

Bazerman (2000), através de uma série de estudos de casos em escrita científica, propõe uma visão do discurso da ciência centrada na persuasão. Para o autor,

The most serious scientific communication is not that which disowns persuasion, but which persuades in the deepest, most compelling manner, thereby sweeping aside more superficial arguments. (2000:321)

Bazerman traça um paralelo entre a retórica dos discursos político e científico, de um lado, e a retórica clássica, de outro; segundo o autor, o objetivo desta última era o uso consciente de diferentes recursos lingüísticos que, dentro de situações retóricas específicas, visassem a persuasão. A grande diferença que o autor percebe entre essas duas retóricas está no fato de que as situações retóricas em que se acham envolvidos os escritores de relatos científicos diferem das situações retóricas dos políticos da antiga Atenas, e, conseqüentemente, também devem diferir os recursos lingüísticos (que o autor denomina “ações simbólicas”) utilizados para a persuasão.

Entretanto, diferentemente da retórica clássica, para a qual a consciência do uso desses recursos lingüísticos era um aspecto essencial, o discurso científico, em sua busca por objetividade e transparência, acabou por negligenciar o uso ativo e consciente do sistema simbólico, e se tornou uma linguagem em que os fatos deveriam falar por si mesmos e na qual, conseqüentemente, não haveria espaço para retórica. Bazerman desafia essa visão do discurso científico, defendendo que as formas literárias desse discurso se desenvolveram a partir de situações de conflito. Para o autor,

(20)

there is no certainty in science, no absoluteness of statement. Problems of induction, reference, skepticism, and intersubjectivity haunt the lowest strata of our empirical knowledge and scientific representations. Scientific modes of communication developed as a series of solutions to the problems of persuasion. (idem:258)

Para fundamentar essa visão, o autor estudou o desenvolvimento do artigo de pesquisa experimental desde seu início, no séc. XVII, com a publicação do primeiro periódico científico, o Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Através da análise dos textos publicados nesse periódico entre os anos de 1665 e 1800, Bazerman demonstra como conflitos crescentes entre cientistas das mesmas áreas foi, pouco a pouco, moldando a forma de apresentação desses textos. Ele mostra como, de relatos de fenômenos naturais observados que exigiam nenhuma ou pouca experimentação, tais como observações astronômicas ou descrições de dissecações anatômicas, os artigos científicos foram se tornando cada vez mais baseados em experimentos, os quais por sua vez foram ficando mais e mais detalhados à medida que as controvérsias aumentavam. O que, no princípio, era a própria natureza “falando” por si mesma (o “primeiro mundo”, de Karl Popper3), passou a ser uma interpretação dessa natureza pela

percepção e pelo pensamento do pesquisador (o “segundo mundo”), e, finalmente, a construção de reivindicações (“claims”) de conhecimento, ou seja, a organização do conhecimento humano em conceitos e teorias (o “terceiro mundo” de Popper). E, para convencer a comunidade científica da veracidade de seus conceitos e teorias, os cientistas desenvolveram, ainda que sem o saber, o que Bazerman chama de “ferramentas e truques retóricos”:

Science has developed tools and tricks that make nature the strongest ally of persuasive argument, even while casting aside some of the more familiar and ancient tools and tricks of rhetoric as being only superficially and temporarily persuasive. (idem)

Essas “ferramentas e truques” são explicitados pelo sociólogo da ciência Bruno Latour (1987). Tentarei, a seguir, resumir suas principais idéias a esse respeito.

(21)

1.1.2 Latour e a caixa preta da ciência: as estratégias de persuasão na literatura científica

Segundo Latour (1987), a expressão “caixa preta” é usada por estudiosos da cibernética para se referirem a máquinas ou comandos que são complexos demais, e sobre os quais somente se precisa saber como fazê-los funcionar. Latour usa a mesma imagem para se referir ao que ele chama de ready made science (“ciência pronta”), que se opõe à

science in the making (“ciência em construção”). A caixa preta da ciência, aparentemente fria, certa e livre de problemas, oculta o processo de construção dessa ciência, que contém incerteza, controvérsias e competição (idem:4).

Latour compara “os dois lados” da ciência com um Jânio de duas faces, uma das quais representa a ciência em construção e, a outra, a ciência pronta. “As duas faces de Jânio falam ao mesmo tempo e dizem coisas inteiramente diferentes, que não devemos confundir4” (idem:7). Com relação ao processo de persuasão da ciência, por exemplo, o lado desse personagem que representa a ciência pronta diz: “quando a máquina (ou o modelo, ou a teoria) funcionar, as pessoas ficarão convencidas”. Já a face que representa a ciência em construção afirma: “a máquina (ou o modelo, ou a teoria) vai funcionar quando todas as pessoas relevantes estiverem convencidas”.

Quanto à veracidade dos argumentos, enquanto a face da ciência pronta afirma que “quando as coisas são verdadeiras, elas se sustentam”, a face da ciência em construção diz que “quando as coisas se sustentam elas começam a ser verdadeiras”.

Como, então, é construída a face da ciência pronta, de que modo ela convence o seu público a sustentar suas proposições? É o que Latour se propõe a responder, ao sugerir diversas estratégias de persuasão próprias do discurso científico.

(22)

estratificados. Quanto maior for o número de possíveis objeções que os autores devem prevenir, mais complexo ficará o texto. São os muitos detalhes técnicos do texto científico que tornam esse texto um oponente mais forte (idem: 46). Por sua vez, as

camadas das quais um texto científico é normalmente composto (Latour cita como exemplos tabelas, gráficos, figuras, legendas, referências a outras partes do texto, e as próprias seções do texto, como “métodos”, “resultados” e “discussão”) guiam o leitor através do texto, e também o tornam mais difícil de contestar. Latour afirma que um texto sem essas camadas fica vulnerável a ataques externos. (idem: 48)

Modalidade positiva e modalidade negativa

Latour argumenta que a direção em que o leitor é levado a partir de uma proposição depende, em grande parte, daquilo que o autor denomina modalidades, positiva e negativa. Modalidades positivas são as orações que levam uma proposição para longe

de suas condições de produção, tornando-a sólida e confiável; modalidades negativas, por outro lado, são as sentenças que, ao contrário das positivas, levam a proposição na direção de suas condições de produção, explicando em detalhes porque esta é forte ou fraca.

Latour ilustra esse conceito através dos três exemplos abaixo:

(1) The primary structure of Growth Hormone Releasing Hormone (GHRH) is Val-His-Leu-Ser-Ala-Glu-Glu-Lys-Glu-Ala.

(2) Now that Dr. Schally has discovered [the primary structure of GHRH], it is possible to start clinical studies in hospital to treat certain cases of dwarfism since GHRH should trigger the Growth Hormone they lack.

(3) Dr. A. Schally has claimed for several years in his New Orleans laboratory that [the structure of GHRH was Val-His-Leu-Ser-Ala-Glu-Glu-Lys-Glu-Ala.] However, by troubling coincidence this structure is also that of haemoglobin, a common component of blood and a frequent contaminant of purified brain extract if handled by incompetent investigators.

(23)

dependendo de como é apresentada, a proposição em (1) irá mudar de status, indo de um fato a uma controvérsia (idem:24). Nas palavras do autor,

A sentence may be more of a fact or more of an artefact depending on how it is inserted into other sentences. By itself a given sentence is neither a fact nor a fiction; it is made so by others, later on. (idem: 25; itálico no original)

Latour afirma que, dependendo do tipo da modalidade, os leitores serão levados a tomar caminhos completamente diferentes.

Às técnicas descritas acima, o autor adiciona outras, reunidas sob a classificação de táticas de posicionamento, que descreverei a seguir.

a. Empilhamento

Latour lembra que a tática de trazer para o texto figuras, gráficos, números e nomes é uma fonte de força, mas também pode se tornar uma fraqueza, se essas referências não forem bem “empilhadas” umas sobre as outras de modo a evitar lacunas.

A variação entre as camadas mais baixas e mais altas de um texto científico é o que filósofos chamam de indução. É esse processo que leva cientistas a fazerem generalizações com base em resultados experimentais. Para Latour, o sucesso de uma generalização depende da intensidade das controvérsias que a circundam. Dependendo do campo, da intensidade da competição, da dificuldade do tópico e dos escrúpulos do autor o empilhamento será diferente.

Latour propõe algumas regras para efetuar um empilhamento eficiente:

1. Nunca empilhe duas camadas exatamente no topo uma da outra, pois se o fizer, não haverá incremento, e o texto se repetirá;

2. Nunca vá diretamente da primeira para a última camada, a não ser que não haja ninguém no seu campo de pesquisa que possa desvendar seu blefe; 3. Prove o mais que puder com o menos possível dentro das circunstâncias. Se

(24)

b. Encenação e enquadramento

Latour argumenta que, mesmo com recursos numerosos e bem empilhados, um artigo não terá sucesso se não for lido pelas pessoas certas. Para alcançar esse objetivo, o escritor do texto deve deixar claro como e por quem seu texto deve ser lido (idem: 52). Quanto maiores forem as controvérsias e os recursos técnicos utilizados pelo escritor, mais especializado será seu público.

No entanto, o autor afirma que não é somente o tipo de linguagem que determina o leitor ideal de um texto científico. Outro recurso muito utilizado pela retórica é o de prever as objeções dos leitores:

Thanks to this procedure, the text is carefully aimed; it exhausts all potential objections in advance and may very well leave the reader speechless since it can do nothing else but take the statement up as a matter of fact (idem:53).

Latour estabelece como regra para prever essas possíveis objeções “perguntar” a esse leitor imaginário (que o autor chama de “personagem semiótico”) que tipo de testes são necessários para que ele acredite no escritor. Segundo ele, o texto constrói uma pequena estória, na qual o herói torna-se mais e mais crível porque suporta mais e mais testes.

Entretanto, o autor aponta que não basta aos escritores de textos científicos construir leitores ideais, heróis e testes: também devem deixar claro quem eles são. Para ele, embora a literatura técnica seja considerada impessoal, isso está longe de ser verdade, já que os autores do texto estão em toda a parte, embutidos no texto (idem: 54). Latour afirma que, mesmo através do uso da voz passiva, considerada a mais impessoal das construções, o autor está presente, ainda que de uma forma diferente do que se a voz ativa tivesse sido usada: tudo depende do efeito que o escritor quer exercer no público. O modo pelo qual o autor de um texto se projeta nele é importante porque “fornece um contraponto imaginário do leitor; é capaz de controlar como o leitor deve ler, reagir e acreditar” (idem).

(25)

científico: para ele, a modalidade positiva é tão importante quanto a negativa, nesse tipo de discurso, e sua distribuição depende do objetivo do autor:

When it is necessary not to dispute a black box there is no understatement whatsoever. When the author is on dangerous ground, understatement proliferates. (…) It is impossible to say that technical literature always errs on the side of caution; it also errs on the side of audacity; or rather it does not err, it zigzags through obstacles, and evaluates the risks as best it can (idem)

Ele acredita que os autores de textos científicos estão cientes dessas táticas:

They know that without rewriting and positioning, the strength of their paper will be spoiled, because the authors and the readers built into the text do not match. (…) the claim may become wild, the paper controversial, or, on the contrary, so timid and over-cautious, so polite and tame that it lets others reap the major discoveries. (idem: 56)

c. Captação

Latour aponta que, mesmo com todas as táticas expostas anteriormente, ainda assim o leitor real de um texto científico pode optar por não se deixar persuadir. Um modo adicional de prevenir esse risco, afirma o autor, é através do que ele denomina captação, ou seja, “o controle sutil dos movimentos do opositor” (idem: 57). Latour afirma que os escritores de textos científicos enfrentam um paradoxo: como não afastar seus leitores, e ainda assim, fazer com que eles se comportem de modo “obediente”? Como solução, Latour propõe que o escritor construa seu texto de modo que o leitor tenha um só caminho a seguir. O autor compara esse processo com a construção de um dique, no qual a água é capaz de fluir livremente, mas através de um espaço controlado. Na opinião de Latour, se o texto for bem construído, através do empilhamento cuidadoso de “caixas pretas”, ou seja, argumentos não facilmente discutíveis, então o leitor se sentirá livre, embora, na realidade, não o esteja.

(26)

Segundo Latour, quando esse resultado é alcançado, o texto é considerado lógico. Nesse sentido, um bom escritor científico pode ser considerado “mais lógico” do que um mau escritor científico.

Em resposta à possível objeção de seus próprios leitores imaginários de que, ao invés de mostrar os componentes sociais que formam a literatura científica, o autor tenha-se atido a truques retóricos e recursos técnicos, Latour argumenta que, ao contrário do que possa parecer intuitivamente, quanto mais técnica e especializada uma literatura é, mais social ela se torna, pois “o número de associações necessárias para convencer os leitores a aceitarem uma asserção aumenta” (idem: 62, ênfase no original). Para o autor,

The distinction between the technical literature and the rest is not a natural boundary; it is a border created by the disproportionate amount of linkages, resources and allies locally available. This literature is so hard to read and analyse not because it escapes from all normal social links, but because it is

more social that so-called normal social ties (idem).

(27)

1.2 DUAS VISÕES SOBRE O CONCEITO DE GÊNERO: BAKHTIN

E SWALES

O conceito de gênero até hoje encontra alguma resistência, por parte de várias escolas lingüísticas, em ser definitivamente adotado por essa disciplina. Segundo Swales (1990), essa reserva em aplicar o termo gênero na lingüística se deve a duas razões principais: em primeiro lugar, à tendência, nos estudos lingüísticos, de concentrar as análises nos níveis inferiores ao discurso, e, em segundo lugar, a uma relutância em utilizar um termo que é intimamente associado aos estudos literários.

Um dos primeiros autores a estabelecer uma demarcação entre gêneros literários e

gêneros discursivos foi Mikhail Bakhtin (1992). Para este autor, as atividades humanas estão organizadas em esferas, e intimamente relacionadas ao uso da língua, pois cada esfera de atividade tem um propósito, que é refletido em enunciados, que podem ser orais ou escritos. Para Bakhtin, esses enunciados são compostos por um conteúdo (que ele chama de tema), um estilo verbal e uma construção composicional. Esses três elementos “fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação” (1992:279). A esses tipos relativamente estáveis de enunciados que são moldados pelas finalidades e condições das diferentes esferas de utilização da língua, Bakhtin dá o nome de gêneros do discurso

(idem, itálico no original).

Bakhtin diferencia entre gêneros primários (que o autor chama de “gêneros simples”, gerados no diálogo cotidiano) e gêneros secundários (que chama de “complexos”), que, embora provenientes dos gêneros primários, representam uma forma transmutada e evoluída destes. Os gêneros secundários incluem o romance, o teatro, o discurso político e o discurso científico.

Bakhtin insiste na importância que tem o gênero no estudo da língua, afirmando que

(28)

Vários pesquisadores lingüísticos mais recentes adotam orientação semelhante à de Bakhtin, no sentido de privilegiar o gênero discursivo em seus estudos sobre o uso da língua. Entre eles está Swales (1990), cujo trabalho enfoca mais especificamente os gêneros de pesquisa.

Esse autor aponta que uma dificuldade no estudo do gênero lingüístico é a associação, nem sempre clara, entre este conceito e o conceito mais firmemente estabelecido de

registro. O autor atribui, novamente, aos sistemicistas a separação definitiva entre os dois conceitos. Entre eles está Martin (1985, apud Swales, 1990), que propôs uma distinção entre três níveis, gênero, registro e língua: gêneros são realizados através do registro, o qual por sua vez é realizado através da língua.

Outro sistemicista que estudou a diferença entre gênero e registro foi Couture (1986, apud Swales, 1990), segundo o qual os registros restringem as escolhas léxico-gramaticais, enquanto os gêneros restringem as escolhas no nível da estrutura discursiva.

Swales sumariza que as contribuições da lingüística ao conceito de gênero enfatizam:

(a) genres as types of goal-directed communicative events; (b) genres as having schematic structures; and most strikingly (c) genres as disassociated from registers or styles (Swales, 1990:42).

Após fazer uma extensa revisão das orientações literária, lingüística e retórica em relação ao conceito de gênero, Swales propõe uma definição desse conceito que ele julga ser apropriada para os seus propósitos acadêmicos:

(29)

1.3 A MACROESTRUTURA DO GÊNERO ARTIGO DE PESQUISA

EXPERIMENTAL, SEGUNDO SWALES (1990; 2004)

Vários autores têm buscado explicar a macroestrutura do artigo de pesquisa, entre os quais Stanley (1984, apud Swales, 1990), que propôs uma estrutura em formato de problema-solução e Bruce (1983, apud Swales, 1990), que sugeriu que a estrutura mais comum, a da Introdução-Métodos-Resultados-Discussão, segue o ciclo lógico da pesquisa indutiva. Entretanto, Swales (1990) afirma que, até o momento em que escreveu essa obra, havia pouca evidência textual que justificasse essas propostas. Sua própria proposta para a organização discursiva do artigo de pesquisa se concentra na Introdução, e é bem conhecida, tendo sido adotada, e também criticada, por diversos pesquisadores que a ele se seguiram nesse estudo. Em sua obra de 1990, seu modelo de Movimentos e Passos da Introdução de artigos de pesquisa era composto por 3 Movimentos, totalizando 11 passos, conforme demonstrado pelo Quadro 1.

(30)

Movimento 1: estabelecer um território

Passo 1 reivindicar centralidade e/ou

Passo 2 fazer generalizações sobre o tópico e/ou

Passo 3 rever itens de pesquisas anteriores

Movimento 2: estabelecer um nicho

Passo 1A contra-argumentar ou

Passo 1B indicar uma lacuna ou

Passo 1C levantar questão/questões ou

Passo 1D continuar uma tradição

Movimento 3: ocupar o nicho

Passo 1A estabelecer os objetivos ou

Passo 1B anunciar a pesquisa

Passo 2 anunciar os principais achados Passo 3 indicar a estrutura do artigo

Quadro 1: modelo CARS para introduções de artigos de pesquisa. (Traduzido de Swales, 1990:141)

Embora mantendo seu modelo básico de 3 movimentos, Swales propõe, em 2004, algumas modificações em relação aos passos, e também modifica o título do Movimento 3. Além disso, sua nova proposta prevê algumas diferenças entre disciplinas distintas, uma preocupação muito presente nessa edição. A modificação mais relevante para minha pesquisa, entretanto, foi a adição de movimentos cuja função é claramente

avaliativa: no Movimento 2, apresentar justificativa positiva, e no Movimento 3,

(31)

Movimento 1: Estabelecer um território (citações necessárias)

via

Generalizações sobre tópicos de crescente especificidade

Movimento 2: Estabelecer um nicho (citações possíveis) (possível reciclagem de tópicos

via cada vez mais específicos) Passo 1A indicar uma lacuna

ou

Passo 1B adicionar algo ao que já é sabido ou

Passo 2 (opcional) apresentar justificativa positiva

Movimento 3: Apresentar o trabalho

Passo 1 (obrigatório) anunciar a pesquisa descritivamente e/ou em termos de seus objetivos Passo 2* (opcional) Apresentar as Questões de Pesquisa ou hipóteses

Passo 3 (opcional) Explicações sobre definições Passo 4 (opcional) Resumir os métodos

Passo 5 (PEAC**) Anunciar principais resultados Passo 6 (PEAC) Estabelecer o valor da pesquisa Passo 7 (PEAC) Delinear a estrutura do artigo

Quadro 2: Modelo CARS revisado. (Adaptado e traduzido de Swales, 2004: 230 e 232)

* Passos 2-4 não somente são opcionais, mas são menos fixos em sua ordem de ocorrência do que outros (Traduzido de Swales, 2004:232).

** PEAC: Provável em alguns campos, mas improvável em outros (idem).

Além das modificações acima delineadas, Swales reconsidera, em 2004, o conceito de “movimento”. Segundo ele, um movimento, na análise de gêneros, “é uma unidade discursiva ou retórica que desempenha uma função comunicativa coerente em um discurso falado ou escrito” (idem:228). Embora tenha sido freqüentemente relacionado a uma unidade gramatical como a oração ou o parágrafo, o autor sugere que a melhor forma de conceber o movimento é como uma realização lingüística. Em seu ver, ele é “uma unidade funcional, não formal” (idem:229).

(32)

Lewin et al (2002, apud Swales, 2004), que relacionam o uso do presente contínuo a generalizações iniciais, e Gledhill (2000, apud Swales, 2004), que demonstrou que o uso de “was to” sinaliza o começo do terceiro movimento da Introdução, que estabelece o objetivo da pesquisa. Swales conclui, a esse respeito, que a identificação dos movimentos e sua conseqüente circunscrição depende de uma série de critérios, entre os quais está nossa intuição, originada em nossos esquemas mentais a respeito de como diferentes tipos de textos são estruturados (2004: 229).

Quanto às outras seções do artigo de pesquisa, Swales, embora revise vários estudos a elas relacionados, não oferece um modelo definido de movimentos e passos comparável ao da Introdução. De fato, especificamente em relação à organização discursiva da seção Discussão, Swales demonstra, através da comparação de três estudos diferentes, que não há um consenso entre os pesquisadores quanto à quantidade e função dos movimentos que a compõe. Enquanto Nwogu (1990), por exemplo, propõe uma estrutura de 3 movimentos, que envolvem o estabelecimento do resultado geral e de resultados específicos, além das conclusões, Lewin et al (2002, apud Swales, 2004) sugerem uma estrutura em 5 movimentos, que incluem a avaliação da congruência dos achados e as implicações da pesquisa; já o modelo de Kanoksilapatham (2003, apud Swales, 2004) propõe a divisão da Discussão em 4 movimentos, entre os quais a declaração das limitações do estudo e sugestões de pesquisas futuras.

Outro aspecto citado por Swales que é relevante para minha pesquisa diz respeito à seção Resultados. O único estudo revisto pelo autor que sugere um modelo de organização discursiva para essa seção é o de Thompson (1993, apud Swales, 2004) sobre artigos da área de bioquímica. Embora essa disciplina seja considerada uma das ciências “duras”, a autora encontrou em seu corpus de estudo, composto de 16 artigos de pesquisa, movimentos que também são claramente avaliativos. Quanto a isso, Swales comenta:

(33)

Tendo apresentado a mais influente contribuição para o estudo dos artigos de pesquisa experimental, passarei agora a discutir as mais importantes visões a respeito do tipo de texto objeto de meu estudo, ou seja, os abstracts desses artigos.

1.4 O GÊNERO

ABSTRACT

DE ARTIGOS DE PESQUISA

Conforme afirmei na Introdução deste trabalho, abstracts de artigos de pesquisa têm sido negligenciados pelos estudos lingüísticos brasileiros. O único estudo reconhecido o que analisa esse tipo de texto em português é o de Motta-Roth e Hendges (1998). Nesse estudo, as autoras compararam a organização discursiva de 30 abstracts de artigos de pesquisa escritos em português com outros 30 abstracts escritos em inglês, das áreas de Lingüística, Economia e Química, com base no modelo de Bittencourt (1996) para a organização discursiva de abstracts de artigos de pesquisa escritos em inglês da área de Lingüística Aplicada. Os resultados desse estudo indicaram que a organização discursiva dos abstracts de artigos de pesquisa é bastante influenciada pelas características particulares das disciplinas às quais esses textos pertencem. Entretanto, seu estudo se ateve a aspectos estruturais dos abstracts e, conseqüentemente, não tem relevância direta para minha pesquisa; por esta razão, não o descreverei detalhadamente aqui. Em seu lugar, darei preferência a dois outros estudos lingüísticos a respeito dos

abstracts de artigos de pesquisa mais diretamente relacionados ao meu próprio. Primeiramente, discutirei a visão de Swales (1990;2004), seguida pelo estudo de Salager-Meyer (1992), citado na Introdução deste trabalho, que enfoca especificamente

abstracts de artigos de pesquisa em medicina.

1.4.1 A visão de Swales (1990, 2004)

(34)

abstracts apresentações

artigos de pesquisa projetos de bolsa

dissertações e teses livros e monografias

Figura 1: o artigo de pesquisa e os gêneros de processos de pesquisa. (traduzido de Swales, 1990:177)

Desse modo, o abstract era considerado por Swales como sendo um gênero por si próprio, embora intrinsecamente ligado ao artigo de pesquisa, a teses ou dissertações, ou a apresentações. Especificamente no caso de abstracts de artigos de pesquisa, Swales argumenta que estes textos assumem um duplo papel: o de resumo propriamente dito, e o de “cartão de visita” do artigo ao qual se referem. Isso se dá pelo fato de que, segundo o autor, somente alguns cientistas que lêem o abstract lerão todo o artigo, o que lhe confere uma função de carregar todo o valor de novidade (“news value”) do artigo. Essa função levou Van Dijk a afirmar que abstracts “funcionam como discursos independentes, além de serem indicadores do conteúdo e da estrutura do texto que o segue” (1980, apud Swales, 1990:179). A esse respeito Swales cita, também, Bazerman (1984), o qual afirma que “o abstract considera o artigo como um todo e então faz uma representação deste” (Bazerman, 1984:58, apud Swales, 1990:179).

Com relação à linguagem dos abstracts, Swales reproduz a descrição desses textos proposta por Graetz (1985). Por esta ser bastante abrangente, embora, como veremos adiante, também criticada, eu a reproduzirei aqui em sua totalidade:

(35)

reader counts on finding in written language and which usually facilitates comprehension. (Graetz, 1985:125, apud Swales, 1990:179).

Swales, embora concordando com várias características contidas na descrição de Graetz, oferece-lhe também algumas críticas. Em primeiro lugar, embora admita que seu corpus de pesquisa foi razoavelmente extenso, sendo composto por 87 abstracts de diversas disciplinas, o autor considera sua generalização “um tanto ousada” (Swales, 1990:180). Além disso, oferece diversos exemplos que comprovam que:

a. abreviações são às vezes utilizadas;

b. a voz ativa, dependendo da seção discursiva, pode ser a opção preferida; c. o tempo presente é bastante utilizado, em especial nos comentários e nas

generalizações.

Além disso, Swales cita como uma contradição às conclusões de Graetz o fato de que Rounds (1982, apud Swales, 1990), estudando 14 abstracts da área de ciências comportamentais, encontrou uma quantidade considerável de hedging , em expressões como “attempt to arrive at some conclusions”, “appear to be under the influence of” e “appears to underlie”. Entretanto, na visão do próprio Swales, questões de espaço provavelmente restringem a modalidade, que é mais passível de ser encontrada no artigo em si.

(36)

Embora declarando que, por razões de espaço reduzido, não enfocaria os abstracts na obra de 2004, nela Swales se refere a esses textos não como genre (“gênero”), mas como part-genre (“gênero-parte”). Essa nova nomenclatura deve-se, possivelmente, à nova preocupação de Swales, citada anteriormente, com hierarquias, correntes e redes de gêneros: dentro dessa nova visão, o abstract não pode ser considerado como hierarquicamente “inferior” ao artigo de pesquisa, mas tampouco pode ser definido em termos de uma ordem cronológica, segundo a qual as correntes de gêneros são classificadas. Desse modo, a melhor forma de classificar o abstract é como sendo parte integrante do artigo de pesquisa, embora tenha autonomia suficiente para ser considerado como um gênero por si mesmo.

1.4.2 Salager-Meyer e os abstracts de artigos de pesquisa em medicina

Salager-Meyer (1992) analisa 84 abstracts da área médica em inglês, com o intuito de verificar como o significado expresso pelos tempos verbais e verbos modais se relaciona à função comunicativa das diferentes seções discursivas de três tipos distintos de

abstracts médicos: o artigo de pesquisa, o relato de caso e a resenha.

A autora defende a importância do abstract no sentido de atrair a atenção do leitor. Segundo ela, o abstract é importante tanto antes quanto após a leitura do artigo, e deveria ser o ponto de partida de qualquer leitura profissional. Por isso, defende que o

abstract não somente merece atenção especial dos lingüistas, como pode ser útil como primeiro passo em um programa de língua instrumental.

Salager-Meyer critica o fato de que, entre as poucas pesquisas que estudaram a micro e a macroestrutura do abstract, nenhuma observou a relação próxima que há entre forma e

(37)

Salager-Meyer, na coleta de seu corpus, tomou o cuidado de escolher abstracts que seguissem, em sua “ordem natural” (Kintsch & van Dijk, 1983), os quatro movimentos “fundamentais e obrigatórios no processo da inquisição científica (...) que correspondem à estrutura intelectual básica do artigo inteiro, quais sejam, objetivo, metodologia,

resultados e conclusões” (1992:96).

Quanto à utilização dos tempos verbais, seus resultados mostram que o seu uso varia de acordo com a seção discursiva, o simple past prevalecendo na seção Resultados (predominantemente na voz ativa) e Metodologia (predominantemente na voz passiva). O simple present, por sua vez, é o tempo mais utilizado nas Conclusões e também, quando havia, nas Recomendações. Já na seção Introdução, Salager-Meyer demonstra que o simple present é utilizado, geralmente na voz ativa, quando o intuito comunicativo é o de estabelecer o conhecimento atual no campo. Esses achados são consistentes com a crítica de Swales (1990) a Graetz (1985), citada anteriormente, pois oferecem evidência adicional de que ambos o tempo presente e a voz ativa são bastante utilizados em abstracts, ao contrário do que afirmou esta autora.

Com relação ao uso dos verbos modais, uma de suas descobertas foi a de que estes não são muito utilizados nos abstracts de seu corpus, perfazendo 8,5% do total de verbos utilizados. Entre os três tipos de abstracts, o uso dos modais prevaleceu nas resenhas, seguido pelos artigos de pesquisa, e, por último, pelos relatos de caso. A autora relaciona esse resultado à maior ou menor pretensão à generalização dos artigos: quanto maior a pretensão, maior será a utilização da modalidade. A resenha, segundo Salager-Meyer, é o tipo de artigo com maior pretensão à generalização, e os relatos de caso, por se tratarem, como o nome diz, somente de um caso particular, não têm tal pretensão. Os artigos de pesquisa encontram-se no meio termo, pois relatam novas investigações que se propõem a esclarecer pontos importantes no campo em questão, e, assim sendo, possuem o intuito de ir do individual para o geral.

(38)

comprometer com afirmações absolutas porque sabem que sua interpretação pode não ser a única” (idem:105).

Por outro lado, as demais seções discursivas apresentaram uma incidência extremamente baixa de verbos modais. Salager-Meyer acredita que a razão pela qual a seção Resultados quase não possui modais é que esta apresenta os fatos como são de maneira assertiva, já que somente os resultados mais importantes e marcantes são mencionados nos abstracts. Segundo ela, as alegações são feitas abertamente nos

abstracts, enquanto no corpo do artigo elas tendem a ser feitas de modo a mitigar o argumento. Essa conclusão confirma o argumento de Myers (1989), segundo o qual modais são elementos de polidez; para o autor, em textos nos quais se deve informar muito em pouco espaço, como ocorre com os abstracts, a polidez pode ser suplantada pela necessidade de ser eficaz na comunicação.

Nas últimas duas seções, busquei oferecer algumas visões amplas dos gêneros artigo de pesquisa, aos quais os abstracts estão intrinsecamente ligados, e dos próprios abstracts,

aos quais este trabalho se refere. Nas próximas duas seções, discutirei o aspecto mais diretamente relacionados à minha pesquisa, ou seja, o conceito de avaliação.

1.5 A AVALIAÇÃO SEGUNDO THOMPSON E HUNSTON (2000)

Thompson e Hunston, no capítulo introdutório do livro Evaluation in Text: Authorial Stance and the Construction of discourse (2000), apresentam sua abordagem ao estudo do fenômeno lingüístico da avaliação, a qual adoto neste trabalho.

(39)

perspectiva sistêmico-funcional da língua, à qual Thompson e Hunston pertencem, o foco é sempre no usuário. No entanto, mesmo compartilhando a visão de língua e o foco, ainda assim alguns sistemicistas adotam diferentes termos para o mesmo fenômeno: Lemke (1998) utiliza o termo attidudinal meaning, Martin (2000) fala em

appraisal, e Thompson e Hunston adotam o termo evaluation (avaliação).

Todos os termos acima são usados para descrever o mesmo tipo de opinião, aquele que oferece um julgamento de valor. Mas além desse tipo, há, ainda, um outro tipo de opinião, a do falante ou escritor quanto à probabilidade de algo ocorrer ou não. O termo tradicional para esse tipo de opinião é modalidade, embora o termo evidencialidade

(por exemplo, Chafe e Nichols, 1986) também descreva basicamente o mesmo fenômeno.

Thompson e Hunston afirmam que a diferença mais significativa entre esses dois tipos de opinião é que o primeiro se relaciona a entidades (expressas por um grupo nominal), enquanto o segundo se relaciona a proposições (expressas por orações), e parece ser mais “gramaticalizado” do que o primeiro, ou seja, é “mais integrado à estrutura da oração, com suas próprias estruturas (por exemplo, verbos modais)” (2000: 3). No entanto, lembram que os dois tipos podem ser expressos, em inglês, através do mesmo tipo de construção, com a utilização do pronome “it” em substituição ao sujeito, como nos exemplos abaixo:

It is gratifying to receive recognition from our travel industry partners. It is fairly certain that you would take those odds seriously. 5

Existem dois modos de conceber o relacionamento entre esses dois tipos de opinião. Um enfatiza as diferenças entre elas, dá a cada uma um nome diferente e as analisa como fenômenos separados; Thompson e Hunston dão a essa abordagem o nome de

separating approach. A outra forma de ver a avaliação, ao contrário, enfatiza suas semelhanças, incluindo-as sob um mesmo nome geral e analisando-as, ao menos em parte, como aspectos do mesmo fenômeno; os autores a denominam combining approach. Halliday (1994) pertence ao primeiro grupo: ele explora a modalidade com

5 No português, o mesmo tipo de construção pode ser realizado através de uma oração substantiva, como

(40)

grande detalhe, subdividindo-a em modalização e modulação (falarei mais detalhadamente a respeito de sua visão da modalidade na próxima seção); para ele, tanto a modalidade quanto a linguagem atitudinal pertencem à categoria dos significados interpessoais, porém essa categoria também inclui outros elementos, como o Modo, e Halliday não propõe um termo que cubra somente os dois tipos de opinião. Outro autor que faz essa separação é Martin (2000), porém este expande a categoria de significados atitudinais, usando o termo appraisal e estabelecendo três sub-categorias: affect,

judgement e appreciation.

Thompson e Hunston adotam a segunda abordagem, utilizando o termo avaliação para se referirem aos dois tipos de opinião. Eles definem a avaliação como sendo

(...) the broad cover term for the expression of the speaker or writer’s attitude or stance towards, viewpoint on, or feelings about the entities or propositions that he or she is talking about. (2000:5)

Segundo essa visão, a modalidade é uma sub-categoria da avaliação. Embora admitam que o termo “avaliação” pode gerar alguma confusão, já que existe uma tradição estabelecida na análise do discurso que utiliza o termo para se referir a elementos de padrões textuais (por exemplo Labov, 1972; Hoey, 1983), os autores defendem o seu uso com base em sua flexibilidade sintática e morfológica: além de enfocar o usuário, pois é ele quem avalia, o termo avaliação permite falar tanto sobre os valores dados às

entidades, como sobre as proposições que são avaliadas.

Thompson e Hunston argumentam que a avaliação tem três funções:

1. expressar a opinião do falante ou escritor e, ao fazê-lo, refletir o sistema de valores deste e de sua comunidade;

2. construir e manter relações entre o falante ou escritor e o ouvinte/leitor; 3. organizar o discurso.

(41)

A avaliação para a expressão da opinião é, segundo Thompson e Hunston, a função mais óbvia da avaliação, ou seja, a de transmitir ao ouvinte/leitor o que o falante ou escritor sente ou pensa a respeito de algo. No entanto, embora pessoal, cada ato de avaliação expressa um sistema comum de valores e, assim o fazendo, contribui para o fortalecimento desse sistema. Como o sistema de valores é um componente da ideologia subjacente a qualquer texto, a identificação da opinião do autor revela a ideologia da sociedade que o produziu. Por isso, afirmam os autores, a avaliação é um conceito-chave no estudo da ideologia.

As três principais áreas através das quais se tem estudado a manutenção de relações entre escritor e leitor são: manipulação, hedging e polidez (por exemplo, Brown e Levinson, 1987; Myers, 1989). Segundo Thompson e Hunston, em cada uma dessas áreas se pode dizer que o escritor “explora os recursos da avaliação para construir um tipo particular de relacionamento com o leitor” (2000:8).

Primeiramente, a avaliação pode ser utilizada para manipular o leitor e persuadi-lo. Hoey (2000) mostrou que quando a avaliação não é o ponto mais importante da oração ela é particularmente difícil de contestar, já que rompe com o esperado padrão situação-avaliação da situação que ocorre, por exemplo, na oração abaixo:

Esses comentários são bastante óbvios.

Para ilustrar esse ponto, Hoey utiliza parte de uma palestra de Chomsky, durante a qual este último se refere a seus próprios comentários feitos anteriormente do seguinte modo:

Esses comentários bastante óbvios se aplicam diretamente ao estudo da linguagem...

(42)

Além de seu papel na persuasão, a avaliação tem sido estudada por seu papel no ajuste do valor de verdade atribuído a uma proposição, geralmente sob o rótulo de hedging. Discutirei as visões mais influentes sobre o hedging no discurso científico na seção 1.6.2.

Além das duas funções acima, Sinclair (1987, apud Thompson e Hunston, 2000) afirma que a avaliação, tanto na escrita quanto na fala, tende a acontecer em pontos delimitadores de unidades do discurso, fornecendo uma pista quanto à sua organização. Especificamente no caso do texto escrito, a avaliação no final de um parágrafo indica que algo importante foi dito e pressupõe a aceitação do leitor quanto a esse ponto. Thompson e Hunston argumentam que

The evaluation in the paragraph organizes, and does so interactively. As the relationship between writer and reader is built up, part of that relationship is a mutual awareness of the boundaries in the discourse and the nature of the connection between its various parts (2000:12).

Discutirei em maiores detalhes a relação entre avaliação e organização do discurso quando apresentar o modelo de avaliação de Hunston (1993, 1994).

A partir da próxima seção, apresentarei um resumo das abordagens ao estudo da modalidade que são mais relevantes para minha pesquisa, quais sejam: a visão de Halliday (1994) e a teoria do hedging no discurso acadêmico, em especial as visões de Salager-Meyer (1994) e Hyland (1996).

1.6 A MODALIDADE E O

HEDGING

1.6.1 A visão sistêmica de modalidade de Halliday (1994)

(43)

(1994:xiii), todas as línguas estão organizadas em torno de dois tipos principais de significado, o ideacional e o interpessoal. Para o autor, esses componentes, que ele chamou de metafunções, são manifestações lingüísticas de dois princípios subjacentes à comunicação humana, que são o de entender o ambiente (ideacional) e agir sobre as outras pessoas nesse ambiente (interpessoal). Somado a esses dois componentes principais, está um terceiro, o textual, que dita o modo pelo qual organizamos nossas mensagens e, segundo Halliday, dá relevância aos outros dois componentes. Portanto, segundo a Gramática Sistêmico-Funcional, quando utilizamos a língua estamos sempre realizando três funções simultaneamente.

Segundo essa visão, a modalidade é parte da metafunção interpessoal, pois sua função é ajudar a estabelecer e manter relações entre os falantes. Segundo Halliday e Hasan (1976), a metafunção interpessoal

“... is concerned with the social, expressive and conative functions of language, with expressing the speaker’s ‘angle’: his emotions and judgments, his encoding of the role relationships in the situation, and his motive for saying anything at all.” (1976:26-27)

Halliday opõe a modalidade à polaridade; esta última é a escolha entre positivo e

negativo, expressos pelo elemento finito6 da oração. O “espaço” intermediário, no qual vários graus de indeterminação são possíveis, é constituído pela modalidade.

Entretanto, esta assume papéis bem distintos dependendo da natureza da oração na qual se insere. Halliday divide os enunciados em dois tipos principais, que diferem em sua

função semântica: proposições e propostas (1994:71). As proposições são ainda subdivididas em dois papéis de fala: o de pedir informações (perguntas) e o de dar informações (afirmações). Igualmente, as propostas são subdivididas nos papéis de fala de oferecer bens e serviços (oferta) e pedir bens e serviços (ordem).

6 O elemento finito faz parte da estrutura de Modo, e é o componente da oração que determina seu tempo

(44)

Nas proposições, a modalidade tem a função de expressar dois tipos de indeterminação: a. Graus de probabilidade: possivelmente / provavelmente / certamente;

b. Graus de freqüência: às vezes / normalmente / sempre.

Ambas as formas acima podem ser expressas de três modos principais (que Halliday chama de congruentes):

a. por um verbo auxiliar modal (em português, pelos verbos “poder” e “dever”7); b. Por um adjunto modal de probabilidade ou freqüência (por exemplo,

“provavelmente”, “às vezes”);

c. Por ambos ao mesmo tempo (por exemplo, “talvez eu possa ir”).

Halliday dá à modalidade expressa em proposições o nome de modalização. Esse é o tipo de modalidade que, na lógica clássica, é chamada de modalidade epistêmica.

Nas propostas, por outro lado, “o significado dos pólos positivo e negativo é o de prescrever e proscrever: ‘faça isso’, ou ‘não faça isso’” (idem:89). Halliday subdivide as propostas em ofertas e ordens. Desse modo, os tipos de indeterminação possíveis nas propostas são:

a. Em ofertas, graus de inclinação: querer fazer / estar ansioso por fazer / estar determinado a fazer;

b. Em ordens, graus de obrigação: é permitido fazer / deveria fazer / tem que fazer / precisa fazer.

Esses dois tipos de indeterminação são expressos de dois modos principais, ou congruentes:

a. Por um verbo auxiliar modal (em português, “querer” “poder” “ter (que)”, “dever” ou “precisar”);

b. Por uma expansão do predicado (no português, tipicamente por um adjetivo, como em “estou ansiosa para sair de férias”)8.

7 Discutirei a polissemia dos verbos modais no português no capítulo 2 .

8 No inglês, essa expansão também pode se dar através de verbos na voz passiva, como em “I am

(45)

A esse tipo de modalidade, Halliday deu o nome de modulação. Na lógica clássica, ele é chamado de modalidade deôntica.

A Figura 2 mostra os quatro tipos de modalidade segundo Halliday:

Figura 2: tipos de modalidade segundo Halliday (adaptado de Thompson, 1996:58)

Os três valores da modalidade

Ao expressar uma idéia ou opinião, ou ainda dar uma informação, o falante tem na língua a opção de adicionar um grau maior ou menor de certeza com relação a ela. Do mesmo modo, ao dar uma ordem, um maior ou menor grau de pressão pode ser adicionado à mesma para que seja cumprida com maior ou menor urgência. Halliday (1994) estabelece três valores básicos para esses “graus” de modalidade: alta, média e baixa.

Thompson (1996:60), entretanto, lembra que esses três valores são uma idealização, e representam “áreas na escala e não categorias absolutas”. Ainda assim, são importantes à investigação da noção de compromisso modal (“modal commitment”), ou seja, o quanto o autor de uma proposição ou proposta está se comprometendo com a validade do que está dizendo. Thompson aponta que, no discurso científico, por exemplo, esse grau de comprometimento tem que ser bem medido.

tipo

de modalidade

modalização: informação

modulação: bens e serviços

probabilidade

freqüência obrigação

Imagem

Figura  1:  o  artigo  de  pesquisa  e  os  gêneros  de  processos  de  pesquisa.  (traduzido  de  Swales,  1990:177)

Referências

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