• Nenhum resultado encontrado

A tutela constitucional da vida humana e a criminalização do aborto no Brasil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A tutela constitucional da vida humana e a criminalização do aborto no Brasil"

Copied!
66
0
0

Texto

(1)

CLÁUDIO MARTINS

A TUTELA CONSTITUCIONAL DA VIDA HUMANA E A CRIMINALIZAÇAO DO ABORTO NO BRASIL

Ijuí (RS) 2014

(2)

CLÁUDIO MARTINS

A TUTELA CONSTITUCIONAL DA VIDA HUMANA E A CRIMINALIZAÇAO DO ABORTO NO BRASIL

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2014

(3)

Gostaria de dedicar este trabalho a todos que, de uma ou de outra forma, me auxiliaram e me apoiaram durante todos os cinco anos da minha caminhada acadêmica, para chegar a um objetivo maior que é o de conseguir o diploma de direito nesta renomada universidade!

(4)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, acima de tudo, a Deus, pela vida, força, coragem e amor incansável que sempre dedicou a mim.

A minha orientadora Ester Eliana Hauser, pela sua dedicação, apreço, carinho e disponibilidade. Sempre que eu a solicitava, estava pronta a ajudar e colaborar em tudo que eu pudesse necessitar.

A minha doce e encantadora mãe, que acompanha todos os passos da minha caminhada, seja na família, na sociedade, na educação, no respeito ao próximo, dando exemplos de honestidade, fé e coragem.

A minha esposa linda e meiga, que, simplesmente, é a razão da minha existência. Sempre tentando me mostrar o que é mais certo e justo para com a minha vida e com o ser humano. Longas e intermináveis noites me esperando chegar da faculdade para preparar um sanduíche e ver como tinha sido minha aula. Nenhum dia sequer dormiu antes de eu chegar da universidade.

(5)

“Ninguém melhor que nós mesmos para sabermos de nossos sonhos, nossas emoções, nossas lutas e nossa busca incessante por um mundo melhor e por aquilo que queremos de bom para nós mesmos. Devemos e podemos ser donos de nossas próprias atitudes, especialmente quando buscamos a igualdade entre todos os povos, raças, crenças e ideologias. Fazer deste um mundo melhor está, unicamente, em nossas mãos”.

(6)

RESUMO

A discussão da temática sobre o aborto no Brasil é delicada, pois envolve preceitos éticos, morais e legislativos, envolvendo também os preceitos das políticas públicas relacionadas à questão da saúde pública da mulher. A criminalização do aborto no Brasil propicia sua prática de forma clandestina e/ou insegura, podendo acarretar graves consequências à saúde das mulheres. Nessa perspectiva, este estudo tem como objetivo geral discorrer sobre os princípios que regem a tutela constitucional da vida humana e relacioná-los com as práticas criminosas de aborto no Brasil; como objetivos específicos analisar a proteção constitucional da vida humana, relacionando-a ao princípio da dignidade humana, ao direito à liberdade e à autonomia dos indivíduos, bem como ao direito fundamental à saúde, como também identificar os principais motivos que levam determinadas mulheres a praticar o aborto no Brasil, além de distinguir os tipos de aborto considerados legais dos ilegais, segundo o Código Penal e a Constituição Federal. Por fim, realizar um estudo sobre a defesa da vida e considerá-la relativa e positiva quanto à proibição do aborto. A princípio, através de revisão de literatura, pesquisa em sites de órgãos sobre o debate do aborto no Brasil e revistas que abrem as portas para novas discussões, observa-se que é necessária uma maior preocupação por partes de entidades governamentais, bem como dos poderes judiciais, a perspectiva de que devem ser dadas às mulheres mais respeito e dignidade, pois estão sujeitas a várias questões, sejam psicológicas ou negativas de sua vida, levando-as a praticarem o aborto inseguro e clandestino. Para tanto, é preciso que as políticas públicas sejam mais eficazes e tentem manter uma melhor qualidade em seus serviços da saúde à mulher, dando mais atendimento com relação ao aborto seguro, que ainda está sendo uma prática ilegal no Brasil, mas que por várias razões deve se tornar legal.

(7)

ABSTRACT

The discussion of the issue on abortion in Brazil is delicate because it involves ethical, moral and legal precepts, also involving the precepts of public policies related to public health issue for women. The criminalization of abortion in Brazil provides its practice of illegal and / or insecure way and can have serious health consequences for women. In this perspective, this study aims to describe elaborate on the principles governing the constitutional protection of human life and relate them to the criminal practices of abortion in Brazil; and specific objectives to analyze the constitutional protection of human life relate to the principle of human dignity, the right to freedom and autonomy of individuals, as well as the fundamental right to health, as well as to identify the main reasons why certain women to practice abortion in Brazil besides distinguish the types of legal abortion considered illegal under the Criminal Code and the Federal Constitution and finally conduct a study on the protection of life and regard it as positive and relative to the prohibition of abortion. At first, through literature review, research organ of the abortion debate in Brazil and magazines that open doors to new discourses sites, thus leveraging a better position that concern parts of governmental entities is necessary and judicial powers of the view that women more respect and dignity that they are subject to a number of issues be they psychological or negative in your life, causing them to practice unsafe and illegal abortion, should be given to both is necessary that public policies are more effective and try to maintain a better quality in their services to women's health by giving them more attention to them in relation to safe abortion, which is still being an illegal practice in Brazil, but for reasons that should become cool.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 ... 12

1.1 A vida como um direito fundamental ... 12

1.2 Teorias sobre o inicio da vida humana ... 16

1.3 O direito À vida, À diginidade humana e aos demais direitos fundamentais (liberdade e saúde) ... 19

2 O ABORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 26

2.1 O aborto na legislação brasileira ... 27

2.1.1 O aborto criminoso ... 27

2.1.2 As hipóteses de aborto lícito ... 30

2.2 As práticas de aborto clandestino no Brasil (tema invisível) ... 32

2.2.1 Quantas mulheres já foram punidas no Brasil? ... 38

3 A CRIMINALIZAÇAO DO ABORTO NO BRASIL ... 41

3.1 O aborto no direito comparado ... 43

3.2 A criminalização do aborto no anteprojeto de reforma ao código Penal Brasileiro ... 48

3.3 Considerações político-criminais sobre o direito a vida e ao aborto ... 51

CONCLUSÃO ... 61

REFERÊNCIAS ... 64

(9)

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema a tutela constitucional da vida humana e a criminalização do aborto no Brasil. Na contemporaneidade existem várias controvérsias relacionadas às práticas do aborto, como também se praticá-lo deve ser ou não considerado um crime contra a vida humana. Falar sobre o aborto no Brasil gera muitos debates, pois, em regra, vão se confrontar com ideologias diferentes em vários aspectos, tais como religiosas, humanitárias, políticas, jurídicas e culturais. De um lado existem grupos a favor da descriminalização do aborto voluntário, pois defendem os direitos da mulher a decidir sobre seu corpo e, de outro lado, há posições contrárias a esta prática, alegando que a mulher, de certa forma, tem o direito à liberdade de escolha entre ter ou não o filho, mas esta opção não lhe dá o direito de tirar a liberdade de um feto se desenvolver e nascer com vida.

No Brasil a prática do aborto voluntário é criminalizada pelo Código Penal. Ocorre que, apesar disso, são muito significativos os números de abortos clandestinos praticados no país todos os anos. A clandestinidade produz efeitos extremamente preocupantes quanto à saúde das mulheres, o que sugere a necessidade urgente de medidas alternativas e soluções imediatas quanto a esta prática, para poder evitar mortes ou sequelas decorrentes deste ato ilegal.

Diante desta realidade o trabalho tem por objetivo geral analisar os princípios que regem a tutela constitucional da vida humana e relacioná-los com as práticas criminosas de aborto no Brasil, para verificar-se, em que medida, a descriminalização do aborto voluntário é compatível com a ordem constitucional brasileira e se poderia contribuir para a redução das práticas clandestinas de aborto no país.

O trabalho propõe-se a analisar a proteção constitucional da vida humana relacionando-a ao princípio da dignidade humana, ao direito a liberdade e a autonomia dos

(10)

indivíduos, bem como ao direito fundamental a saúde. Propõe-se a identificar os principais motivos que levam determinadas mulheres a praticar o aborto no Brasil, bem como distinguir os tipos de aborto considerados legais dos ilegais, segundo o Código Penal e a Constituição Federal. Busca também realizar um estudo sobre a defesa da vida e considerá-la relativa e positiva quanto à proibição do aborto.

No primeiro capítulo será abordado o direito fundamental à vida na Constituição Brasileira de 1988, elucidando as diversas teorias sobre o início da vida humana. Além deste direito a vida, tratar-se-á da dignidade da pessoa humana e os demais direitos fundamentais, tais como liberdade e saúde. Nele será apresentado o direito à vida e a dignidade humana, bem como os demais direitos fundamentais consagrados pela CF/88 tais como a liberdade e a saúde, que precisam ser tomadas em consideração na discussão sobre o aborto, sendo estes analisados pelos mais diferentes pontos de vista, explicitando o direito à vida como fundamental.

No segundo capítulo, tratar-se-á do tema aborto tendo como referência a legislação constitucional e infraconstitucional brasileira, em especial o Código Penal, que criminaliza a interrupção voluntária da gestação. Diversos fatores permitem demonstrar que a ilegalidade do aborto no Brasil provoca implicações à saúde da mulher, vez que várias buscam praticas inseguras e clandestinas de abortamento, especialmente as mais carentes, que compõem a maior parcela da população brasileira, e são as que mais se envolvem em situações e métodos de abortos inseguros e perigosos, os quais, inúmeras vezes, resultam em complicações graves para a saúde, levando-as, inclusive a óbito. Neste ponto o tema aborto será estudado a partir do que dispõe a legislação Brasileira. Serão relatadas as hipóteses de aborto ilícito e também as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gestação. Ao discorrer sobre este tema também serão apontadas as vantagens e benefícios da criminalização ou descriminalização do mesmo, especialmente a questão do aborto clandestino, seus riscos e consequências para a saúde da mulher e o destino desta nova vida.

No terceiro e último capítulo se colocará em discussão a necessidade da criminalização do aborto voluntário no Brasil. Buscar-se-á, nele, fazer uma revisão crítica, uma vez que se percebe, por um lado, que a criminalização em pouco contribui para a redução dos índices de aborto no país e, por outro lado, que há um elevado déficit na qualidade da

(11)

assistência prestada à saúde reprodutiva da mulher e nas ações do planejamento familiar. O papel da criminalização leva a uma razão perversa de ser, uma vez que a lei não permite que sua prática seja controlada pelo Estado.

A metodologia utilizada no presente trabalho será uma longa e atenta pesquisa bibliográfica, a partir da qual é possível analisar, bem como discutir o tema a partir de artigos, livros, revistas, reportagens, textos da internet, reportagens de jornais, entre tantos outros meios. A partir do estudo é possível melhor compreender a questão do aborto no Brasil,

produzindo-se uma visão mais ampla sobre este tema tão discutido e polêmico. Com o desenvolver da pesquisa será possível alterar, substancialmente, concepções pessoais

arraigadas sobre o tema do aborto e, para isso, será necessário apenas um estudo mais aprofundado sobre a questão, o que demonstra que todo o ser humano pode mudar seus conceitos e suas escolhas, basta, para isso, pesquisar, estudar, ler e superar preconceitos.

(12)

1. O DIREITO FUNDAMENTAL A VIDA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Para discutir o tema do aborto é necessário fazer, em primeiro lugar, um debate sobre a vida humana como um direito fundamental, ou seja, a tutela constitucional da vida humana, onde se criam espaços permanentes para defender o direito a vida, ou seja, a de se debater a proteção da vida humana intrauterina. Algumas teorias sobre o início da vida precisam e devem ser debatidas para uma melhor compreensão sobre como, quando e onde, realmente, se inicia a vida humana para o direito, para a ciência e para a religião.

O direito a vida e a dignidade humana, bem como os demais direitos fundamentais consagrados pela CF/88 tais como a liberdade e saúde precisam ser tomadas em consideração na discussão sobre o aborto, sendo estes analisados pelos mais diferentes pontos de vista.

1.1 A vida como um direito fundamental:

A Constituição Brasileira de 1988 explicita o direito a vida como fundamental. A partir do comando constitucional, o Código Penal Brasileiro, em seu Capítulo I, que trata dos crimes contra a vida, criminaliza o homicídio doloso e culposo, a participação em suicídio, o infanticídio e também o aborto, punindo com sanções criminais, provocado pela gestante ou com o seu consentimento e o aborto provocado por terceiro. Os três primeiros crimes mencionados referem-se à proteção da vida humana extrauterina, ao passo que o aborto refere-se à tutela da vida intrauterina. A CF não estabelece qual o marco inicial da vida, porém a Convenção Americana de Direitos Humanos, internalizada no Brasil por meio do Decreto 678/92, preconiza que toda pessoa tem o direito que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei desde o momento da concepção, sendo que, ninguém, pode ser privado da vida arbitrariamente.

O princípio de que a vida humana é sagrada, fundamenta-se na premissa de que a vida é um bem e sempre digna de ser vivida, portanto, deve ser protegida, não podendo ser interrompida nem mesmo por vontade da própria pessoa. Nessa perspectiva, qualquer

(13)

restrição ou diminuição do direito a vida deve ser combatida inclusive por intermédio das leis penais.

Com esse argumento, determinadas forças políticas, imbuídas de perspectivas religiosas, se contrapõem fortemente ao aborto, defendendo sua criminalização, não se importando com os motivos que norteiam a vontade da mulher em interromper a gravidez. Defendem que é inadmissível legalizar o aborto no Brasil, pois existiria uma norma supralegal definindo que a vida se inicia a partir da concepção e que tal disposição não pode ser afrontada por normas infraconstitucionais ou por emendas Constitucionais (SANTOS e outros, 2013, p. 500).

Por sua vez, outros grupos que defendem a legalização do aborto voluntário diferem o embrião e a noção da pessoa humana. Entendem que até a 12ª semana de gestação a medicina considera feto ou embrião, sendo que a pessoa humana surgiria somente a partir do inicio da constituição do sistema nervoso central e do cérebro, o que se dá por volta da décima segunda semana de gestação. Tendo este tempo como referência, defendem a descriminalização do aborto voluntário, quando realizado até este período.

Nas palavras de Singer (apud ALLEGRETTI, [S.d.], p. 41):

O feto não tem direito a vida, nem, estritamente, interesse algum por ela. Todavia, se o feto é capaz de sentir dor, então ele tem um interesse em não sentir dor. Isso sugere que se deva estabelecer o limite da vida, na décima oitava semana de gestação.

Segundo Barroso (2013, p.501) a mulher deve ter o “... direito de não ser um útero a disposição da sociedade, mas de ser uma pessoa plena, com liberdade de ser, pensar e escolher.” Esta fala fundamentou e guiou a decisão do STF de considerar a interrupção da gestação de anencéfalos como não sendo crime (SANTOS e outros, 2013, p. 501).

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, no crime de aborto, o bem jurídico protegido é a vida do ser humano em formação, embora, rigorosamente falando, não se trate de crime contra a pessoa. O produto da concepção (feto ou embrião) não é pessoa, embora tampouco seja mera esperança de vida ou simples parte do organismo materno, como alguns doutrinadores sustentam, pois tem vida própria e recebe tratamento autônomo da ordem

(14)

jurídica. A lei pátria protege, pois, não a pessoa, mas o direito do feto de viver e de continuar vivendo. O tratamento legal indica que o embrião é um sujeito de direito, pois tem vida própria e recebe tratamento autônomo da ordem jurídica, além de que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Se o valor pessoal fosse o único tipo de valor pertinente em jogo na questão do aborto, este não seria moralmente problemático (BITENCOURT, 2011, p. 163).

Nas palavras de Dworkin (apud ALLEGRETTI, [S.d.], p.10):

Se pensarmos, porém, que a vida de qualquer organismo humano, inclusive a do feto, tem valor intrínseco, a despeito de também ter, ou não, valor instrumental ou pessoal – se tratar qualquer forma de vida humana como algo que devemos respeitar reverenciar e proteger por ser maravilhosa em si mesma – teremos então que o aborto é moralmente problemático. Se for uma terrível profanação destruir uma pintura, por exemplo, ainda que uma pintura não seja uma pessoa, por que não deveria ser uma profanação ainda maior destruir uma coisa cujo valor intrínseco pode ser tão intensamente maior?

A discussão sobre a vida, enquanto bem jurídico tutelado, é bem mais amplo do que possa parecer. O aborto é problemático sobre vários ângulos, especialmente na questão da proteção constitucional da vida humana.

Referindo-se ao direito à vida Silva (2002, p. 197) observa que:

Todo ser dotado de vida é indivíduo, isto é, algo que não se pode dividir, sob pena de deixar de ser. O homem é mais que individuo, é uma pessoa. A vida humana, que é objeto do direito assegurado no art. 5º, caput da CF, integra-se de elementos materiais e imateriais. A vida é intimidade conosco mesmo, saber-se e dar-se contra si mesmo, um assistir, um tomar de posição de si mesmo. Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos, o direito a existência.

Portanto, a vida é um bem inestimável e é a fonte primária dos demais bens jurídicos.

No dizer de Jacques Robert (apud SILVA, [S.d.], p. 197):

O respeito à vida humana já é há um tempo, uma das maiores ideias de nossa civilização e o 1º princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não aceitação do suicídio. Ninguém

(15)

terá o direito de dispor da própria vida e até o presente, o feto é considerado como um ser humano.

Para o autor o direito a existência consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo direito de viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de manter o processo vital se não pela morte espontânea e inevitável. Existir é um movimento espontâneo, contrário ao estado morte. Porque se assegura o direito a vida, é que a legislação penal pune todas as formas de interrupção violenta do processo vital. É por esta razão que se considera legítima a defesa contra qualquer agressão a vida, bem como se reputa legítimo, até mesmo por tirar a vida a outrem em estado de necessidade da salvação da própria.

Segundo Silva (2002, p. 196), não se pode dar uma definição precisa do que se chama vida, porque se corre o grave risco de ingressar no campo da metafísica supra real, que não se levará a nada. Esse ser (vida) que é objeto de direito fundamental no texto constitucional (art. 5º caput), não pode ser considerado só no sentido biológico, mas também na sua acepção biográfica, mais ampla.

Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo vital, que se instaura com a concepção, transformando-se e mantendo a identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte (SILVA, 2002, p. 196).

Referindo-se a questão do aborto, Jorge de Figueiredo Dias (2010, p. 155) afirma que o nascituro não se desenvolve para se tornar pessoa, mas já como pessoa, e que a ele, se bem que personalidade ainda não formada se reconhece a dignidade humana. Em razão disso as Constituições democráticas protegem a vida intrauterina, sendo este um direito a vida própria que não depende da aceitação da grávida. Por isso:

O nascituro constitui em si mesmo um bem jurídico dotado de condição jurídico-constitucional e por isso digno de tutela penal, daí resultando o dever estatal da sua proteção: dever referido não apenas a vida intrauterina geral, mas a vida uterina singular, deste nascituro nessa situação (DIAS, 2010, p. 155).

Observa-se que o nascituro é considerado, pelo texto constitucional, de ponto de proteção, bem como é reconhecido pelo texto legal formal.

(16)

1.2 Teorias sobre o início da vida humana

Existe grande polêmica acerca de quando, de fato, começa o que se chama vida humana. Os teóricos, contrários ao aborto, consideram o momento da concepção como o marco do início da vida. Para eles, a pílula do dia seguinte ou o dispositivo intrauterino (DIU) são abortivos por interferir nesse direito considerado sagrado. O que se deve salientar é de que não cabe ao Estado, nem a religião, definir o inicio da vida, uma vez que nem a ciência consegue defini-lo. A religião busca reconhecer o momento de início e isso acaba retroagindo a um conceito anterior com a finalidade de banir. Esta definição deve ser deixada a ciência. A Constituição cabe garantir o direito a vida, mas sem defini-lo a partir do momento da concepção.

No dizer de Leonardo Boff (apud CAVALCANTE; XAVIER, 2006, p. 20):

Devemos entender a vida humana processualmente. Ela nunca está pronta. Lentamente ela vai desenrolando o código genético que conhece várias fases até que o ser concebido possa ter relativa autonomia. Mesmo depois de nascido, não estamos ainda prontos, pois não temos nenhum órgão especializado que garante nossa sobrevivência. Precisamos do cuidado dos outros, das intervenções na natureza para criar nosso habitat e garantir nossa sobrevivência. Estamos sempre em gênese. Todo esse processo é humano. Mas ele pode ser interrompido numa das fases, quando não chegou ainda a sua relativa autonomia. Isso quer dizer que houve a interrupção de um processo que tendia a plenitude humana, mas que não foi alcançada. Nesse quadro pode ser situado o aborto. Devemos proteger o máximo possível o processo, mas devemos também entender que ele pode ser interrompido por múltiplas razoes, uma delas pela determinação humana. Ela não é isenta de responsabilidade ética. Mas essa responsabilidade deve atender ao caráter processual da constituição da vida. Não é uma agressão ao ser humano, mas ao processo que tendia constituir um ser humano.

Reconhecer quando se dá o início da vida humana tem, dentre suas finalidades, a de atribuir direitos. No entanto, havendo a delimitação de direito de vida, consequentemente se estabelece o direito de morte e, por conseguinte, o direito de destruir células em desenvolvimento. Assim, surgem questionamentos como: por que não abortar, se não está se lidando com seres humanos? Se não for um ser humano, por que culpar quem abortou? Qual o prazo para realizar um aborto que permita a gestante agir de forma legal ou moral?

Para Tessaro (2008, p. 38), não há, no âmbito teórico, um consenso sobre o momento em que tem início a vida humana, surgindo muitos questionamentos de ordem biológica, os quais tampouco a ciência possui resposta satisfatória.

(17)

Para alguns a vida humana inicia com a fecundação, para outros com a nidação, sendo que esta ocorre no 14º dia após a fecundação, com a implantação do embrião na parede uterina. Este é o momento em que o embrião se individualiza, mas não se pode concluir que, em razão de se tratar de um organismo dotado de unidade e unicidade, já exista vida humana. Outros defendem que o início da vida humana se dá com a formação do tubo neural.

Acredita-se que a definição do 15º dia, ou seja, quando ocorre a formação do tubo neural, é devido à adoção do critério morfológico, uma vez que a partir do 15º dia, associa-se, aquele fenômeno do carnal primitivo, um primeiro esboçamento dos principais órgãos. O embrião inicia, então, sua trajetória para tornar-se feto, assemelhando-se a um bebê (TESSARO, 2008, p. 38-41).

Para aqueles que entendem que a vida humana inicia com a concepção, o óvulo fecundado já tem capacidade de valorizar seu destino humano, pois no óvulo já há a presença do código genético humano. O que não devemos esquecer é de que 50% dos óvulos fecundados são abortados espontaneamente (TESSARO, 2008, p. 39).

Tessaro (2008, p. 44-45) diz que o início da vida humana somente ocorre com o estabelecimento do vinculo relacional entre mãe e filho, pois neste momento a gravidez passa a ser um estado desejado pela mãe e esta se desdobra em seu sentir e reflexão, dando origem em seu ventre a um ser que tem um nome e um futuro. A mulher deve também constituir uma potencialidade necessária para a gestação do ser humano, ou seja, a aceitação da mulher em assumir a potencialidade de ser mãe. A mulher está exercendo seu papel no processo reprodutivo, assumindo ou não a potencialidade de ser mãe, gestando o novo ser, ou procurando a interrupção da gestação, caso desista.

Segundo Kottow (apud TESSARO, 2008, p. 45-46).

A aceitação da mulher como mãe pressupõe 02 condições: a consciência da mulher de estar grávida e posteriormente, a aceitação dessa condição. Assumir a maternidade deve ser um ato decisivo, deve representar a gestação amorosa de uma nova pessoa. Ele assevera que o conceito relacional do inicio da vida humana não dista muito do adotado em alguns países que despenalizaram a interrupção voluntária da gravidez. Como condição para a realização desse procedimento, faz-se necessário uma prévia assessoria de esclarecimento e convencimento para que, então, a mulher decida, informalmente, se assume a gravidez ou insiste na decisão de abortar.

Tessaro (2008, p. 46) alerta para uma possível crítica que pode recair sobre esta perspectiva que define o começo da vida humana a partir do compromisso relacional

(18)

mãe/filho, salientando que ela reside no fato de não estar fixado, no tempo, o momento em que deve ser exercido o ato de vontade da mãe assumindo o projeto existencial do filho.

A mulher precisa estar sempre ciente de quer ser mãe é um ato único, sublime e extremamente importante, pois estará sendo responsável, diretamente, pelos destinos de um novo ser. A mulher deve estar consciente de que está grávida e carregando uma nova vida, bem como aceitar esta condição. Não deve existir um tempo pré-determinado para que a mulher assuma o papel de ser mãe. Seria um contrassenso estipular um tempo fixado para que a mulher se reconheça como grávida e aceite ou não esta condição. Deve, isto sim, existir uma vontade de ser ou não mãe, de querer este novo ser e de projetar sua nova vida ao lado deste.

Venosa (apud TESSARO, 2008, p. 49) ao comentar o artigo 2º do CC explica que o fato do nascituro ter proteção legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade. Esta só advém do nascimento com vida. Trata-se de uma expectativa de direito. Portanto nascituro não tem personalidade, mas apenas uma expectativa de direito.

No que tange a perspectiva concepcional, surgem, no entanto, questionamentos fundamentais, especialmente em razão da possibilidade de fecundação in vitro. Nestes casos, o embrião não implantado, produzido em laboratório, possui vida ou a vida humana tem seu início com sua implantação no útero materno? Ao se afastar dos critérios biológicos, a vida humana só seria reconhecível quando a mulher, por ato de vontade, confere ao embrião a qualidade de pessoa? Até o momento, não existe consenso na ciência, filosofia ou religião, sobre qual o momento em que se inicia a vida. Destacam-se a fecundação, nidacão ou o inicio da atividade cerebral, entretanto, todas elas são passíveis de questionamentos.

Segundo Vanessa Cruz Santos e outros (2013, p. 500), ao confrontar a sociedade com temas considerados intocáveis, como o início da vida humana e liberdade das mulheres, as discussões sobre o aborto no Brasil e a escolha das mulheres pela decisão sobre sua realização revestem o debate de elevado simbolismo político, ético, jurídico, religioso, social e cultural.

Quando se discute a legalização da interrupção voluntária da gravidez no Brasil são confrontadas concepções diferentes. Por exemplo, quando se trata de um aborto espontâneo, não se procura saber se o feto era ou não humano, se tinha ou não alma. No entanto, quando

(19)

se trata de um aborto provocado, as concepções mudam radicalmente e inicia-se profundo debate sobre a fecundação, formação ou não de um ser humano, existência da alma, de quando o embrião se transforma em feto, e quando o feto já deslumbra um bebe em formação e tem direito ao reconhecimento da vida.

Quando da elaboração do texto da Constituição, a assembleia constituinte não enfrentou diretamente o tema aborto, identificando-se três tendências.

Uma queria assegurar o direito à vida, desde a concepção, o que importava em proibir o aborto. Outra previa que a condição de sujeito de direito se adquiria pelo nascimento com vida, sendo que a vida intrauterina, inseparável do corpo que a concebesse ou a recebesse, é responsabilidade da mulher, o que possibilitava o aborto. A terceira entendia que a Constituição não deveria tomar partido na disputa, nem vedando, nem admitindo o aborto. Mas esta não saiu inteiramente vencedora, porque a Constituição parece inadmitir o abortamento. Tudo vai depender da decisão sobre quando começa a vida. No fundo, a questão será decidida pela legislação ordinária, especialmente a penal, a que cabe definir a criminalização e descriminalização do aborto. E, por certo, há casos em que a interrupção da gravidez tem inteira justificativa, como a necessidade de salvamento da mãe, ou de gravidez decorrente de cópula forçada e outros que a ciência médica aconselhar (SILVA, 2002, p. 202).

1.3 O direito a vida, a dignidade humana e aos demais direitos fundamentais (liberdade e saúde)

No dizer de Jorge Miranda (apud SARLET, 2013, p. 14) não existe, na perspectiva da evolução histórica, uma relação necessária entre direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, visto que a (...) inserção da dignidade no direito constitucional positivo é fenômeno bem mais recente, em contraste com o reconhecimento dos direitos humanos e fundamentais, que é mais antiga. Para este autor é no atual estágio do Estado Constitucional, que o reconhecimento do vínculo entre a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e fundamentais e a própria Democracia, colocou-se como base deste Estado Constitucional. Esta relação constitui um dos esteios nos quais se assenta tanto o direito constitucional quanto o direito internacional, dos direitos humanos. E, da mesma forma, hoje é (...) inquestionável a conexão entre dignidade e direitos fundamentais e este é o compromisso do Estado Constitucional contemporâneo, compreendido como um Estado Democrático de Direito.

(20)

é possível reconhecer na dignidade da pessoa humana uma espécie de “Sinal de Pare”, no sentido de uma barreira absoluta e intransponível (um limite) inclusive para os atores estatais, protegendo a individualidade e autonomia da pessoa contra qualquer tipo de interferência do Estado e da sociedade, de tal sorte a assegurar o papel do ser humano como sujeito de direitos. Nesta perspectiva, a dignidade da pessoa humana assume a condição de direito de defesa, que tem por objeto a proibição de intervenção na esfera da liberdade pessoal de cada individuo e a salvaguarda da integridade física e psíquica de cada pessoa contra toda e qualquer ação estatal e particular.

Sarlet (2013, p. 37) observa que, de acordo com o Superior Tribunal Federal, a dignidade e direitos fundamentais representam, ao mesmo tempo, limites à liberdade e servem de critério para assegurá-los. Afirma assim a [...] tese de que a dignidade da pessoa humana cumpre função dúplice, já que serve de fundamento para a restrição de direitos fundamentais e ao mesmo tempo atua como limite impeditivo de tais restrições.

Quanto mais se recorre à dignidade da pessoa humana como argumento no processo judicial, tanto mais se faz necessária cautela no seu manejo, pois se a dignidade e os direitos humanos e fundamentais apontam, como bem observa Gomes Canotilho, para a afirmação da ideia de uma comunidade constitucional republicana e inclusiva, necessariamente pautada por um multiculturalismo mundividencial avesso a qualquer tipo de fixismo, também se prestam uma perigosa manipulação retórica e mesmo fundamentalista, caso transformado em instrumentos de pautas e valores e interesses pessoais e sectários, resultando naquilo que já foi designado de uma “tirania da dignidade”. Que nem o direito penal e nem a dignidade da pessoa humana (de todos e de cada um) tem a ganhar com tal “tirania”, resulta aparentemente elementar, mas nem sempre tem sido objeto de suficiente consideração. (SARLET, 2013, p. 43)

Nesta perspectiva percebe-se que o debate sobre a criminalização do aborto deve passar, necessariamente, pela questão da dignidade da pessoa humana. Isso exige reconhecer, conforme afirma Tessaro (2008), que, em principio, nenhuma mulher quer abortar.

Todos sabem que o aborto é uma violenta agressão, não só contra o feto, mas também contra a mulher, física e psicologicamente, que a sujeita a enormes riscos relativos à sua saúde e a sua vida. Uma grande parte dos brasileiros, hoje, está de acordo em que se deva interromper a gestação em casos de malformação fetal incompatível com a vida fora do útero. É o caso das anencefalias. Esse mesmo percentual, por outro lado, concorda em que deve ser interrompida, se a mulher assim o desejar, uma gravidez resultante de estupro. Qualquer que seja o ponto de vista individual de alguém sobre o aborto, deve ser ressaltado como principio que as pessoas tem o direito de decidir por elas mesmas, de modo que, num Estado democrático, uma Constituição principiológica deve garantir esse direito a todos. Uma

(21)

Constituição que permita que a maioria negue a liberdade de consciência será inimiga da democracia, jamais sua criadora (ALLEGRETTI, 2005, 111-113).

Em março de 2013, expressando o desejo da maioria dos participantes de um congresso interno, o Conselho Federal de Medicina apontou a necessidade da reforma do CP, que ainda aguarda votação, com vistas a afastar a ilicitude da interrupção da gestação quando resultante da vontade da gestante até a 12ª semana de gestação. Essa reforma fundamenta-se a partir do ponto de vista ético em que é considerada a autonomia da mulher, além de aspectos sociais, jurídicos, epidemiológicos e de saúde pública (SANTOS e outros, 2013, p. 501).

Por outro lado, em sentido totalmente oposto, também em 2013 foi aprovado o Projeto de Lei 478/07 na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, referente ao Estatuto do Nascituro, que dispõe sobre a proteção do nascituro, um ser humano concebido, mas ainda não nascido.

Nesse sentido, Santos e outros (2013, p. 501) observa que:

Como tal, ele terá assegurado o direito à vida, a saúde e a políticas públicas que garantam o seu desenvolvimento. Com esta imposição, pretendem-se converter em crime quaisquer abortos no Brasil, mesmo os legais, como os resultados de estupros. Além da condenável postura intolerante a autonomia feminina, se aprovada em definitivo, tal lei poderá propiciar graves implicações a saúde pública, haja vista que demandará novas e incomensuráveis obrigações ao Estado.

Os dois exemplos acima mencionados demonstram toda a polêmica que envolve a criminalização do aborto no Brasil, pois apontam posições totalmente antagônicas, à medida que vêm o aborto sob o ponto de vista da saúde pública ou sob o ponto de vista da ética religiosa.

A CF, quando trata dos fundamentos da república, dispõe no seu art. 1º que:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania; II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

(22)

V – o pluralismo político.

Par. Único – Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A consequência direta da incorporação da dignidade da pessoa humana como fundamento do estado brasileiro, é que as políticas e decisões devem ser laicas, visando sempre resguardar os direitos e garantias fundamentais. Por seu turno, a CF, ao enumerar os direitos e garantias fundamentais, prevê no seu art. 5º, inciso III que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Segundo Tessaro (2008, [S.d.]) por ser fundamento do estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana, deve servir como parâmetro interpretativo para todos os direitos fundamentais, entre os quais se encontra a vida humana. O direito à vida está consagrado entre os direitos individuais, os quais são a expressão dos direitos do individuo isolado.

Observa-se que:

É terminologia que correspondente ao que se tem denominado direitos civis ou liberdades civis. É usada na Constituição para exprimir o conjunto dos direitos fundamentais concernentemente a vida, a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade (SILVA, 2002, p. 176).

Por fim, há de se levar em conta que o aborto é uma questão de saúde pública e, portanto, uma questão constitucionalmente protegida. O Estado pode e deve legislar sobre o assunto sem considerar a moral religiosa, uma vez que uma das principais características do estado democrático contemporâneo é sua laicidade. O que precisamos é fundir os horizontes, buscar interpretações de consenso possível, para que a gravidez seja aceita como uma benção e não como um tormento.

Silva (2002, p. 196) observa que o direito a vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não pode ser considerado somente no seu sentido biológico (...) de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. A expressão vida tem uma significativa riqueza de interpretação, sendo que muitas vezes, no entendimento de Silva (2002, p. 196),

(23)

(...) é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo vital que se instaura com a concepção, transformando-se e progredindo, mantendo sua identidade, até que mude de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.

Segundo Silva (2002, [S.d.]) a vida humana possui elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). A vida é intimidade conosco mesmo, saber-se e dar-se conta de si mesmo, um assistir a si mesmo e um tomar posição de si mesmo. Por isso é que ela representa a fonte primária de todos os outros bens jurídicos.

De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade e o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos. No conteúdo de seu conceito, se envolvem o direito a dignidade da pessoa humana, o direito a privacidade, o direito a integridade físico corporal, o direito a integridade moral e, especialmente, o direito a existência (SILVA, 2002, p. 197).

Portanto, pode-se afirmar que a vida é um valor supremo e consagrada pelo texto constitucional.

Segundo Jacques Robert (SILVA, 2002, p. 197):

O respeito à vida humana é um termo para uma das maiores ideias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado como um ser humano.

Para Silva (2002, p. 197) o “direito a existência consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável.” Para ele:

Existir é o movimento espontâneo contrario ao estado morte. Porque se assegura o direito a vida é que a legislação penal pune todas as formas de interrupção violenta do processo vital. É também por essa razão que se considera legitima a defesa contra qualquer agressão a vida, bem como se reputa legitimo até mesmo tirar a vida a outrem em estado de necessidade da salvação da própria (SILVA, 2002, p. 197).

Como conclusão, deve-se enfatizar que todo ser concebido deve ter o direito a vida respaldado pela Carta Magna, a qual assegura este direito assim como a dignidade humana e os demais direitos fundamentais, os quais no decorrer de toda a vida de um ser humano devem ser garantidos, dentre eles, essencialmente a saúde e a liberdade, a segurança, a propriedade, entre outros. Deste preceito deriva que nenhuma pessoa deverá ser submetida à tortura e nem

(24)

a tratamento desumano ou degradante, onde o direito de livre pensamento e decisão pessoal deve e precisa ser devidamente respeitada.

A vida é um direito fundamental em toda a sua plenitude, sendo que as diversas teorias sobre o início da vida humana são expostas e colocadas sob as mais variadas opiniões sobre o tema. Para uns o início da vida humana se dá com a fecundação, para outros com a nidação, sendo que esta ocorre no 14º dia após a fecundação, com a implantação do embrião na parede uterina. Outros, ao contrário, defendem que o início da vida humana se dá com a formação do tubo neural e, ainda, para outros no momento da independência vital, com a expulsão do nascituro. Dá-se, com isso, o choque de opiniões entre os dogmas da igreja, os conceitos da ciência e a legislação em vigor no país.

O que não se pode esquecer é que, acima de todos os conceitos e teorias, deve estar à liberdade pessoal de escolha sobre o corpo da mulher, pois é de seu ventre que será gerido um novo ser, uma nova vida e esta deve estar, acima de tudo, em sintonia com o desejo e a vontade da mulher em querer ser mãe e, em consequência, ter amor e apego a este novo ser. Os meios mediante os quais este ser foi concebido deve ser interpretado e analisado sobre vários ângulos. Se for de uma relação forçada (estupro) ou de uma gestação de alto risco (fetos anencéfalos) e respeitados o limite de tempo para ser reconhecido o feto, deve e precisa ser levada em consideração a decisão plena e consciente da mulher (responsável) pela gestação completa deste novo ser, desta nova vida. Mas é preciso que esta mulher esteja preparada com interferência de médicos, psicólogos, profissionais da saúde e demais pessoas ligadas nesta área, com a devida qualificação e experiência para poder auxiliar a mulher para tomar a decisão que mais se aproxime de sua vontade própria, seus limites, seu desejo de sustentar e levar adiante esta nova vida.

Dando sequência ao debate, no segundo capítulo, o tema aborto será estudado a partir do que dispõe a legislação brasileira, momento em que serão apontadas as vantagens e benefícios da criminalização ou descriminalização do mesmo, especialmente a questão do aborto clandestino, seus riscos e consequências para a saúde da mulher e o destino deste novo ser. Analisar com consciência e coerência as diversas hipóteses de aborto lícito no intuito de reduzir as práticas criminosas de aborto no Brasil, as quais trazem consequências desastrosas

(25)

e muitas vezes irreversíveis para a saúde da mulher, trazendo um impacto extremamente negativo em nossa sociedade. Buscar, através de pesquisa detalhada e precisa, de quantas mulheres são punidas no Brasil por estas práticas criminosas de aborto clandestino. Mas, sobretudo tentar imaginar em diversas camadas de nossa sociedade, que são veementes contra a descriminalização do aborto no Brasil, de que é possível com um acompanhamento ideal e completo da mulher que se encontra grávida, para que esta possa tomar uma decisão sobre a continuação ou interrupção da gestação, dentro, é claro, do que rege a lei no período compreendido para este fim. Também para conscientizar a mulher com aconselhamento, acompanhamento e amparo necessários para que a mesma possa voltar atrás na decisão de querer abortar e aceitar a gestação completa, com apego e afeto ao novo ser que se vislumbra.

Quem sabe, com as hipóteses criteriosas de aborto lícito, estas práticas abortivas possam ser se não banidas em nosso país, pelo menos reduzidas, significativamente, preservando um bem maior que é a vida da mulher e da vida intrauterina.

(26)

2. O ABORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Este segundo capítulo, vem tratar o assunto aborto tendo como referência a legislação constitucional e infraconstitucional brasileira, em especial o Código Penal, que criminaliza a interrupção voluntária da gestação. Buscar-se-á, nele, fazer uma revisão crítica, uma vez que se percebe, por um lado, que a criminalização em pouco contribui para a redução dos índices de aborto no país e, por outro lado, que há um elevado déficit na qualidade da assistência prestada à saúde reprodutiva da mulher e nas ações do planejamento familiar. Estes fatores permitem demonstrar que ilegalidade do aborto no Brasil provoca implicações à saúde da mulher, vez que várias buscam praticas inseguras e clandestinas de abortamento. A proibição pela lei não impede que o aborto seja realizado.

Segundo Cavalcanti; Xavier (2006, p. 135) a CF/88

não tratou expressamente do aborto voluntário, seja para autorizá-lo, seja para proibi-lo. Isto não significa, por óbvio, que o tema da interrupção voluntária da gravidez seja um indiferente constitucional. Muito pelo contrário, a matéria está fortemente impregnada de conteúdo constitucional, na medida em que envolve o manejo de princípios e valores de máxima importância consagrados na Carta Magna.

Cabe mencionar, em primeiro lugar, que não há como discutir a questão da legalização do aborto sem debater o problema da proteção jurídica da vida humana intrauterina. Se a interrupção voluntária da gravidez implica eliminação dessa vida, é necessário verificar até que ponto ela recebe proteção da ordem constitucional brasileira.

A vida humana intrauterina também é protegida pela Constituição, mas com intensidade substancialmente menor do que a vida de alguém já nascido. Por outro lado, a proteção conferida à vida do nascituro não é uniforme durante a gestação. Pelo contrário, essa tutela vai aumentando, progressivamente, na medida em que o embrião se desenvolve, tornando-se um feto e depois adquirindo viabilidade extrauterina. O tempo de gestação é, portanto, um fator de extrema relevância na mensuração do nível de proteção constitucional atribuído a vida pré-natal (CAVALCANTE; XAVIER, 2006, p. 141).

Segundo a lição de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (apud CAVALCANTE; XAVIER, 2006, p. 146-147):

A Constituição não garante apenas o direito à vida enquanto o direito fundamental das pessoas. Protege, igualmente, a própria vida humana, independentemente dos seus titulares, como valor ou bem objetivo (...). Enquanto bem ou valor constitucionalmente protegido, o conceito constitucional de vida humana parece

(27)

abranger não apenas a vida das pessoas, mas também a vida pré-natal, ainda não investida numa pessoa (...). É seguro, porém, que (a) o regime de proteção da vida humana, enquanto simples bem constitucionalmente protegido, não é o mesmo que o direito a vida, enquanto direito fundamental das pessoas, no que respeita a colisão com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (v.g., saúde, dignidade, liberdade da mulher, direitos dos progenitores a uma paternidade e maternidade consciente); (b) a proteção da vida intrauterina não tem que ser idêntica em todas as fases do desenvolvimento, desde a formação do zigoto até o nascimento; (c) os meios de proteção do direito a vida – designadamente os instrumentos penais – podem mostrar-se inadequados e excessivos quando se trata de proteção da vida intrauterina.

Tendo como referência tais considerações, passa-se a seguir tecer considerações sobre a criminalização do aborto na legislação brasileira.

2.1 O aborto na legislação Brasileira

Neste ponto o tema aborto será estudado a partir do que dispõe a legislação brasileira. Serão relatadas as hipóteses de aborto ilícito e também as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gestação. Ao discorrer sobre este tema também serão apontadas as vantagens e benefícios da criminalização ou descriminalização do mesmo, especialmente a questão do aborto clandestino, seus riscos e consequências para a saúde da mulher e o destino desta nova vida.

2.1.1 O aborto criminoso

O legislador penal definiu como crime de aborto a interrupção voluntária da gestação que implique a morte do produto da concepção, sendo irrelevante o estágio de desenvolvimento em que se encontre a gravidez.

O Código Penal de 1940 tipifica três figuras de aborto: aborto provocado (art. 124), aborto sofrido (art. 125), e aborto consentido (art. 126). Na primeira hipótese, a própria mulher assume a responsabilidade pelo abortamento; na segunda, não aceita a interrupção do ciclo natural da gravidez, ou seja, o aborto ocorre sem o seu consentimento; e, finalmente, na terceira, embora a gestante não o provoque, consente que terceiro realize o aborto (BITENCOURT, 2011, p. 162).

(28)

O aborto criminoso é aquele que está definido nas diversas modalidades típicas e

antijurídicas consignadas no Código Penal, bem com a aplicação de suas penas. Três modalidades de aborto são reprimidas no Código Penal datado de 1940:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Cézar Roberto Bitencourt faz uma explanação, explicando o que significa cada tipo de aborto criminoso:

O art. 124 é o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento e tipifica duas condutas por meio das quais a própria gestante pode interromper sua gravidez, causando a morte do feto: com a primeira, ela mesma provoca o abortamento; com a segunda, consente que terceiro lhe provoque. Trata-se, nas duas modalidades, de crime de mão própria, isto é, que somente a gestante pode realizar (BITENCOURT, 2011, p. 165).

O autor esclarece que a mulher que consente no aborto incidirá na mesma pena do auto-aborto, isto é, como se tivesse provocado o aborto em si mesmo, nos termos do art. 124. A mulher que consente no próprio aborto e, na sequencia, auxilia decisivamente nas manobras abortivas pratica um só crime, pois provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lhe provoque é crime de ação múltipla ou de conteúdo variado (BITENCOURT, 2011, p. 166).

No auto-aborto Alves (1999, p. 205-206) observa que:

Na primeira parte do art. 124, o legislador prevê como crime o fato de provocar aborto em si mesmo. A ação da autora é reflexiva, volta-se contra seu próprio corpo no qual se desenvolve o feto. O delito é classificado como de mão própria. Mediante processos mecânicos, físicos ou químicos a gestante opta por destruir o embrião. Com os meios mecânicos, a gestante aplica processos traumáticos diretamente sobre o útero fertilizado com o novo ser ou realiza ação violenta extragenital. Nos processos químicos, a grávida emprega substancia com propriedades tóxicas que, ao reagirem no organismo materno, produzem hemorragias, por vezes intensas que resultam em abortamento.

Já o artigo 125 estabelece a figura do aborto praticado sem o consentimento da gestante. Segundo Cézar Roberto Bitencourt

O art. 125 trata do aborto provocado sem consentimento da gestante que é o aborto sofrido, o qual recebe punição mais grave e pode assumir duas formas: sem

(29)

consentimento real ou ausência de consentimento presumido (BITENCOURT, 2011, p. 167).

O autor destaca que para provocar aborto sem consentimento da gestante não é necessário que seja mediante violência, fraude ou grave ameaça; basta a simulação ou mesmo dissimulação, ardil ou qualquer outra forma de burlar a atenção ou vigilância da gestante. Em outros termos, é suficiente que a gestante desconheça que nela está sendo praticado o aborto (BITENCOURT, 2011, p. 168).

Alves (apud SILVEIRA, 1999, p. 107) destaca importante trecho sobre esta modalidade de aborto:

A gravidade social do aborto provocado sem o consentimento da gestante é indicada pelo legislador penal em função da pena, a mais elevada das modalidades de aborto: reclusão de três a dez anos. A norma repressiva não impõe, para a configuração dessa espécie de aborto, o expresso dissentimento da mulher grávida. Para a responsabilização criminal de alguém é suficiente que o aborto seja cometido contrariando o querer da gestante, ainda que tácito. E se a gestante desconhece seu estado de gravidez? Ainda assim haverá o crime do art. 125, do CP.

Esta modalidade de aborto prevista no art. 125 é considerada a mais grave do nosso Código Penal Brasileiro, excetuando a forma qualificadora do crime. A pena para este tipo de crime é bem maior podendo chegar de 03 a 10 anos de reclusão, a quem o cometer. Portanto, é imprescindível que esta hipótese de aborto seja criminalizada, pois representa um ato de violência contra a mulher e também contra o feto, ferindo a vontade própria da gestante que não desejaria tal ato.

O art. 126 do Código Penal trata do aborto provocado com consentimento, ou aborto consensual. Constitui exceção a teoria monística adotada pelo nosso Código. Quem provocar aborto com consentimento da gestante não será coautor do crime capitulado no art. 124, a despeito do preceito do art. 29 do CP, mas responderá pelo delito previsto no art. 126 (BITENCOURT, 2011, p. 168).

Importante mencionar que o aborto consentido do art. 124 em sua 2ª figura e o aborto consensual deste art. 126 são crimes de concurso necessário, pois exigem a participação de duas pessoas, a gestante e o terceiro realizador do aborto, e, a despeito da necessária participação de duas pessoas, cada um responde, excepcionalmente, por um crime distinto (BITENCOURT, 2011, p. 168).

Para Ivanildo Ferreira Alves (apud SILVEIRA, 1999, p. 121) esta conduta criminosa tipificada no art. 126 do nosso Código Penal, difere da anterior porque é realizada com o

(30)

consentimento da grávida. O crime é um só, embora o provocador seja punido com a pena de reclusão, de um a quatro anos, e a gestante com detenção, de um a três anos. Há, portanto, dois sujeitos ativos, se bem que punidos diferentemente.

O consentimento da gestante constitui elemento integrante do tipo penal descrito no art. 126, do CP. Se a gestante autoriza a realização das manobras abortivas, indicando o meio que o terceiro deve seguir para praticar o delito, e este se alheia de dita orientação, realizando o aborto por modo diverso do indicado pela gestante, este fato é indiferente para o enquadramento penal do agente no art. 126. Não há de falar-se em aborto provocado falar-sem o confalar-sentimento da gestante tão somente porque o agente não observou o meio escolhido pela grávida. O consentimento da gestante continua válido para o uso de qualquer meio. A gestante, por sua vez, estará sujeita as sanções do art. 124, 2ª parte, do CP (ALVES, 1999, p. 210).

É inegável que a autorização da gestante para a realização de práticas abortivas, provoca o seu enquadramento penal, sujeitando-a as sanções penais.

2.1.2 As hipóteses de aborto lícito

Como se viu no tópico anterior, no Brasil, a interrupção voluntária da gestação está criminalizada. Mas a lei penal brasileira, que é de 1940, não prevê punição para o aborto praticado quando não haja outro meio para salvar a vida da mãe, ou quando a gravidez tenha decorrido de estupro. O art. 128, do CP, prevê, em seus incisos I e II, o aborto legal, que é o aborto praticado por médico e que não constitui crime se realizado nas circunstâncias previstas nos referidos incisos:

Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante. Aborto no caso de gravidez resultante de estupro.

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Há, portanto, duas modalidades de aborto consideradas não criminosas ou legais: o aborto necessário (art. 128, I) e o aborto sentimental (art. 128, II).

O aborto necessário ou aborto médico é o aborto destinado a salvar a vida da gestante, não constituindo infração penal, pois é autorizado por lei. Trata-se de uma causa de exclusão de ilicitude ou de antijuricidade, pois há como que uma escolha entre o direito da mãe de continuar vivendo e do feto de vir a adquirir personalidade jurídica, com o nascimento com vida. Não se pune o aborto, decreta a lei penal. O aborto necessário só pode ser

(31)

executado por médico, ao passo que o estado de necessidade pode ser invocado por qualquer pessoa. No aborto necessário, o médico é obrigado a optar pela vida da gestante, não podendo

sacrificá-la para salvar o feto, quando apenas um dos dois poderia ser salvo. No estado de necessidade, torna-se ilegítima a morte da gestante para salvar a vida do feto.

Os requisitos necessários para a prática do aborto são os de que a vida da gestante corre perigo e que não existe outro meio para salvá-la (ALVES, 1999, p. 214-215).

O aborto sentimental ou aborto humanitário é aquele que o legislador define como o aborto em caso de gravidez resultante de estupro. A lei exige que a gravidez seja consequência de estupro e com consentimento prévio da gestante ou de seu representante legal. Ele pode ser realizado em qualquer instante ou fase de desenvolvimento embrionário. Para o médico poder realiza-lo, não há necessidade de que a gestante faça boletim de ocorrência ou denuncie o agressor. Basta que seja realizado um procedimento de justificação regulamentado por portaria do Ministério da Saúde. Ocorre que, no Brasil, o número de hospitais que contam com centros aptos a realizar este procedimento é bastante pequeno, o que dificulta o exercício deste direito.

No caso de gravidez decorrente de violência sexual, muitas mulheres enfrentem uma situação difícil e complexa, pois o mais provável é que elas recorram ao abortamento, logo de imediato, refletindo assim o posicionamento pessoal de cada uma, visto que esta foi vitima de abusos sexuais, cabendo, a ela, decidir de manter ou não a gestação. Nestes casos, contudo, parte das mulheres não possui acesso a serviços de saúde de qualidade, ou seja, elas são obrigadas por motivos da saúde publica ser ineficiente, a buscarem meios alternativos, clandestinos e não seguros e com graves consequências de risco a sua própria vida.

Atualmente também se inclui entre as hipóteses de aborto lícito, os casos de interrupções de gestações de fetos anencéfalos ou daqueles portadores de anomalias incompatíveis com a vida extrauterina. Este tema entrou em pauta no ano de 2004 quando a Confederação Nacional de Trabalhadores em Saúde promoveu, perante o STF, uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, solicitando a inclusão do aborto de fetos anencéfalos entre as hipóteses de aborto lícito (ADPF nº 54). Depois de 08 anos de tramitação, em abril de 2012, o STF julgou procedente a ação e passou a autorizar, entre as hipóteses de aborto lícito, os casos de anencefalia. O passo inicial foi dado pela Corte ao reconhecer que as mulheres são proprietárias de seus direitos reprodutivos.

(32)

Para Vanessa Cruz Santos e outros (2013, p. 501),

O Brasil poderia reservar leitos obstétricos para o aborto seguro, cumprindo desta forma o lema das jornadas brasileiras pelo direito ao aborto legal e seguro, apregoando que quanto ao aborto, a mulher decide, a sociedade respeita e o estado garante. Dados contidos no dossiê Aborto, Mortes Previníveis e Evitáveis evidenciam que o SUS já realiza investimentos vultosos na atenção as mulheres em processo de abortamento, espontâneo ou inseguro. A legalização do aborto seguro pode salvar mais vidas a cada vez que possibilite a redução da morbimortalidade das mulheres que abortam.

Certamente que os dados constantes no dossiê – aborto mortes preveníveis e evitáveis – são deveres interessantes se analisados sob a ótica da legalização do aborto no Brasil, pois isso evitaria gastos dispendiosos para a saúde pública que já realiza o atendimento de gestantes que provocaram aborto inseguro.

2.2 As práticas de aborto clandestino no Brasil (tema invisível)

Estatísticas indicam que, no Brasil, inúmeras mulheres, independentemente de sua classe social, credo e idade já realizaram interrupção voluntária da gestação (aborto), sendo especialmente as mais carentes, que compõem a maior parcela da população brasileira, as que se envolvem em situações e métodos de abortos inseguros e perigosos, os quais, inúmeras vezes, resultam em complicações graves para a saúde, levando-as, inclusive a óbito.

Referindo-se a questão do aborto clandestino Marcos Frigério diz que ao se vislumbrar o aborto de um ponto de vista mais amplo, estimativas sugerem a realização de até 02 milhões de abortos ilegais por ano no Brasil (apud HENSHAW, 1991, p.47). Segundo este autor existe vários trabalhos que se dedicam ao estudo do aborto clandestino e aos efeitos dele derivados, em especial, a morbiletalidade de mulheres.

Tessaro (2008, p. 36) relata que, segundo estimativas da Rede Feminina da Saúde, foram realizadas no Brasil entre 238.000 e 1.008.000 de abortos ilegais e de risco, durante o período de 1999 a 2002 e que as complicações decorrentes de um procedimento de aborto representam a 3ª causa de mortalidade materna no Brasil e o 2º procedimento obstétrico mais realizado em hospitais. A mesma autora também apresenta dados sobre o número de internações de mulheres com complicações decorrentes de abortos clandestinos, observando que, segundo informações do Ministério da Saúde, são 238 mil internações por ano. Acentua,

(33)

por fim, que a realidade do aborto clandestino é muito superior, pois existem estimativas que apontam a realização de 700 mil a um milhão de abortos clandestinos por ano no país.

Segundo Vanessa Cruz Santos e outros (2013, p. 502) impedir e criminalizar o aborto voluntário implica em vulneração das mulheres e fere os princípios bioéticos da beneficência, autonomia e justiça. Contrapõe-se a biotécnica da proteção, pois desprotege as mulheres que praticam o aborto clandestino e em condições inseguras, colocando-as suscetíveis agravos a sua saúde. No que tange ao direito da mulher a ter autonomia sobre o próprio corpo, o que representa uma expressão dos direitos humanos vários entraves são presenciados no Brasil. Afinal, apesar de ser um país laico, ao se abordar o aborto voluntário a moralidade sobressai aos aspectos bioéticos e a mulher é vista como aquela que tem a obrigação de aceitar a gestação, mesmo que indesejada condição imposta pela sociedade e seu juízo valorativo. (SANTOS e outros, 2013, p. 502).

Segundo Vanessa Cruz Santos e outros (2013, p. 501)

Os direitos reprodutivos estão integrados aos direitos humanos e o direito de decidir sobre o próprio corpo precisa ser aceito e respeitado. Logo, uma vez que o Estado nega proteção aos direitos reprodutivos, incluindo também o acesso ao abortamento seguro, contribui, deliberadamente, para que as repercussões sobre a saúde mental feminina, bem como os impactos da morbimortalidade por aborto, sejam ampliadas.

No mesmo sentido, Ferrajoli (apud TESSARO, 2008, p. 45) defende que a procriação não é só um fato biológico, mas também um ato moral de vontade. Tessaro (2008, p. 46 – grifo da autora) defende a estipulação de um prazo de 03 meses ou de 12 semanas para autorização da interrupção voluntária da gravidez, pois este é o tempo para que a mãe atribua ao filho à qualidade de pessoa. Não que esses 03 meses signifiquem algo no plano biológico,

“mas apenas porque representam o tempo necessário e suficiente para permitir a mulher tomar uma decisão: para consentir o exercício da liberdade de consciência, ou seja,

a autodeterminação moral da mulher e sua dignidade como pessoa.”

Observa-se, assim, que:

Partindo do pressuposto que o direito a vida não possui caráter absoluto e axiológico superior aos demais direitos fundamentais, e considerando ser o princípio da dignidade humana o vetor de interpretações na otimização destes direitos, legitima-se a realização do aborto, desde que fundamentado num sistema que combine prazo e indicações. Desse modo, a conduta não seria punível durante as 12 primeiras

Referências

Documentos relacionados

Conclusão: a mor- dida aberta anterior (MAA) foi a alteração oclusal mais prevalente nas crianças, havendo associação estatisticamente signifi cante entre hábitos orais

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das

The present study confirms the estrogenic effect of tibolone at the femoral head reducing the bone resorption, since an increased bone density was found when compared to

O candidato deverá apresentar impreterivelmente até o dia 31 de maio um currículo vitae atualizado e devidamente documentado, além de uma carta- justificativa (ver anexo

Clinicamente, o cisto nasolabial apresenta-se como aumento de volume na região anterior do lábio superior, lateral à linha média, com uma elevação da região alar nasal

(2005), concluiu que a frequência mais elevada de episódios depressivos corresponde à faixa etária dos 45-54 anos, sendo também a menopausa fator que marca a vida da

Dorneles encontra na edição um espaço que jamais teve na TV diária, menos ainda na TV Globo, para analisar de maneira explícita o modo como o governo norte-americano

Já para a segunda, os resultados da análise exploratória mostraram que não há forte correlação espacial entre crédito agrícola e produtividade agrícola