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O que perdi ao te perder?: o luto como modelo de elaboração da perda

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Academic year: 2021

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LUCIARA MOSSELIN ROCHAK

O QUE PERDI AO TE PERDER?

O LUTO COMO MODELO DE ELABORAÇÃO DA PERDA

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

O QUE PERDI AO TE PERDER?

O LUTO COMO MODELO DE ELABORAÇÃO DA PERDA

LUCIARA MOSSELIN ROCHAK

ORIENTADORA: NORMANDIA CRISTIAN GILES CASTILHO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo.

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Dedico esta monografia a todas as pessoas

que sofreram uma perda drástica,

no desejo de que reencontrem o caminho de

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Agradeço a todas as pessoas que de alguma

forma ou outra colaboraram com a

realização deste trabalho.

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LUCIARA MOSSELIN ROCHAK

O QUE PERDI AO TE PERDER?

O LUTO COMO MODELO DE ELABORAÇÃO DA PERDA

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ NORMANDIA CRISTIAN GILES CASTILHO

Psicóloga/Psicanalista, Mestre em Psicologia pela Universite de Paris XIII, Professora Titular do Departamento de Humanidades e Educação da Unijuí.

________________________________________ TÂNIA MARIA DE SOUZA

Psicóloga/Psicanalista, Mestre em Educação nas Ciências pela Unijuí, Professora Efetiva do Departamento de Humanidades e Educação da Unijuí.

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O QUE PERDI AO TE PERDER?

O LUTO COMO MODELO DE ELABORAÇÃO DA PERDA

RESUMO

No presente Trabalho de Conclusão de Curso abordou-se o luto como modelo de elaboração da perda a partir do referencial teórico da psicanálise, especificamente freudiana e lacaniana, buscando responder qual seria a função do luto na perda. Discutiu-se quais são os efeitos subjetivos perante a perda do objeto amoroso através de duas dimensões da experiência do bebê com a perda do agente materno: narcisismo primário e estádio do espelho. Por fim, tratou-se da atualização da perda primordial e o objeto do luto.

PALAVRAS-CHAVE: Perda. Luto. Narcisismo. Estádio do Espelho. Objeto. Psicanálise.

WHAT I LOST TO LOSE?

THE MOURNING AS LOSS OF DEVELOPMENT MODEL

ABSTRACT

In this Work Completion of Course approach the fight like the loss development model from the psychoanalytic theoretical framework, specifically Freud and Lacan, answered about what the role of grief in the loss. Initially they were discussed which are subjective effects before the loss love object through two dimensions of the baby’s experience with the loss of maternal agent: primary narcissism and stadium mirror. Then we treat the upgrade of primary loss and mourning of the object.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 08

1 A PERDA DE UM PEDAÇO DE SI ... 10

2 A ATUALIZAÇÃO DA PERDA PRIMORDIAL E O OBJETO DO LUTO ... 20

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 36

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As situações de perdas drásticas podem gerar sofrimento que repercutem de maneira diferente na vida de cada pessoa. Alguns passam pela experiência da perda sem muito sofrimento, outros com um doloroso trabalho de luto e outros ainda, apresentam grande dificuldade, ou até mesmo uma impossibilidade para a elaboração da perda, o que requer um trabalho clínico a fim de que possam ressignificar a experiência da perda sofrida sem se prender a uma condição patológica.

Diante disso, partimos do pressuposto de que a constituição do sujeito psíquico ocorre em torno de um complexo processo de perdas, objetivando o presente trabalho a responder a seguinte questão: qual é a função do luto diante de uma perda?

Sabemos que o luto se trata de um recurso psíquico para a ressignificar do sofrimento, tido como um dos modelos do processo para se elaborar a experiência da perda objetal. Dito isso, o tema se torna pertinente devido a queixa apresentada por vários pacientes, que motivados por uma perda drástica, chegam até a clínica em busca de tratamento psicanalítico.

Para realização desta investigação, recorremos aos moldes da pesquisa bibliográfica, dividindo a monografia em dois capítulos. A linha teórica que nos faz referência é a psicanálise freudiana e lacaniana.

Para fazermos esse percurso, será abordado no primeiro capítulo, com o título A perda de um pedaço de si, a discussão sobre quais são os efeitos subjetivos perante a perda do objeto amoroso, partindo de duas dimensões da experiência do bebê com a perda da mãe ou de quem ocupa a função materna:

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narcisismo primário e estádio do espelho. Nessa etapa da vida, a relação da criança pequena com a mãe tem caráter fusional, por isso, se trata do momento da perda primordial. Para a discussão levantada serão trabalhados textos como Sobre o narcisismo: uma introdução de Freud e O estádio do espelho como formador do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica de Lacan.

Com a finalidade de responder à questão norteadora dessa pesquisa – a função do luto na perda – o segundo capítulo, com o título A atualização da perda primordial e o objeto do luto, será embasado teoricamente nos textos Luto e melancolia de Freud e em O seminário 10 A angústia de Lacan. Será ilustrado nesse capítulo um caso clínico de Nasio, onde se abordará a diferença entre as teorias de Freud e Lacan no que tange ao objeto do luto: i(a) e o pequeno a.

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1 A PERDA DE UM PEDAÇO DE SI

Não é sem sofrimento que se passa pela perda.

A partir do trabalho clínico com pacientes é que surge nossa questão principal: qual é a função do luto diante de uma perda?

Para responder ao questionamento proposto abordaremos inicialmente, as perdas que denominamos constituintes, que por sua vez são fundamentais para a construção de uma subjetividade. Partimos da ideia de que um sujeito se constitui a partir de uma perda primordial, que compõe a primeira experiência de amor do bebê que ele tem com o Outro materno. Essa primeira perda, além de ser estruturante para a constituição do sujeito e de seu desejo, deixa marcas que se repetirão durante toda a vida do sujeito.

Dessa maneira, consideramos que para existir perda é necessário haver objeto (o objeto que perdemos), sendo assim, devemos nos dirigir sempre na perspectiva da falta do objeto como condição de estruturação do desejo.

Assim, a noção de perda, de falta e de desejo são conceitos que se articulam, pois, a perda abre espaço para uma falta, e só há desejo na falta. Para trabalhar essa primeira noção de perda e de amor, remeteremos a constituição do sujeito, uma vez que o mesmo tem que passar obrigatoriamente pela perda, que apesar de necessária, é dolorosa, porque implicará para o bebê a passagem pelo luto de um Outro primordial, a sua mãe.

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Para a psicanálise, a perda de um objeto1 é o que norteia e impulsiona a existência do ser humano enquanto sujeito desejante. O sujeito no decorrer de sua vida busca satisfazer os seus desejos, assim, o primeiro objeto de desejo do bebê é a mãe, por ser ela quem satisfaz as suas necessidades primárias. A partir da perda simbólica da mãe, ela deixa de ser objeto de desejo do bebê para ganhar o status de primeiro objeto de amor. Como consequência da perda da mãe, inscreve-se uma falta (de objeto) que permite ao sujeito o direito de novamente desejar, e assim, ele segue procurando encontrar satisfação pelo resto de sua vida, numa constante busca que jamais tem fim.

Nessa primeira relação mãe-bebê, o bebê se identifica com aquilo que falta à mãe, ou seja, o filho é o falo2 da mãe. A mãe e o bebê são unidos através da dimensão do falo, como se ele e ela fossem a fusão de um único ser, como se o corpo de um fosse o corpo do outro, onde a soma “um mais um” resultasse em um ao invés de dois. Nessa etapa de alienação, a falta ainda não se constituiu no bebê, pois ele ainda não passou pela perda, é como se ainda estivesse desfrutando da proteção da vida uterina, onde existia um ambiente satisfatório que supria todas as suas necessidades orgânicas.

Mesmo que o bebê venha ao mundo depois de nove meses de gestação, ele sempre nasce prematuro, pois nasce apenas como um corpo composto por órgãos em funcionamento. Sem capacidade alguma de sobreviver sozinho, nada mais é do que um “pedaço de carne” que depende do amparo de um Outro para poder continuar vivendo.

Sabemos que o recém-nascido não dispõe de maturidade neurológica suficiente e sua primeira ação será por meio de atos reflexos, isentos de conteúdo simbólico. Por isso, no decorrer dos dias após o nascimento, o bebê

1

Nos escritos de S. Freud, a palavra objeto deve ser entendida como um determinante explícito ou implícito: objeto da pulsão, objeto de amor, objeto com o qual se identifica. (CHEMAMA, 1995, p. 150).

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Para psicanálise de Freud, falo significa a representação da completude, do não sentimento de falta. De nada tem a ver com o órgão sexual masculino na forma literal. Mas que pode remeter a ele também. Ou seja, qualquer coisa que tenha para uma pessoa a significação da completude. Completude essa impossível quando falamos de humanos. O falo é, em última análise, o significado da falta, conforme o define Lacan. Assim o falo pode ser qualquer objeto imaginário fálico, que tem o sentido de completude e de plenitude narcísica. (DICIONÁRIO INFORMAL, Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/falo/6947/> Acesso em: 02 dez. 2015).

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começa a responder de alguma forma aos estímulos maternos, e a mãe através do seu olhar, de sua voz e de seu toque, fortalece o aprimoramento da rede neuronal do infans3, investindo seu desejo no filho, possibilitando assim sua constituição psíquica e a sua inserção na linguagem. Além de suprir as necessidades biológicas do filho, a mãe começa a colocar significado no que é manifestado por ele. Assim, por intermédio daquele que chamamos de Outro primordial – que exerce a função materna – é que as manifestações do bebê serão singularizadas.

A atividade espontânea do bebê, sua agitação, seu choro, fonação e gesticulação reflexa, terão o efeito de comunicações significantes para o Outro materno que, por sua vez, consegue imaginar nele um suposto pedir. Rede significante esta que funcionará como segundo envoltório junto a pele, ao tato e a voz (MOLINA, 1996, p. 49).

Antes do bebê nascer, ele já está inserido na cultura, uma vez que ele existe no discurso e no desejo dos seus pais. Por vezes, antes da gestaç ão acontecer, o casal parental já planeja um filho e depositam nele a esperança de realizarem seus anseios que outrora sonharam. Os pais também idealizam as características de um filho bonito e saudável fazendo referência ao ideal parental. Escolhem o nome, imaginam como será seu rosto, idealizam sua personalidade. A partir disso, o casal parental vai inscrevendo o bebê no universo simbólico familiar, incluindo o pequeno ser que ainda não nasceu em uma família e em um lugar no mundo. Desse modo, a partir da entrada na ordem simbólica a linguagem será inaugurada, diferenciando a espécie humana dos outros seres vivos.

Quando nasce, o filhote humano será o a “sua majestade, o bebê” e, nesse momento de júbilo, os pais vêm renascer sua própria imagem idealizada e todos os seus anseios irrealizados porque fazem uma reconstrução do seu próprio narcisismo que fora perdido há bastante tempo. Trata-se do instante do narcisismo primário, renascido do amor dos pais e modificado em amor objetal.

3

O tempo de ser bebê corresponde à posição lógica do infans, que etimologicamente denomina aquele que ainda não fala, e, portanto, que é incapaz de contar a sua própria história. Não se trata apenas de que não tenha adquirido a legalidade sintática da língua e a sua correta modulação fonoarticulatória, mas de não ter nem sequer inscritas as coordenadas psíquicas que fazem possível a enunciação do seu desejo (JERUZALINSKY, J. 2002, p. 258-259).

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Nas palavras de Freud, “o amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido, o qual transformado em amor objetal, equivocadamente revela sua natureza maior” (FREUD, [1914] 2006, p. 98).

Freud cria o termo narcisismo a partir do Mito de Narciso que conta a história de um jovem muito belo que, ao ver sua própria imagem refletida pelas águas de um lago, enamora-se de si mesmo, não se dando conta de que a imagem é dele próprio. Dessa maneira, a partir da leitura do mito, entendemos que o narcisismo corresponde a um processo pelo qual o sujeito toma a sua imagem virtual sem se dar conta que é sua e passa a se identificar com tal imagem.

A partir de 1914, quando Freud escreve o artigo Sobre o narcisismo: uma introdução ([1914] 2006), o termo narcisismo ganha o status de conceito, sendo o “amor que o sujeito atribui a um objeto muito particular: a si mesmo” (CHEMAMA, 1995, p. 139). O narcisismo então passa a ser encarado tanto como uma fase da constituição subjetiva, como um fenômeno libidinal, que ocupa um lugar efetivo na teoria do desenvolvimento sexual. Assim, Freud faz do narcisismo “uma forma de investimento pulsional4

necessária à vida subjetiva, isto é, em vez de alguma coisa de patológico, torna-se, pelo contrário, um dado estrutural do sujeito” (Ibid. In.).

Mas antes do narcisismo se estabelecer, o bebê vive a fase de autoerotismo, onde as pulsões se satisfazem em seu próprio corpo, sendo experimentadas em relação às funções vitais do organismo, cuja finalidade é a autopreservação da vida. São os momentos em que o bebê experimenta sensações de prazer e de desprazer, onde a pulsão sexual5 está ligada fundamentalmente a satisfação das pulsões do eu, sendo que “a não separação entre as pulsões sexuais e as pulsões do eu seria uma das características marcantes do auto-erotismo” (FERREIRA, N. 2004, p. 23-24).

4 Referente a pulsão: “Na teoria analítica, energia fundamental do sujeito, força necessária ao

seu funcionamento, exercida em sua maior profundidade” (CHEMAMA, 1995, p. 177).

5

Pulsão sexual é o representante psíquico de uma contínua fonte de excitação proveniente do interior do organismo (Ibid. In. p. 178).

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Em seguida, quando o narcisismo primário se estabelece, o corpo do bebê será erotizado pela mãe, pois o bebê vai sentir prazer ao receber os cuidados maternos, e desprazer quando não os sentir. Com tal característica, Freud postulou a existência de um narcisismo primário, por entender que “um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais – ele próprio e a mulher que cuida dele” (FREUD, [1914] 2006, p. 95). Relembramos que nessa etapa do desenvolvimento, o bebê sente-se fusionado com a mãe, portanto, ele próprio e a mãe formam uma unidade corporal. Assim, o eu do bebê se acha dotado de toda a perfeição e de todo valor, sendo alvo do amor de si mesmo, que por sua vez se trata de um amor narcísico, ou seja, “o narcisismo primário designa um estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma” (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008, p. 290).

Como nesse período o bebê vivencia o primeiro estado do narcisismo, tudo o que é prazeroso é incorporado pelo eu. Para exemplificar, vamos discorrer sobre a amamentação, onde o seio é tomado pelo bebê por vários prismas: como fonte de satisfação, como parte do Outro, como modelo de objeto parcial e como causa de desejo.

O primeiro objeto erótico de uma criança é o seio da mãe que o alimenta; a origem do amor está ligada à necessidade satisfeita de nutrição. Não há dúvida de que, inicialmente, a criança não distingue entre o seio e o seu próprio corpo; quando o seio tem que ser separado do corpo e deslocado para o ‘exterior’, porque a criança tão frequentemente o encontra ausente, ele carrega consigo, como um ‘objeto’, uma parte das catexias libidinais narcísicas originais. Este primeiro objeto é depois completado na pessoa da mãe da criança, que não apenas a alimenta, mas também cuida dela e, assim, desperta-lhe um certo número de outras sensações físicas, agradáveis e desagradáveis (FREUD, [1938] 2006, p. 202).

Dessa forma, quando o seio está na boquinha do bebê, ele sente algo agradável e prazeroso, e quando está fora, ele experimenta uma sensação desagradável e desprazerosa. Ao significar essa sensação, o bebê percebe que a mãe não está sempre disponível e toma sua ausência não só como um desprazer, mas também como uma perda de um pedaço de si, pois, como já mencionamos anteriormente, o seio materno faz parte de seu corpinho. A significação desse momento como uma perda, permitirá que o bebê procure

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outras fontes de satisfação, já que sentir falta do seio abrirá espaço para que ele possa desejar fora/além da mãe, na passagem do autoerotismo para o narcisismo primário. Diante disso, precisamos ficar atentos para não confundir os termos autoerotismo com narcisismo, pois “enquanto que o narcisismo investe o corpo, em sua totalidade, e toma como objeto a imagem unificadora do corpo, o auto-erotismo refere-se às partes do corpo, ou melhor, às ‘bordas’ dos orifícios corporais, investidas pela libido” (CHEMAMA, 1995, p. 26).

Desse modo, Freud propõe que, para que o eu do bebê se desenvolva, é imprescindível haver um afastamento do narcisismo primário. Esse distanciamento ocorre quando há um deslocamento da libido que o bebê outrora direcionava a mãe e a si próprio, para então direcionar ao ideal do eu6 imposto de fora. Por conseguinte, “o indivíduo encontra para si um lugar onde passa a se enxergar como um sujeito passível de ser amado, na medida em que satisfaça determinadas exigências impostas pela sociedade” (FERREIRA, 2010, p. 62). Então, o deslocamento libidinal será consequência da perda do objeto primordial e se direcionará para outro objeto de amor, sendo que os estímulos externos favorecerão esse deslocamento do investimento da libido7.

A primeira experiência do bebê com a mãe era altamente satisfatória, por isso, futuramente, o sujeito não vai querer ceder ao prazer que outrora desfrutou na perfeição narcísica de sua infância. Como não poderá mais retornar a tal perfeição, tentará recuperá-la sob a forma do ideal do eu (influência paterna e social), que surge como um substituto do eu ideal8 (influência materna). Após as primeiras satisfações narcisistas se

6 Para Freud, o “Ideal do Eu” pode ser compreendido como uma instância psíquica de origem

narcísica e é constituído não somente por influências paternas, mas também da sociedade, servindo de referência ao eu para admirar as suas realizações efetivas. Podemos dizer que o Ideal do Eu funciona como um mediador da relação entre o Eu e o Eu Ideal (FERREIRA, 2010, p. 62).

7

Libido é a expressão extraída da teoria das emoções. Damos esse nome à energia, considerando como uma magnitude quantitativa (embora na realidade não seja presentemente mensurável), daqueles instintos que têm a ver com tudo o que pode ser abrangido sob a palavra “amor” (FREUD, [1921] 2006, p.101).

8 O “Eu Ideal” por sua vez, é uma formação essencialmente narcísica, constituída a partir da

relação especular entre a criança e a mãe. Apesar de ser um ideal impossível de ser alcançado, a busca pelo Eu Ideal se faz através dos Ideais do Eu. Mas também para que o ego se desenvolva, é necessário que ocorra um afastamento do narcisismo primário (FERREIRA, 2010, p. 62).

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estabelecerem, o sujeito vai buscar uma nova forma de satisfação por meio do ideal do eu.

No tempo do narcisismo primário, sucede-se uma elaboração psíquica da formação do eu, ou seja, uma identificação9 que a criança conseguirá formar de seu próprio corpo a partir do corpo da mãe. Lacan relacionou esse momento de formação do eu como a experiência narcísica fundamental e a chamou de Estádio do Espelho.

No texto, O estádio do espelho como formador do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica ([1949] 1998), Lacan chama de identificação esta relação que a criança tem com o outro real (sua mãe). A mãe, a partir de seu discurso, dará suporte ao discurso do filho, dando sentido às manifestações que seriam apenas orgânicas. Ela sabe, por exemplo, diferenciar quando o bebê chora por estar com fome, ou quando está com dor. O bebê por sua vez, forma uma representação de sua unidade corporal por identificação com a imagem da mãe. O bebê se identifica com a mãe, não distinguindo o que é dele e o que é dela, pois como mencionamos antes, o bebê sente que ele e a mãe formam uma unidade corporal. É por isso que o bebê vai querer a presença constante de sua mãe, e quando ela voltar para as atividades que não o dizem respeito, o bebê tomará o desamparo que a ausência da mãe lhe causou como uma perda narcísica.

O estádio do espelho marca um momento da história do sujeito que se inicia em torno dos seis meses de vida, e se encerra mais ou menos quando a criança completar um ano e meio. Quando o sujeito entra nessa fase da vida, consegue reconhecer a imagem que vê refletida do espelho como sua, e, ao se identificar com essa imagem virtual, acredita que ela é real (um pouco diferente do que acontece no Mito de Narciso, quando o jovem se enamora de sua imagem especular refletida pelas águas, não se dando conta de que se trata apenas de sua própria imagem virtual). Então, no estádio do espelho, “a criança antecipa o domínio sobre sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção de sua própria imagem num espelho” (ROUDINESCO, 1999, p. 194).

9

A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa (FREUD, [1921] 2006, p. 115).

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Destacamos que, apesar de Lacan fazer alusão a um espelho, o estádio do espelho não se refere necessariamente à experiência concreta da criança frente a um espelho, pois o olhar da mãe serve de espelho para o bebê, logo, o que o eu vê é o que o Outro reflete, por isso ao ver o rosto da mãe, o bebê toma a imagem como sendo sua.

O que ela assinala é um tipo de relação da criança com seu semelhante através da qual ela constitui uma demarcação da totalidade do seu corpo. Essa experiência pode se dar tanto em face de um espelho como em face de uma outra pessoa. O que o infans tem desenvolvido pelo espelho, pela mãe ou pelo outro é uma Gestalt cuja função primeira é ser estruturante do sujeito, mas ainda a nível do Imaginário. (GARCIA-ROZA, 2009, p. 212-213).

Em vista disso, “a experiência da criança na fase do espelho organiza-se em torno de três tempos fundamentais, que pontuam a conquista progressiva da imagem de seu corpo” (DOR, 1989, p.79), os quais serão descritos a seguir. Primeiro, acontece um tempo de desamparo motor e de insuficiência, onde a criança percebe-se como um ser fragmentado e disperso, ao invés de uma totalidade unificada. Ela entende ser um pé, uma perna, uma barriga, um braço, etc. Isso pode ser observado quando a mãe troca as fraldas do bebê, ou no momento do banho, pois nessa hora ela vai criar zonas erógenas, demarcarcando o corpo do filho ao perguntar a ele de quem é esse pezinho?, de quem é essa barriguinha?, por exemplo. Graças a esses momentos, é que o bebê passará a reconhecer partes de seu corpo. Trata-se de uma imagem que o bebê vê no outro, no semelhante, dada pelo olhar da mãe, que tem nesse instante a função de permitir que a criança inicie o processo de reconhecimento e de totalização de seu próprio corpo, que antes era entendido como fragmentado.

Consoante com as palavras de Lacan,

o estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação – e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos ortopédica (LACAN, [1949] 1998, p. 100).

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Dor (1989, p.80), sustentando-se em Lacan, coloca que, num segundo momento, o bebê começará a desenvolver representações psicológicas e condições de se apropriar da existência de seu corpo, que até então, para ele era despedaçado. Assim, ocorre uma unificação da imagem corporal que dá forma ao eu do sujeito. Ao olhar para a mãe, o bebê a vê por inteiro e toma essa imagem completa para si, antecipando a unificação do seu corpo. Ele concebe que a imagem da mãe é a sua própria imagem, como se estivesse se olhando no espelho, assim ele vê no Outro primordial um modelo de identificação “o eu é o outro”. (CHEMAMA, 1995, p. 65).

Essa imagem que o espelho devolve ao bebê passa a ideia de completude e unificação dele com a mãe, dando-lhe a impressão de que nunca está sozinho, estando sempre na companhia do Outro. Essa operação funda o nascimento do eu como constituição da imagem do corpo próprio, e ao mesmo tempo em que o eu se constitui, a imagem no espelho é apreendida como objeto de amor.

Lacan citado por Viola e Vieira nos adverte que essa imagem de totalidade que nos vem do Outro, não passa de uma ilusão, pois “o eu se precipita numa matriz simbólica, marca da espécie, desde que, graças a sua orientação no significante, essa é a única espécie que se reconhece no espelho” (2008, p. 28-29). Por isso notamos o sofrimento do bebê quando a mãe se afasta dele, pois, como a imagem dela é tida como um objeto de amor, em consequência do seu afastamento, ele toma a ausência dela como perda desse objeto de amor.

O terceiro momento dialetiza as duas etapas precedentes, não somente porque a criança está segura de que seu reflexo no espelho é uma imagem, mas sobretudo, porque adquire convicção de que não é nada mais que uma imagem que é dela. Re-conhecendo-se através desta imagem, a criança recupera assim a dispersão do corpo esfacelado numa totalidade unificada, que é a representação do corpo próprio. A imagem do corpo é, portanto, estruturante para a identidade do sujeito, que através dela realiza assim sua identificação

primordial (DOR, 1989, p 80).

Diante das considerações desses três momentos do estádio do espelho, é possível perceber que a construção da imagem do bebê vai se dando a partir

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da imagem que a mãe lhe oferece enquanto sujeito. Por mais que essa imagem seja, num primeiro momento uma ilusão de completude, é através dela que o bebê poderá construir seu corpo de forma unificada e não fragmentada. Dessa forma, uma das características do estádio do espelho é oferecer uma antecipação para o bebê da imagem do seu corpo, por isso primeiramente o infante se identifica com a imagem do espelho, permanecendo assim em alienação com a imagem da mãe.

Levando-se em consideração esses aspectos, percebemos existir uma correspondência entre o Narcisismo Primário de Freud, e o Estádio do Espelho abordado por Lacan. Desse modo, o bebê enquanto sujeito psíquico, precisa assumir a imagem de si mesmo, então, ao se reconhecer no olhar do Outro, a criança quer a presença constante da mãe, porque ao vê-la sabe que ele próprio existe. Por consequência do afastamento da mãe, quando o bebê não a avista, fica desesperado, por ainda não ter simbolizado a perda da mãe. É como se a mãe só existisse quando o bebê a avistasse. Esse processo natural de ausência da mãe fará com que a criança pequena busque algo para preencher o vazio que o afastamento da mãe lhe causou, para finalmente conseguir elaborar a perda do objeto de amor através do luto primordial.

Conforme nos atesta Freud, para que o eu possa se desenvolver é preciso haver um afastamento do narcisismo primário. O mesmo ocorre quando há um deslocamento da libido, antes direcionada para a mãe, par a então se direcionar ao ideal do eu, que é imposto de fora. O deslocamento libidinal é resultante da perda da mãe, e se direcionará para outro objeto de amor, por isso é preciso haver um deslocamento do investimento libidinal por estímulos que vem de fora. Essa procura vai permanecer constante na vida do sujeito, que vai tentar preencher de alguma forma a falta que a perda do objeto de amor lhe trouxe, seja através de um parceiro amoroso, de uma profissão ou de um filho.

Dado o exposto, o estádio do espelho é uma ação psíquica que determina o narcisismo e propicia a passagem do autoerotismo para o narcisismo primário, por isso Freud afirma que é “necessário que algo seja acrescentado ao auto-erotismo – uma nova ação psíquica – a fim de provocar o narcisismo” (FREUD, [1914] 2006, p. 93). Esse algo a mais que se acrescenta

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ao autoerotismo é o eu. Assim, através do olhar do Outro, o sujeito em constituição investe em si mesmo, amando a sua própria imagem (eu ideal), que apesar de externa a si mesmo (ideal do eu) é a esta que ele se aliena. Freud ([1914] 2006) chamou de narcisismo primário o processo que se relaciona com a imagem corporal, sendo esta chamada por Lacan ([1949] 1998) de identificação especular. A partir desse momento, a criança pequena percebe que ela não é um ser fusionado com a mãe. Assim sendo, o sujeito se dá conta de que existem objetos externos passíveis de se relacionar, os quais poderão se constituir como fontes de satisfação para além da mãe.

Para se constituir como um sujeito de desejo é necessário ter na sua inscrição simbólica, além da referência ao narcisismo primário, a inscrição simbólica da falta. A inscrição da falta se dá no momento em que a mãe precisa voltar ao seu cotidiano, no que tange aos seus interesses pessoais e amorosos, ou seja, no momento em que a metáfora paterna10 começa a ser inscrita, quando a mãe começar a investir falicamente em outros objetos amorosos que não o filho.

A função fálica também permite situar o Nome-do-pai como exceção fundadora daquilo que regula, em relação ao falo, o ser ou o não ser, o ter ou o não ter. Observa-se que esse vínculo entre falo e função paterna, fundadora da lei que rege o gozo, em lugar de confundir sexualidade e geração, distingue-as e as separa uma da outra (CHEMAMA, 1995, p. 70).

Pelo que foi abordado nesse primeiro capítulo, vimos que para o sujeito se constituir em uma posição de desejo, é preciso que passe por perdas dolorosas e importantes na infância. Abordou-se aqui a perda do objeto de amor na constituição do eu, passando pelos conceitos de narcisismo e estádio do espelho. Mediante isso, a experiência de perda do objeto de amor é constitutiva na infância, e permite que o sujeito disponha de recursos simbólicos para elaborar as outras perdas que amiúde enfrentará no decorrer

10 Metáfora paterna é um conceito lacaniano, cujo “significante que funciona como substituição

do desejo da mãe pela criança, separando-a do lugar de falo materno. É o significante paterno que opera a separação da criança da posição de falo da mãe” (VIOLA; VIEIRA, 2008, p. 36).

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de sua vida, perdas tais carregadas de dor que atualizam ou que repetem a dor já vivida.

Segundo Freud, na verdade, a emoção não é somente o que sentimos no instante, é também a repetição de um vivo sentimento experimentado outrora. Um afeto é sempre a volta atenuada de um primeiro abalo intenso. A mais singular emoção que eu possa viver hoje, agradável ou desagradável, redobra inevitavelmente uma emoção arcaica. [...] Em resumo: não existe afeto novo, o afeto é sempre fruto de uma repetição. [...] É certamente a partir dessa concepção eminentemente freudiana que poderíamos identificar o afeto com o significante lacaniano. Um significante, enuncia Lacan, é sempre a repetição de um outro significante. Assim, afirmar que o afeto seria um significante equivale a formular: só existe afeto repetido (NASIO, 1997, p. 83-84).

Pela observação dos aspectos analisados, os afetos fruto de uma repetição nos levam para o segundo capitulo, onde se abordará a correlação entre a perda originária e a função do luto na medida em que o luto traz junto de si a dimensão da perda e do objeto. Com isso, poderemos pensar nas pessoas que sofreram perdas, e a partir disso, analisar em que medida a forma como sujeito elaborou a perda ligada ao objeto primordial, se corresponde com a possibilidade de elaboração das perdas futuras.

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2 A ATUALIZAÇÃO DA PERDA PRIMORDIAL E O OBJETO DO LUTO

Não é sem dor que se passa pelo luto.

No capítulo anterior investigamos sobre as perdas constituintes do sujeito psíquico, que dizem respeito a operações ocorridos na infância de todas as pessoas. Vimos que para haver perda é preciso existir objeto e que após a perda desse objeto, se abre espaço para a falta – possibilitadora do desejo –, ou seja, a função da perda é possibilitar a inscrição da falta (falta de objeto).

Dito isso, nesse capítulo abordaremos a questão pertinente à elaboração das perdas a partir de um trabalho de luto, pois quando não elaborado, torna-se patológico. Mesmo no caso de um luto bem-sucedido, a pessoa vai torna-se deparar com os sentimentos de pesar decorrentes da perda que teve, e a dificuldade de elaboração da mesma gera dor e sofrimento psíquico que amiúde motivam a procura por um trabalho psicanalítico.

Partindo da premissa freudiana, Bastos e Castilho (2013, p. 90), dizem que “o objeto desde sempre perdido é condição do desejo, o que confere ao luto função constitutiva dos circuitos desejantes na vida do falante: ‘crianç a’, ‘adulto’ ou ‘idoso’”. Desse modo, elaborar e simbolizar as perdas constitutivas da infância a partir de um trabalho de luto11 configura-se em algo fundamental para a formação de um sujeito desejante.

11Trabalho de luto é o “processo por meio do qual o sujeito luta contra a reação depressiva

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Mediante isso, torna-se importante trabalhar a questão do luto e da elaboração da perda conforme a teoria de Freud, assim como das contribuições de autores que tomam Lacan por referência, particularmente no que tange a articulação entre a noção de luto e o lugar que a perda do objeto ocupa na estruturação do sujeito e na constituição do objeto do desejo e da fantasia.

Dessa maneira, concordamos com Bastos e Castilho (2013, p. 90), pois entendemos que perder alguém amado é um acontecimento que atualiza a estrutura do sujeito, e que por sua vez, demanda um trabalho de luto voltado para o objeto perdido. Em vista disso, uma análise poderia contribuir para que ao invés do sujeito se deparar com a inibição, com a depressão e com a inércia psíquica, conseguisse contar com os recursos da sua própria estrutura neurótica para lidar com a perda de algo ou alguém que lhe fosse tão caro.

Em seu clássico artigo Luto e melancolia de 1917, Freud diz que “o luto, de um modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante” (FREUD, [1917] 2006, p. 249). Igualmente, sublinhamos que existe no luto um conjunto de reações manifestadas pelo sujeito que sofre com alguma perda relevante, pois como Freud nos ensina, o luto é uma reação à perda do objeto de amor. “O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor (como no caso, por exemplo, de uma noiva que tenha levado o fora)” (Ibid. In. p. 251).

Isto nos leva a uma questão sobre o estatuto do afeto na perda, uma vez que toda a dor sentida por uma perda de objeto de amor atual está ligada há uma perda anterior. Assim, segundo a teoria de Freud, o trabalho de luto está relacionado com a perda concreta de um objeto de amor, porém, com relação à perda constituinte do sujeito psíquico, (trabalhada no primeiro capítulo), percebemos que “a partir do luto decorrente dessa perda é que irá se estruturar a condição desejante, pois o desejo repousa sobre uma falta e o objeto se constitui sobre o vazio de um suposto objeto de satisfação plena” (PERES, 2010, p. 39).

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Dessa forma, não se trataria apenas de uma perda efetiva de objeto, como explica Freud, mas da forma teórica abordada por Lacan para a qual “a criança faz um luto de um objeto sem suporte material, ou seja, não se trata de um objeto real, mas de algo que em princípio teria permitido uma experiência de satisfação plena” (PERES, 2010, p.40). Em outras palavras, não seria a perda palpável do objeto de amor, mas a perda da satisfação que permitiu a experiência da plenitude, ou seja, uma perda da coisa12 no objeto. Assim, diante do momento em que a criança pequena é impossibilitada de obter satisfação através desse objeto de amor que é representado pelo Outro materno, precisará renunciar enfim, a expectativa de plenitude em que vivia.

Vamos supor agora que na vida adulta, a pessoa se haverá com outras perdas importantes e doloridas, como, por exemplo, a perda de um ente querido pela morte, a perda de um amor pela via da separação radical, de um emprego, de um ideal, ou da condição social. A pessoa vai sofrer diante dessa perda, sendo que nesse momento, a dor sentida não será um afeto novo, porque “todo afeto doloroso é a revivescência de uma antiga dor traumática” (NASIO, 1997, p. 83).

Desta maneira, a dor gerada pela perda atual, atualizará o sofrimento psíquico decorrente da perda do objeto primordial, dado que vai repetir a dor sentida pela perda do Outro vivida na infância. Portanto, trata-se de uma perda narcísica, onde o sujeito agora tem a oportunidade de reelaborar a perda do seu narcisismo, para que ao final de cada golpe da vida, consiga se reestruturar em uma posição de sujeito desejante, tal como nos confirma Freud ao dizer que “quando o trabalho de luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido” (FREUD, [1917] 2006, p. 251).

À vista disso, aprendemos com Freud que posterior a um trabalho de luto, o eu fica desimpedido para amar de novo.

A tarefa do luto implica no desinvestimento da libido no que concerne ao objeto amoroso e seu consequente reinvestimento no eu. Quando

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Essa Coisa, da qual todas as formas criadas pelo homem são do registro da sublimação, será sempre representada por um vazio, precisamente pelo fato de ela não poder ser representada por outra coisa – ou, mais exatamente, de ela não poder ser representada senão por outra coisa. (LACAN apud DARRIBA, 2005, p. 71).

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isso acontece, o sujeito poderá, mais à frente, reinvesti-la em novos objetos. (VIOLA; VIEIRA, 2008, p. 48).

Portanto, se o sujeito elaborou a perda do objeto de amor através de um trabalho de luto primordial, vai ter recursos psíquicos para ressignificar suas perdas posteriores a partir de um novo luto, para assim, novamente poder investir sua libido em outro objeto de amor. Então, se ele elaborou a perda do objeto de amor, consegue atravessar o luto, caso contrário, a falta não s e constitui, e tampouco se constitui o desejo. Diante disso, Freud diz que perante a uma perda “em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos de que essas pessoas possuem uma disposição patológica” (FREUD, [1917] 2006, p. 249).

É importante mencionar que a presente pesquisa enfatiza o modelo do luto na elaboração da perda e não o modelo da melancolia, embora seja importante em relação à perda. Assim, o luto é um afeto normal e notável, porque o sofrimento do enlutado é um momento necessário, onde a pessoa tenta simbolizar uma perda que não gostaria de ter tido, para que após esse processo possa voltar a ter interesse pela vida. Em função da elaboração da perda a partir do luto, Freud julga inútil, ou mesmo prejudicial, qualquer interferência em relação a ela, e confia que seja superada após certo lapso de tempo (FREUD, [1917] 2006, p. 249).

Como abordado no capítulo anterior, ao tratar do narcisismo e do estádio do espelho, vimos que “o eu é constituído pela série de identificações que representaram, para o sujeito, uma referência essencial a cada momento histórico de sua vida” (CHEMAMA, 1995, p. 66). A identificação do eu com o objeto perdido é narcisista, em face disso, o trabalho de luto remete a uma “ferida” narcísica, cujo rompimento do laço que o bebê mantinha com a mãe, o lançava diante de seu próprio desejo. “A identificação é um mecanismo que tende a tornar o próprio eu semelhante ao outro tomado como modelo” (Ibid. In., p. 65). Sendo assim, para Freud, a escolha de objeto sempre será uma escolha de objeto narcísico, pois “a escolha objetal é efetuada numa base narcisista, de modo que a catexia objetal, ao se defrontar com obstáculos, pode retroceder para um narcisismo” (FREUD, [1917] 2006, p. 255).

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A identificação com o objeto perdido rememora o tempo do narcisismo primário onde o bebê sentia que ele e a mãe formavam uma unidade corporal, e tinha a impressão de viver em plenitude com o Outro, assim, diante do afastamento desse objeto de amor, tomava sua ausência como uma perda. Do mesmo modo, o sujeito enlutado se apega ao Outro a ponto de sentir o Outro como se ele fosse uma parte sua, – o que nos esclarece porque o enlutado ao falar de sua dor diante da perda procura explicá-la dizendo sentir ter perdido um pedaço de si.

Frente à magnitude das perdas sofridas ao longo da vida, Bastos e Castilho citam a presença do seguinte relato escutado na clínica, o que comprova a tese de Freud referente ao luto.

“É como se tivessem arrancado um pedaço meu: um braço, uma perna”, frase que situa a afirmação de Freud de que a perda de alguém amado é vivida como perda no próprio eu e convoca a um trabalho que requer e implica tempo para que seja possível ressituar o campo narcísico e, também, o rodeio próprio ao desejo: o trabalho de luto (BASTOS; CASTILHO, 2013, p. 90).

Dessa maneira, o amor dirigido ao outro diz de um amor a sua própria imagem, por isso falamos da identificação com o objeto perdido, cuja perda é narcísica. Como a perda do objeto de amor remete a uma perda no próprio eu, o sujeito perde o eu ideal, ou seja, própria imagem que o permitia amar a partir da relação especular que viva com o Outro materno. “Se a criança reconhece sua imagem no espelho é primeiramente como um outro que ela se vê e se apreende. ‘O eu é o outro’. O fenômeno do transitivismo é sua ilusão” (CHEMAMA, 1995, p. 65). Do ponto de vista lacaniano, “o eu ideal é elaborado a partir da imagem do próprio corpo no espelho” (LACAN, [1949] 1998, p. 67).

Igualmente, a dor sentida em decorrência dessa perda narcísica “funciona também como uma reação de defesa do Eu que diante da perda de seu objeto de amor, luta para se reencontrar” (FERREIRA, 2010, p. 79). Por esse viés, a dor causada pela perda trata-se de uma dor na alma, na medida em que, segundo nos explica Ferreira, ocorre um desregramento da vida psíquica e um aumento da tensão pulsional. “Nesse sentido é necessário que toda energia antes investida no objeto seja retirada imediatamente e em

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seguida direcionada ao Eu [...]. Podemos dizer que a dor se localiza entre o indivíduo que ama e seu objeto de amor”. (Ibid. In.).

Como as perdas são inevitáveis na vida de qualquer pessoa, todos se veem atravessados por elas no decorrer da existência. Vimos segundo a teoria de Freud que elaborar essas perdas a partir de um trabalho de luto significa a possibilidade de voltar a desejar para investir em um novo objeto de amor. Entretanto, notamos que algumas perdas são mais difíceis de serem superadas, enquanto outras são mais fáceis, o que muda, nesse sentido, é apenas a forma como cada pessoa toma para si aquilo que lhe cabe em termos de danos, como cada qual se posiciona diante dos mesmos. Deste modo, o sofrimento decorrente da elaboração das perdas deve-se ao fato de que a dor sentida remete ao sujeito a perda do narcisismo da infância que, apesar de não se recordar, foi uma perda bem dolorosa, mas que por outro lado, funcionou como condição fundamental ao desenvolvimento do sujeito psíquico.

O luto constitutivo da estrutura do desejo, não dispensa o sujeito do trabalho de luto ao longo da vida. Justamente porque o luto fundamenta a estrutura do desejo, um novo luto é convocado sempre que a perda se interpõe e, quando não é atravessado, os caminhos do desejo se obstruem, o que significa dizer que são duas ordens de luto, mas estrutura e experiência são dimensões articuladas. Procura-se mostrar, portanto, como – dada a função estruturante do luto – a cada perda vivida é o trabalho de luto do objeto que reabre as vias desejantes (BASTOS; CASTILHO, 2013, p. 90).

Em seu décimo seminário, intitulado A angústia, Lacan precisamente indica a função constitutiva do luto na estruturação do desejo (LACAN, [1963] 2006, p. 361). A correlação entre luto e desejo parte de um tempo de estruturação subjetiva, “das operações de alienação e separação, visando localizar uma dimensão de perda que é buscada na operação de separação e que implica um luto primordial” (BASTOS; CASTILHO, 2013, p. 90).

Conforme nos situa Allouch (2004, p. 193), verificamos a existência de uma pequena, porém notável diferença entre as teorias do luto de Freud e de Lacan. Diante dessa constatação, recorremos ao que foi proposto por Allouch

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ao demonstrar a disparidade sobre a função do luto entre os dois teóricos supramencionados, Freud e Lacan, conforme nos ilustra o quadro13 a seguir:

FREUD: perda do objeto + trabalho de luto igual a 0 LACAN: perda do objeto + [? de] luto diferente de 0

Allouch diverge de Freud quando ele diz que ao final de um trabalho de luto o sujeito voltaria a ser o mesmo que era antes da perda, como se o objeto de amor fosse passível de substituição. Para ele, depois de um trabalho de luto a pessoa nunca mais voltará a ser como antes da perda, porque o objeto do luto é insubstituível. “Por mais sustentado que seja o esforço de fazer de um novo objeto um objeto de substituição, restará o fato mesmo da substituição como diferença ineliminável: a segunda vez não será nunca a primeira”. (ALLOUCH, 2004, p. 193).

Diante disso, o referido autor nos diz que uma perda é diferente da outra, pois frente a perdas drásticas, como por exemplo, a morte de um filho, dos pais, ou de um companheiro da vida toda, seria impossível substituir o objeto de amor, não sendo possível transferir o mesmo afeto para outro, diferentemente do que poderia ocorrer em relação à perda de um emprego, um ideal, ou posição social, onde a libido poderia encontrar um objeto substituto para investir. Claro que o eu pode amar novamente após um trabalho de luto, mas esse novo objeto de amor não aniquila o objeto perdido.

Não se trata de reencontrar um objeto, ou uma relação com um objeto, não se trata de restaurar o gozar de um objeto em sua feitura particular, trata-se de uma mudança brutal na relação de objeto, da produção de uma nova figura da relação de objeto (Ibid. In., p. 193-194).

Com tal característica, um trabalho de luto bem-sucedido não estaria representado apenas pela capacidade de investir em um novo objeto de amor,

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pois nem tudo é passível de substituição, mas, sim, na capacidade de amar um outro objeto sem deixar de amar o objeto perdido remetente ao narcisismo.

Avançando nessa questão, vamos nos apoiar em um caso clínico trazido por Nasio (1997) na obra O livro da dor e do amor, que aborda o luto de Clémence.

A paciente tinha 38 anos e era diagnosticada como estéril, mas mesmo assim, desejava ela se tornar mãe. Passados três anos de análise, Clémence finalmente engravidou, dando à luz a um menino chamado Laurent, que falecera três dias após seu nascimento, sem nenhuma causa aparente. A paciente telefonou para Nasio e lhe deu a notícia trágica. Pouco tempo depois, retomou a análise, onde chorou pela perda do filho e se questionou por alguns meses sobre a morte dele, do por que havia acontecido essa tragédia, o que ela haveria feito de errado, dentre outras coisas. Após retomar seu espaço no divã, a paciente finalmente entrou em trabalho de luto. Clémence ficava horrorizada ao ouvir palavras de consolo das pessoas, tais como: “Não se atormente! Pense em outra gravidez! Você ainda tem tempo! Tenha outro filho e você verá que vai esquecer!” (NASIO, 1997, p. 13). Essas palavras eram inábeis e significavam um apelo ao esquecimento, como se fossem uma incitação para que ela perdesse o que restava do filho que perdera concretamente, pois agora ele só existia em seu “coração”, que representava o lugar de onde ela não queria que ele saísse jamais. Era como se revoltada, gritasse ao mundo: “Perdi meu filho e sei que ele não voltará mais! Sei que ele não está mais vivo, mas ele continua a viver em mim! E vocês querem que eu o esqueça! Que ele desapareça pela segunda vez”! (Ibid. In.). Assim, pedir para que ela esquecesse o filho morto, e que o substituísse por outro bebê antes de seu luto se elaborar, era algo extremamente violento e agressivo.

Depois de algum tempo de análise, Nasio fala para Clémence: “[...] porque, se nascer um segundo filho, quero dizer um irmão ou irmã para Laurent [...]”. Antes que ele concluísse a frase, a paciente o interrompeu e falou: “É a primeira vez que ouço dizer ‘um irmão ou irmã de Laurent’! Tenho a impressão de que um enorme peso foi tirado de mim”. (Ibid. In.). Foi então que Nasio disse a seguinte frase: “Onde quer que Laurent se encontre agora, estou

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certo de que ele ficaria feliz de saber que um dia você lhe dará um irmãozinho ou irmãzinha!” (Ibid. In.).

Na última frase mencionada, Nasio expressou sua concepção de luto, segundo o qual “a dor se acalma se a pessoa enlutada admitir enfim que o amor por um novo eleito vivo nunca abolirá o amor pelo desaparecido” (Ibid. In. p. 14).

A imagem do ser perdido não deve se apagar; pelo contrário, ela deve dominar até o momento em que – graças ao trabalho de luto – a pessoa enlutada consiga fazer com que coexistam o amor pelo desaparecido e um mesmo amor por um novo eleito. Quando essa coexistência do antigo e do novo se instala no inconsciente, podemos estar seguros de que o essencial do luto começou (NASIO, 1997, p. 13).

Quanto a isso, Nasio finaliza que caso Clémence engravidasse de novo, o futuro filho nunca iria tomar o lugar do irmão mais velho falecido, pois teria a posição de segundo filho, conquistando, assim, seu próprio lugar no desejo dos pais e, simultaneamente a isso, Laurent apesar de morto, continuaria sendo o primogênito do casal vivo na lembrança de seus pais.

Mediante o exposto, verifica-se a importância que o trabalho de luto teria na vida de Clémence, pois, ao elaborar a perda do filho Laurent, poderia novamente desejar ter outro filho, sem deixar de amar o primeiro que não existe mais, a não ser em seu “coração”. Quando Clémence sofreu a perda do filho Laurent, sentiu como se tivessem arrancado um pedaço seu, o que possibilitou a atualização do seu narcisismo perdido na infância e fez com que ela sentisse a perda do filho como uma falta. Só com o passar do tempo é que Clémence se possibilitaria a desejar ter outro filho.

A partir desse caso clínico verificamos o exemplo da relação existente entre a perda, o luto e o desejo, sem deixar de articular a falta. Contudo, não podemos deixar de mencionar a existência do gozo14, que aparece como culpa

14 Gozo diz respeito a “diferentes relações com a satisfação que um sujeito desejante e falante

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no discurso de Clémence, pois ao se sentir responsável pela morte do filho, ela estaria no gozo, e assim, impossibilitada de fazer o atravessamento do luto.

Falta não apenas o que faz falta, mas também, enquanto culpa, pois sabemos que o sujeito padece de uma culpabilidade originária, como se fosse ele próprio o responsável pela sua perda. Freud se refere a um sentimento inconsciente de culpa. Lacan aponta a relação dessa culpa originária, o pecado original, com o gozo, ou seja, o que fica excluído do simbólico (PERES, 2010, p. 40).

A partir disso, podemos nos questionar sobre o que faltaria para o enlutado. Faltaria que tipo de objeto? O objeto de amor? Ou seria o objeto de desejo?

Antes de responder a esta questão, precisamos explanar sobre qual seria o objeto do luto, já que como citado antes, o luto é a reação à perda de um objeto de amor (FREUD [1917] 2006, p. 249).

O luto se presentifica, pois, na estruturação básica do sujeito e na constituição do objeto. A impossibilidade da relação de objeto é um traço de estrutura e diz respeito à própria constituição do objeto: Lacan desloca as teorias sobre a relação de objeto para uma teoria sobre a falta de objeto (PERES, 2013, p. 39).

Segundo Nasio, “é pelo propósito da natureza do objeto, precisamente que Freud distingue o luto normal do luto patológico, ou ainda, o luto normal da melancolia”. (NASIO, 1997, p. 158).

Para Freud, no luto normal a perda é a nível consciente, enquanto que, no luto patológico, a perda é inconsciente, tal como ocorre com o melancólico que:

sabe quem ele perdeu, mas não sabe o que perdeu nesse alguém. Isso sugeriria que a melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda (FREUD, [1917] 2006, p. 251).

Segundo Nasio (1997, p. 159), vamos perceber na citação de Freud a problemática do objeto pequeno a que Lacan nos propôs, pois:

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Sabemos quem perdemos, mas não sabemos o que foi perdido com o desaparecimento da pessoa amada. Essa é a primeira distinção que, como vemos, não basta para separar o luto normal do patológico, porque se encontra infalivelmente essa parte inconsciente em todas as formas de luto. (Ibid. In.).

Se no processo do luto a pessoa sabe o que perdeu a nível consciente, a mesma perda também estará a nível inconsciente, justamente pelo fato do enlutado não poder nomear o que perdeu ao perder alguém, pois na medida em que é inconsciente, não se sabe o que se perdeu. Nasio menciona que, ao abordar o luto, Lacan “fala algumas vezes como se tratasse de uma única forma de luto, o luto patológico”, o que seria uma diferença do grau do luto e não uma diferença entre as estruturas do luto normal (neurose) ou da melancolia (psicose).

Diante da inviabilidade de encontrar uma palavra para expressar algumas funções e descrições, Lacan citado por Peres (2010, p. 40) recorria à álgebra, utilizando as anotações a e i(a). “O a como ‘o que não se tem mais’, resto, objeto causa de desejo; i(a) como função central do investimento narcísico, imagem especular, eu-ideal, função de constituição do eu por uma série de identificações” (Ibid. In.). Assim,

Lacan pontua que a distinção entre o a e o i(a) é de maior importância para se compreender o que foi dito da diferença entre o luto e a melancolia, ou seja, entre a imagem narcísica e o que é perdido na própria constituição dessa imagem. Enquanto o problema do luto é o da “manutenção dos vínculos por onde o desejo está suspenso de

i(a)”, isto é da imagem especular, no que se refere à melancolia

temos que pensar na relação com o a. (Ibid. In.).

Para Freud, o objeto do luto seria o objeto de amor, ou o objeto narcísico i(a), sendo o objeto da melancolia o objeto causa do desejo, o pequeno a. Lacan observa que, para Freud, “o sujeito do luto lida com uma tarefa que consistiria em consumar pela segunda vez a perda do objeto amado, provocada pelo destino” (LACAN, [1963] 2005, p. 363). Logo, o que Clémence teria perdido com a morte se seu filho Laurent seria de ordem narcísica, portanto i(a), pois em decorrência da morte de Laurent, Clémence teria perdido uma parte de si. De qualquer forma, o objeto de amor estaria perdido e ela se

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identificaria com o objeto agora perdido. Na lógica freudiana, ao passar pela perda, após concluir o trabalho de luto, Clémence voltaria a “estaca zero”, ou seja, tudo voltaria a ser como antes da morte de Laurent e ela finalmente passaria a desejar ter outro filho, como se Laurent nunca tivesse existido.

Em outra concepção, Lacan diz:

Quanto a nós, o trabalho do luto nos parece, por um prisma simultaneamente idêntico e contrário, um trabalho feito para manter e sustentar todos esses vínculos de detalhes, na verdade, a fim de restabelecer a ligação com o verdadeiro objeto da relação, o objeto mascarado, o objeto a, para o qual, posteriormente, será possível dar um substituto, que afinal não terá mais importância do que aquele que ocupou inicialmente seu lugar (LACAN, [1963] 2005, p. 363).

Freud diz que objeto do luto tem uma condição passageira, e diante disso, Nasio refere que Lacan discorda desse aspecto, pois mesmo que o trabalho de luto seja concluído, o lugar do objeto do luto é insubstituível, pois “podemos afirmar que quando desaparece o outro que era meu eleito e de quem eu era o eleito, perco não só a pessoa, mas o lugar de objeto a e de objeto imaginário que eu ocupava para ele” (NASIO, 1997, p. 163). É como se uma parte do eu desaparece junto com o morto. Assim o que Clemencé perdeu primeiro com a morte de seu filho Laurent, era a imagem dela mesma, o amor narcísico que tornava o amor do outro possível pela identificação, ou seja, ela perdeu o eu ideal, o i(a). Nessa situação, veremos que existe uma grande dificuldade na definição desse objeto do luto que é amado e perdido, pois, “a causa de desejo permanece além da significação, como não significável e se quisermos pensar em um objeto que esteja envolvido no desejo, ele será o objeto perdido postulado por Freud, ou o objeto a formulado por Lacan” (VIOLA; VIEIRA, 2008, p. 56).

Apesar da afirmação que o objeto a está presente tanto no luto quanto na melancolia, na melancolia o nome-do-pai15 apresenta-se forcluído por ela abranger o campo das psicoses, sendo que o luto representa um modelo de elaboração das perdas na neurose, onde o nome-do-pai é recalcado. Conforme

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Nome-do-pai é um “termo criado por Jacques Lacan [...] para designar o significante da função paterna” (ROUDINESCO; PLON, 1999, p. 541).

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apresenta Nasio, precisamos levar em conta que o eu do melancólico, além de se identificar com o objeto perdido, tal como acontece no luto, incorpora o objeto perdido (NASIO, 1997, p. 159). Assim, trata-se “de uma identificação que Lacan qualifica de ‘mais misteriosa’: a identificação com o lugar do objeto como perdido” (BASTOS; CASTILHO, 2013, p. 98).

A melancolia, portanto, toma emprestado do luto alguns dos seus traços e, do processo de regressão, desde a escolha objetal narcisista para o narcisismo, os outros. É por um lado, como o luto, uma reação a perda real de um objeto amado; mas, acima de tudo isso é assinalada por um determinante que se acha ausente no luto normal ou que, se estiver presente, transforma este em luto patológico (FREUD, [1917] 2006, p. 256).

Freud faz referência aos sentimentos de culpa, da ambivalência na perturbação da autoestima, que apesar de estar presente na melancolia, não é exclusividade do melancólico, pois “certas depressões obsessivas são frequentemente acompanhadas de atitudes de desprezo por si mesmo, sem que se trate de uma psicose depressiva” (NASIO, 1997, p. 159).

Portanto, explica Freud:

Onde existe uma disposição para a neurose obsessiva, o conflito devido à ambivalência empresta um cunho patológico ao luto, forçando-o a expressar-se sob forma de auto-recriminação, no sentido de que a própria pessoa enlutada é culpada pela perda do objeto amado, isto é, que ela a desejou (FREUD, [1917, p. 256).

Assim, voltamos ao caso de Nasio (1997, p. 11-14), onde a paciente Clémence sentia-se culpada pela morte do filho Laurent e gozava dessa autopunição. Diante desse exemplo clínico, percebemos que “esses estados depressivos que se seguem à morte de uma pessoa amada revelam-nos o que o conflito devido a ambivalência pode alcançar por si mesmo quando também não há uma retração regressiva da libido” (FREUD, [1917] 2006, p. 256).

Dessa maneira, fica esclarecido que durante o percurso do trabalho de luto se evidencia a identificação do sujeito com o objeto perdido, sendo que tal identificação procura compensar a perda sofrida, a fim de que o sujeito se adapte diante da perda do seu objeto de amor, que por hora não se tratava de

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um objeto qualquer, afinal de contas, não se faz luto pelo que foi indiferente ou sem importância, sendo possível fazer luto por um objeto de escolha narcísica, ao qual foi investido intenso amor.

Por todos esses aspectos, afirmamos que a elaboração das perdas na vida adulta trata-se de uma atualização do doloroso (porém, normal) trabalho de luto que toda a criança pequena passou ao perder seu narcisismo, pois “para que alguém se torne objeto, para que possa ocupar o lugar do que causa o desejo do Outro, só uma vez que o Outro o perdeu” (RABINOVICH apud BASTOS; CASTILHO, 2013, p. 98-99).

Levando-se em conta o que foi pesquisado, torna-se possível concluir esse capítulo dizendo que após a elaboração do luto surge a falta. A falta permite que o sujeito vá em busca de um outro objeto de amor (sem deixar de amar o objeto perdido), já que seu desejo o impulsiona. Nessa direção, Lacan situará a resposta para a questão norteadora desse trabalho, demarcando a função do luto como a “estrutura fundamental da constituição do desejo” (LACAN, [1963] 2005, p. 361).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho de conclusão de curso partiu da premissa de que as perdas drásticas que acontecem ao longo da vida geram dor e sofrimento psíquico que repercutem de maneira singular para cada sujeito. Isso se deve ao fato de que os recursos psíquicos são singulares, pois, enquanto algumas pessoas elaboram a perda através de um trabalho de luto, outras acabam se deparando com saídas patológicas.

Mediante isso, no decorrer deste trabalho, buscou-se fazer uma correlação entre a perda da mãe (como representante do primeiro objeto de amor do bebê) com as possíveis perdas drásticas do futuro, como, por exemplo, a morte de um ente querido, a separação amorosa radical, e a perda de um ideal, ou status social.

Vimos que o sofrimento sentido nas perdas futuras é uma atualização da perda do objeto primordial, isso porque, diante da perda do objeto de amor, o eu sente a repetição da perda originária, ou seja, a perda do seu narcisismo. Entendemos que a perda primordial acontece na vida do bebê, sendo direcionada a sua mãe, e se trata de um processo natural, que, por sua vez, impulsiona o sujeito a procurar preencher a falta que a ausência do Outro materno lhe causou.

Destacamos que essa busca vai permanecer constante na vida da pessoa que, de alguma forma, vai tentar preencher a falta a partir da escolha de novos objetos de amor. Todavia, devido ao caráter de finitude das coisas, esses novos objetos de amor que foram eleitos no decorrer da existência

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também poderão sair de cena, gerando sofrimento compatível com um trabalho de luto.

Por isso nos remetemos aos eventos constitutivos referentes a magnitude das primeiras perdas vividas na infância para, assim, se entender o grau de intensidade das posteriores perdas alusivas ao destino de cada um, pois, no decorrer desse trabalho, concluímos que as perdas futuras atualizam o sofrimento psíquico decorrente das perdas do começo da vida, que foram necessárias para a constituição do sujeito psíquico em uma posição desejante.

Sendo assim, após um lapso de tempo, algumas pessoas elaboram a perda a partir de um trabalho de luto, estando novamente aptas a investir sua libido em um outro objeto de amor. Já outras, mesmo com o passar dos anos, não conseguem ressignificar esses momentos. Dessa forma, a não elaboração do luto das perdas da infância leva o sujeito a uma condição patológica, marcada pela dificuldade ou pela impossibilidade de ressignificação das perdas futuras, o que resultaria em uma inviabilidade de estruturação do desejo.

Dessa forma, a procura por um trabalho psicanalítico poderia contribuir para que o processo do luto fosse instaurado na pessoa abalada, a fim de que, após certo lapso de tempo, ela pudesse novamente sentir desejo de amar, podendo eleger um novo objeto de amor. Assim, obtivemos bom resultado ao procurar entender qual seria a função do luto diante de uma perda drástica, cuja resposta para Freud seria a de que, após um trabalho de luto, o eu ficaria desimpedido para amar novamente, e, para Lacan, a função do luto seria a de estruturar a constituição do desejo.

A partir da leitura de Nasio, Peres, e Allouch, percebemos que Lacan disse algo novo no que tange ao objeto do luto, o que contrapõe em parte a teoria freudiana, para a qual o objeto no luto seria da ordem narcísica i(a) e passível de substituição, enquanto que para a teoria lacaniana, seria também o objeto narcísico i(a), porem diante da dimensão da perda, esse objeto não seria passível de substituição, representado então pelo objeto pequeno a. O luto para Freud é do nível consciente, por isso a pessoa sabe o que perdeu ao perder alguém, enquanto que, para Lacan, além da pessoa saber que perdeu alguém, ela não sabe o que perdeu ao perder esse alguém, dando a perda um

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aspecto inconsciente, sem que o enlutado esteja preso há um estado patológico, ou a uma estrutura melancólica.

Dado o exposto, o trabalho de luto requer tempo para que seja elaborado. Algumas pessoas passarão por ele mais rápido, outras de maneira mais lenta, mas, o que importa é que nenhuma estará livre dos sentimentos de pesar, pois não há trabalho de luto que não tenha dor. Basta ver que nem a criança pequena é poupada do sofrimento que a perda da mãe lhe causou. Por esse motivo, diante de uma perda drástica, perdemos muito mais do que um objeto de amor, perdemos um pedaço de nós mesmos, dado que o afeto sentido com a perda sempre é resultado de uma repetição, pois atualizarmos o sentimento gerado pela perda do narcisismo infantil, que rememora o tempo da ilusão de plenitude que o bebê sentia de ser fusionado com o Outro materno.

Referências

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