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CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

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Revista de Humanidades e Letras ISSN: 2359-2354 Vol. 2 | Nº. 2 | Ano 2016

João Wanderley Geraldi

CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

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RESUMO

Nesta edição a revista Capoeira - Humanidades e Letras publica, na secção de artigos, textos que são crônicas sobre do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Palavras-chave: impeachment; crônicas; Brasil;

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ABSTRACT

In this special edition, Capoeira – Humanidades e Letras publishes in its section of articles texts that are chronicles on the impeachment process of President Dilma Rousseff.

Keywords: impeachment process; chronicles; Brazil

impeachment; Dilma Rousseff.

Site/Contato

www.capoeirahumanidadeseletras.com.br capoeira.revista@gmail.com

Editores deste número: Marcos Carvalho Lopes marcosclopes@unilab.edu.br Túlio Muniz

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CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

João Wanderley Geraldi1

Tomo o título de uma novela de Gabriel García Marquez para comentar o conjunto de decisões da Câmara, do Senado e da Justiça que levaram ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff e chegará à desejada prisão de Lula. Uso este título porque também estas decisões já estavam anunciadas há bom tempo.

Arquitetado desde os resultados das eleições de 2002, o afastamento de Dilma foi ape-nas um passo decisivo do já previsto. A direita brasileira não se conformou com este levantar de cabeça de uma população a que se habituara a comandar praticamente sem sobressaltos. Jango foi um destes sobressaltos na história. Getúlio um sobressalto menor.

Mas o que pejorativamente chamam de lulismo ganha as eleições num momento de cri-se profunda do modelo neoliberal implantado por FHC. Venderam o que puderam e não arreca-daram praticamente nada, já que vendiam e financiavam os compradores com juros subsidiados e para disporem de recursos para isso emitiam títulos da dívida pública pagando mais do que o do-bro em juros. Por negócios assim tão lucrativos para os compradores, o mandato de FHC falece, não termina. Neste cenário, a eleição de Lula foi uma válvula de escape tanto para a elite quanto para o povo que pagava as contas da farra neoliberal.

A aposta da elite era de um fracasso total de um governo de esquerda, e logo a elite re-tomaria as rédeas do que sempre fora seu: o estado brasileiro. Cometeram um erro de avaliação. O governo conseguiu sobreviver à primeira estocada do mensalão. Aprendeu a lição e comprou governabilidade. Sobreviveu. E houve um retrocesso da direita, que começou a cozinhar em ba-nho-maria o momento oportuno de voltar ao ataque.

Por seu turno, o governo petista depois de equipar e modernizar a Polícia Federal; de-pois de permitir uma atuação independente do ministério público; dede-pois de tirar milhões da mi-séria e inclui-los no consumo; depois de abrir as portas das universidades públicas para as classes que somente tinham o direito de estudar em escolas de esquina pagando muito bem; depois de criar mais universidades federais do que havia criado a história brasileira; depois de tornar o país

1 Professor Titular aposentado da Unicamp. Este texto retoma e modifica substantivamente, mas mantém o título de

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respeitado internacionalmente, deixando de ser mero capacho da politica externa dos EEUU, o PT e suas lideranças se tornaram definitivamente indesejáveis.

A estes “depois” é preciso acrescentar os incentivos a uma melhor preparação da magis-tratura federal, os procuradores e os novos juízes passam a ser treinados nos EEUU. Tudo corria bem até que os interesses geopolíticos do império se sobrepuseram a tudo. Era demais um quintal independente, movido ao petróleo do pré-sal.

Admitido erro da provocação da chamada e festejada “primavera árabe” criada, elabora-da e executaelabora-da com a presença quase ostensiva elabora-da CIA, pois se tratava de evitar que grande quan-tidade de países produtores de petróleo lhe escapasse das mãos, particularmente transferindo os negócios sempre realizados em dólar-petróleo para um câmbio pelo euro; admitido o fracasso da doutrina Bush de que “o mundo é um campo de batalha”, que somente provocou uma resposta terrorista ao terrorismo norte-americano (cfe. Jeremy Scahill), o próprio general Brzezinski, “o principal arquiteto do plano de Washington para dominar o mundo abandonou o esquema e pe-diu a criação de vínculos com a Rússia e a China” (cf. Mike Whitney, grifos meus), os EEUU voltam-se para seu tradicional quintal, já que de alguma forma sua geopolítica sempre foi de ex-ploração de parte do mundo para manter as benesses do sistema capitalista no centro de consumo do país modelo do capitalismo desenfreado (e agora menos produtivo e, sobretudo, rentista).

Juntaram-se, assim, em nosso país, o interesse da nova geopolítica do império e o pensamento conservador brasileiro que não aceitava um governo que tinha posto os pobres no orçamento e um povo que já não tinha fome e erguia a cabeça exigindo salários.

Por onde recomeçar a caminhada do golpe? No julgamento da AP 470 (o mensalão), a direita aprendera que tudo deveria se transformar num espetáculo midiático. A pecha de corrup-ção atingia o governo (embora não maculasse a imagem de Lula). A insatisfacorrup-ção das classes inte-gradas ao consumo, porque queriam mais consumo, une-se a reivindicações justas da cidadania. Pretendia-se avançar para além do já conquistado. Surgem os movimentos de rua de junho de 2013, e a mídia e a direita perceberam que deveriam se apropriar destes movimentos. Ganharam as ruas clamando por moralidade, num combate diuturno contra a corrupção. A mídia era a caixa de ressonância do discurso moralista de direita, que conhecia perfeitamente como a máquina fun-cionava e como era preciso que funcionasse para garantir um governo. Aproveitou-se do conhe-cimento de cadeira de que dispunha. Apropriou-se das ruas.

Enquanto isso, com os dados das escutas telefônicas, da espionagem, a matriz central dispunha de elementos suficientes para garantir o sucesso da empreitada. Cumpria apenas por em movimento as três instituições – polícia federal, ministério público federal e judiciário -

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das e modernizadas pelos governos petistas e deixadas livres para cumprirem sua missão. Elas foram incensadas pela mídia comprometida com o pensamento conservador. Alguns de seus membros treinados e recauchutados na sede – juízes e promotores. Incensados e insensatos, uni-ram-se todos e começaram juntos a caça demolidora da democracia.

Agora já não era necessário cozinhar em banho-maria. Foram direto para a panela de pressão. O cozimento foi rápido, pois se uniram sob a mesma bandeira e para a mesma ação os incensados, a média e os agrupamentos todos da elite mesquinha e conservadora. A morte anun-ciada já estava próxima. Era somente necessário dar algum arremedo jurídico.

Havia três caminhos possíveis para encerrarem o ciclo petista de governo. Cada cami-nho correspondia a uma vontade de poder quase individual. Aécio Neves, candidato derrotado nas eleições de 2014, apostava na cassação da chapa Dilma/Temer através do TSE, onde impera-va o militante do partido e ministro do STF nas horas impera-vagas, Gilmar Mendes. Foi para lá que, como presidente do PSDB, encaminhou seu pleito. José Serra, por seu turno, apostava no impea-chment de Dilma e a subida de Michel Temer para a presidência. Então sob pressão até Augusto Nardes, o ilustríssimo jurista, pôs a funcionar o cérebro e tomou como “empréstimo” o atraso de pagamentos a bancos oficiais (que no fundo pertencem ao mesmo tesouro, o patrimônio nacio-nal). Geraldo Alkmin, governando São Paulo e de olho na presidência a partir de 2018, defendia que o mandato de Dilma fosse até o fim sangrando para com isso enterrar de vez toda a veleidade de futuro para o principal partido de esquerda do país.

Como se sabe, ganhou a tese de José Serra. Dois juristas e uma jurista possuída por al-guma divindade pedem o impeachment. Eduardo Cunha, que mentira num depoimento, vê-se processado na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. E ele perde os votos do PT na Co-missão. Foi o suficiente para ele aceitar o pedido dos juristas. Abre-se o processo jurídico e cons-titucional do impedimento da presidente da República. Tudo bem costurado. Não foi mera vin-gança pessoal de Eduardo Cunha. Ele era uma figura importante na costura do golpe. Fez o seu papel, o papel que dele esperavam.

Pois o crime das pedaladas fiscais pegou! Embora os técnicos convocados pelo Senado para analisarem o processo tenham concluído que não houve ação comissiva, embora dentro do ministério público se defendeu a tese de que não havia crime e embora um juiz federal tenha a-ceitado a tese, o Senado em sua sabedoria considerou crime o que juridicamente não era tipifica-do como crime. Acontece que o novo princípio jurídico que presidirá o futuro da nação é de que o acordado vale mais do que o legislado. E como estava acordado que o afastamento teria que ocorrer, então o Senado foi a primeira instituição a seguir o novo princípio de sobreposição da vontade de uma maioria casual sobre o ordenamento jurídico existente. Encerram o mandato de

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Dilma e três dias depois aprovam a Lei Orçamentária que contém em seu bojo dispositivo especí-fico definindo que “as pedaladas fiscais” e os decretos orçamentários não são crimes!!!

E o acordo de ocasião, que fez retornar ao rebanho aqueles que haviam se deixado levar pela governabilidade da compra e venda, produziu esta maioria parlamentar que aprova como crime o que querem que crime seja.

Portanto, a votação do Senado desta última e longa sessão era coisa já acertada, já anun-ciada. Aliás, o desfecho também já está anunciado. Mas as formalidades devem ser cumpridas para que se cumpra o acordo com "licitude formal" sem mérito. Não há porque julgar mérito, pois o mérito já veio nas conversas de pé de ouvido no Planalto que, de plantão, foi cozinhando a pressão e a distribuição das benesses pela válvula de escape. Tudo segundo o novo figurino dos acordos.

Por isso, o aprovado impeachment não é notícia. É confirmação de uma morte anuncia-da. Mas esta não é a única morte desejaanuncia-da. O que quer mesmo a direita brasileira é “mandar para as profundas do inferno”, sem passagem de volta, Lula e toda a esquerda brasileira. Então é pre-ciso que o golpe se complete.

Que caminhos faltam percorrer nesta crônica de uma morte anunciada já em 2002? Aí está havendo problemas de comunicação entre os principais agentes tupiniquins. Para a matriz, afastado o perigo de uma presidenta líder dos BRICS, apenas importa sepultar a liderança de Lu-la. Com o material da espionagem, alimentam a vaidade de um juiz provinciano: dão-lhe as in-formações todas. Ninguém acredita que um doleiro sozinho dispusesse de tantas inin-formações. Todo o processo levado a frente pela Lava Jato é apenas de confirmação do que já sabem, e por isso os interrogatórios são devidamente orientados e as denúncias devidamente selecionadas.

Como cada agente tupiniquim quer prestar mais serviço e como cada um deles sofre da doença do protagonismo vaidoso, os caminhos vão sendo traçados ora com algum acordo, ora sem acordo algum. Assim, quando Leo Pinheiro pôs em risco lideranças do próprio golpe por estarem envolvidas na mesma corrupção que dizem combater, imediatamente um procurador faz uma pergunta imbecil ao depoente a propósito de Dias Toffoli. Vaza uma denúncia não denúncia que VEJA publica como um escândalo. O ministro Gilmar Mendes sai em defesa aparente de seu acólito no Tribunal, mas na verdade isso era jogo de cena: era necessária uma cortina de fumaça para Rodrigo Janot, figura sinistra do golpe, realizar o que devia: cancelar a delação premiada de Léo Pinheiro. Agora, tanto este delator quanto o delator Marcelo Oldebrecht somente podem a-pontar recursos dirigidos à caixa 2 de campanhas. E no TSE se elabora uma fórmula nas alquimi-as do bruxo Gilmar Mendes para considerar que caixa 2 não é crime. Ponto. Nenhum dos líderes do golpe precisará perder o sono.

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Por outro lado, sem combinação, os imberbes procuradores de Curitiba montam um es-petáculo para sua atuação de atores midiáticos e apresentam aos quatro ventos e a toda mídia a denúncia bombástica contra Lula. Uma peça que pôs o ministério público federal em ridículo. Afinal, quando se esperavam provas, eis que ficamos sabendo que os procuradores denunciavam a caça desejada não com base em provas, mas em suas convicções!

Enquanto isso tudo vai acontecendo à luz do dia, sob os aplausos da mídia e orgasmos múltiplos de analistas como Miriam Leitão, Elaine Cantanhêde e Carlos Alberto Sardenberg, nas redes sociais a sanha da direita ignorante e leitora de VEJA se manifesta com crueza. A revista depois de ter copiado dos inquisidores medievais a fogueira com que nos brincou com uma capa com Dilma numa fogueira, agora copia a capa da revista Newsweek, e apresenta Lula degolado. Dois suplícios medievais de agrado de uma revista que se mantém capenga com leitores absolu-tamente embotados.

Se numa publicação se faz o elogio da maldade humana, em capas não bizarras, mas te-ratológicas fazendo vir à tona o que demais pode houve e há na humanidade, nas redes sociais o incentivo ao crime se faz abertamente. Trago apenas um exemplo, porque se trata de página do Facebook de um procurador do estado de São Paulo, portanto, de um sujeito a quem cabe por função o combate ao crime. Eis o que diz este abjeto procurador Rogério Leão Zagallo em sua página:

Estou há 2 horas tentando voltar para casa mas tem um bando de bugios revoltados parando a avenida Faria Lima e a Marginal Pinheiros.

Por favor, alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial.

Petistas de merda. Filhos da puta. Vão fazer protestos na puta que os pariu...

Que saudades da época em que esse tipo de coisa era resolvida com borrachadas nas costas dos merdas...

Com manifestações deste tipo, inclusive de um professor universitário que se regozija com o fato de a polícia militar ter cegado uma aluna de sua própria universidade, a direita brasi-leira vai abrindo caminho para fazer com que um retrocesso social se faça muito celeremente. O regime policial-jurídico-mediático em implantação no país terá que endurecer na repressão, pois há um povo que percebeu, durante mais de uma década, que outra forma de vida é possível. Que nem tudo se resume à Casa Grande e à Senzala; aos senhores e aos escravos.

A morte anunciada cada vez aumenta mais os mortos desejados: Dilma, Lula e agora to-da a população que ousar querer um retorno a uma societo-dade menos desigual, sem fome e com democracia. Não quer isso a elite brasileira. Não quer isso a nova geopolítica norte-americana.

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Referências

SCAHILL, Jeremy. Guerras Sujas. São Paulo : Cia. das Letras, 2014.

WHITNEY, Mike. Brzezinski e a quebra do grande tabuleiro mundial. Disponível em

http://72.55.165.238/noticia/brzezinski-e-a-quebra-do-grande-tabuleiro-mundial-por-mike-whitney

João Wanderley Geraldi

Professor Titular aposentado da Unicamp. Este texto retoma e modifica substantivamente, mas mantém o título de uma crônica disponível em

https://portos.in2web.com.br

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